Você está na página 1de 3

GUIA DE DIREITO SOBRE REUNIÃO PACÍFICA DE PARADAS DO ORGULHO LGBT NO BRASIL

Sem liberdade de reunião e de manifestação, não há Constituição da República Federativa Convenção Americana
democracia de fato! do Brasil de 1988 sobre Direitos Humanos
Uma das muitas formas de exercício da liberdade (Conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica”,
é tratado entre os países-membros da OEA, proclamado pelo
de expressão, base da democracia, é reunião pacífica Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem
Brasil pelo decreto nº 678/1992)
de pessoas que compartilham um ideal. E os formatos distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
são vários: passeatas, protestos, desfiles, marchas, brasileiros e aos estrangeiros residentes no País Artigo 15. Direito de reunião
encontros, debates etc. a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos armas. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às
E aí, claro, estão inclusas as paradas do orgulho
seguintes: restrições previstas pela lei e que sejam necessárias,
LGBT, há muitos anos, os maiores e mais numerosos
atos em via pública em prol de direitos humanos no XVI – todos podem reunir-se pacificamente, numa sociedade democrática, no interesse da
Brasil, um dos países mais avançados do mundo em sem armas, em locais abertos ao público, segurança nacional, da segurança ou da ordem
direitos LGBT. independentemente de autorização, desde que não públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas
frustrem outra reunião anteriormente convocada para ou os direitos e liberdades das demais pessoas.
Por tudo isso, é obrigação do Estado democrático,
o mesmo local, sendo apenas exigido comunicado
não só respeitar o pleno exercício do direito de
prévio à autoridade competente;
reunião/manifestação, mas também viabilizá-lo por
meio de ações concretas, independentemente de
Declaração Universal
prévia autorização.
dos Direitos Humanos
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO?
Artigo 20. Todo ser humano tem direito à liberdade
O direito à livre reunião/manifestação, enquanto de reunião e associação pacífica.
princípio elementar à democracia, é garantido de
Pacto Internacional de
forma contundente não apenas pela Constituição
Direitos Civis e Políticos
Federal do Brasil, mas também por importantes
tratados e declarações internacionais de direitos dos (Proclamado pelo Brasil pelo Decreto Nº 592/1992)
quais o País é signatário. Artigo 21. O direito de reunião pacifica será
reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito
apenas às restrições previstas em lei e que se façam Declaração de Princípios sobre
necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse Liberdade de Expressão
da segurança nacional, da segurança ou da ordem pública, (Aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos
ou para proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos em outubro de 2000)
e as liberdades das demais pessoas. Artigo 1. A liberdade de expressão, em todas as suas
formas e manifestações, é um direito fundamental e
inalienável, inerente a todas as pessoas. É, ademais,
um requisito indispensável para a própria existência
de uma sociedade democrática.
COMO FAZER VALER ESTE DIREITO? DIÁLOGO COM O PODER PÚBLICO
Inicialmente, é preciso saber que os incisos do ar-
tigo 5º da Constituição – inclusive o citado neste ma-
terial – são cláusulas pétreas balizadoras do Estado 1 Não se pede nenhu-

Democrático de Direito, e, como tais, não podem ser


ma benesse ou con-
descendência do Poder
2 A estratégia de segurança pública,
alteradas nem mesmo por emendas constitucionais, de controle do trânsito e de aten-
Público. A reunião dimento emergencial de socorro é
muito menos por legislação infraconstitucional (esta- pacífica é um direito da
duais e municipais, por exemplo). responsabilidade do Poder Público.
sociedade. É com essa Em caso de ineficiência nesses itens,
Desta forma, colocar uma parada do orgulho LGBT postura que se deve a organização não pode ser incrimi-
nas ruas da sua cidade é o legítimo exercício do di- entrar no diálogo. nada legalmente. É o contrário: é a
reito constitucionalmente garantido de livre reunião e organização que pode acionar a Jus-
manifestação, que não precisa de qualquer autoriza- tiça contra o Estado por deficiência
ção para acontecer. em cumprir o dever dele de viabilizar
O que a legislação determina é somente o aviso 3 Em muitos casos, por conta da
e proteger reuniões pacíficas.
– comunicado prévio - às autoridades competen- dimensão das paradas, podem ser
tes a fim de possibilitar que o Poder Público adote exigidos alvarás no que diz res-
as medidas necessárias – inclusive de segurança e peito à segurança do público (trio
trânsito – para assegurar o pleno exercício do direito elétricos, palcos etc). Atendê-los
pelos manifestantes, especialmente em reuniões que é benéfico para o evento e para
congregam grande número de pessoas e utilizam via quem participará dele.
pública, caso das paradas.
4
Chame o documento entregue (com horários, tra- Como evento anual, torna-se ainda
jeto, nome e contatos da organização) de aviso. Não mais importante que a organização
use a palavra autorização! da parada faça relatório a respeito da
Eventual proibição somente pode ocorrer em cará- 5 Não se deve aceitar a cobrança de
ação do Poder Público no evento e
entregue-o a autoridades responsáveis
ter excepcional e mediante fundamentação legal por
escrito (não aceite alegações verbais) que demonstre taxas por entrada ou emissão de do- e ao Ministério Público. Dessa forma,
que a realização do evento, na forma prevista, impõe cumentos ou por serviços públicos pavimenta-se um caminho de aperfei-
grave ameaça a outros direitos e garantias fundamen- tais como segurança pública, limpe- çoamento dos serviços prestados e da
tais de forma irreparável ou incontornável pelas pró- za e atendimento médico. A parada relação do Estado com o ato.
prias autoridades, como nos casos de movimentos é uma manifestação de caráter cívi-
direcionados a incitar ou provocar ações ilegais. co, social e político, não um evento
privado com fins lucrativos, esses
sim sujeitos a pagamentos de deter-
minados itens ao Poder Público.
COMO AGIR EM CASO DE IMPEDIMENTO A resposta a um mandado de segurança deve
ser dada rapidamente pela Justiça. Portanto, mes-
OU EXIGÊNCIA ABUSIVA mo em casos com pouco tempo para atuação, são
A comunicação prévia às autoridades locais grandes as chances de obtê-lo em período ideal e
não pode servir de instrumento para que a reunião/
RAIO-X DAS PARADAS LGBT NO BRASIL
a parada tomar conta das ruas com muito orgulho,
manifestação seja impedida ou sofra qualquer tipo alegria e luta! Pesquisa realizada em 2018 pelo coautor deste
de repressão ou cobrança de valores por serviços guia, o ativista Welton Trindade, com 106 marchas
É grande fortaleza para a organização da parada
públicos. no Brasil, encontrou importantes dados a respeito
ter em todo o processo de construção da parada
do tema:
E organizações de parada estão resguardadas apoio jurídico de voluntariado, faculdades de Direi-
pela lei nesse sentido também: to, comissões da OAB e/ou do Ministério Público. - O tempo médio de resposta do Poder Público
Busque tais parcerias! aos avisos de realização de marchas LGBT no Bra-
sil é 18,41 dias. O ideal é que tal prazo não passe
A lei federal 4.898/65 estabelece:
de 48 horas.
Artigo 3º. Constitui abuso de autoridade
- A relação das paradas LGBT com as forças po-
qualquer atentado:
liciais é relativamente positiva: 66,9% das organi-

O
(...) zações aprovam a atuação no quesito segurança
h) ao direito de reunião;
Assim, qualquer ação do poder público local no
sentido de inviabilizar a realização da parada do or-
OR G U L H pública do evento.
- O Brasil é um país que respeita o direito à ma-
nifestação das paradas: 93% das caminhadas ar-
co-íris não registraram episódios de violência dis-
gulho LGBT constitui-se em abuso de autoridade e
criminatória.
deve ser enfrentado através da medida cabível.
- O cumprimento do acordado entre as organiza-
Constituição Federal: ções de paradas LGBT e o Poder Público é ponto a
Artigo 5º. ser melhorado. De acordo com a pesquisa, 46,2%
LXIX – conceder-se-á mandado de se- das marchas afirmaram que todo o acordo foi
gurança para proteger direito líquido e certo, não cumprido. Entretanto, outras 15,1% relataram que
amparado por habeas corpus ou habeas data, quan- a minoria dos pontos foi executada e ainda 9,5%
Ficha técnica:
do o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder tiveram a situação de não ter feito acordo.
for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica Supervisor: Welton Trindade.
Acesse todo o estudo, financiado pelo Governo
no exercício de atribuições do Poder Público; Autoria: Flávia Aguilhar (advogada) da Suécia e com supervisão do ICNL, nesse link:
O mandado de segurança pode ser impetrado e Welton Trindade. http://bit.ly/vozesarcoiris
individualmente pela pessoa responsável pela reu-
nião/manifestação ou de forma coletiva por asso- Brasil, setembro de 2018.
ciação legalmente organizada e em funcionamen-
to há pelo menos um ano, quando em defesa dos
interesses de seus associados.

Este estudo é totalmente financiado pelo Governo da Suécia. O Governo da Suécia não necessariamente concorda com as opiniões aqui expressas. O autor tem total responsabilidade pelo conteúdo.

Você também pode gostar