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Inteligência Artificial na

Educação: conheça os
efeitos dessa tecnologia no
ensino e na aprendizagem
Saiba como a IA impacta no aprendizado e na gestão e
entenda os riscos para privacidade e reprodução de
desigualdades

Introdução
A Inteligência Artificial (IA) vem impactando as relações
sociais e diversos processos organizacionais. Na
educação, novas soluções para ensino e aprendizagem
estão sendo usadas em diversos contextos de modo a
apoiar as atividades dos professores. Instituições de
ensino e governos também estão usando a IA em
sistemas de gestão escolar e análise de dados. São
tecnologias diferentes trabalhando juntas para permitir que
as máquinas percebam, compreendam, ajam e aprendam
com níveis de inteligência semelhantes aos humanos.

Atualmente, entretanto, a maioria das tecnologias


educacionais baseadas em IA são usadas no setor
privado. Para quem trabalha no setor público, em países
em desenvolvimento, como o Brasil, surgem algumas
questões sobre as possibilidades dessa tecnologia, suas
aplicações práticas, como se preparar para seu uso e
como mitigar possíveis riscos para a segurança e a
reprodução de desigualdades.

Este especial - que integra o projeto Ciência de Dados na


Educação do Instituto Unibanco em parceria com o CRIE
(Centro de Referência em Inteligência Empresarial, da
COPPE/UFRJ) - tem como tema central Inteligência
Artificial e Educação. Para uma experiência ainda mais
profunda sobre o tema, compartilhamos uma série de links
para materiais do Observatório de Educação - Ensino
Médio e Gestão ao longo do conteúdo. Utilize-os para uma
experiência ainda mais rica e completa sobre o uso de
Inteligência Artificial na educação e conheça inúmeras
oportunidades para serem exploradas.

Aspectos conceituais da
Inteligência Artificial

A Inteligência Artificial (IA) deixou de ser uma realidade


distante ou restrita à ficção científica e está cada vez mais
presente em nossas vidas – inclusive na educação. A
temática não é nova, já nos anos 1930 o pai da
computação e matemático Alan Turing formalizava o termo
algoritmo em artigo sobre a máquina de Turing. O
algoritmo é o ingrediente fundamental para a Inteligência
Artificial, termo cunhado pelos pesquisadores John
McCarthy, Marvin Minsky e Claude Shannon em uma
conferência em 1956.

É difícil ter uma definição única para IA, pelo fato de ser
um campo multidisciplinar e em constantes atualizações.
Confira abaixo um vídeo no qual o jornalista Marcelo Tas
explica o que é IA, que integra o Glossário de Inteligência
Artificial da I2AI (International Association of Artificial
Intelligence), associação sem fins lucrativos que conecta
pessoas, negócios, conhecimento e tecnologia para
acelerar a adoção sustentável da Inteligência Artificial no
mundo.

O que é Inteligência Artificial? Con…


Con…

Oportunidades e desafios a
serem considerados
Em geral, há abordagens distintas sobre o assunto, com
níveis de gradação entre elas. Existem desde previsões
que a IA substituirá os seres humanos e eliminará uma
lista de profissões até alegações de que ela contribuirá
com "o uso humano dos seres humanos", parafraseando o
subtítulo do livro de 1954 do matemático e considerado
fundador da cibernética, Norbert Wiener, liberando-os para
usar melhor o tempo ao assumir as tarefas repetitivas.

Uma pesquisa da empresa de consultoria McKinsey, com


2000 professores dos Estados Unidos, Canadá, Cingapura
e Reino Unido sugere que 20 a 40% das horas atuais dos
professores – o equivalente a 13 horas por semana – são
gastas em atividades que poderiam ser automatizadas
usando tecnologia já existente. Ainda de acordo com a
pesquisa da McKinsey, a área com maior potencial de
automação é a preparação das aulas. Os professores
entrevistados revelaram gastar em média 11 horas por
semana em atividades de preparação. Estima-se que o
uso eficaz da tecnologia poderia reduzir esse tempo para
apenas seis horas. Mesmo que os professores passem o
mesmo tempo se preparando, a tecnologia poderia tornar
esse tempo mais eficaz, ajudando-os a criar planos de
aula e abordagens ainda melhores. A automação poderia
reduzir também o tempo que os professores gastam com
atividades administrativas - de cinco para apenas três
horas por semana.

Um grupo de pesquisadores - formado por Rose Luckin ,


professora da University College London (UCL), em
Londres, e diretora da Educate Ventures , empresa de
pesquisa e desenvolvimento criada para ajudar o
ecossistema de EdTech a agir eticamente; Wayne Holmes
, consultor em IA e educação da Unesco, e professor da
UCL; Mark Griffiths, professor da Nottingham Trent
University, na Inglaterra, e diretor de pesquisa na Pearson;
e Laurie B. Forcier, diretora de parcerias da Educate
Ventures - produziu a publicação "Intelligence Unleashed -
an argument for AI in education" (na tradução livre
Inteligência Liberada - um argumento para a IA na
educação) para demonstrar os benefícios da IA para a
educação.

Antes de elencar quais são esses benefícios, é importante


definir o que é Inteligência Artificial aplicada na educação -
algo que vem sendo estudado na academia há mais de
três décadas. Para os autores da publicação mencionada,
"Intelligence Unleashed", IA refere-se a "sistemas de
computador que foram projetados para interagir com o
mundo através de capacidades (por exemplo, percepção
visual e reconhecimento de fala) e comportamentos
inteligentes (por exemplo, avaliando as informações
disponíveis e, em seguida, tomando a ação mais sensata
para atingir um objetivo declarado) que seriam
consideradas essencialmente humanos".

Um dos objetivos do uso da IA na educação é abrir a


chamada "caixa preta do aprendizado", ou em outras
palavras, contribuir para uma compreensão mais profunda
e detalhada de como o aprendizado realmente acontece
(por exemplo, como é influenciado pelo contexto
socioeconômico e físico dos alunos ou por tecnologia).

Neste contexto, a IA na educação oferece a possibilidade


de uma aprendizagem mais personalizada, flexível,
inclusiva e envolvente. Além disso, as ferramentas
fornecem informações não apenas sobre o que está sendo
aprendido, mas também como está sendo aprendido e
como os alunos estão se sentindo. Ainda, a IA pode ajudar
os professores a criar ambientes de aprendizagem
colaborativa e a atender as necessidades de seus alunos
por meio de técnicas de mineração de dados educacionais
para "rastrear" o comportamento dos alunos,
processamento de linguagem natural, rastreamento ocular
e outros sensores.

Os pesquisadores também elencaram três categorias de


IA na educação para oferecer suporte mais direto ao
aprendizado:

1. tutores pessoais para cada aluno, que entregam


atividades de aprendizagem de acordo com as
necessidades cognitivas dos alunos e que fornecem
feedback direcionado;

2. suporte inteligente para aprendizagem colaborativa,


para apoiar a formação de grupo, a facilitação e a
moderação;

3. realidade virtual inteligente, que proporciona


experiências imersivas.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a


Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco, a IA pode ser
relevante em duas frentes: (a) personalização da
aprendizagem e melhoria do desempenho escolar, (b) em
sistemas de gestão escolar e análise de dados. Na
primeira vertente, a robótica de telepresença permite, por
exemplo, que alunos com necessidades especiais
frequentem escolas em casa ou hospital, ou mantenham a
continuidade da aprendizagem em situações de crise.
Além disso, a IA pode contribuir para a promoção da
aprendizagem colaborativa.
Com base em técnicas de IA, como aprendizado de
máquina e processamento de texto superficial, sistemas
de IA são usados para monitorar grupos de discussão
assíncronos, fornecendo aos professores informações
sobre as discussões e suporte aos alunos para orientar o
envolvimento e a aprendizagem. E, ainda, ajudar a mapear
os planos de aprendizagem individuais de cada aluno e
trajetórias, seus pontos fortes e fracos, assuntos mais
facilmente assimilados ou aprendidos, e preferências de
atividades de aprendizagem.

No que se refere a sistemas de informações gerenciais,


que coletam, armazenam, processam, analisam e
divulgam informações para planejamento educacional e
gestão, os algoritmos de IA podem ser úteis para subsidiar
decisões baseadas em dados para melhorar a educação
escolar. Um sistema aprimorado com IA tem uma
capacidade muito mais robusta para analisar
automaticamente os dados e gerar dashboards, além de
realizar análises preditivas.

Além das oportunidades elencadas, no entanto, há


desafios a serem enfrentados. A publicação da Unesco
"Artificial Intelligence in Education: Challenges and
Opportunities for Sustainable Development" (Inteligência
Artificial na Educação: Desafios e Oportunidades para o
Desenvolvimento Sustentável, tradução livre), lista seis
desafios relacionados à incorporação da IA na educação
como forma de melhorar a equidade e qualidade do ensino
e possíveis maneiras de lidar com eles. Confira:

Primeiro desafio: políticas públicas de IA


abrangentes para o desenvolvimento
sustentável
O desenvolvimento de políticas públicas sobre IA
em educação ainda está em sua infância, mas é
um campo que provavelmente crescerá
exponencialmente nos próximos dez anos. Alguns
países estão desenvolvendo laboratórios e
incubadoras por meio de parcerias com o setor
privado para implementar ou ampliar
ecossistemas de IA.
Segundo desafio: garantir a inclusão e
equidade em IA na educação
Estudos recentes, como o do professor Benjamin
Nye, da University of Southern California,
mapearam os obstáculos para a introdução IA na
educação em países em desenvolvimento, como
baixo acesso a energia elétrica, hardware e
internet; habilidade básica dos alunos em TICs;
falta de conteúdo culturalmente apropriado ou em
outro idioma. Para remover esses obstáculos,
múltiplas políticas devem ser colocadas em
prática.

Terceiro desafio: preparar os professores para


atuar com IA na educação e preparar sistemas
que atendam às demandas educacionais
Para que sistemas de análise de aprendizagem
sejam eficazes, é necessário ter utilidade e
relevância para estudantes e educadores. O
processamento de dados em tempo real deve se
traduzir em feedback em tempo real, intervenção
mais rápida e instrução individualizada.
Professores e diretores precisam de autonomia
suficiente para gerenciar suas respectivas salas
de aula e escolas, pois são eles que estão mais
familiarizados com as necessidades de seus
alunos. No entanto, para serem capazes de usar
tecnologias de IA de forma eficaz, novas
competências precisam ser assimiladas pelos
professores, tais como crítica, analítica e
habilidades para dados, ressaltam Rose Luckin e
outros pesquisadores.

Quarto desafio: desenvolvimento de sistemas


de dados inclusivos e de qualidade
Um sistema com dados abrangentes e atualizados
abre possibilidades para algoritmos preditivos e de
aprendizado de máquina. No entanto, muitos
países ainda lutam para coletar dados
educacionais básicos. Os dados educacionais
devem ser abertos e sistemas de informações
gerenciais devem ser capazes de gerar análises
granulares o suficiente para ajudar professores e
gestores a entenderem os principais desafios.
Também devem conseguir agregar dados para
revelar tendências que podem subsidiar o
desenvolvimento de políticas. Embora as
tecnologias para capturar dados estão realmente
se tornando cada vez mais poderosas, é
necessário reconhecer que seus custos podem
ser proibitivamente altos, particularmente para
países de baixa e média renda.

Quinto desafio: fazer pesquisas significativas


sobre IA em educação
A pesquisa tem um papel fundamental para a
investigação mais aprofundada sobre o papel que
as soluções de tecnologia desempenham na
melhoria da qualidade da educação. As pesquisas
educacionais, no entanto, têm condições
limitantes para realizar generalizações, o que
afeta sua contribuição na criação de teorias
universalmente válidas. Assim, é fundamental que
sejam desenvolvidas pesquisas locais e
descentralizadas, para compreender o que está
acontecendo nas salas de aula, em especial no
contexto dos países em desenvolvimento.

Sexto desafio: ética e transparência na coleta,


no uso e na disseminação de dados
Diversos estudos já evidenciaram os vieses dos
algoritmos e como eles podem funcionar de
maneira discriminatória e não transparente, entre
eles o artigo da ProPublica, de 2016; o artigo da
Mic, 2016; e o livro “Algoritmos de Destruição em
Massa” de Cathy O’Neil. Na educação, isso pode
ter impactos negativos. Instituições educacionais
que usam, por exemplo, algoritmos de
aprendizado de máquina para aceitar ou rejeitar
alunos podem ter dois potenciais problemas: falta
de informações sobre a "caixa preta" e
discriminação injusta. Outra questão é a
concentração de dados pessoais. As plataformas
educacionais atuais são de propriedade de poucas
empresas, o que gera risco de privacidade e
monopólio de dados. O ecossistema fAIr LAC,
iniciativa do Grupo Banco Interamericano de
Desenvolvimento – Grupo BID e parceiros
composta por especialistas e profissionais da
academia, governo, sociedade e setor privado,
atua na América Latina e Caribe para promover o
uso ético e responsável da IA a fim de melhorar a
prestação de serviços sociais e criar
oportunidades de desenvolvimento. Para tal, estão
sendo desenvolvidos projetos-piloto para o bem
social e também ferramentas para mitigar os
possíveis riscos associados aos sistemas de IA.

Debates atuais e o uso


ético de IA na educação

Até o momento, a liderança no uso de IA na educação na


maioria dos países é do setor privado. Gigantes da
tecnologia, concentrados principalmente nos Estados
Unidos e na China, por exemplo, estão dominando o
desenvolvimento de tecnologias habilitadas para IA. O
surgimento de startups na área educacional, as "EdTechs",
também desempenham um papel significativo na
aceleração da penetração da IA no setor.

No entanto, em países em desenvolvimento, essas


discussões estão distantes e limitadas por obstáculos
estruturais, tais como infraestrutura tecnológica e
escassez de recursos humanos treinados na área de IA. A
Conferência Internacional sobre Inteligência Artificial e
Educação “Planejando a educação na era da IA: liderar o
avanço”, reuniu em 2019 em Pequim, na China, 50
ministros e vice-ministros de governo, além de cerca de
500 representantes de agências das Nações Unidas,
instituições acadêmicas, sociedade civil e o setor privado
para debater a temática.

O documento final do evento, o Consenso de Beijing, traz


10 recomendações de ações a serem implementadas por
governos e outras partes interessadas, em resposta às
oportunidades e desafios relacionados à IA na educação:
Além disso, também são temas de inúmeros debates o
uso ético dos dados, informações e a preparação da
tecnologia para que a mesma não reproduza
desigualdades sociais.

A cidade de Nova York, nos Estados Unidos, é um


exemplo. Com mais de oito milhões de habitantes, conta
com sistemas de automação que cuidam desde calendário
de vistorias prediais até o manejo de vagas escolares.

Esses sistemas têm como objetivos realizar essas tarefas


com eficiência, rapidez e economia, e utilizam
componentes computadorizados e inteligência artificial
para influenciar (e até mesmo tomar) decisões nas mais
diversas áreas como as vagas nas escolas, critérios de
julgamentos no sistema prisional e quais prédios devem
ser vistoriados e em que ordem pelo Corpo de Bombeiros.

No entanto, quando não supervisionados por humanos


qualificados, esses sistemas podem causar consequências
prejudiciais não intencionais. Assim, a Força-Tarefa de
Sistemas de Decisão Automatizados, criada em 2018, tem
como objetivo revisar “sistemas de decisão automatizados,
comumente conhecidos como algoritmos, através das
lentes de equidade, justiça e responsabilidade”.

A intenção é que a força-tarefa monitore e avalie os


impactos desses sistemas nas pessoas. Um site foi criado
para explicar a caixa-preta por trás dos algoritmos aos
habitantes da cidade, para que eles possam monitorar
esses sistemas e denunciar qualquer incoerência ou
desigualdade. O objetivo é que sejam observados o
propósito de cada sistema e cinco aspectos: impacto,
vieses, explicabilidade (o quão o sistema é transparente),
automação (o sistema já decide ou orienta a decisão) e
flexibilidade (como as pessoas podem dar feedback sobre
o sistema e o quanto ele pode ser alterado). Em 2019, foi
criado o cargo de Algorithms Management and Policy
Officer para gerenciar o uso de algoritmos pela cidade.

Na área da educação, todos os anos, aproximadamente


80 mil estudantes fazem a transição para o ensino médio.
São mais de 400 escolas, com diferentes requisitos de
elegibilidade e número de vagas. E quem orquestra isso
tudo é um algoritmo do Departamento de Educação de
Nova York.

O processo funciona da seguinte maneira: os estudantes


registram-se em um sistema online, classificando até 12
escolas em ordem de preferência. Simultaneamente a
cada ano, as escolas enviam suas informações, como
quantas vagas têm e quais os critérios que possuem para
classificar ou priorizar os alunos que desejam se inscrever
em sua escola. Por exemplo, algumas escolas chamadas
"escolas selecionadas" podem dizer que dão prioridade
aos alunos com a maior média da 8ª série. Algumas
escolas chamadas de "escolas zoneadas" podem dizer
que dão prioridade aos que moram em seus bairros.

As primeiras escolhas dos estudantes são provisoriamente


combinadas com as escolas que as desejam. Os que não
conseguiram a primeira opção são pareados com a
escolha seguinte. O processo para quando não há vagas
disponíveis nas escolas nas listas de preferências dos
estudantes. Aqueles que não conseguiram vaga em
nenhuma das 12 escolas podem reenviar uma lista de
escolas que ainda têm vagas para uma segunda rodada
do processo de correspondência.

Infelizmente, cerca de 3 mil adolescentes não conseguem


ser alocados nas suas escolhas após a primeira rodada e
precisam passar por uma segunda rodada. Mas o cenário
era muito pior sem os algoritmos. Antes, esses estudantes
não eram alocados em nenhuma escola.

Entretanto, o algoritmo não questiona as prioridades de


admissão escolar que prejudicam certos grupos ou
mantêm as escolas segregadas. Além disso, escolas
altamente disputadas e com muitos recursos não estão
incluídas nesse sistema. O que acarreta em um sistema
educacional desigual.

Você pode saber mais sobre a força-tarefa novaiorquina


neste site.

A fim de estimular um debate universal e sobre o uso ético


da IA, a Unesco está propondo um código de ética global
para pesquisa em inteligência artificial. A primeira versão
do documento já foi elaborada por um grupo de
especialistas. O documento deve estar finalizado até o
final de 2021 após consulta à comunidade acadêmica e à
sociedade civil.

5 perguntas para Rose


Luckin
Em entrevista exclusiva para este especial, a
pesquisadora da University College London aborda alguns
pontos importantes referentes a esses debates e traz
recomendações sobre o uso da IA na educação em países
como o Brasil.

Você propõe o Triângulo Dourado, que integra


educadores, programadores de EdTechs e
pesquisadores, reforçando a importância da
integração entre os setores para o desenvolvimento da
inteligência artificial no contexto da educação. Os
pesquisadores ajudariam a fazer a intermediação entre
os programadores e educadores, os programadores se
aprofundariam mais sobre os processos de
aprendizagem e os educadores sobre as tecnologias
de IA. Qual a sua recomendação para a criação de um
ecossistema formado por diversos stakeholders para o
desenvolvimento da IA na educação em países em
desenvolvimento, que apresentam muitas
desigualdades educacionais?

Não é fácil, eu entendo. Acho que começar de uma forma


pequena, encontrando um grupo de educadores, pessoas
que trabalham com tecnologia, pesquisadores, que
possam atuar juntos para olhar os principais desafios no
que diz respeito às desigualdades. Cada situação é
diferente, mas existem muitos desafios comuns quando se
trata de desigualdade. É uma tarefa enorme criar esses
grupos de múltiplas partes interessadas, mas você pode
fazer um design colaborativo com vários stakeholders. Isso
é muito eficaz, mesmo que seja apenas para ajudar todos
a entender algo claramente, porque diferentes pessoas
abordarão a questão de maneiras diferentes.

Por exemplo, uma boa parte do trabalho que estamos


fazendo agora - na Educate Ventures , centro de pesquisa
que treina startups de tecnologia educacional, do qual é
fundadora - é ajudar os educadores a entender melhor
seus dados. Parte do que fazemos é aplicar técnicas de IA
a esses dados - o que, obviamente, os professores podem
fazer, mas podemos ajudar. O professor pode olhar para
as tecnologias que está usando e até mesmo olhar além
das tecnologias, para ver quais dados existem na sala de
aula para que entenda mais um desafio que enfrenta.
Então, talvez ele esteja percebendo que há uma diferença
entre a maneira como as meninas e os meninos da turma
se desempenham em um determinado assunto, seja
geografia, história, matemática, o que for. E ele tem muitas
teorias sobre o que pode ser, ao conversar com outros
colegas, ver pesquisas. Mas o que ele sabe? O que pode
dizer mais sobre isso? Que dados tem? Obviamente, o
professor tem o trabalho que os alunos fizeram, mas talvez
haja outros tipos de dados aos quais também tenha
acesso e que não tenha pensado antes. Haveria algum
dado que pudesse dizer quanto tempo o professor estava
falando e quanto tempo os alunos estavam falando na
classe? Ou existem dados sobre ruído, luz ou calor na sala
de aula?

Tentamos ajudá-lo a pensar na sala de aula como uma


entidade rica em dados, que pode ser mais compreendida
se o professor puder entender os dados. Assim, você pode
começar a pensar sobre a tecnologia e os dados - como
você pode usá-los, que tecnologia usar para coletar,
organizar e analisar esses dados. E isso é apenas no nível
de uma única sala de aula, até mesmo em um microcosmo
você pode começar a desenvolver um ecossistema com
vários stakeholders, como professor, cientista de dados,
pesquisador, desenvolvedor. Talvez no nível da escola,
você possa pensar em ajudar a desenvolver uma
estratégia para resolver um problema que a escola
enfrenta. Professores, desenvolvedores, pesquisadores
trabalham juntos para ver o que sabem sobre o problema,
o que podem aprender, que tecnologia pode ajudar, que
tipo de dados devem coletar.

Você menciona a importância do fator humano na


preparação para a inteligência artificial e ressalta que
a inteligência artificial fortalece a inteligência humana.
Poderia falar mais sobre isso considerando
especificamente os países em desenvolvimento?

A indústria de tecnologia tem feito um trabalho incrível em


fazer com que todos sintam que deveriam usar a
tecnologia, que ela vai fazer essas coisas incríveis e nos
ajudar de diferentes maneiras. Mas, na verdade, você
precisa fazer alguma preparação, se quiser realmente ser
capaz de usar qualquer tipo específico de tecnologia de
forma eficaz. Primeiramente, descobrir por que a
tecnologia deve ser usada. Do contrário, você pode acabar
usando a tecnologia para algo que, na verdade, poderia
estar fazendo melhor sem ela e talvez não seja a coisa
certa para o problema principal que está tentando resolver.
Não queremos que nossas tecnologias nos tornem menos
inteligentes. Queremos que nos ajudem a ser mais
inteligentes. Portanto, precisamos pensar em como
podemos usá-las para nos ajudar a fazer isso. Acho que é
muito fácil sentar e pensar: "ótimo, agora tenho uma
tecnologia que pode fazer isso para mim". Mas, na
verdade, você talvez ainda precise entender o que a
tecnologia está fazendo para ter certeza de que está
satisfeito com o resultado. Portanto, é muito importante
que vejamos a tecnologia como uma ajuda para nossa
inteligência, em vez de algo que nos impeça de aprender.

Uma grande questão relacionada às tecnologias de IA


é a reprodução de desigualdades. O que você sugere
para mitigar os vieses e preconceitos de algoritmos?

Não há diversidade no mundo do desenvolvimento de IA e


isso certamente não ajuda a tentar garantir que os dados
usados para aprendizado de máquina sejam
representativos da população. E acho que precisamos
resolver isso. Uma forma seria aumentar a diversidade de
pessoas envolvidas no desenvolvimento da IA. Mas acho
que outra coisa que podemos fazer é entender que o
preconceito pode existir, tanto em nós, como humanos,
quanto nas máquinas. E acho que uma das coisas que
tentamos ajudar as pessoas é pensar com muito cuidado
sobre as premissas que estão fazendo sobre qualquer
situação. Porque muitas vezes fazemos suposições
enormes sobre coisas que na verdade podem não ser
verdadeiras. E isso nos leva ao preconceito e vieses.

Um exemplo é entrar em uma sala e ver muitos alunos


diferentes, jovens e mais velhos. Eu poderia, mesmo sem
perceber, supor que os alunos mais novos entenderão
como usar a tecnologia mais do que os alunos mais
velhos. Isso pode ser válido, mas pode não ser. Por isso é
importante que um educador entenda o que a IA está
fazendo. E na maioria dos casos, a IA parece uma caixa
preta mágica que apenas faz coisas. E isso não ajuda.
Porque se eu não entendo, como posso entender que
pode haver algum preconceito aí? Isso envolve educar as
pessoas, especialmente educadores, pais de alunos, para
entender o suficiente sobre os dados e a maneira como
são processados, pois pode haver vieses.

Como você vê o futuro da IA em países em


desenvolvimento?

Eu me preocupo com isso, porque acho que há o perigo


de as pessoas verem a IA como uma forma de baratear a
educação. E poderia ajudar nesse aspecto. Mas isso não
significa que podemos apenas usar IA e não ter
professores humanos, precisamos de ambos. O caminho
para o sucesso, não importa onde você esteja, é a
combinação certa de inteligência humana e artificial.
Portanto, precisamos nos concentrar no que a tecnologia
de IA pode fazer para apoiar o ser humano, e como o ser
humano pode alavancar a tecnologia de forma mais eficaz,
para ajudá-la a alcançar o que está tentando alcançar.

Você gostaria de deixar alguma mensagem para


educadores, professores, diretores?
O que eu gostaria de enfatizar é: não tenha medo da
tecnologia. Não tenha medo da IA. Ela não pode substituir
você. Pode ajudá-lo, mas nunca será tão inteligente
quanto você. Portanto, tente encontrar maneiras de fazer
com que ela o ajude. E, no caso da IA, tente encontrar
maneiras de entender o que é e o que pode fazer. Não
tenha medo de experimentar e explorar. E não tenha medo
de fazer perguntas. Acho que muitas pessoas ficam
apreensivas em fazer perguntas, por exemplo, para
alguém que está tentando vender alguma tecnologia ou
inteligência artificial. Porque, para ser honesto, se eles não
conseguem explicar o que a tecnologia está fazendo de
uma forma que você entenda, não devemos comprá-la.

Aplicações práticas da
Inteligência Artificial na
educação

Há um enorme potencial para usar IA em escolas. A


Nesta, organização britânica criada para promover a
inovação em diversos setores, destacou três categorias de
ferramentas de IA que estão sendo usadas em escolas e
faculdades atualmente: 1) aquelas voltadas para o aluno
(por exemplo, plataformas de aprendizagem adaptáveis),
2) as voltadas para o professor (por exemplo, ferramentas
de avaliação automatizadas ou painéis avançados do
professor) e 3) as voltadas para o sistema (por exemplo,
análise de dados de escolas para prever o desempenho
da avaliação escolar).
Destacamos a seguir alguns exemplos de plataformas
educacionais que usam IA, os chamados Sistemas Tutores
Inteligentes, que são sistemas que promovem ensino e
aprendizagem personalizados e também fornecem dados
que podem ser usados por professores e escolas para
promover uma melhoria contínua do ensino.

CogBooks
Pioneira no uso de algoritmos adaptativos para
personalizar a experiência do aluno em tempo real. A
plataforma oferece apoio a professores e permite que os
estudantes aprendam no seu ritmo, ao avaliar e responder
a cada atividade enquanto o aluno avança no material
atribuído por seu instrutor. Quando combinado com dados
de milhões de outras interações de alunos, a CogBooks é
capaz de apresentar o melhor conteúdo para manter o
aluno engajado. Um estudo de quatro anos consecutivos
da disciplina de Introdução à Biologia da Arizona State
University, nos Estados Unidos, revelou que houve uma
queda de 20% na evasão escolar com o uso da
plataforma.

Mindspark
Plataforma indiana usada em mais de 300 escolas para
ensino de matemática, inglês e ciência gerou desde que
foi criada, em 2009, um imenso banco de dados a partir de
milhões de avaliações que fornece ao professor as
necessidades específicas de cada aluno. Diariamente, o
sistema oferece 2 milhões de perguntas e os dados
coletados ajudam a detectar padrões de erros que
geralmente prejudicam o aprendizado dos alunos. Com
base nessas informações, entrevistas com usuários e
pesquisa acadêmica, os programadores criaram uma série
de intervenções - jogos, perguntas, ações interativas –
para lidar com o conteúdo que não era bem
compreendido. Em 2015, uma equipe de pesquisadores,
liderada por Karthik Muralidharan, da Universidade da
Califórnia em San Diego, conduziu um estudo de caso-
controle randomizado para avaliar os ganhos de
aprendizagem dos alunos que frequentaram centros de
estudo que usavam o Mindspark. Os resultados da
pesquisa mostraram que os alunos que frequentavam os
centros por quatro meses e meio tiveram ganhos de
aprendizagem que eram duas vezes maiores em
matemática e 2,5 vezes maiores em hindi do que os
alunos que foram atribuídos aleatoriamente para um grupo
de controle que só recebeu instruções por meio de escolas
locais que não usavam a plataforma.

Arbor Education
Ajuda as escolas a aprenderem com seus dados para
melhorar a experiência de aprendizagem das crianças. Por
meio da análise de Big Data, a Arbor Education ajuda a
identificar as áreas de melhor e pior desempenho e
fornece ferramentas de fluxo de trabalho para permitir uma
intervenção precoce. Mais de 1.800 escolas usam o
sistema de gerenciamento de informações da Arbor
Education no Reino Unido e em todo o mundo.

M-Shule
Solução que envia conteúdo personalizado para crianças
no Quênia por meio de SMS. Assim, consegue atingir um
número maior de estudantes em um país no qual 80% da
população não têm smartphones ou internet. A ferramenta
permite, ainda, que professores e pais acompanhem o
progresso dos alunos por meio de análise de dados.

De acordo com o estudo "Tendências em Inteligência


Artificial na Educação ", desenvolvido pela professora da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Rosa Maria Vicari a pedido do SESI e do SENAI, até 2030
as seguintes tecnologias estarão difundidas em até 50%
das escolas públicas e privadas do Brasil: os sistemas
tutores inteligentes para ensino personalizado com
processamento de linguagem natural; as plataformas para
aprendizagem colaborativa; os recursos de learning
analytics, e os ecossistemas de educação – que permitem
a integração de componentes típicos de ensino
personalizado com a comunicação em fóruns e chats, por
exemplo, entre alunos que estejam utilizando o sistema. A
computação em nuvem, por sua vez, deve estar presente
em até 70% das instituições de ensino.

Quer saber mais? Confira a palestra de Rose Luckin,


professora do Instituto de Educação da University College
London – UCL e uma das principais pesquisadoras da
atualidade sobre o uso da Inteligência Artificial na
educação durante o Cambridge Summit of Education
2019. Nela, Rose questiona se a educação está pronta
para a IA e sugere como os educadores podem ajudar
futuros alunos a superar os robôs. Confira a gravação (em
inglês, 33 minutos).

Cambridge Assessment Summit of…


of…

Aprofunde seus
conhecimentos sobre a
IA e outras tecnologias
da ciência de dados

Ao longo deste especial, apresentamos várias definições,


conceitos e razões para utilizar a IA como meio de
personalizar o ensino ou aprimorar a gestão escolar. Se
você quer adquirir um conhecimento ainda mais profundo
sobre o tema para aplicá-lo em seu trabalho, deixamos
abaixo uma série de referências importantes que estão
disponíveis aqui no Observatório de Educação. Confira:

Intelligence Unleashed - an
argument for AI in
education
Artigo sobre inteligência artificial na educação que possui
dois objetivos. O primeiro é explicar a um leitor não
especialista e interessado o que é IA na educação, seus
objetivos e como funciona. O segundo é apresentar o
argumento que a IA na educação pode oferecer ensino e
aprendizagem, agora e no futuro, com o objetivo de
melhorar a aprendizagem e os resultados de vida para
todos. Em inglês.

Acesse aqui

Artificial Intelligence in
Education: Challenges and
Opportunities for
Sustainable Development
Publicação da Unesco que analisa como a IA pode ser
usada para melhorar os resultados de aprendizagem,
explora os diferentes meios pelos quais governos e
instituições educacionais estão repensando e
reformulando programas educacionais para preparar os
alunos para a presença cada vez maior da IA em todos os
aspectos da atividade humana e aborda os desafios e as
implicações políticas que devem fazer parte das conversas
globais e locais sobre as possibilidades e riscos da
introdução da IA na educação. Em inglês.

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Consenso de Beijing sobre
a inteligência artificial e a
educação
Documento final da Conferência Internacional sobre
Inteligência Artificial e Educação “Planejando a educação
na era da IA: liderar o avanço”, realizada nos dias 16 a 18
de maio de 2019, em Beijing, República Popular da China.

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Policy Guidance on AI for


Children
Guia desenvolvido pelo Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef), como parte do projeto de Política de
Inteligência Artificial para Crianças, para promover os
direitos das crianças nas políticas e práticas de IA do setor
privado e governamental, e para aumentar a
conscientização sobre como os sistemas de IA podem
defender ou minar esses direitos. Em inglês.

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IA na Educação Pública:
construindo uma iniciativa
Gravação de webinar promovido pela organização AI
Inclusive com os professores Karla Esquerre, Raony
Fontes, Ana Luiza Nogueira e Laís Bastos, na qual
discutiram os desafios e perspectivas para a inserção da
Inteligência Artificial na educação pública a partir de
experiências de 2020 e 2021 com o projeto Ciência de
Dados na Educação Pública (UFBA).

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Ciência de Dados na
Educação Pública
Apresentação de Raony Fontes (UFBA) no webinar acima,
com ferramentas para professores que desejam usar IA na
educação.

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Tecnologias Educacionais
Inteligentes a Serviço dos
Professores
Vigésima aula do curso gratuito de aperfeiçoamento
"Tecnologia na Educação, Ensino Híbrido e Inovação
Pedagógica", oferecido pelo Laboratório Digital
Educacional da Universidade Federal do Ceará. Na aula,
discute-se acerca das Tecnologias Educacionais
Inteligentes a serviço dos professores. São abordados os
seguintes assuntos: Inteligência Artificial na Educação e
aplicações e da Inteligência Artificial à Inteligência
Aumentada na Educação. Mediação de Herbert Lima.

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Tendências em inteligência
artificial na educação no
período de 2017 a 2030 -
Sumário Executivo
Levantamento que apresenta tendências mundiais em
tecnologias baseadas em Inteligência Artificial para a
educação no período de 2017 a 2030. O estudo constatou
que parte significativa da produção científica atual em
Inteligência Artificial está relacionada com o tema da
Educação, o que indica forte presença da Inteligência
Artificial nos sistemas educacionais e, consequentemente,
um grande impacto nos processos de ensino-
aprendizagem no curto e no médio prazo. A reformulação
da sala de aula por meio das novas tecnologias pode ser
um importante passo para a formação de pessoas mais
alinhadas com as exigências do século XXI, sendo um
motor essencial para a competitividade da indústria
brasileira.

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Documentário Coded Bias -


Netflix
Documentário investiga o viés nos algoritmos depois que a
pesquisadora Joy Buolamwini, do MIT, descobriu falhas na
tecnologia de reconhecimento facial.

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La gestión ética de los


datos
Este documento do BID fornece estruturas sobre o
gerenciamento ético de dados e a importância do
consentimento, um resumo das melhores práticas e um
roteiro com etapas concretas para o gerenciamento
responsável de dados pelo setor público.

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Usos y efectos de la
inteligencia artificial en
educación
Este documento aborda os impactos da inteligência
artificial (IA) na educação, com base em uma revisão do
progresso feito na melhoria dos processos de ensino e
aprendizagem, e na gestão de sistemas educacionais. A
publicação faz parte da iniciativa FAIr LAC do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), que busca
promover o uso ético e responsável de dados e sistemas
baseados em IA na região, especialmente na prestação de
serviços sociais

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