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RESENHA do artigo “A intervenção policial em manifestações públicas reivindicatórias”,

publicado por Fernando Antunes Neto.

Autoria: Rodrigo Fagnani Silveira - PRF

Os movimentos sociais reivindicatórios, que em síntese, representam a plena consumação


dos direitos democráticos de uma sociedade, encontram amparo no ordenamento jurídico brasileiro
diretamente na Carta Magna, naquilo que é entendido como “direito de reunião”. Nessa seara,
contudo, os órgãos policiais precisam agir de acordo com aquilo que a sociedade espera das suas
instituições de segurança no que tange à garantia da ordem pública. Para tanto, é necessário que as
autoridades compreendam a importância de que as pessoas possam exercer as suas liberdades e
opiniões, permitindo que isso aconteça da melhor forma possível, levando em conta que em certas
ocasiões poderão haver conflitos de direitos. Nesses casos, caberá aos agentes ponderar, sobre os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma que a mediação das eventuais
contendas resulte em soluções que possam contemplar todos os lados, com prejuízos os menores
possíveis.

Para analisar mais a fundo a questão da legalidade destas manifestações, é preciso trazer à
tona o texto do inciso XVI, artigo 5°, da Constituição brasileira de 1998, uma vez que para pleno
exercício dos direitos são necessários alguns pressupostos. Vejamos (grifo meu):

XVI - todos(1) podem reunir-se pacificamente(2),, sem armas(3), em locais


abertos ao público(4), independentemente de autorização(5), desde que não
frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local(6),
sendo apenas exigido prévio aviso(7) à autoridade competente(8); (BRASIL,
1988).

Tratando individualmente cada termo grifado, temos que levar em conta as seguintes
restrições:

(1) “todos”: faz referência a qualquer pessoa natural; especial atenção aos estrangeiros não
residentes no Brasil, que conforme o caput não são abrangidos (conforme explicado em sala de
aula).

(2) “pacificamente”: ou seja, sem a prática de ilícitos e sem propósitos de confusões.

(3) “sem armas”: restrição é clara para o caso de armas próprias; no caso de armas impróprias, é
necessário avaliar a potencialidade de uso para fins de causar lesão, seja pelo portador ou até por
terceiros que possam se valer daquele objeto; atentar que em situações pontuais, caberá a autoridade
especificamente para com o indivíduo.

(4) “locais abertos ao público”: são locais não necessariamente públicos; mesmo se privados, se
estiverem sem restrições de acesso às pessoas, poderão ser utilizados para reuniões.

(5) “independente de autorização”: não cabe ao poder público julgar a pertinência da manifestação;
há que se observar, porém, que todos estarão sujeitos às normas específicas do lugar, restrição esta
que não guarda relação com o tema da reunião.

(6) “não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local”: dispositivo que
garante a oportunidade de manifestação para todos, de forma que grupos maiores não possam
inviabilizar ou dificultar reuniões de grupos menores.
(7) “prévio aviso”: notificação feita em tempo hábil para que as autoridades possam garantir a
realização do movimento.
(8) “autoridade competente”: aquela com autonomia no espaço pretendido para a reunião.

Dos requisitos acima, portanto, depreende-se que o direito de reunião não é absoluto,
porquanto ele é regulado, e para estar classificado como legítimo deverá atender a todos eles.

Todavia, Moraes (2007, p.169) e outros autores explicam que para legalidade das
manifestações também são necessários outros elementos, que são:

a) pluralidade de participantes: a reunião é considerada forma de ação coletiva;

b) tempo: toda reunião deve ter duração limitada, em virtude de seu caráter temporário e episódico;

c) finalidade: a reunião pressupõe a organização de um encontro com propósito determinado,


finalidade lícita, pacífica e sem armas;

d) lugar: a reunião deverá ser realizada em local delimitado, em área certa, mesmo que seja um
percurso móvel, desde que predeterminada.

Há que se ressaltar, ainda, que a eventual ignorância das pessoas em relação aos
pressupostos não pode ser considerada um motivo para a realização de eventos que causem
desordem. Por outro lado, as forças policiais também precisam entender e ponderar que algumas
vezes, sobretudo mediante forte comoção, manifestações espontâneas poderão acontecer de repente
sem todos os requisitos legais. Assim, sempre que possível, o poder público deverá, mesmo assim,
envidar todos os esforços para ajudar na consecução da manifestação em função do contexto. É o
caso comum, por exemplo, de uma manifestação que cause o bloqueio de uma rodovia quando do
atropelamento de uma pessoa próximo a uma comunidade que a tempos já pedia a construção de
uma passarela no local. As pessoas, sob forte comoção, imediatamente após uma tragédia deste tipo,
costumam ocupar as faixas de rolamento para mostrar o seu descontentamento e revolta para com o
suposto descaso por parte dos responsáveis por aquela via.

O caso acima é clássico e com esse exemplo se constata facilmente que em uma
manifestação comumente nos deparamos com o “embate” entre as pessoas que protestam e aquelas
que simplesmente desejam continuar com a sua viagem por aquele trecho de estrada então
interditado. Estaremos então diante do conflito entre dois direitos constitucionais: o direito de
reunião e o direito de locomoção. Caberá, então, às forças policiais com circunscrição do local,
intervir de modo a buscar soluções justas e razoáveis, minimizando os problemas e garantindo ao
máximo as liberdades em jogo.

Trata-se portanto, da aplicação de técnicas de mediação de conflitos e até de uso


diferenciado da força por parte da autoridade. Nessa seara, é possível citar a Lei 13.060/2014, que
disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública,
em todo o território nacional. O seu artigo 2º estabelece que, em caso de uso da força, os policiais
deverão obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade. Isso
significa que a resolução do problema perpassa, muitas vezes, pela restrição eventual de direitos, no
todo ou em parte, evidenciando que nenhum direito é ilimitado ou absoluto. Ou seja, o agente de
aplicação da lei deverá combinar os bens jurídicos em conflito (reunião e locomoção), analisar o
cenário e harmonizar o problema fazendo com que cada parte ceda até que seja possível maximizar
as garantias de cada grupo, evitando a renúncia completa de uma ou outra, em função do bem-estar
coletivo. Refletindo sobre o caso, percebe-se então que de uma forma ou de outra existe desgaste e
insatisfação quando da intervenção dos agentes de segurança, uma vez que mesmo sendo legal e
necessária, foi fundamental que o poder público limitasse a liberdade dos indivíduos.

Destarte, as forças policiais precisam então buscar se antecipar aos problemas, atuando de
forma preventiva para prevenir desdobramentos indesejáveis durante as manifestações. Tomando
por base as estatísticas, sabemos que nem sempre os eventos culminarão em soluções pacíficas e
portanto qualquer medida que se evite a chance de uma manifestação sair do controle, será bem-
vinda. Desta forma, as instituições policiais precisam internalizar em suas corporações que é muito
melhor, muito mais eficiente, trabalhar no sentido de se antecipar aos problemas e até agir como
entidade que auxilia na busca das soluções junto às demais autoridades, além de se aproximar da
comunidade para atuar como garantidora de direitos, até mesmo o de protestar. Afinal de contas, os
agentes da lei são indispensáveis para coibir excessos e combater o cometimento de crimes,
colaborando para que os movimentos aconteçam dentro do limite da legalidade, contribuindo para a
construção de uma sociedade mais justa e igualitária, com proteção de direitos e manutenção da
paz.

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