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https://lightnovelbrasil.com/the-beginning-after-the-end-capitulo-404/
Varay permaneceu imóvel com minha mão sobre o seu esterno. Com o
Realmheart ativo, pude ver os flocos de neve translúcidos como mana pura
compactados dentro de seu núcleo, perfeitamente controlados e irradiando. As
partículas eram destiladas e liberadas de volta ao corpo através dos canais
para fortalecer sua forma física e manter o braço conjurado no lugar.
“Libere uma pequena explosão de mana”, falei, calmo, antes de ver mana de
água, em forma de partículas cintilantes de gelo, correndo pelas veias de mana
e para a atmosfera. “Agora, use a mana ambiente e se concentre em purificá-la
no núcleo. Para ser mais específico, pense em ‘clareá-lo’.”
Pedi para repetir o processo algumas vezes e depois mudei para Bairon, que
me estudou com cuidado enquanto eu apertava com a mão o seu esterno.
Fiquei surpreso com a coloração esfumaçada antes brilhante.
“Sua mana ou seu núcleo parecem diferentes de antes do Cadell usar o fogo da
alma em você?” Questionei, observando ele liberando mana, respirando fundo
e puxando de volta.
“Não sei como responder. Tive que trabalhar sem parar para reconstruir
minhas forças após a batalha e quase desisti e aceitei meu destino.”
“Não acho que me recuperei por completo, mas também não lembro se a
magia era diferente.”
Balançando a cabeça em silêncio, fui até Mica. Fiz a mesma coisa, e seus lábios
se curvaram em um sorriso frio.
“Já te disse que sou muito velha para você.”
Regis, rindo, observava das rochas onde Gideon e Emily haviam colocado todo
o equipamento.
Ela lançou um olhar surpreso por cima do ombro e depois levantou uma
sobrancelha para mim.
“Na verdade, essa pequena criatura é uma arma asura de destruição em massa
e flerta com todos”, eu disse com naturalidade. “Agora, se concentre. Solte a
mana, segure e depois traga a mana ambiente.”
Não sentia qualquer mecanismo usado por Kezess a fim de colocar um limite
no potencial deles, porém não esperava que fosse tão fácil. Precisava
estabelecer uma base do núcleo e da manipulação de mana de cada Lança.
Todas as três foram muitíssimo eficientes no passo a passo. O que quer que os
impedisse, aparentava ter sido especificado para não interromper o processo
de usar magia.
“Mas que benefício espera que ganhemos com tal fonte?” perguntou Varay,
colocando o chifre no colo e olhando para mim. “Se sua esperança é
sobrepassar a barreira com um influxo repentino de energia, temo que já
tentamos. Elixires não têm efeitos.”
“Nada tão fácil quanto isso,” admiti, vendo Emily, que me deu um joinha ao
terminar de ativar o último equipamento. Atrás dela, Gideon lia anotações, as
sobrancelhas pela metade franzidas de concentração. “Não posso prometer
que nosso tempo e esforço darão frutos, mas nenhum de nós pode se dar ao
luxo de aceitar nossas limitações atuais.”
Mica olhou para o chão, seu olhar distante e a expressão rígida. Ao lado dela,
havia uma carga intensa nos olhos de Bairon, soltando um zumbido estático
que levantou os pelos dos meus braços.
“Não. Dicathen não precisa de um salvador ou de…” Lutei para achar a palavra
certa. “…Outra divindade para substituir os asuras. Precisa de soldados e
generais. Pessoas. Heróis. Lanças.”
Regis saltou da rocha e trotou até Mica, que olhou para mim surpresa. Ele deu
um suspiro resignado e disse: “Não se anime tanto, mas…” E depois
desapareceu no corpo dela.
Mana umbral, tingida pela sombra negra que se agarrava a tudo dos Vritras,
começou a sair do chifre em direção ao seu corpo.
Ela se encolheu com a sensação e quase jogou o objeto para longe. Seus olhos
arregalados e assustados olhavam para a frente sem enxergar.
“É somente uma visão.” Assegurei, mantendo a voz baixa e suave. Seus dedos
estavam brancos ao redor do chifre. “Se controle e lembre-se do nosso
propósito. Se concentre, sem extrair com força. Apenas deixe a mana fluir.”
Continuei consolando-a enquanto empurrava para fora com éter, puxado pela
presença de Regis, o misturando à mana. Nem toda a mana queria ir ao seu
esterno, e sim entrar em seu corpo. Através da manipulação cuidadosa da
energia roxa, pude reunir as partículas perdidas e conduzi-las.
Ao mesmo tempo, os olhos dela estavam fechados com tanta força que a
pálpebra clareou, destacando seu suor. Rangeu os dentes e se mexeu inquieta.
Eu sabia que quaisquer visões que ela estivesse tendo, deviam ser muito ruins.
“Eu… Consegui.” Disse minutos depois, soltando o fôlego que segurava. “Isso
foi… Totalmente, incrivelmente, extremamente horrível.”
Me abaixei e fechei suas mãos com força ao redor do chifre. “Continue, mas
não tão rápido.”
Enfim, sem perigo dela envenenar seus corpos ou mentes, pude de fato assistir
ao processo. Uma vez em seus núcleos, ela era processada, deixando nada
além de mana pura para trás. Mas qualquer coisa que os impedisse de clarear
mais não estava aparente.
A feição mal-humorada dele sumiu quando se focou na tarefa. Ele não podia
resistir a algo tão complexo. “Há uma resistência maior do que o normal no
processamento, exceto pela Lança Bairon, cujos canais e núcleo parecem estar
funcionando com a eficiência esperada. Suspeito que seja graças à natureza da
mana em questão. E sem indícios dos limitadores.”
“Seria o ideal, mas…” Imbuí éter na runa dimensional, retirando duas das
varinhas. “Temos esses.”
Em uma mão, segurei o artefato anão, criado a partir de um cabo de ouro puro
e cravejado ao longo do comprimento com anéis de obsidiana. Uma grande joia
vermelha feita rubi brilhava fracamente em uma extremidade. A segunda
varinha, dos humanos, tinha uma gema azul, e seu cabo foi forjado por prata.
O que Virion contou sobre a reação do inventor aos artefatos voltou à mente.
“O que você descobriu quando examinou?”
“Não são criadas para mãos mortais,” falou, como se recitasse alguma coisa.
“Qualquer um com meio cérebro só precisa ver por dois segundos para
perceber que são uma mistura de um feitiço sobre o outro, e nenhum deles é
decifrável; nem para um gênio que nem eu. Talvez tenha uma coisinha no
fundo de tudo isso, mas o asura não provou exatamente suas intenções boas,
então seria burrice assumir que não tem um negócio a mais.”
A verdade era que concordei com a avaliação dele. De noite, quando observei
melhor elas, descobri muito mais do que ele, pelo visto; incluindo catalogar as
primeiras camadas de feitiços e o que fariam quando fossem ativados. Era um
risco, todavia sabia com certeza que Kezess deveria ter construído uma chave
para desfazer o limite se os tornassem as Lanças mais fortes.
“Você está certo, Gideon. É por isso que não usaremos. Ao menos, não da
forma que Kezess Indrath pretendia.”
Após isso, expliquei tudo o que descobri. Ele assentiu, e em pouco tempo Emily
estava sorrindo ao seu lado. “É uma boa ideia” disseram simultaneamente,
tirando uma risada latente de Regis.
“Você não vive principalmente dentro do Arthur?” Ela revidou, ainda sorrindo.
“Tipo… Um parasita ou coisa do tipo?”
“Bom ponto, Watsken” disse, seu pequeno focinho balançando para cima e
para baixo em apreciação.
Com o éter agindo que nem uma extensão dos sentidos, senti a camada do seu
núcleo, onde a mana deveria ter continuado a varrer as imperfeições
minúsculas que ainda havia. Mas ela se movia somente dentro dele, nunca
tocando ou atravessando além de onde os canais e veias se conectavam ao
órgão.
Por mais que já tivesse absorvido bastante, eu não sentia nada por trás dos
fenômenos testemunhados. Apertei a boca, me sentindo frustrado pela
primeira vez. Tinha certeza de que o influxo seria a chave para descobrir o que
Kezess fizera com eles.
“O que… Devo fazer?” Questionou ela após outro longo momento, a voz tensa
entre os dentes cerrados.
Emily e Gideon ainda não tinham visto nada útil em todas as leituras. Eu
possuía a varinha, todavia não podia confiar que funcionaria do jeito certo se
estivesse inibindo certos efeitos. Antes de usar, tinha que entender como a
limitação funcionava. Mesmo um palpite meio errado seria terrivelmente
perigoso para as Lanças. Se não direcionasse os feitiços uma vez que os
liberasse, tudo isso seria um total desperdício.
Pense, Arthur. Kezess projetou os artefatos para criar um limitador, mas mais
do que isso, o tal limitador foi escondido com cuidado, indetectável até quando
o mago manipula uma enorme quantidade de mana. Isso significava que ele
tinha preocupações de que a barreira fosse contornada de alguma forma. Mas
o que ele fez? Como poderia esconder um feitiço que nem esse? E, mais
importante, como eu poderia encontrá-lo?
Sylvia insistiu que os humanos eram muito brutos em seus pensamentos para
aprender, entretanto muito do que os dragões me disseram se mostrou errado,
ou pelo menos incompleto. Agora aparentava ser possível que os próprios
dragões fossem ignorantes e simplistas na maneira como viam humanos, elfos
e anões.
Me preparando, contei: “Sei que vai parecer impossível, mas, Varay, preciso
que você gaste muita mana sem quebrar a conexão com o chifre.”
“Não é.” Assegurei. “Eu aprendi quando tinha apenas quatro anos.”
Ela bufou, e o fluxo oscilou. Sua expressão endureceu, e quase que senti sua
motivação diminuir enquanto recuperava o controle. “Bom jeito de… Me chutar
no chão.”
“Vou ajudar a guiar a mana com éter, que nem antes, para estabilizar a
conexão. Preciso que mantenha parte do seu foco no chifre e lance um feitiço.
Algum que pode fazer sem pensar.” Para ajudar, me inclinei e peguei as suas
mãos, as firmando mais em torno do chifre de Cadell.
“Tente voar”, disse Bairon, o maior pedaço de sua atenção em nós enquanto
continuava a tirar apenas uma gota de mana do chifre em seu colo.
“Sinto muito”, admitiu, uma pitada de vergonha na voz. “Eu não entendo.”
“Está tudo bem.” Balancei a cabeça. “Siga com cuidado. Posso mostrar a
você.”
Como moldar argila, remodelei a mana no seu núcleo com éter. Não poderia
ser feito com mana, pois um mago não conseguia influenciar a mana dentro do
corpo de outro. No começo, puxei para fora, criando um pouco mais de efeito
do que se forçássemos a sair naturalmente, porém era somente o começo. A
sugestão de Bairon, pensei, foi perfeita.
Voar era uma segunda natureza para magos de núcleo branco, algo que faziam
sem pensar, manipulando a mana ambiente a fim de levantá-los. Um mago de
núcleo de prata drenaria suas as reservas em minutos, contudo um de núcleo
branco voava por horas. Era algo que Varay e eu entendíamos intimamente, e
um dos poucos “feitiços” que funcionava de maneira igual para todas as
Lanças.
Ficamos assim por mais um minuto, e devagar, bem devagar, retirei a minha
influência, a deixando por conta própria. A cada passo, seu voo se tornava
instável com ela balançando no ar. Depois, exerceu maior controle, e relaxei
um pouco mais.
Assim que estava prestes a sair, ela estendeu sua mão para a minha. Não
consegui suprimir o sorriso surpreso, apesar do frio mordaz do gelo.
Segurando firme, parei de canalizar éter. De pernas cruzadas, ela pairou a
alguns metros do chão, a mana cinzenta se derramando nela a partir do chifre.
Foi uma maravilha, de fato, porém o avanço estava tão longe do que
tentávamos realizar, que era difícil vê-lo como tal. Para o nosso propósito,
dificilmente era um trampolim.
“Bem aqui…
“Perfeito, continue.”
À medida que mais e mais mana deixava o seu núcleo, chegava a uma espécie
de equilíbrio.
Mas o que são esses pontos, e de que jeito estão impedindo a mana de clarear
os seus núcleos?
“Não deixe a mana se espalhar em seu corpo o máximo que conseguir. Acho
que estamos quase lá.” Ela deu um único aceno de cabeça, e soltei a sua mão,
abandonando o éter.
Senti sua visão focada na lateral do meu rosto, porém mantive meu olhar no
cristal, observando cada movimento da mana e éter. Após alguns segundos, ela
agarrou a varinha entre dois dos anéis de prata, logo abaixo da minha mão, e
imbuiu mana.
A gema brilhou azul, refratando os flocos de neve no ar e iluminando a beira do
lago. De imediato, mana e éter ganharam vida, as partículas se condensando
em feitiços e correndo ao longo do comprimento do objeto.
Um suor frio surgiu em minha testa, e redobrei o esforço para manter a magia
no lugar. A própria varinha foi projetada para lançar vários feitiços em
sequência, mas não podia permitir isso. O que quer que Kezess pretendesse
com esses implementos, só nos prejudicariam a longo prazo. Em vez disso,
tinha que liberar apenas o feitiço que desfaria o dano ao núcleo da Lança.
Regis!
Meu companheiro voou do corpo de Varay, sua forma aparecendo somente por
um instante como uma faísca ardente, e ele desapareceu na varinha.
Sua dor destruiu meu corpo quando a força crescente em torno do artefato
começou a interferir em sua forma incorpórea. ‘Argh! É tipo… tentar mijar em
um… furacão…’
Meu coração vibrava feito as asas de uma borboleta, e suei mais do que
deveria. Havia muita energia, mais do que devia ter. Era como se o artefato
reagisse ao fato de estar sendo adulterado. Uma salvaguarda, notei, a
reviravolta pecorrendo minhas entranhas. Uma armadilha para o caso de
alguém mexer.
“Não se mexam, idiotas” retrucou o inventor. Ele enrolou algum tipo de fio em
volta do ombro e estava se aproximando devagar, com cuidado, de mim, Varay
e do artefato.
Com um tipo de grampo, prendeu uma extremidade do fio de cobre, que era
conectado ao dispositivo atrás das Lanças, ao artefato. A pressão diminuiu na
hora, e senti a mana sendo puxada rápido de volta pelo cobre em uma série de
cristais.
“Vocês têm cerca de vinte segundos antes que esses cristais sobrecarreguem e
a gente morra de um jeito não muito legal” falou, indiferente.
Com a pressão diminuída e Regis lá para ajudar a guiar e focar o éter, envolvi
a magia da varinha em meu próprio poder e segurei com tanta força quanto
minha vontade permitia. A mana se estabilizou, mas não duraria muito.
O terceiro feitiço contido era um vivum de cura. Tenho certeza que era o que
curaria seus núcleos, mas está tudo bagunçado.
Usando meu próprio éter purificado, comecei a tecer uma barreira ao redor, o
cortando do resto da mana.
Ao meu lado, Emily gemeu. Os seus dedos estavam brancos de tanto segurar a
varinha. Do nada, seus joelhos dobraram e ela caiu.
“Gideon?” gritei.
Devemos ter quebrado algo. Ele não estava completo, não estava funcionando.
Conserte o feitiço, insisti. Entendi a intenção por trás dele, talvez os detalhes.
Tinha que ser o suficiente. Mas o Réquiem de Aroa só atrapalhava no esterno
dela. As partículas não gravitavam em direção ao feitiço quebrado. Em um ato
de puro desespero, virei elas ao núcleo em si, na esperança de limpar as
cicatrizes e reverter o dano que Kezess fizera.
Ainda assim, nada aconteceu. Meu conhecimento da runa não estava completo.
Não podia curar uma pessoa e nem refazer feitiços, pelo jeito.
É isso!
Lendo meus pensamentos, Regis tomou forma física e saiu, suas mandíbulas se
fechando ao redor do cristal. Logo quando o cabo foi consertado, cortei o
feitiço de cura com éter, e Regis puxou o vivum envolvendo a mana prateada,
que se soltou antes que o dispositivo de Gideon pudesse deslocá-la, e Regis
engoliu.
A mana dela recuou, e ela puxou a mão para longe do artefato, seu corpo
caindo contra mim por pura exaustão.
Os olhos da Lança rolaram para trás e ela caiu de bruços no chão ao lado de
Bairon. Ele se mexeu, como se quisesse pegá-la, todavia se lembrou do chifre
em mãos e congelou.
Tão rápido e suavemente quanto pude, levei a tremulante Emily ao chão antes
de me apressar para Varay e levantá-la. Sua respiração estava superficial e a
conexão com o chifre foi cortada, contudo, vivia. “Varay? Varay. Vamos,
Lança.”
Nós conseguimos.