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Supremo Tribunal Federal

Decisão sobre Repercussão Geral

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 30

REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 732.686 SÃO


PAULO

RELATOR : MIN. LUIZ FUX


RECTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
RECDO.(A/S) : SINDICATO DA INDÚSTRIA DE MATERIAL
PLÁSTICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADV.(A/S) : JORGE LUIZ BATISTA KAIMOTI PINTO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PREFEITO DO MUNICÍPIO DE MARÍLIA
ADV.(A/S) : RONALDO SÉRGIO DUARTE
INTDO.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.


AMBIENTAL. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM
ECONÔMICA. LEI MUNICIPAL. OBRIGAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
DE SACOS E SACOLAS PLÁSTICAS POR SACOS E SACOLAS DE
MATERIAL ECOLÓGICO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a


questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de
repercussão geral da questão constitucional suscitada.

Ministro LUIZ FUX


Relator

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REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 732.686 SÃO


PAULO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.


AMBIENTAL. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM
ECONÔMICA. LEI MUNICIPAL. OBRIGAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
DE SACOS E SACOLAS PLÁSTICAS POR SACOS E SACOLAS DE
MATERIAL ECOLÓGICO. MANIFESTAÇÃO PELA
REPERCUSSÃO GERAL.

MANIFESTAÇÃO: Trata-se de recurso extraordinário, manejado com


arrimo na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que assentou, in verbis:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI


MUNICIPAL N° 7.281/2011 DE MARÍLIA - OBRIGAÇÃO DE
SUBSTITUIÇÃO DE SACOS E SACOLAS PLÁSTICAS POR
SACOS E SACOLAS BIODEGRADÁVEIS -
INCONSTITUCIONALIDADE – PRECEDENTES - VÍCIO DE
INICIATIVA – COMPETÊNCIA COMUM ADMINISTRATIVA -
INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 30, I
E II, DA CF.
I. Ainda que existam posicionamentos divergentes, verifica-se
que a jurisprudência deste C. Órgão Especial já se firmou no sentido
da inconstitucionalidade de leis municipais que dispõem sobre a
utilização de embalagens, sacos ou sacolas plásticas em
estabelecimentos comerciais ou industriais.
2. A norma em comento se originou de projeto de lei de autoria
de vereador, quando é certo que somente poderia ser iniciada pelo
Prefeito do Município.
3. Se o Estado de São Paulo já editou normas concernentes à
proteção ambiental, nada dispondo sobre a obrigação ou a proibição do
uso de sacolas plásticas, nem diferenciando umas das outras, descabe
aos Municípios imiscuírem-se na edição de linha diversa, como o fez o
Município de Marília.
4. Ação julgada procedente para o fim de declarar a
inconstitucionalidade da Lei Municipal n° 7.281/2011 de Marília.”

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(Doc. 5, fls. 1-15)

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (Doc. 5, fls. 34-


43).
Nas razões do apelo extremo (Doc. 5, fls. 45-69), o Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo sustenta preliminar de repercussão
geral e, no mérito, aponta violação aos artigos 2°; 23, II, VI e VII; 30, I e II;
61, § 2º; 170, V e VI, e 225, § 1º, V, da Constituição Federal. Alega que a lei
municipal é perfeitamente compatível com a sistemática constitucional,
uma vez que o Município tem competência administrativa e legislativa
para promover a defesa do meio ambiente e zelar pela saúde dos
indivíduos. Argumenta que a lei declarada inconstitucional pelo TJ/SP
visa à defesa do meio ambiente e do consumidor, não invadindo a esfera
de competência reservada ao Chefe do Poder Executivo. Por fim, assevera
que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito
constitucional fundamental e sua proteção cabe a todos os entes da
federação.
No exame de admissibilidade, a Presidência do Tribunal de origem
proferiu juízo positivo de admissibilidade do recurso e determinou seu
encaminhamento a esta Suprema Corte.

É o relatório.

Ab initio, ressalte-se que foram devidamente observados os


requisitos de admissibilidade do presente recurso extraordinário. A
matéria constitucional está devidamente prequestionada e a solução da
controvérsia prescinde de interpretação da legislação ordinária e
revolvimento da matéria fático-probatória, pois o tema sub examine
apresenta-se incontroverso nos autos.
A questão constitucional trazida à apreciação desta Suprema Corte
se cinge às controvérsias formal - possibilidade de o ente municipal
legislar sobre meio ambiente -, e material – por ofensa aos princípios da
defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, bem como do
direitos de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no

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tocante ao controle da produção, comercialização e o emprego de


técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente.
No presente feito, o Tribunal de origem consignou:

“(...)
o primeiro fundamento para sustentar a procedência da ação
consiste no vício de iniciativa. A norma em comento se originou de
projeto de lei de autoria de vereador, quando é certo que somente
poderia ser iniciada pelo Prefeito do Município. A esse respeito,
firmou-se nesse Colendo Órgão Especial a tese de que na imposição de
fiscalização e de aplicação de sanções administrativas aos particulares
configura invasão de competência do Poder Executivo.
[…] Na esfera municipal, a competência legislativa encontra-se
prevista no artigo 30, incisos I e II, da Constituição da República.
O inciso I trata da competência para ‘legislar sobre assuntos de
interesse local’ e nesse aspecto a evolução da doutrina e da
jurisprudência vem apontando critérios para definir essa cláusula
aberta. Tem-se firmado, assim, que o interesse local diz respeito às
matérias que, porventura, adquiram configurações peculiares em tal
ou qual Município, por aplicação do princípio da predominância do
interesse. Igualmente, vai se firmando o entendimento de que o
interesse local guarda estreita relação com o âmbito territorial. Tudo o
que ultrapassar esses dois limites estará, portanto, fora da incidência
do inciso I do art. 30.
Paralelamente, o inciso II do mesmo artigo preceitua que
compete aos Municípios ‘suplementar a legislação federal e a estadual
no que couber.’
(..) Porém, o caso concreto não se subsume a nenhum dos dois
incisos.
O inciso I não incide na espécie porque, embora inegavelmente
seja interesse também do Município o de zelar pela preservação do
meio ambiente, não há nisso o caractere da preponderância em seu
favor. Portanto, inexistindo qualquer peculiaridade no Município de
Marília envolvendo o tema, tem-se que ele transcende o interesse local.
Nem incide o inciso II, porque o Estado já legislou sobre a

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matéria.
(…)
Balizada assim a controvérsia constitucional, conclui-se que ao
Município era lícito regulamentar a legislação estadual, conferindo-
lhe maior concretude, disciplinando seus pormenores, adaptando a
vida prática da Municipalidade aos ditames oriundos de legislação
editada pelo Estado de São Paulo em competência suplementar. Mas,
de forma alguma, era-lhe permitido fixar diretrizes contrárias ou
simplesmente diferentes àquelas já estabelecidas pelos outros entes
federados.
Ora, se o Estado de São Paulo já editou normas concernentes à
proteção ambiental, nada dispondo sobre a obrigação ou a proibição do
uso de sacolas plásticas, nem diferenciando umas das outras, descabe
aos Municípios imiscuírem-se na edição de linha diversa, como o fez o
Município de Marília." (Doc. 5, fls. 6-11)

No presente caso, como se vê, o Tribunal de Justiça do Estado de São


Paulo julgou procedente a ação direta para declarar a
inconstitucionalidade da Lei 7.281/2011 do Município de Marília/SP, por
vício de iniciativa.
Contudo, a partir da leitura do inteiro teor da lei impugnada, infere-
se que o objetivo do diploma normativo é estabelecer, no âmbito do
Município de Marília/SP, a obrigatoriedade de utilização, pelos
estabelecimentos daquela localidade, de embalagens plásticas (sacolas e
sacos de lixo) confeccionadas em material biodegradável ou reciclado
(arts. 1º e 2º). Além disso, a lei municipal estabelece os requisitos para que
tais embalagens sejam consideradas compatíveis com o padrão
estabelecido pela norma (art. 3º). A participação do Poder Executivo na
política fica restrita à fiscalização do cumprimento e aplicação das
penalidades, de acordo com o contido nos artigos 5º e 6º.
Nesse passo, resta a tarefa de verificar se incide, na espécie, matérias
sujeitas à iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo
Municipal, como a criação de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta e autárquica ou o aumento na remuneração dos
servidores. Também há de ser aferido se houve a criação, extinção ou

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modificação de órgão administrativo para atender à atividade de


fiscalização para o cumprimento da norma em questão.
Quanto a esse particular, o diploma normativo, apesar de ter
emanado de proposição de origem parlamentar, pode não padecer de
vício formal subjetivo, a verificar se a criação de novas despesas para a
Administração Pública não interfere nas atividades próprias do Poder
Executivo.
Numa análise perfunctória, infere-se que a lei impugnada, embora
de iniciativa parlamentar, e ainda que tenha criado algum tipo de despesa
para o Poder Executivo, não trata da estrutura ou atribuição de seus
órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. Nesse sentido,
transcrevo a ementa de julgado proferido em sede de repercussão geral
por esta Suprema Corte:

Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral. 2. Ação


Direta de Inconstitucionalidade estadual. Lei 5.616/2013, do
Município do Rio de Janeiro. Instalação de câmeras de monitoramento
em escolas e cercanias. 3. Inconstitucionalidade formal. Vício de
iniciativa. Competência privativa do Poder Executivo municipal. Não
ocorrência. Não usurpa a competência privativa do chefe do
Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a
Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da
atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores
públicos. 4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da
jurisprudência desta Corte. 5. Recurso extraordinário provido. (ARE
878.911, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11/10/2016). (grifos
não constantes do original).

Ademais, este Supremo Tribunal Federal, em recentes decisões


monocráticas sobre a utilização de sacolas plásticas, reconheceu que as
leis municipais tratam, essencialmente, de política de proteção ao meio
ambiente. Cito o RE 729.726, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 8/6/2017; o
RE 729.729, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13/2/2016; o RE 901.944,
Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 19/9/2016; o RE 729.731, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgado em 30/11/2015; e o RE 730.721, Rel. Min. Edson

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Fachin, julgado em 2/10/2015.


Não é outro, senão, o entendimento do Plenário desta Suprema
Corte ao reconhecer que “(...) o Município é competente para legislar sobre
meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que
tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes
federados (art. 24, VI c/c 30, I e II da CRFB)” (RE 586.224, Rel. Min. Luiz Fux,
Plenário, DJe de 8/5/2015). Por oportuno, trago à colação a ementa do
referido julgado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. LIMITES DA
COMPETÊNCIA MUNICIPAL. LEI MUNICIPAL QUE
PROÍBE A QUEIMA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR E O
USO DO FOGO EM ATIVIDADES AGRÍCOLAS. LEI
MUNICIPAL Nº 1.952, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1995, DO
MUNICÍPIO DE PAULÍNIA. RECONHECIDA REPERCUSSÃO
GERAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 23,
CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, Nº 14, 192, § 1º E 193, XX E
XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO E
ARTIGOS 23, VI E VII, 24, VI E 30, I E II DA CRFB.
1. O Município é competente para legislar sobre meio
ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local
e desde que tal regramento seja e harmônico com a disciplina
estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I e
II da CRFB).
2. O Judiciário está inserido na sociedade e, por este
motivo, deve estar atento também aos seus anseios, no sentido
de ter em mente o objetivo de saciar as necessidades, visto que
também é um serviço público.
3. In casu, porquanto inegável conteúdo multidisciplinar
da matéria de fundo, envolvendo questões sociais, econômicas e
políticas, não é permitido a esta Corte se furtar de sua análise
para o estabelecimento do alcance de sua decisão. São elas: (i) a
relevante diminuição – progressiva e planejada – da utilização
da queima de cana-de-açúcar; (ii) a impossibilidade do manejo
de máquinas diante da existência de áreas cultiváveis

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acidentadas; (iii) cultivo de cana em minifúndios; (iv)


trabalhadores com baixa escolaridade; (v) e a poluição existente
independentemente da opção escolhida.
4. Em que pese a inevitável mecanização total no cultivo
da cana, é preciso reduzir ao máximo o seu aspecto negativo.
Assim, diante dos valores sopesados, editou-se uma lei estadual
que cuida da forma que entende ser devida a execução da
necessidade de sua respectiva população. Tal diploma reflete,
sem dúvida alguma, uma forma de compatibilização desejável
pela sociedade, que, acrescida ao poder concedido diretamente
pela Constituição, consolida de sobremaneira seu
posicionamento no mundo jurídico estadual como um standard
a ser observado e respeitado pelas demais unidades da
federação adstritas ao Estado de São Paulo.
5. Sob a perspectiva estritamente jurídica, é interessante
observar o ensinamento do eminente doutrinador Hely Lopes
Meireles, segundo o qual ‘se caracteriza pela predominância e
não pela exclusividade do interesse para o município, em
relação ao do Estado e da União. Isso porque não há assunto
municipal que não seja reflexamente de interesse estadual e
nacional. A diferença é apenas de grau, e não de substância.’
(Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros
Editores, 1996. p. 121.)
6. Função precípua do município, que é atender
diretamente o cidadão. Destarte, não é permitida uma
interpretação pelo Supremo Tribunal Federal, na qual não se
reconheça o interesse do município em fazer com que sua
população goze de um meio ambiente equilibrado.
7. Entretanto, impossível identificar interesse local que
fundamente a permanência da vigência da lei municipal, pois
ambos os diplomas legislativos têm o fito de resolver a mesma
necessidade social, que é a manutenção de um meio ambiente
equilibrado no que tange especificamente a queima da cana-de-
açúcar.
8. Distinção entre a proibição contida na norma
questionada e a eliminação progressiva disciplina na legislação

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estadual, que gera efeitos totalmente diversos e, caso se opte


pela sua constitucionalidade, acarretará esvaziamento do
comando normativo de quem é competente para regular o
assunto, levando ao completo descumprimento do dever deste
Supremo Tribunal Federal de guardar a imperatividade da
Constituição.
9. Recurso extraordinário conhecido e provido para
declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1.952, de
20 de dezembro de 1995, do Município de Paulínia.” (Grifos
meus)

Nesse passo, a questão primeira reside em estabelecer se a lei


impugnada trata de interesse local, traduzido num dos elementos
comuns a todas as Federações: entender a descentralização de poder
como elemento fundamental da democracia, ao permitir a possibilidade
de atuação imediata do ente municipal. (ALVES, Raquel de Andrade
Vieira. Federalismo Fiscal Brasileiro e as Contribuições. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2017, p. 17).
Louvável mostra-se a preocupação de inúmeros municípios quanto
às políticas ambientais para reduzir a quantidade de sacos plásticos leves
produzidos e consumidos, bem como a preferência por soluções, em tese,
ambientalmente mais sustentáveis. O descarte das sacolas plásticas é um
dos principais responsáveis pelo entupimento da drenagem urbana e pela
poluição hídrica, sendo encontradas até no trato digestivo de alguns
animais. Além disso, elas contribuem para a formação de zonas mortas de
até 70 mil km² no fundo dos oceanos.
Em breve escorço, as sacolas plásticas passaram a ser adotadas pelos
supermercados no final da década de 1980, em razão do elevado custo do
papel. Bastante atrativo como embalagem em razão da força e resistência,
durabilidade, baixo peso, assepsia, excelente proteção contra água e
gases, resistência à maioria dos agentes químicos, boa processabilidade e
baixo custo etc., em pouco tempo transformou-se num dos maiores
poluentes do planeta. (FABRO, Adriano Todorovic et al. Utilização de
sacolas plásticas em supermercados. Revista Ciências do Ambiente On-Line,

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v. 3, nº 1, Fevereiro 2007).
Estima-se que o mundo utilize entre 500 bilhões e 1 trilhão de sacolas
por ano. No Brasil, cerca de 1,5 milhões de sacolas plásticas são
distribuídas por hora. (http://www.mma.gov.br/responsabilidade-
socioambiental/producao-e-consumo-sustentavel/saco-e-um-saco/saiba-mais).
Não obstante, a questão deve ser tratada com a complexidade
devida.
Caso ultrapassada a controvérsia quanto à inconstitucionalidade
formal subjetiva (arts. 2°; 23, II, VI e VII; 30, I e II; 61, § 2º; da CF/88), urge
que esta Suprema Corte manifeste-se acerca da alegação de
inconstitucionalidade material, por ofensa aos princípios da defesa do
consumidor, da defesa do meio ambiente, bem como do direitos de todos
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no tocante ao controle da
produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o
meio ambiente (170, V e VI, e 225, § 1º, V, da CF/88).
Nessa esteira, convém ponderar que a proibição de fornecer sacolas
plásticas nocivas ao meio ambiente, sobretudo quando cumulada com a
obrigatoriedade de substituição por outro tipo de material, pode se tornar
excessivamente onerosa e desproporcional ao empresário. Nesse passo, o
pluralismo de forças políticas e sociais na sociedade contemporânea
impõe que se promova uma ponderação de princípios, de modo a
conciliar valores e interesses diversos e heterogêneos.
Merece destaque a importância que o constituinte atribuiu à
proteção do consumidor, elevada à condição de direito fundamental e
princípio geral da Ordem Econômica. Assim, como a defesa do meio
ambiente, constitui poder-dever de todos os entes federados, inclusive
por meio de edição de leis específicas e instituição de órgãos próprios.
No entanto, a relevância constitucional do direito tutelado não o
habilita a permear indistintamente todas as esferas públicas, em
detrimento de outros princípios e interesses públicos. A defesa do
consumidor e do meio ambiente devem ser promovidas por instrumentos
que não aniquilem a livre iniciativa, também princípio basilar da Ordem

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Econômica. Nesse sentido, convém transcrever o excerto das lições de


Eros Roberto Grau, verbis:

“Saliente-se o fato de que, no que tange a medidas


referidas à defesa do consumidor ordenadas no âmbito do
Direito Administrativo, voltam-se contra a estabilidade
doutrinária da concepção dele próprio, Direito Administrativo.
A tensão entre interesse público, interesse geral e interesses de
grupo (grupo de consumidores) promove sensíveis distúrbios
naquela concepção.” (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica
na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 249-250)

Com o surgimento do Estado Constitucional, os direitos


fundamentais foram alçados como superiores às próprias decisões
estatais, trazendo nova função às Constituições, mediante a assunção de
normas superiores e de observância obrigatória, ao reconhecer a força
vinculante dos princípios. (HESSE, Konrad. A força normativa da
Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 5)
O discurso da proporcionalidade ocupa um espaço cada vez maior
para justificar as decisões de juízes e tribunais, e a esta Corte não se
faculta ver de forma diferente. Assim, o princípio da proporcionalidade,
tem sido constantemente invocado, como no julgamento da ADI 1407-
MC, in verbis:

“[...] O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua


justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais,
notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due
process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os
abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se
como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material
dos atos estatais.
A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de
irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade,
ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o
princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV).

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Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do


abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de
legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica
essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração
normativa possa repousar em juízo meramente político ou
discricionário do legislador.” (ADI 1407-MC, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJ 1º/02/2001)

O princípio da proporcionalidade, então, apresenta-se de grande


valia na aferição da constitucionalidade da norma impugnada, podendo
ser submetida ao em seus três subprincípios. In casu, a proporcionalidade
se verifica a partir das seguintes perguntas: a lei municipal alcança a
finalidade de proteção ao meio ambiente? Há algum meio tão eficiente de
proteção ao meio ambiente que não represente um custo financeiro e
empresarial tao elevado quanto a substituição das sacolas plásticas
convencionais por sacolas oxi-biodegradáveis? O custo à sociedade e aos
cofres públicos é maior que os benefícios decorrentes da eventual
proteção ao meio ambiente?
Inúmeros estudos ainda são controversos em relação à eficiência do
processo de degradação do plástico oxi-biodegradável. No Brasil, o
próprio Ministério do Meio Ambiente entende que os plásticos oxi-
biodegradáveis não são a solução para o problema: “o plástico aditivado
apenas se fragmenta e que esta fragmentação pode provocar impacto ambiental
maior do que um saco de plástico inteiro, que é facilmente visualizável e passível
de recolhimento e correta destinação” .
A fim de garantir o combate à acumulação de resíduos de plástico
nos ecossistemas, o poder público deve levar em consideração o impacto
econômico da substituição das sacolas comuns por sacolas degradáveis,
bem como a possibilidade de haver medidas alternativas de mesma
eficácia para reduzir o consumo de sacos de plástico. É o caso da
utilização de sacos reutilizáveis e, em caráter complementar, do
pagamento, pelo cliente, da embalagem, como acontece na Europa (em
Portugal, Portaria nº 286-B/2014, de 31 de dezembro, dos Ministérios das
Finanças e do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia).

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RE 732686 RG / SP

Destarte, a vexata quaestio transcende os limites subjetivos da causa


por apresentar questões relevantes dos pontos de vista social e
econômico, porquanto versa sobre o direito à consecução da política
ambiental. É que, de acordo com o recorrente, a questão em comento
subtrai relevante expediente de concretização de resultados,
inviabilizando a utilização de um instrumento eficaz de conscientização e
proteção ambiental e, por outro lado, a obrigatoriedade no cumprimento
da norma pode violar o princípio da defesa do consumidor, caso se
entenda que o Município, no contexto, substitui-se ao empresário ao
delinear a forma de prestação de serviço a ser oferecido pela empresa.
Quanto à repercussão jurídica, a questão reclama um posicionamento
definitivo desta Suprema Corte para pacificação das relações e,
consequentemente, para trazer segurança jurídica aos jurisdicionados,
havendo diversos casos em que se discute matéria análoga (ARE 927.878;
RE 661.292).
Ex positis, nos termos dos artigos 323 e 323-A do RISTF, manifesto-
me pela EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO
CONSTITUCIONAL SUSCITADA e submeto a matéria à apreciação
dos demais Ministros da Corte.
Brasília, 26 de setembro de 2017.
Ministro LUIZ FUX
Relator
Documento assinado digitalmente

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 30

REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 732.686 SÃO


PAULO

PRONUNCIAMENTO

CONTROLE CONCENTRADO – LEI


MUNICIPAL – MERCADORIAS – SACOS
E SACOLAS PLÁSTICAS –
SUBSTITUIÇÃO – EMBALAGENS
BIODEGRADÁVEIS – INICIATIVA –
CONTROLE CONCENTRADO –
INCONSTITUCIONALIDADE –
DECLARAÇÃO NA ORIGEM –
RECURSO EXTRAORDINÁRIO –
REPERCUSSÃO GERAL
CONFIGURADA.

1. O assessor Dr. Marcelo Maciel Torres Filho prestou as seguintes


informações:

Eis a síntese do discutido no recurso extraordinário nº


732.686, relator o ministro Luiz Fux, inserido no sistema
eletrônico da repercussão geral em 29 de setembro de 2017,
sexta-feira, com termo final para manifestação no próximo dia
19 de outubro, quinta-feira.

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao


julgar procedente pedido veiculado em ação direta proposta
pelo Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de
São Paulo, reputou inconstitucional a Lei nº 7.281/2011 do
Município de Marília/SP, por meio da qual determinada a
substituição de sacos plásticos de lixo e de sacolas plásticas por
embalagens biodegradáveis. Mencionou diversos precedentes
do próprio Tribunal no mesmo sentido, envolvendo normas
semelhantes editadas por outros entes municipais. Apontando a
origem parlamentar do diploma, assentou vício de iniciativa,
considerada a competência do Poder Executivo. Aduziu não

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RE 732686 RG / SP

caber ao Município legislar sobre o tema com fundamento no


artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, asseverando que a
proteção do meio ambiente extrapola o interesse local. Quanto
ao inciso II do mesmo dispositivo, após admitir que os
Municípios podem detalhar e adaptar as leis estaduais às
peculiaridades locais, proclamou a contrariedade da norma
impugnada com a legislação estadual existente, fundada na
insuficiência de estudos técnicos sobre a segurança ambiental
de sacos plásticos biodegradáveis.

Os embargos de declaração foram desprovidos.

No extraordinário, protocolado com alegada base na


alínea “a” do permissivo constitucional, o Procurador-Geral de
Justiça do Estado de São Paulo argui transgressão aos artigos 2º,
23, incisos II, VI e VII, 30, incisos I e II, 61, § 2º, 170, incisos V e
VI, e 225, § 1º, inciso V, da Constituição Federal.

Defende inexistir vício de iniciativa, frisando não versar a


lei a gestão administrativa do Município. Articula com
precedente do Supremo, no qual discutida a dimensão
metaindividual e intergeneracional do direito fundamental ao
meio ambiente, o princípio do desenvolvimento sustentável e
limitações ambientais à atividade econômica, à luz dos artigos
3º, inciso II, e 170, inciso VI, da Constituição Federal. Segundo
argumenta, o artigo 225, cabeça e § 1º, da Lei Maior impôs a
defesa e a proteção do meio ambiente ao Poder Público,
abrangendo as Câmaras Municipais. Salienta que a norma
atacada não dispôs sobre matéria de iniciativa reservada ao
Executivo, ante a ausência de previsão no artigo 24, § 2º, itens 1
a 6, da Constituição do Estado de São Paulo. Assevera ser regra
no ordenamento jurídico a iniciativa do Legislativo, revelando-
se excepcional esta incumbência ao Chefe do Executivo.
Assinala a conformidade da Lei municipal com o princípio da
separação dos poderes, considerado o artigo 47, incisos II e XIV,
da Carta estadual.

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RE 732686 RG / SP

Reportando-se aos artigos 23, incisos II, VI e VII, e 30,


incisos I e II, da Constituição Federal, enfatiza que o diploma
impugnado disciplinou tema de interesse local, atinente ao
meio e à qualidade de vida dos habitantes do Município de
Marília. Cita doutrina do professor Hely Lopes Meirelles,
realçando a preponderância do interesse municipal sobre o do
Estado e da União.

Sob o ângulo da repercussão geral, sublinha ultrapassar a


questão as balizas subjetivas da lide, mostrando-se relevante
dos pontos de vista jurídico, social, político e econômico.
Destaca as consequências do pronunciamento do Supremo
quanto à proteção ambiental e à delimitação de competências
do Poder Legislativo municipal.

O recorrido, nas contrarrazões, sustenta a


inadmissibilidade do recurso, ante a falta de
prequestionamento. No mérito, diz do acerto do ato atacado.
Aduz transcender os limites municipais o interesse relativo à
proteção do meio ambiente, aludindo ao artigo 24, inciso VI, da
Constituição Federal. Afirma haver a Lei em jogo invadido a
esfera legislativa dos Estados e da União, descabendo editar
diplomas municipais discrepantes entre si, sem o devido
planejamento. Discorre sobre as características da destinação do
lixo no Município de Marília. Ressalta a existência de norma
federal sobre a controvérsia – Lei de Resíduos Sólidos –, a qual
criou modelo voltado à redução dos impactos ambientais,
resultante de ação integrada entre órgãos federais e
universidades. Reporta-se a estudos técnicos nos quais
apontada a insegurança e a incerteza da medida relativa à
substituição de sacos plásticos de lixo e sacolas plásticas, uma
vez que os plásticos comercializados como biodegradáveis
podem gerar a deposição inadequada em detrimento da cadeia
de resíduos. Menciona precedentes do Supremo versando
controle de constitucionalidade de legislação municipal.

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O extraordinário foi admitido na origem.

Eis o pronunciamento do ministro Luiz Fux, pelo


reconhecimento da repercussão geral:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA. LEI
MUNICIPAL. OBRIGAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE
SACOS E SACOLAS PLÁSTICAS POR SACOS E
SACOLAS DE MATERIAL ECOLÓGICO.
MANIFESTAÇÃO PELA REPERCUSSÃO GERAL.
Manifestação: Trata-se de recurso extraordinário,
manejado com arrimo na alínea a do permissivo
constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo que assentou, in verbis:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -
LEI MUNICIPAL N° 7.281/2011 DE MARÍLIA -
OBRIGAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE SACOS E
SACOLAS PLÁSTICAS POR SACOS E SACOLAS
BIODEGRADÁVEIS - INCONSTITUCIONALIDADE
PRECEDENTES - VÍCIO DE INICIATIVA
COMPETÊNCIA COMUM ADMINISTRATIVA -
INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART.
30, I E II, DA CF.
I. Ainda que existam posicionamentos divergentes,
verifica-se que a jurisprudência deste C. Órgão Especial já
se firmou no sentido da inconstitucionalidade de leis
municipais que dispõem sobre a utilização de embalagens,
sacos ou sacolas plásticas em estabelecimentos comerciais
ou industriais.
2. A norma em comento se originou de projeto de lei
de autoria de vereador, quando é certo que somente
poderia ser iniciada pelo Prefeito do Município.
3. Se o Estado de São Paulo já editou normas

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concernentes à proteção ambiental, nada dispondo sobre a


obrigação ou a proibição do uso de sacolas plásticas, nem
diferenciando umas das outras, descabe aos Municípios
imiscuírem-se na edição de linha diversa, como o fez o
Município de Marília.
4. Ação julgada procedente para o fim de declarar a
inconstitucionalidade da Lei Municipal n° 7.281/2011 de
Marília. (Doc. 5, fls. 1-15)
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados
(Doc. 5, fls. 34-43).
Nas razões do apelo extremo (Doc. 5, fls. 45-69), o
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo
sustenta preliminar de repercussão geral e, no mérito,
aponta violação aos artigos 2°; 23, II, VI e VII; 30, I e II; 61,
§ 2º; 170, V e VI, e 225, § 1º, V, da Constituição Federal.
Alega que a lei municipal é perfeitamente compatível com
a sistemática constitucional, uma vez que o Município tem
competência administrativa e legislativa para promover a
defesa do meio ambiente e zelar pela saúde dos
indivíduos. Argumenta que a lei declarada
inconstitucional pelo TJ/SP visa à defesa do meio ambiente
e do consumidor, não invadindo a esfera de competência
reservada ao Chefe do Poder Executivo. Por fim, assevera
que o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado é direito constitucional fundamental e sua
proteção cabe a todos os entes da federação.
No exame de admissibilidade, a Presidência do
Tribunal de origem proferiu juízo positivo de
admissibilidade do recurso e determinou seu
encaminhamento a esta Suprema Corte.
É o relatório.
Ab initio, ressalte-se que foram devidamente
observados os requisitos de admissibilidade do presente
recurso extraordinário. A matéria constitucional está
devidamente prequestionada e a solução da controvérsia
prescinde de interpretação da legislação ordinária e

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revolvimento da matéria fático-probatória, pois o tema


sub examine apresenta-se incontroverso nos autos.
A questão constitucional trazida à apreciação desta
Suprema Corte se cinge às controvérsias formal -
possibilidade de o ente municipal legislar sobre meio
ambiente -, e material por ofensa aos princípios da
defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, bem
como do direitos de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado no tocante ao controle da
produção, comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente.
No presente feito, o Tribunal de origem consignou:
(...)
o primeiro fundamento para sustentar a procedência
da ação consiste no vício de iniciativa. A norma em
comento se originou de projeto de lei de autoria de
vereador, quando é certo que somente poderia ser iniciada
pelo Prefeito do Município. A esse respeito, firmou-se
nesse Colendo Órgão Especial a tese de que na imposição
de fiscalização e de aplicação de sanções administrativas
aos particulares configura invasão de competência do
Poder Executivo.
[…] Na esfera municipal, a competência legislativa
encontra-se prevista no artigo 30, incisos I e II, da
Constituição da República.
O inciso I trata da competência para legislar sobre
assuntos de interesse local e nesse aspecto a evolução da
doutrina e da jurisprudência vem apontando critérios para
definir essa cláusula aberta. Tem-se firmado, assim, que o
interesse local diz respeito às matérias que, porventura,
adquiram configurações peculiares em tal ou qual
Município, por aplicação do princípio da predominância
do interesse. Igualmente, vai se firmando o entendimento
de que o interesse local guarda estreita relação com o
âmbito territorial. Tudo o que ultrapassar esses dois

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limites estará, portanto, fora da incidência do inciso I do


art. 30.
Paralelamente, o inciso II do mesmo artigo preceitua
que compete aos Municípios suplementar a legislação
federal e a estadual no que couber.
(..) Porém, o caso concreto não se subsume a
nenhum dos dois incisos.
O inciso I não incide na espécie porque, embora
inegavelmente seja interesse também do Município o de
zelar pela preservação do meio ambiente, não há nisso o
caractere da preponderância em seu favor. Portanto,
inexistindo qualquer peculiaridade no Município de
Marília envolvendo o tema, tem-se que ele transcende o
interesse local.
Nem incide o inciso II, porque o Estado já legislou
sobre a matéria.
(…)
Balizada assim a controvérsia constitucional, conclui-
se que ao Município era lícito regulamentar a legislação
estadual, conferindo-lhe maior concretude, disciplinando
seus pormenores, adaptando a vida prática da
Municipalidade aos ditames oriundos de legislação
editada pelo Estado de São Paulo em competência
suplementar. Mas, de forma alguma, era-lhe permitido
fixar diretrizes contrárias ou simplesmente diferentes
àquelas já estabelecidas pelos outros entes federados.
Ora, se o Estado de São Paulo já editou normas
concernentes à proteção ambiental, nada dispondo sobre a
obrigação ou a proibição do uso de sacolas plásticas, nem
diferenciando umas das outras, descabe aos Municípios
imiscuírem-se na edição de linha diversa, como o fez o
Município de Marília." (Doc. 5, fls. 6-11)
No presente caso, como se vê, o Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo julgou procedente a ação direta
para declarar a inconstitucionalidade da Lei 7.281/2011 do
Município de Marília/SP, por vício de iniciativa.

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Contudo, a partir da leitura do inteiro teor da lei


impugnada, infere-se que o objetivo do diploma
normativo é estabelecer, no âmbito do Município de
Marília/SP, a obrigatoriedade de utilização, pelos
estabelecimentos daquela localidade, de embalagens
plásticas (sacolas e sacos de lixo) confeccionadas em
material biodegradável ou reciclado (arts. 1º e 2º). Além
disso, a lei municipal estabelece os requisitos para que tais
embalagens sejam consideradas compatíveis com o padrão
estabelecido pela norma (art. 3º). A participação do Poder
Executivo na política fica restrita à fiscalização do
cumprimento e aplicação das penalidades, de acordo com
o contido nos artigos 5º e 6º.
Nesse passo, resta a tarefa de verificar se incide, na
espécie, matérias sujeitas à iniciativa legislativa reservada
ao Chefe do Poder Executivo Municipal, como a criação de
cargos, funções ou empregos públicos na administração
direta e autárquica ou o aumento na remuneração dos
servidores. Também há de ser aferido se houve a criação,
extinção ou modificação de órgão administrativo para
atender à atividade de fiscalização para o cumprimento da
norma em questão.
Quanto a esse particular, o diploma normativo,
apesar de ter emanado de proposição de origem
parlamentar, pode não padecer de vício formal subjetivo, a
verificar se a criação de novas despesas para a
Administração Pública não interfere nas atividades
próprias do Poder Executivo.
Numa análise perfunctória, infere-se que a lei
impugnada, embora de iniciativa parlamentar, e ainda que
tenha criado algum tipo de despesa para o Poder
Executivo, não trata da estrutura ou atribuição de seus
órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.
Nesse sentido, transcrevo a ementa de julgado proferido
em sede de repercussão geral por esta Suprema Corte:
Recurso extraordinário com agravo. Repercussão

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geral. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual.


Lei 5.616/2013, do Município do Rio de Janeiro. Instalação
de câmeras de monitoramento em escolas e cercanias. 3.
Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa.
Competência privativa do Poder Executivo municipal.
Não ocorrência. Não usurpa a competência privativa do
chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa
para a Administração Pública, não trata da sua estrutura
ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de
servidores públicos. 4. Repercussão geral reconhecida com
reafirmação da jurisprudência desta Corte. 5. Recurso
extraordinário provido. (ARE 878.911, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe de 11/10/2016). (grifos não constantes do
original).
Ademais, este Supremo Tribunal Federal, em
recentes decisões monocráticas sobre a utilização de
sacolas plásticas, reconheceu que as leis municipais
tratam, essencialmente, de política de proteção ao meio
ambiente. Cito o RE 729.726, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgado em 8/6/2017; o RE 729.729, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgado em 13/2/2016; o RE 901.944, Rel. Min.
Roberto Barroso, julgado em 19/9/2016; o RE 729.731, Rel.
Min. Dias Toffoli, julgado em 30/11/2015; e o RE 730.721,
Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 2/10/2015.
Não é outro, senão, o entendimento do Plenário
desta Suprema Corte ao reconhecer que (...) o Município é
competente para legislar sobre meio ambiente com União
e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal
regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida
pelos demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I e II da
CRFB) (RE 586.224, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, DJe de
8/5/2015). Por oportuno, trago à colação a ementa do
referido julgado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. LIMITES
DA COMPETÊNCIA MUNICIPAL. LEI MUNICIPAL QUE

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PROÍBE A QUEIMA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR


E O USO DO FOGO EM ATIVIDADES AGRÍCOLAS. LEI
MUNICIPAL Nº 1.952, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1995,
DO MUNICÍPIO DE PAULÍNIA. RECONHECIDA
REPERCUSSÃO GERAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO
AOS ARTIGOS 23, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, Nº
14, 192, § 1º E 193, XX E XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO
ESTADO DE SÃO PAULO E ARTIGOS 23, VI E VII, 24, VI
E 30, I E II DA CRFB.
1. O Município é competente para legislar sobre meio
ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse
local e desde que tal regramento seja e harmônico com a
disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art.
24, VI c/c 30, I e II da CRFB).
2. O Judiciário está inserido na sociedade e, por este
motivo, deve estar atento também aos seus anseios, no
sentido de ter em mente o objetivo de saciar as
necessidades, visto que também é um serviço público.
3. In casu, porquanto inegável conteúdo
multidisciplinar da matéria de fundo, envolvendo
questões sociais, econômicas e políticas, não é permitido a
esta Corte se furtar de sua análise para o estabelecimento
do alcance de sua decisão. São elas: (i) a relevante
diminuição progressiva e planejada da utilização da
queima de cana-de-açúcar; (ii) a impossibilidade do
manejo de máquinas diante da existência de áreas
cultiváveis acidentadas; (iii) cultivo de cana em
minifúndios; (iv) trabalhadores com baixa escolaridade;
(v) e a poluição existente independentemente da opção
escolhida.
4. Em que pese a inevitável mecanização total no
cultivo da cana, é preciso reduzir ao máximo o seu aspecto
negativo. Assim, diante dos valores sopesados, editou-se
uma lei estadual que cuida da forma que entende ser
devida a execução da necessidade de sua respectiva
população. Tal diploma reflete, sem dúvida alguma, uma

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forma de compatibilização desejável pela sociedade, que,


acrescida ao poder concedido diretamente pela
Constituição, consolida de sobremaneira seu
posicionamento no mundo jurídico estadual como um
standard a ser observado e respeitado pelas demais
unidades da federação adstritas ao Estado de São Paulo.
5. Sob a perspectiva estritamente jurídica, é
interessante observar o ensinamento do eminente
doutrinador Hely Lopes Meireles, segundo o qual se
caracteriza pela predominância e não pela exclusividade
do interesse para o município, em relação ao do Estado e
da União. Isso porque não há assunto municipal que não
seja reflexamente de interesse estadual e nacional. A
diferença é apenas de grau, e não de substância. (Direito
Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores,
1996. p. 121.)
6. Função precípua do município, que é atender
diretamente o cidadão. Destarte, não é permitida uma
interpretação pelo Supremo Tribunal Federal, na qual não
se reconheça o interesse do município em fazer com que
sua população goze de um meio ambiente equilibrado.
7. Entretanto, impossível identificar interesse local
que fundamente a permanência da vigência da lei
municipal, pois ambos os diplomas legislativos têm o fito
de resolver a mesma necessidade social, que é a
manutenção de um meio ambiente equilibrado no que
tange especificamente a queima da cana-de-açúcar.
8. Distinção entre a proibição contida na norma
questionada e a eliminação progressiva disciplina na
legislação estadual, que gera efeitos totalmente diversos e,
caso se opte pela sua constitucionalidade, acarretará
esvaziamento do comando normativo de quem é
competente para regular o assunto, levando ao completo
descumprimento do dever deste Supremo Tribunal
Federal de guardar a imperatividade da Constituição.
9. Recurso extraordinário conhecido e provido para

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declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1.952,


de 20 de dezembro de 1995, do Município de Paulínia.
(Grifos meus)
Nesse passo, a questão primeira reside em
estabelecer se a lei impugnada trata de interesse local,
traduzido num dos elementos comuns a todas as
Federações: entender a descentralização de poder como
elemento fundamental da democracia, ao permitir a
possibilidade de atuação imediata do ente municipal.
(ALVES, Raquel de Andrade Vieira. Federalismo Fiscal
Brasileiro e as Contribuições. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2017, p. 17).
Louvável mostra-se a preocupação de inúmeros
municípios quanto às políticas ambientais para reduzir a
quantidade de sacos plásticos leves produzidos e
consumidos, bem como a preferência por soluções, em
tese, ambientalmente mais sustentáveis. O descarte das
sacolas plásticas é um dos principais responsáveis pelo
entupimento da drenagem urbana e pela poluição hídrica,
sendo encontradas até no trato digestivo de alguns
animais. Além disso, elas contribuem para a formação de
zonas mortas de até 70 mil km² no fundo dos oceanos.
Em breve escorço, as sacolas plásticas passaram a ser
adotadas pelos supermercados no final da década de 1980,
em razão do elevado custo do papel. Bastante atrativo
como embalagem em razão da força e resistência,
durabilidade, baixo peso, assepsia, excelente proteção
contra água e gases, resistência à maioria dos agentes
químicos, boa processabilidade e baixo custo etc., em
pouco tempo transformou-se num dos maiores poluentes
do planeta. (FABRO, Adriano Todorovic et al. Utilização
de sacolas plásticas em supermercados. Revista Ciências
do Ambiente On-Line, v. 3, nº 1, Fevereiro 2007).
Estima-se que o mundo utilize entre 500 bilhões e 1
trilhão de sacolas por ano. No Brasil, cerca de 1,5 milhões
de sacolas plásticas são distribuídas por hora.

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(http://www.mma.gov.br/responsabilidade-
socioambiental/producao-e-consumo-sustentavel/saco-e-
um-saco/saiba-mais).
Não obstante, a questão deve ser tratada com a
complexidade devida.
Caso ultrapassada a controvérsia quanto à
inconstitucionalidade formal subjetiva (arts. 2°; 23, II, VI e
VII; 30, I e II; 61, § 2º; da CF/88), urge que esta Suprema
Corte manifeste-se acerca da alegação de
inconstitucionalidade material, por ofensa aos princípios
da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente,
bem como do direitos de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado no tocante ao controle da
produção, comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente (170, V e VI, e 225, §
1º, V, da CF/88).
Nessa esteira, convém ponderar que a proibição de
fornecer sacolas plásticas nocivas ao meio ambiente,
sobretudo quando cumulada com a obrigatoriedade de
substituição por outro tipo de material, pode se tornar
excessivamente onerosa e desproporcional ao empresário.
Nesse passo, o pluralismo de forças políticas e sociais na
sociedade contemporânea impõe que se promova uma
ponderação de princípios, de modo a conciliar valores e
interesses diversos e heterogêneos.
Merece destaque a importância que o constituinte
atribuiu à proteção do consumidor, elevada à condição de
direito fundamental e princípio geral da Ordem
Econômica. Assim, como a defesa do meio ambiente,
constitui poder-dever de todos os entes federados,
inclusive por meio de edição de leis específicas e
instituição de órgãos próprios.
No entanto, a relevância constitucional do direito
tutelado não o habilita a permear indistintamente todas as
esferas públicas, em detrimento de outros princípios e

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interesses públicos. A defesa do consumidor e do meio


ambiente devem ser promovidas por instrumentos que
não aniquilem a livre iniciativa, também princípio basilar
da Ordem Econômica. Nesse sentido, convém transcrever
o excerto das lições de Eros Roberto Grau, verbis:
Saliente-se o fato de que, no que tange a medidas
referidas à defesa do consumidor ordenadas no âmbito do
Direito Administrativo, voltam-se contra a estabilidade
doutrinária da concepção dele próprio, Direito
Administrativo. A tensão entre interesse público, interesse
geral e interesses de grupo (grupo de consumidores)
promove sensíveis distúrbios naquela concepção. (GRAU,
Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de
1988. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 249-250)
Com o surgimento do Estado Constitucional, os
direitos fundamentais foram alçados como superiores às
próprias decisões estatais, trazendo nova função às
Constituições, mediante a assunção de normas superiores
e de observância obrigatória, ao reconhecer a força
vinculante dos princípios. (HESSE, Konrad. A força
normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris, 1998, p. 5)
O discurso da proporcionalidade ocupa um espaço
cada vez maior para justificar as decisões de juízes e
tribunais, e a esta Corte não se faculta ver de forma
diferente. Assim, o princípio da proporcionalidade, tem
sido constantemente invocado, como no julgamento da
ADI 1407-MC, in verbis:
[...] O princípio da proporcionalidade - que extrai a
sua justificação dogmática de diversas cláusulas
constitucionais, notadamente daquela que veicula a
garantia do substantive due process of law - acha-se
vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder
Público no exercício de suas funções, qualificando-se
como parâmetro de aferição da própria
constitucionalidade material dos atos estatais.

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A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo


de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da
proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra,
em sua dimensão material, o princípio do substantive due
process of law (CF, art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao
inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de
poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa
de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição
jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de
abstrata instauração normativa possa repousar em juízo
meramente político ou discricionário do legislador. (ADI
1407-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 1º/02/2001)
O princípio da proporcionalidade, então, apresenta-
se de grande valia na aferição da constitucionalidade da
norma impugnada, podendo ser submetida ao em seus
três subprincípios. In casu, a proporcionalidade se verifica
a partir das seguintes perguntas: a lei municipal alcança a
finalidade de proteção ao meio ambiente? Há algum meio
tão eficiente de proteção ao meio ambiente que não
represente um custo financeiro e empresarial tao elevado
quanto a substituição das sacolas plásticas convencionais
por sacolas oxi-biodegradáveis? O custo à sociedade e aos
cofres públicos é maior que os benefícios decorrentes da
eventual proteção ao meio ambiente?
Inúmeros estudos ainda são controversos em relação
à eficiência do processo de degradação do plástico oxi-
biodegradável. No Brasil, o próprio Ministério do Meio
Ambiente entende que os plásticos oxi-biodegradáveis não
são a solução para o problema: o plástico aditivado apenas
se fragmenta e que esta fragmentação pode provocar
impacto ambiental maior do que um saco de plástico
inteiro, que é facilmente visualizável e passível de
recolhimento e correta destinação .
A fim de garantir o combate à acumulação de
resíduos de plástico nos ecossistemas, o poder público
deve levar em consideração o impacto econômico da

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substituição das sacolas comuns por sacolas degradáveis,


bem como a possibilidade de haver medidas alternativas
de mesma eficácia para reduzir o consumo de sacos de
plástico. É o caso da utilização de sacos reutilizáveis e, em
caráter complementar, do pagamento, pelo cliente, da
embalagem, como acontece na Europa (em Portugal,
Portaria nº 286-B/2014, de 31 de dezembro, dos Ministérios
das Finanças e do Ambiente, do Ordenamento do
Território e Energia).
Destarte, a vexata quaestio transcende os limites
subjetivos da causa por apresentar questões relevantes dos
pontos de vista social e econômico, porquanto versa sobre
o direito à consecução da política ambiental. É que, de
acordo com o recorrente, a questão em comento subtrai
relevante expediente de concretização de resultados,
inviabilizando a utilização de um instrumento eficaz de
conscientização e proteção ambiental e, por outro lado, a
obrigatoriedade no cumprimento da norma pode violar o
princípio da defesa do consumidor, caso se entenda que o
Município, no contexto, substitui-se ao empresário ao
delinear a forma de prestação de serviço a ser oferecido
pela empresa. Quanto à repercussão jurídica, a questão
reclama um posicionamento definitivo desta Suprema
Corte para pacificação das relações e, consequentemente,
para trazer segurança jurídica aos jurisdicionados,
havendo diversos casos em que se discute matéria análoga
(ARE 927.878; RE 661.292).
Ex positis, nos termos dos artigos 323 e 323-A do
RISTF, manifesto-me pela EXISTÊNCIA DE
REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO
CONSTITUCIONAL SUSCITADA e submeto a matéria à
apreciação dos demais Ministros da Corte.

Brasília, 26 de setembro de 2017.

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Ministro LUIZ FUX


Relator
Documento assinado digitalmente

2. Está-se diante de controvérsia a merecer a manifestação do


Supremo, pacificando-se a questão alusiva à iniciativa do projeto de lei e
à competência para a disciplina normativa da matéria.

3. Pronuncio-me no sentido da configuração da repercussão geral.

4. À Assessoria, para acompanhar a tramitação do incidente,


inclusive quanto a processos que, no Gabinete, versando o mesmo tema,
aguardem exame.

5. Publiquem.

Brasília – residência –, 3 de outubro de 2017, às 11h20.

Ministro MARCO AURÉLIO

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