Resumo Capítulo 7 “República Bahinense” (Ser republicano no Brasil colônia. A
história de uma tradição esquecida – Heloísa Starling)
No capítulo 7 do livro Ser republicano no Brasil colônia. A história de uma
tradição esquecida, Heloísa Starling dedica-se boa parte à conjuração baiana. A autora refaz o caminho desse episódio da história brasileira. Tudo começa quando, em uma manhã, a forca próxima ao pelourinho amanhece queimada. Alguns meses depois, em Salvador, são encontrados inúmeros panfletos manuscritos que pegam tanto a população quanto as autoridades de surpresa. O governador da Bahia, que tinha fama de frouxo, age imediatamente: manda que seus funcionários compararem a caligrafia dos panfletos com a dos documentos da população. Apesar de algumas prisões, não se sabe quem são de fato os autores. Ao que tudo indica, há mais de um autor. Entre eles homens pobres, mulatos ou pardos. Como aponta Starling, esses panfletos eram encharcados de francesias. O governador, na tentativa de impedir a circulação das ideias vindas da França, reprime o comércio clandestino de livros e revistas, confisca os que estavam em circulação, ordena os navios que carregam a bandeira da França e tenta impedir o contato físico com os franceses. Mas isso não adianta. Além de subversivos, esses panfletos ameaçam deflagrar a conjuração em marcha. Segundo STARLING (2018) “É claro que não funcionou – as medidas provocaram exatamente o que ele pretendia evitar.” Havia participação de membros da elite local, dentre eles Cipriano Barata e Padre Agostinho Gomes. O primeiro, com participação ativa na Conjuração Baiana, acabou se tornado uma das principais lideranças no período pós-independência. O segundo também com uma participação intelectual traduzindo diversos textos proibidos que inspiraram a conjuração. Além de mera inspiração francesa, houve uma interlocução direta entre os conjurados e um francês, o capitão Antoine Lacher que, além de trazer a constituição de 1795, fez um projeto de intervenção francesa que acabou não vingando. Como os homens poderiam nascer livres em um lugar e em outro não?, era a pergunta que vinha da França e ecoava nas ruas de Salvador. O medo aumentou ainda mais quando um aviso de Paris prometia assistência “a todos aqueles que desejavam recuperar sua liberdade”. A França estava também no vestuário dos conjurados. João de Deus Nascimento, um dos personagens da conjuração, um mulato, cabo do corpo de milícias e que trabalhava como alfaiate para completar a renda, investia no traje francês. Ao investir no traje francês, definia publicamente quem ele era publicamente. Os trajes expressavam quem ele era e o que pensava, mas também eram um convite para outros aderirem aos trajes. Ser livre na república era ser livre em público, lembrando das palavras que apareciam na bandeira da conjuração “Apareça, não se esconda”. Logo construiu-se, na Bahia, um circuito de difusão de informação em diferentes estratos da sociedade. Assim como havia acontecido no Rio de Janeiro, um grupo de letrados realizou a mediação tradutora e interpretativa dos textos em língua estrangeira. Uma ferramenta poderosa para essa difusão de informações nas ruas de Salvador foi os livros manuscritos. Produzidos em locais clandestinos, distribuídos às pessoas na rua, eles continham traduções e adequações à língua oral. Uma das obras que inspirava os conjuradas era Júlia ou Nova Heloísa, de Rousseau, em que o filósofo francês desenha seu modelo de comunidade ideal trazendo as ideias de liberdade e igualdade. Lucas Dantas, um dos líderes da conjuração, foi um dos entusiastas das ideias de Rousseau. Além dos livros manuscritos, os panfletos também foram uma importante ferramenta na Conjuração Baiana. Além de serem uma manifestação intelectual de debate, os panfletos também funcionavam como um meio de divulgação de notícias e propaganda republicana radical. Eram o gênero ideal para protestar contra a monarquia, a tirania, os poderosos. E não é a toa que foram utilizados como ferramentas pelos Ingleses, Franceses e Americanos. Isso por que os panfletos, em Salvador, inspirados pelos jacobinos franceses, traziam, de maneira sintética, direta e radical, um discurso coerente ao mesmo tempo do descontentamento popular e de uma proposta de ruptura: que fosse instalada uma República Bahinense. Eram assinados pelo povo e destinados para o povo. E se antes o termo “povo” era utilizado para designar os vassalos e súditos da coroa, agora o termo designava a população pobre, mestiça, a plebe urbana, o cidadão da república. Boa parte dos panfletos sobreviventes foram redigidos no formato de “avisos”, tipo de escrito político em que os conjurados detalhavam a linha de seu programa revolucionário por meio do gênero declarativo, em tom esbaforidos. Já um conjunto menor de panfletos foram intitulados “prelos” e tinham um tom mais ameaçador e visavam a ação. Os prelos traziam seus alvos bem explícitos, dentre eles padres, atravessadores de mercadorias, varejistas. Starling menciona que os conjurados agiam como se a Coroa já na não existisse. Uma estratégia utilizada nos prelos era tentar a mobilização da forma militar com anúncio de aumento de soldo para a tropa que, na época, era baixíssimo. E como era de se esperar, esse desejo de igualdade, liberdade e inclusão era perigoso. E o perigo precisava ser combatido. Manuel Faustino, João de Deus, Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas, os quatro Tiradentes da Bahia, de acordo com Mário Lago, foram enforcados e tiveram seus corpos expostos em praça pública. Cipriano Barata e Padre Agostinho Gomes foram presos. Mas os seus sonhos, de construir uma sociedade autogovernada por homens livres e iguais, continuaram vivos.