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The Beginning After The End – Capítulo 404

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Varay permaneceu imóvel com minha mão sobre o seu esterno. Com o
Realmheart ativo, pude ver os flocos de neve translúcidos como mana pura
compactados dentro de seu núcleo, perfeitamente controlados e irradiando. As
partículas eram destiladas e liberadas de volta ao corpo através dos canais
para fortalecer sua forma física e manter o braço conjurado no lugar.

Junto com a capacidade de ver mana, o Realmheart replicou o sentido


fornecido pelo seu próprio núcleo para sentir a mana nos outros, o que me fez
visualizar o peso esmagador e a estabilidade glacial dela.

Fechei os olhos, me concentrando no sentido.

“Libere uma pequena explosão de mana”, falei, calmo, antes de ver mana de
água, em forma de partículas cintilantes de gelo, correndo pelas veias de mana
e para a atmosfera. “Agora, use a mana ambiente e se concentre em purificá-la
no núcleo. Para ser mais específico, pense em ‘clareá-lo’.”

Ela respirou fundo. Abri os olhos para observar as partículas atmosféricas,


compostas por quase apenas água e terra, serem puxadas para dentro de si e
depois ao núcleo. Dentro, ela logo foi purificada e preparada para o uso.

Pedi para repetir o processo algumas vezes e depois mudei para Bairon, que
me estudou com cuidado enquanto eu apertava com a mão o seu esterno.
Fiquei surpreso com a coloração esfumaçada antes brilhante.

“Sua mana ou seu núcleo parecem diferentes de antes do Cadell usar o fogo da
alma em você?” Questionei, observando ele liberando mana, respirando fundo
e puxando de volta.

“Não sei como responder. Tive que trabalhar sem parar para reconstruir
minhas forças após a batalha e quase desisti e aceitei meu destino.”

“Mas, fisicamente… quando você canaliza ela, sente algo diferente?”

Ele fechou os olhos enquanto repetia o ciclo mais duas vezes.

“Não acho que me recuperei por completo, mas também não lembro se a
magia era diferente.”

Balançando a cabeça em silêncio, fui até Mica. Fiz a mesma coisa, e seus lábios
se curvaram em um sorriso frio.
“Já te disse que sou muito velha para você.”

Regis, rindo, observava das rochas onde Gideon e Emily haviam colocado todo
o equipamento.

“E muito bonita, também.”

Ela lançou um olhar surpreso por cima do ombro e depois levantou uma
sobrancelha para mim.

“Essa pequena criatura está tentando flertar comigo?”

“Na verdade, essa pequena criatura é uma arma asura de destruição em massa
e flerta com todos”, eu disse com naturalidade. “Agora, se concentre. Solte a
mana, segure e depois traga a mana ambiente.”

Não sentia qualquer mecanismo usado por Kezess a fim de colocar um limite
no potencial deles, porém não esperava que fosse tão fácil. Precisava
estabelecer uma base do núcleo e da manipulação de mana de cada Lança.

Todas as três foram muitíssimo eficientes no passo a passo. O que quer que os
impedisse, aparentava ter sido especificado para não interromper o processo
de usar magia.

“Certo, estamos prontos por aqui”, falou Emily, interrompendo meus


pensamentos.

Balancei a cabeça conforme os dois artífices equipavam as três com vários


aparelhos de leitura da saída de mana e as reações com bem mais precisão do
que eu sozinho.

Enquanto faziam isso, retirei três itens da runa dimensional. Entreguei o


primeiro a Mica, que analisou com cuidado, e depois o igual a Varay. Bairon
recebeu o chifre de Valeska, segurando como se fosse um ninho de vespas.

“Esses chifres contêm uma enorme quantidade de mana,” expliquei. “Vocês


tirarão deles que nem eu fiz com os do retentor Uto há muito tempo. São
incrivelmente potentes, mas…” Interrompi Bairon e Mica prestes a falarem “…
Também têm efeitos adicionais. Vocês verão algumas memórias da pessoa, e
pode ser… Desconfortável.”

“Mas que benefício espera que ganhemos com tal fonte?” perguntou Varay,
colocando o chifre no colo e olhando para mim. “Se sua esperança é
sobrepassar a barreira com um influxo repentino de energia, temo que já
tentamos. Elixires não têm efeitos.”
“Nada tão fácil quanto isso,” admiti, vendo Emily, que me deu um joinha ao
terminar de ativar o último equipamento. Atrás dela, Gideon lia anotações, as
sobrancelhas pela metade franzidas de concentração. “Não posso prometer
que nosso tempo e esforço darão frutos, mas nenhum de nós pode se dar ao
luxo de aceitar nossas limitações atuais.”

Mica olhou para o chão, seu olhar distante e a expressão rígida. Ao lado dela,
havia uma carga intensa nos olhos de Bairon, soltando um zumbido estático
que levantou os pelos dos meus braços.

Entretanto, foi Varay quem me surpreendeu.

Ela se levantou em um movimento rápido e gracioso, o olhar franzido travado


na pedra musgosa sob mim. “Arthur, sei que falo por todas as Lanças quando
digo que somos gratos por seu esforço.” Fez uma pausa minúscula antes de
continuar. “Mas você tem certeza de que seu tempo aqui vale a pena? Você é a
chave para a vitória contra Alacrya e Epheotus. Se for melhor para você
treinar sozi…”

“Não. Dicathen não precisa de um salvador ou de…” Lutei para achar a palavra
certa. “…Outra divindade para substituir os asuras. Precisa de soldados e
generais. Pessoas. Heróis. Lanças.”

A sempre rígida Varay vacilou, apenas por um momento, o olhar procurando


determinar se deveria acreditar. “Claro. Você tem razão.” Afundou de volta no
musgo, segurando o chifre com as duas mãos. “O que quer que façamos?”

Ajoelhando ao lado do lago, passei os dedos pela água gelada. “O primeiro


passo é descobrir o que exatamente está impedindo vocês de purificar seus
núcleos ainda mais. Quero que meditem se baseando na mana contida nos
chifres. Na teoria, absorver uma quantidade tão grande de mana de repente
forçaria o núcleo a evoluir. À medida que monitoramos eles durante o caminho,
poderemos observar quaisquer sinais do que os afetam.”

“Você espera, no caso” resmungou Gideon, sendo respondido por um olhar


irritado de Emily.

“Sim.” Pousei as mãos na cintura. “Agora, estão prontos para começar?”

“É claro” disse Varay.

“Vamos logo.” Acrescentou a anã com um aceno firme.

Bairon não disse nada, todavia fechou os olhos e se concentrou no chifre em


mãos.
“Tudo pronto aqui,” falou Emily, ansiosa.

Regis saltou da rocha e trotou até Mica, que olhou para mim surpresa. Ele deu
um suspiro resignado e disse: “Não se anime tanto, mas…” E depois
desapareceu no corpo dela.

Ela ofegou e quase se levantou, porém a parei. “A mana neles pode


enlouquecer vocês. Nós dois vamos ajudá-los a ficarem estáveis até que
tenham o controle, certo?”

“Talvez um pequeno aviso na próxima vez?” Retrucou. “Eu me sinto violada.”

Me concentrei no Realmheart, canalizando o máximo possível da minha


percepção sensorial através da runa divina. “Vá em frente, Mica. Comece.”

O efeito foi imediato.

Mana umbral, tingida pela sombra negra que se agarrava a tudo dos Vritras,
começou a sair do chifre em direção ao seu corpo.

Ela se encolheu com a sensação e quase jogou o objeto para longe. Seus olhos
arregalados e assustados olhavam para a frente sem enxergar.

“É somente uma visão.” Assegurei, mantendo a voz baixa e suave. Seus dedos
estavam brancos ao redor do chifre. “Se controle e lembre-se do nosso
propósito. Se concentre, sem extrair com força. Apenas deixe a mana fluir.”

Continuei consolando-a enquanto empurrava para fora com éter, puxado pela
presença de Regis, o misturando à mana. Nem toda a mana queria ir ao seu
esterno, e sim entrar em seu corpo. Através da manipulação cuidadosa da
energia roxa, pude reunir as partículas perdidas e conduzi-las.

Ao mesmo tempo, os olhos dela estavam fechados com tanta força que a
pálpebra clareou, destacando seu suor. Rangeu os dentes e se mexeu inquieta.
Eu sabia que quaisquer visões que ela estivesse tendo, deviam ser muito ruins.

“Eu… Consegui.” Disse minutos depois, soltando o fôlego que segurava. “Isso
foi… Totalmente, incrivelmente, extremamente horrível.”

Me abaixei e fechei suas mãos com força ao redor do chifre. “Continue, mas
não tão rápido.”

Em seguida, Regis e eu fomos a Bairon. Ele se adaptou mais rapidamente ao


fluxo e emergiu das visões depois de só um minuto ou dois. Varay foi pior, e
tive que apertar o chifre em suas mãos com ela choramingando e se
contorcendo. Após um tempo, entretanto, também conseguiu, com Regis
puxando meu éter enquanto eu guiava as partículas cinzentas de mana.

Eles se acomodaram em uma retirada e purificação lenta da mana, que parecia


uma queima graças à aparência fumacenta das partículas.

Enfim, sem perigo dela envenenar seus corpos ou mentes, pude de fato assistir
ao processo. Uma vez em seus núcleos, ela era processada, deixando nada
além de mana pura para trás. Mas qualquer coisa que os impedisse de clarear
mais não estava aparente.

“O que está vendo?” oObservando-a se mover em redemoinhos constantes


dentro deles, questionei Gideon.

A feição mal-humorada dele sumiu quando se focou na tarefa. Ele não podia
resistir a algo tão complexo. “Há uma resistência maior do que o normal no
processamento, exceto pela Lança Bairon, cujos canais e núcleo parecem estar
funcionando com a eficiência esperada. Suspeito que seja graças à natureza da
mana em questão. E sem indícios dos limitadores.”

“É uma pena que não tenhamos os artefatos originais”, acrescentou Emily,


batendo na bochecha com um dedo e olhando para o equipamento. “Seria mais
fácil se pudéssemos examiná-los e descobrir como funcionam.”

“Seria o ideal, mas…” Imbuí éter na runa dimensional, retirando duas das
varinhas. “Temos esses.”

Em uma mão, segurei o artefato anão, criado a partir de um cabo de ouro puro
e cravejado ao longo do comprimento com anéis de obsidiana. Uma grande joia
vermelha feita rubi brilhava fracamente em uma extremidade. A segunda
varinha, dos humanos, tinha uma gema azul, e seu cabo foi forjado por prata.

“Mas não podemos usar”, disse ela.

“Dane-se essas coisas do diabo”, xingou.

Das Lanças, apenas Bairon parecia capaz de se concentrar no chifre e em


nossa conversa, contudo permaneceu em silêncio, como um soldado nervoso
confiando nos líderes.

O que Virion contou sobre a reação do inventor aos artefatos voltou à mente.
“O que você descobriu quando examinou?”
“Não são criadas para mãos mortais,” falou, como se recitasse alguma coisa.
“Qualquer um com meio cérebro só precisa ver por dois segundos para
perceber que são uma mistura de um feitiço sobre o outro, e nenhum deles é
decifrável; nem para um gênio que nem eu. Talvez tenha uma coisinha no
fundo de tudo isso, mas o asura não provou exatamente suas intenções boas,
então seria burrice assumir que não tem um negócio a mais.”

A verdade era que concordei com a avaliação dele. De noite, quando observei
melhor elas, descobri muito mais do que ele, pelo visto; incluindo catalogar as
primeiras camadas de feitiços e o que fariam quando fossem ativados. Era um
risco, todavia sabia com certeza que Kezess deveria ter construído uma chave
para desfazer o limite se os tornassem as Lanças mais fortes.

“Você está certo, Gideon. É por isso que não usaremos. Ao menos, não da
forma que Kezess Indrath pretendia.”

“Você descobriu algo, então?” Enrijeceu as sobrancelhas, encostando na rocha


à minha frente. “Pode ir.”

Após isso, expliquei tudo o que descobri. Ele assentiu, e em pouco tempo Emily
estava sorrindo ao seu lado. “É uma boa ideia” disseram simultaneamente,
tirando uma risada latente de Regis.

“Vocês dois passam muito tempo juntos.”

“Você não vive principalmente dentro do Arthur?” Ela revidou, ainda sorrindo.
“Tipo… Um parasita ou coisa do tipo?”

“Bom ponto, Watsken” disse, seu pequeno focinho balançando para cima e
para baixo em apreciação.

“Não vamos perder mais tempo.” Guardei o artefato anão de volta e me


posicionei na frente de Varay. “Mica, Bairon, diminuam a extração ao mínimo
possível sem cortar a conexão. Não acho que estejam em risco de drená-los
cedo demais, mas é melhor prevenir do que remediar.”

Calados fizeram o que pedi, e houve uma ligeira redução na quantidade de


mana cinzenta sendo absorvida por eles.

O olhar gelado da humana me seguiu intensamente. Os dedos de sua mão real


se contraíram com o chifre quando ela respirou fundo.

Para o Realmheart, o fluxo desigual de mana pelo seu corpo aparentava


suavizar em um fluxo constante, seu movimento no núcleo se tornando rotativo
e consistente à medida que a mana que entrava era integrada àquela já
purificada.

Com o éter agindo que nem uma extensão dos sentidos, senti a camada do seu
núcleo, onde a mana deveria ter continuado a varrer as imperfeições
minúsculas que ainda havia. Mas ela se movia somente dentro dele, nunca
tocando ou atravessando além de onde os canais e veias se conectavam ao
órgão.

Ela estava logo atingindo o limite de quanta mana poderia absorver. Se


tornaria difícil continuar atraindo a energia, e uma quantia igual já purificada
teria que sair para dar espaço, se quisesse continuar. Seria um processo muito
lento para nos ajudar, além de desperdiçar a mana.

Por mais que já tivesse absorvido bastante, eu não sentia nada por trás dos
fenômenos testemunhados. Apertei a boca, me sentindo frustrado pela
primeira vez. Tinha certeza de que o influxo seria a chave para descobrir o que
Kezess fizera com eles.

“O que… Devo fazer?” Questionou ela após outro longo momento, a voz tensa
entre os dentes cerrados.

As engrenagens da minha mente giravam apressadamente.

Emily e Gideon ainda não tinham visto nada útil em todas as leituras. Eu
possuía a varinha, todavia não podia confiar que funcionaria do jeito certo se
estivesse inibindo certos efeitos. Antes de usar, tinha que entender como a
limitação funcionava. Mesmo um palpite meio errado seria terrivelmente
perigoso para as Lanças. Se não direcionasse os feitiços uma vez que os
liberasse, tudo isso seria um total desperdício.

Varay precisava mover mais mana.

Pense, Arthur. Kezess projetou os artefatos para criar um limitador, mas mais
do que isso, o tal limitador foi escondido com cuidado, indetectável até quando
o mago manipula uma enorme quantidade de mana. Isso significava que ele
tinha preocupações de que a barreira fosse contornada de alguma forma. Mas
o que ele fez? Como poderia esconder um feitiço que nem esse? E, mais
importante, como eu poderia encontrá-lo?

Um problema de cada vez, disse a mim mesmo, tentando controlar a mente.

Varay precisava continuar usando a mana. Se ao menos ela usasse a rotação de


mana…
Minha mente parou. Rotação de mana…

Sylvia insistiu que os humanos eram muito brutos em seus pensamentos para
aprender, entretanto muito do que os dragões me disseram se mostrou errado,
ou pelo menos incompleto. Agora aparentava ser possível que os próprios
dragões fossem ignorantes e simplistas na maneira como viam humanos, elfos
e anões.

Me preparando, contei: “Sei que vai parecer impossível, mas, Varay, preciso
que você gaste muita mana sem quebrar a conexão com o chifre.”

Suas sobrancelhas franziram em uma carranca frustrada. “Você está… Certo.


É impossível.”

“Não é.” Assegurei. “Eu aprendi quando tinha apenas quatro anos.”

Ela bufou, e o fluxo oscilou. Sua expressão endureceu, e quase que senti sua
motivação diminuir enquanto recuperava o controle. “Bom jeito de… Me chutar
no chão.”

Esfreguei a parte de trás do pescoço, dando a ela um sorriso de desculpas. “Eu


ia dizer que o dragão que me ensinou contou que somente alguém com corpo e
núcleo maleáveis poderia aprender. Como uma criança. Mas… Acho que ela
deve ter se enganado.”

Lendo meus pensamentos, Regis se tornou incorpóreo e pulou no corpo dela.

“Vou ajudar a guiar a mana com éter, que nem antes, para estabilizar a
conexão. Preciso que mantenha parte do seu foco no chifre e lance um feitiço.
Algum que pode fazer sem pensar.” Para ajudar, me inclinei e peguei as suas
mãos, as firmando mais em torno do chifre de Cadell.

“Tente voar”, disse Bairon, o maior pedaço de sua atenção em nós enquanto
continuava a tirar apenas uma gota de mana do chifre em seu colo.

“Isso é perfeito.” Agradeci acenando, antes de voltar meu foco a Varay e o


fluxo que nos conectou.

Ela mordeu o lábio, um lampejo de incerteza cruzando seu rosto, e depois


retomou o controle. Nada aconteceu por um minuto; dois; cinco.

“Sinto muito”, admitiu, uma pitada de vergonha na voz. “Eu não entendo.”

Me recusando a me deixar frustrar, continuei repassando as lições de Sylvia


em minha cabeça.
Mas… Não posso ensinar a ela da forma que Sylvia me mostrou, percebi com
uma súbita descarga de adrenalina.

Tinha que fazer do meu jeito, como só eu poderia.

“Está tudo bem.” Balancei a cabeça. “Siga com cuidado. Posso mostrar a
você.”

Como moldar argila, remodelei a mana no seu núcleo com éter. Não poderia
ser feito com mana, pois um mago não conseguia influenciar a mana dentro do
corpo de outro. No começo, puxei para fora, criando um pouco mais de efeito
do que se forçássemos a sair naturalmente, porém era somente o começo. A
sugestão de Bairon, pensei, foi perfeita.

Voar era uma segunda natureza para magos de núcleo branco, algo que faziam
sem pensar, manipulando a mana ambiente a fim de levantá-los. Um mago de
núcleo de prata drenaria suas as reservas em minutos, contudo um de núcleo
branco voava por horas. Era algo que Varay e eu entendíamos intimamente, e
um dos poucos “feitiços” que funcionava de maneira igual para todas as
Lanças.

Outro minuto se passou enquanto praticava a manipulação pelo éter enquanto


ao mesmo tempo guiava a mana do chifre ao seu destino no núcleo, onde Regis
pairava para ajudar.

E então, de repente, me pegando desprevenido, Varay se afastou do musgo.

“É tão estranho,” murmurou, balançando de leve.

“Aproveite a sensação.” Me levantei a fim de ficar próximo a ela, minhas mãos


ainda sobre as suas. “Apenas tenha isso em mente por um minuto. Se
familiarize e se conforte com ela.”

Franzindo a testa, assentiu. Seu rosto parecia determinado, como se seu


orgulho não aceitasse nada além de sucesso.

Então, sentindo a vitória, sua expressão se suavizou junto da respiração e o


corpo.

Ficamos assim por mais um minuto, e devagar, bem devagar, retirei a minha
influência, a deixando por conta própria. A cada passo, seu voo se tornava
instável com ela balançando no ar. Depois, exerceu maior controle, e relaxei
um pouco mais.
Assim que estava prestes a sair, ela estendeu sua mão para a minha. Não
consegui suprimir o sorriso surpreso, apesar do frio mordaz do gelo.
Segurando firme, parei de canalizar éter. De pernas cruzadas, ela pairou a
alguns metros do chão, a mana cinzenta se derramando nela a partir do chifre.

Foi uma maravilha, de fato, porém o avanço estava tão longe do que
tentávamos realizar, que era difícil vê-lo como tal. Para o nosso propósito,
dificilmente era um trampolim.

“Emily, me diga que você viu algo aqui.”

“Desculpa, mas não tem nada…”

“Abra os olhos, garota. Olha, aqui.” Interrompeu ela.

“Você tem certeza? Eu realmente não…”

“Bem aqui…

“Pessoal!” Estalei, meus nervos pulando.

“Oh! Eu acho que estou vendo” disse ela, animada.

Eu estava acompanhando a absorção e liberação da mana de Varay, todavia


não via ou sentia nada de novo. “Então, o que é?”

Ela estava inclinada diante da série de informações indecifráveis dispostas no


dispositivo, apertando os olhos com Gideon apontando para algo. “Mais ou
menos como… fendas ou feridas no próprio núcleo, lugares onde ele está
inativo.”

Regis, você sente algo assim?

‘Tudo é brilhante e branco aqui. Não tem ferida nenhuma.’

Partículas etéreas enxamearam dentro e ao redor do núcleo. Com elas,


cutuquei em todos os lugares que pude alcançar, entretanto não sentia as
“fendas”.

“Preciso que você produza mais mana.” Um pensamento repentino me


iluminou de repente. “Seu braço. Varay, você já está mantendo um fluxo
constante apenas para sustentar seu braço. Se concentre nisso e empurre e
puxe mais mana. Não importa o que ela faz, desde que você a canalize e
mantenha espaço para continuar atraindo mais.”
O frio passou a aumentar ao longo do exterior congelado do braço conjurado.
Apenas um pouco no começo, e depois mais cristais de gelo se formaram sobre
a superfície lisa, congelando a mim e fazendo crescer farelos de gelo azul claro
no eu próprio. O ar ao nosso redor esfriou, resultando em neve.

“Perfeito, continue.”

À medida que mais e mais mana deixava o seu núcleo, chegava a uma espécie
de equilíbrio.

Emily ofegou. “Ali!”

Como ela disse, eu encontrei. Em meio à entrada e saída equilibradas com


perfeição de mana do núcleo, havia seis pontos em que uma ligeira
perturbação era detectada. Apenas absorver a energia não destacava as
manchas devido à maneira que a mana girava e passava por cima, empurrando
e compactando a já existente.

Em qualquer outra circunstância, as feridas — não, cicatrizes, pensei — eram


totalmente indetectáveis. Kezess devia ter pensado que seu feitiço estava
invisível. E uma faísca de prazer trouxe um sorriso malicioso aos meus lábios.

“Muito bem, Emily. Deve ser isso.”

Mas o que são esses pontos, e de que jeito estão impedindo a mana de clarear
os seus núcleos?

Cada avanço era apenas o menor empurrão à compreensão.

“Não deixe a mana se espalhar em seu corpo o máximo que conseguir. Acho
que estamos quase lá.” Ela deu um único aceno de cabeça, e soltei a sua mão,
abandonando o éter.

Tirando o gelo de mim, peguei a varinha de prata. “Emily, deixe as leituras do


dispositivo para Gideon. Acho que vou precisar da sua ajuda.”

Relutantemente, ela deixou o equipamento para trás e circulou ao redor das


Lanças para ficar ao meu lado. Coloquei o cristal de safira incandescente
contra o esterno de Varay. “Tudo bem, coloque mana na haste.”

Senti sua visão focada na lateral do meu rosto, porém mantive meu olhar no
cristal, observando cada movimento da mana e éter. Após alguns segundos, ela
agarrou a varinha entre dois dos anéis de prata, logo abaixo da minha mão, e
imbuiu mana.
A gema brilhou azul, refratando os flocos de neve no ar e iluminando a beira do
lago. De imediato, mana e éter ganharam vida, as partículas se condensando
em feitiços e correndo ao longo do comprimento do objeto.

Estendendo a mão, puxei o éter ao redor ao artefato. Os feitiços pararam,


irregulares e deformados, e ele começou a tremer.

Um suor frio surgiu em minha testa, e redobrei o esforço para manter a magia
no lugar. A própria varinha foi projetada para lançar vários feitiços em
sequência, mas não podia permitir isso. O que quer que Kezess pretendesse
com esses implementos, só nos prejudicariam a longo prazo. Em vez disso,
tinha que liberar apenas o feitiço que desfaria o dano ao núcleo da Lança.

Com um barulho metálico, uma rachadura percorreu o cabo. A força de conter


tanta mana estava rasgando o artefato por dentro.

Regis!

Meu companheiro voou do corpo de Varay, sua forma aparecendo somente por
um instante como uma faísca ardente, e ele desapareceu na varinha.

Sua dor destruiu meu corpo quando a força crescente em torno do artefato
começou a interferir em sua forma incorpórea. ‘Argh! É tipo… tentar mijar em
um… furacão…’

A luz do cristal passou a brilhar fortemente a partir do acúmulo de energia, e o


seu calor transformou os flocos de neve em chuva.

Meu coração vibrava feito as asas de uma borboleta, e suei mais do que
deveria. Havia muita energia, mais do que devia ter. Era como se o artefato
reagisse ao fato de estar sendo adulterado. Uma salvaguarda, notei, a
reviravolta pecorrendo minhas entranhas. Uma armadilha para o caso de
alguém mexer.

Eu estava tremendo. “Vocês todos precisam… correr.” As palavras pareciam


vibrar quando saíam da minha boca.

Varay estava alheia ao aviso, todavia Mica e Bairon se levantaram em um


instante. Ele alcançou a parceira humana quando a anã se virou, talvez com a
intenção de pegar Emily e Gideon.

“Não se mexam, idiotas” retrucou o inventor. Ele enrolou algum tipo de fio em
volta do ombro e estava se aproximando devagar, com cuidado, de mim, Varay
e do artefato.
Com um tipo de grampo, prendeu uma extremidade do fio de cobre, que era
conectado ao dispositivo atrás das Lanças, ao artefato. A pressão diminuiu na
hora, e senti a mana sendo puxada rápido de volta pelo cobre em uma série de
cristais.

“Vocês têm cerca de vinte segundos antes que esses cristais sobrecarreguem e
a gente morra de um jeito não muito legal” falou, indiferente.

Com a pressão diminuída e Regis lá para ajudar a guiar e focar o éter, envolvi
a magia da varinha em meu próprio poder e segurei com tanta força quanto
minha vontade permitia. A mana se estabilizou, mas não duraria muito.

‘O que exatamente estamos fazendo aqui?’ Regis perguntou, soltando um


suspiro aliviado metafórico.

O terceiro feitiço contido era um vivum de cura. Tenho certeza que era o que
curaria seus núcleos, mas está tudo bagunçado.

Pior que misturados, pareciam quebrados. A pressão e o subsequente dreno na


mana do artefato deixaram muitos dos feitiços incompletos.

‘Aqui!’ Regis pensou com urgência, chamando minha atenção a um enxame


específico de mana e éter dentro da relíquia.

Esmagado e distorcido, um fio de éter do tipo vivum enrolou em torno de uma


onda amorfa de mana prateada que nem a usada por minha mãe.

Usando meu próprio éter purificado, comecei a tecer uma barreira ao redor, o
cortando do resto da mana.

“Tempo acabando” contou Gideon, examinando o banco de cristais de mana.

Ao meu lado, Emily gemeu. Os seus dedos estavam brancos de tanto segurar a
varinha. Do nada, seus joelhos dobraram e ela caiu.

Enrolei um braço em volta dela, a puxando para o meu lado.

Com o feitiço separado do resto, eu o liberei e observei ele fluindo do cristal ao


esterno de Varay. A mana e o éter zumbiram no núcleo dela, mas nada
aconteceu.

“Gideon?” gritei.

Ele se inclinou sobre as leituras do dispositivo. “Sem mudanças.”


Prendi a respiração. Toda a mana vazada, toda a compressão e atraso,
cortando os feitiços…

Devemos ter quebrado algo. Ele não estava completo, não estava funcionando.

“Porra” xinguei com os dentes cerrados. Uma estática confusa estava se


acumulando em torno da minha visão periférica.

Resgatando o menor pedaço de consciência, usei um pouco de éter e apliquei


na runa divina do Réquiem de Aroa. A luz dourada fez as gotas de chuva
conjurada brilharem, e passei a ver só um “túnel” no meio da visão. Tentei
piscar para resolver, porém sem sucesso.

Partículas etéreas dançaram pelo meu braço e através da superfície da haste.


As rachaduras se fecharam quando as partículas se separaram e se
condensaram lá, desfazendo os danos. A maior parte do meu foco permaneceu
no feitiço quebrado, e desejei que a poeira dourada passasse pelo artefato e
entrassem no núcleo de Varay.

Conserte o feitiço, insisti. Entendi a intenção por trás dele, talvez os detalhes.
Tinha que ser o suficiente. Mas o Réquiem de Aroa só atrapalhava no esterno
dela. As partículas não gravitavam em direção ao feitiço quebrado. Em um ato
de puro desespero, virei elas ao núcleo em si, na esperança de limpar as
cicatrizes e reverter o dano que Kezess fizera.

Ainda assim, nada aconteceu. Meu conhecimento da runa não estava completo.
Não podia curar uma pessoa e nem refazer feitiços, pelo jeito.

Me encontrei considerando aqueles momentos de volta às Relictombs quando


me apressei para adquirir insights pela pedra angular. Muito do que aconteceu
desde então teria sido corrigido se tivesse uma visão mais completa da runa.
Mas seja qual for a força que entregava elas, parecia estar fazendo piadas
cruéis comigo.

‘Art, os feitiços na haste.’ disse Regis, chamando a minha atenção de volta


aonde o feitiço se formaram pela primeira vez no artefato.

Com o som agudo de metal tilintando repetidamente, o artefato continuava


curando e quebrando. Dentro, a magia fazia igual.

Cada vez que as partículas etéreas do Réquiem de Aroa consertavam o


artefato, os feitiços reapareciam intactos.

É isso!
Lendo meus pensamentos, Regis tomou forma física e saiu, suas mandíbulas se
fechando ao redor do cristal. Logo quando o cabo foi consertado, cortei o
feitiço de cura com éter, e Regis puxou o vivum envolvendo a mana prateada,
que se soltou antes que o dispositivo de Gideon pudesse deslocá-la, e Regis
engoliu.

A magia entrou nele, procurando por um núcleo. Ele avançou em Varay, se


tornando incorpóreo assim que suas patas a tocaram, e então foi em direção ao
seu esterno, liberando o feitiço, que se quebrou em seis partes iguais sem
direção.

Liberando o Réquiem de Aroa para que eu pudesse enviar um pouco de éter


para o núcleo de Varay, lancei cada faísca prateada de mana para uma das
cicatrizes.

O brilho branco se espalhou pela superfície do núcleo, antes de correr ao longo


de seus canais e veias até sair em seus poros, a banhando com uma luz branca
suave.

“Agora, Emily! Agora!” falei, a voz vacilante.

A mana dela recuou, e ela puxou a mão para longe do artefato, seu corpo
caindo contra mim por pura exaustão.

A magia ficou imóvel, as partículas caindo livres de suas formas constritas e os


feitiços efervescendo sem efeito.

Os olhos da Lança rolaram para trás e ela caiu de bruços no chão ao lado de
Bairon. Ele se mexeu, como se quisesse pegá-la, todavia se lembrou do chifre
em mãos e congelou.

Tão rápido e suavemente quanto pude, levei a tremulante Emily ao chão antes
de me apressar para Varay e levantá-la. Sua respiração estava superficial e a
conexão com o chifre foi cortada, contudo, vivia. “Varay? Varay. Vamos,
Lança.”

De repente, seus braços me envolveram em um abraço apertado, sua


respiração se alterando para suspiros rasos. Desprevenido, fiquei imóvel.

“Funcionou.” Ela ofegou. “Eu posso sentir, Arthur.”

Procurei em seu núcleo, e um largo sorriso brotou em meu rosto ao perceber


que ela estava certa. A energia preencheu todo o seu núcleo, pressionando
contra a barreira endurecida. Enquanto observava, ela puxou a mana
atmosférica ao redor.
As paredes brancas do órgão não possuíam mais quaisquer cicatrizes que os
artefatos haviam deixado.

Nós conseguimos.

O feitiço dos Indraths foi desfeito.

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