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ISSN: 2525-8761
DOI: 10.34117/bjdv7n6-113
RESUMO
A Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul promoveu ações de sensibilização em
Acessibilidade Cultural durante a vigésima edição do Festival de Inverno de Bonito, de
25 a 28 de julho de 2019. Com objetivo de romper barreiras atitudinais, as ações foram
fundamentadas na premissa "Nada sobre nós, sem nós" - portanto realizadas com a
participação de pessoas com deficiências - e instrumentalizadas por meio do Cinema, da
1 Documento originalmente elaborado e aprovado por Comissão Científica para apresentação por
meio de Comunicação Oral e por meio de Resumo Expandido durante o VII Encontro Nacional de
Acessibilidade Cultural, realizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 2019, integrando os Anais do
evento.
ABSTRACT
The Cultural Foundation of Mato Grosso do Sul has promoted awareness actions on
cultural accessibility during the 20th edition ofBonito's Winter Festival, from July 25th
to July 28 th of 2019. The objective was to break attitudinal barriers. The actions were
based on the premise "Nothing about us, without us" - thus, it was held with the
involvement of disabled people - and exploited through cinema, gastronomy and
discussions. With audio description, LIBRAS transcription and subtitle for deaf and hard-
of-hearing (SDH), the following Brazilian movies were shown: "In your place" (No seu
Lugar), "On Wheels" (Sobre Rodas) and "Your world doesn't fit in my eyes" (Teu mundo
não cabe nos meus olhos); ali ofthem followed by discussions. The debate (Escutatória)
"Nothing about us, without us" has approached the protagonism of disabled people in
cultural spaces. A "Sensorial Happy Hour" was held to emphasize the relevance of
cultural accessibility in gastronomy, with the purpose to promote commensality for ali.
The participation of disabled people in Bonito's festival and the development of
awareness actions have not only broken attitudinal barriers, but also have left a legacy of
possibilities to equal acceptance and coexistence in cultural, gastronomic and hospitality
spaces ofthe city.
1 INTRODUÇÃO
A ideia de elaborar uma programação composta por ações de sensibilização em
Acessibilidade Cultural para a vigésima edição do Festival de Inverno de Bonito
promovido pela Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul entre os dias 25 e 28 de
julho de 2019 foi, em parte, fundamentada em experiências conjuntamente vivenciadas
pelos quatro autores deste artigo, com destaque para atividades ocorridas nas edições
2017 e 2018 do Encontro Nacional de Acessibilidade Cultural (ENAC): duas edições do
"Happy Hour Sensorial" e a "Oficina Gastronomia Acessível e Acessável:
compartilhando conhecimento e cultura a partir de nossas receitas de família". Importante
contextualizar. As três atividades do ENAC foram realizadas sob a coordenação da autora
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Com o objetivo de romper barreiras atitudinais, para elaborar as ações de
sensibilização em Acessibilidade Cultural para o Festival de Inverno de Bonito, os autores
2.1 SENSIBILIZAÇÃO
Em 2005, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Especial,
publicou, em cinco fascículos, o manual intitulado "Projeto Escola Viva: garantindo o
acesso e permanência de todos os alunos na escola", cujo Volume 3, intitulado
"Sensibilização e Convivência", foi organizado por Maria Salete Fábio Aranha (2005).
No documento, Aranha (2005, p.1 O) caracteriza em dois tipos as atividades que os autores
compreendem de sensibilização, apesar de não estar explicitado textualmente desta
forma: 1) as simulações e 2) as de reflexão intelectual. Para a autora, as simulações
seriam aquelas que favoreceriam "a ampliação perceptual do que é conviver com
características e consequências de deficiências". Para tanto, os envolvidos "simulariam",
por exemplo, a deficiência visual ao amarrar uma venda nos olhos com cuidado para que
não passasse nenhuma luz. As de reflexão intelectual (grifos da autora) seriam aquelas
que proporcionariam pensar a temática, a partir de debates sobre produtos culturais que
tenham pessoas com deficiências como protagonistas ou abordem, de alguma forma, a
questão da deficiência (filmes, desenhos, peças de teatro etc). Aranha incentiva a prática
destas ações, seguidas de momentos de diálogo nos quais os participantes possam dizer
como se sentiram "principalmente naquelas em que são simuladas vivências de
deficiências, pois sabemos que essas podem se constituir em experiências muito
enriquecedoras e marcantes para a pessoa" (ARANHA, 2005, p.ll).
O outro documento selecionado e que aborda a noção de sensibilização
relacionada à acessibilidade é intitulado "Capacitação em Acessibilidade". Criado em
2013 pela Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência
(SNPD), refere-se a um conteúdo que teve por objetivo geral fornecer metodologia para
"capacitar" profissionais e agentes sociais para atuarem na fiscalização, planejamento e
implantação da Acessibilidade nos estados e municípios brasileiros. Propõe metodologia
desenvolvida por meio de uma série de atividades expositivas. No sumário da
Metodologia, o primeiro painel, intitulado "Acessibilidade, Panorama e Tendências",
propõe na aula 1 "Sensibilização sobre o tema, definições e conceitos" (SNPD, 2013, p.l-
2). Na continuidade, o documento, não especifica uma dinâmica que tenha sido
empreendida para "sensibilizar" os participantes, tampouco de que modo teria sido
desenvolvida e/ou realizada. Todavia, é possível perceber no conteúdo da aula 1 que a
Conclui-se, então, que a maior complexidade para ver garantido às pessoas com
deficiências o direito à inclusão sociocultural pode, absurdamente, estar nas chamadas
barreiras atitudinais que estão nas pessoas por medo, por preconceito e até por ignorância
para lidar ou conviver com as pessoas com deficiências, como complementam Lima et al
(2010, p.3):
2.2EMPATIA
Para a compreensão das ações de sensibilização, merece ênfase outro elemento
norteador. Este elemento é a noção de "empatia" e está relacionado a como as pessoas
se sentem quando participam e após participar de atividades de sensibilização, como as
que Aranha denominou "vivências de deficiências". O Prof. Augusto Galery, Doutor em
Psicologia Social, pesquisador do laboratório de Estudos em Psicanálise e Psicologia
Social (LAPSO) da Universidade de São Paulo (USP) e professor do Centro Universitário
Álvares Penteado (FECAP), destaca a vulgarização da definição de "empatia" como "a
capacidade de se colocar no lugar do outro", expressa que esta definição contém riscos e
propõe-se a tentar explorá-los, a fim de compreender de que modo faz-se necessário
Não temos instrumentos ou capacidade psíquica para tanto. O ser humano pode
sensibilizar-se e pode se identificar com o outro de forma a compreender, a
partir de sua própria experiência, que o outro também é um ser humano. No
entanto, ele nunca poderá realmente se colocar no lugar do outro, pois suas
histórias de vida, suas identidades e mesmo suas caracteristicas
biopsicossociais nunca coincidirão. (GALERY, 2018, p.l)
Para a cientista da informação, "a arte e a produção artística são comunicadas sob
a forma de informação artística e tendo como suporte as novas tecnologias de informação,
o que pode levar à concretização de um trabalho social e educativo" Portanto, "a
convergência do trinômio arte, educação e sociedade pode sustentar a formação
individual e social, norteadora da consciência e propulsora da inclusão social"
(PINHEIRO, 2005, p. 53). Outro aspecto abordado por Pinheiro relaciona arte à
consciência humana, evidenciado nas seguintes afirmativas que, segundo ela, "se
vinculam mutuamente: 'a arte não é um subproduto do desenvolvimento social (senão)
mas um dos elementos essenciais que entram na constituição da sociedade' e '... foi, e
ainda é, o instrumento essencial para o desenvolvimento da consciência humana'. E
conclui o raciocínio refletindo sobre a ação de educar na atualidade, agora fundamentada
no pensamento de Takahashi:
[... ]Educar em uma sociedade da informação significa muito mais que treinar
as pessoas para o uso das tecnologias de informação e comunicação: trata-se
de investir na criação de competências suficientemente amplas[ ... ]. Trata-se
também de formar indivíduos para ' aprender a aprender'[ ...] (TAKAHASHI,
2000 apud PINHEIRO, 2005, p.53)
Na mesma dinâmica, uma trilogia sensorial foi composta por meio da exibição do
curta metragem "No seu lugar". Num primeiro momento, os participantes foram
convidados a assistir ao filme com os olhos vendados para conhecer a audiodescrição que
favorece o acesso a imagens a pessoas com deficiência visual. Na sequencia, abriram os
olhos para conhecer a relevância da janela de Libras e da legendagem para o acesso de
pessoas com deficiência auditiva à obra filmica. Por fim, foram convidados a, novamente
vendados, participar de um "Happy Hour Sensorial", com ênfase nos sentidos do olfato,
do tato e do paladar para conhecer a cultura gastronômica de Mato Grosso do Sul.
A Escutatória "Nada sobre nós, sem nós" foi realizada para debater o
protagonismo de pessoas com deficiências nos ambientes culturais.
O método "Escuta Sensível" de René Barbier (2002) norteou a realização de todas
as atividades de sensibilização em Acessibilidade Cultural realizadas no Festival, posto
que todas foram seguidas de Rodas de Conversas, as quais promoveram oportunidade de
aprendizado coletivo para a todos os presentes.
4 RESULTADO BONITO
De acordo com os gestores da vigésima edição do Festival de Inverno de Bonito,
o público participante das quatro ações de sensibilização em Acessibilidade Cultural
realizadas totalizou 98 pessoas, composto por: 24 presentes na exibição do filme "Sobre
Rodas", 12 no filme "Teu mundo não cabe nos meus olhos", 38 na Trilogia Sensorial e
24 na Escutatória "Nada sobre nós, sem nós". As atividades foram realizadas em datas e
horários diferentes, oportunizando aos interessados participar de todas. Dos participantes
- que, em sua maioria, compareceram a todas as atividades - 22 pessoas responderam ao
Questionário de Avaliação elaborado na plataforma Google Forms, com perguntas
fechadas e abertas. Convites para responder ao formulário foram enviados por e-mail e
pelo aplicativo Whatsapp no dia 30 de agosto de 2019. Da "Escutatória" participaram 16
pessoas; 18, do filme "Sobre Rodas"; 20, da Trilogia Sensorial; e 14, do filme "Teu
mundo não cabe nos meus olhos".
Todos brasileiros, 45,5% do sexo feminino e 54,5% do sexo masculino; 17 do
estado de Mato Grosso do Sul, dois do estado do Rio de Janeiro e um do estado de São
Paulo; sendo oito residentes em Bonito, três em Bela Vista, seis em Campo Grande, um
em Dourados, dois no Rio e um em São Paulo. Com idades em 23 e 61 anos, dentre os
participantes, duas pessoas com deficiência: um cego e um paraplégico, usuário de
cadeira de rodas. Entre as profissões: artista, produtor cultural, gestores culturais,
É onde a gente deve estar sempre: no lugar do outro, pois só assim vamos
entender a necessidade de cada um, inclusive entender melhor a nossa própria
condição.
Uma sensação ímpar, que faz vermos as dificuldades que as pessoas passam.
Uma experiência que todos deveriam ter, acredito que assim a sociedade
poderia compreender a importância da acessibilidade no nosso meio.
Foi único. Pude aprender mais sobre acessibilidade e poderia passar para quem
quiser aprender.
Esse é um exercício muito dificil, mas que deveria ser cotidiano, empatia é
fundamental.
Poderia ter mais integração e inclusão com todo o festival com acessibilidade
seria plena para todos.
Que continue com a inclusão, foi importante para as pessoas que almejam
conhecer esses eventos de grande valia para todos, agradeço pela minha
participação e espero que continue sempre assim.
Penso que faltou algo mais sobre a percepção de cultura e gastronomia das
pessoas participantes. Bem como, a questão da cultura regional que o Festival
pouco contempla ou invisibiliza. Interessante pensar em invisibilidade cultural
e deficiências; um diálogo bem interessante a se provocar nas pessoas do
Evento e em outros espaços.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao inserir ações de sensibilização em Acessibilidade Cultural na programação da
vigésima edição do Festival de Inverno de Bonito, os gestores da Fundação de Cultura de
Mato Grosso do Sul talvez não tivessem vislumbrado o impacto e a transformação
ocorrida na cidade, principalmente quanto à quebra de barreiras atitudinais.
Em nossa observação e fundamentados nas respostas ao Questionário de
Avaliação, concluímos que, a partir desta vigésima edição do Festival, Bonito aprendeu
a aprender, na prática, a relevância da premissa "Nada sobre nós, sem nós". Proprietários
de estabelecimentos gastronômicos declararam espontaneamente o quão relevante foi o
fato de pessoas com deficiências estarem presentes em seus estabelecimentos e o hotel no
qual se hospedaram pessoas com deficiências, no dia seguinte ao encerramento do evento,
iniciou obras de adequação às normas de acessibilidade arquitetônica.
Considerando que, de acordo com o Observatório de Turismo e Eventos de
Bonito, a busca da cidade como destino turístico cresceu 6% em relação a 2018, nesta
cidade com população de pouco mais de 19 mil habitantes (IBGE, 2011 ), na qual 60%,
de algum modo, vivem do turismo, sensibilizar 98 formadores de opinião para multiplicar
a acessibilidade pode ser considerada uma iniciativa exitosa e, sem dúvida, de grande
contribuição para futuras conquistas do trade.
REFERÊNCIAS