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26 | OPINIÃO

janeiro/fevereiro | 2021 | VIDA JUDICIÁRIA

Legislação sobre parcerias público-privadas (PPP)


em Moçambique - contributos para a sua revisão
Fabrícia de Almeida Ana Robin de Andrade pelo que seria importante ter alguns
Henriques Advogada Sénior da Morais exemplos de justificações para o re-
Sócia e Managing Partner Leitão
da HRA Advogados curso a esta figura.
(iv) Licitação pública: a licitação
pública é referida como sendo um
procedimento a adoptar perante
uma proposta não solicitada de ini-

A
Lei n.º 15/2011, de 10 de la financeira, ouvida a entidade res- ciativa privada para um empreendi-
Agosto (Lei das PPP), com- ponsável pela tutela sectorial». No mento de PPP. A legislação não re-
pleta, este ano, dez anos de entanto, este modelo de referência fere como se processa este procedi-
vigência e é sabido que está em curso não existe, nem se encontra apro- mento de licitação pública e como se
a revisão do “pacote” legislativo das vado. Não existindo condições para deve interpretar o direito e margem
PPP, o qual inclui também o Decre- a existência deste modelo de referên- de preferência de 15% nele referido
to n.º 16/2012, de 4 de Julho (Re- cia, talvez valesse a pena considerar (há várias leituras possíveis).
gulamento da Lei das PPP), e o De- a eliminação da sua referência. Por (v) Concurso público: a articula-
creto 69/2013, de 20 de Dezembro outro lado, não existem requisitos ção das regras do concurso públi-
(Regulamento de PPP e concessões definidos para a componente técnica co constantes do “pacote” das PPP
empresariais de pequena dimensão). e ambiental dos estudos de viabili- com as disposições previstas na le-
Julgamos que esta revisão legislati- dade. Seria importante definir esses gislação sobre contratação pública
va deve ter como propósito o aper- requisitos tal como os mesmos se afigura-se pouco clara. Acrescente-
feiçoamento da clareza e da seguran- encontram definidos para a compo- -se que os critérios de avaliação das
ça jurídica dos diplomas em causa. nente económico-financeira. propostas financeiras constantes do
Tais atributos são indispensáveis (ii) Promoção de iniciativa do em- “pacote” PPP parecem ter um con-
teúdo imperativo, não sendo dada
flexibilidade à entidade contratante
para decidir os critérios a fixar nos
A distinção legal entre contrato de concessão documentos de concurso. Por ou-
e contrato de cessão de exploração tro lado, a avaliação da viabilidade
não é totalmente líquida económica-financeira dos concor-
rentes é efectuada tendo por base o
«modelo económico-financeiro de
referência». Não existindo o mode-
para uma legislação com esta impor- preendimento e lançamento do con- lo económico-financeiro de referên-
tância estratégica para Moçambique, curso: não é evidente quem toma a cia, esta norma é de implementação
já que os grandes projetos de inves- decisão de promover o empreendi- impossível.
timento – com componente pública mento de PPP (serão a tutela finan- (vi) Conceito de contrato de con-
e privada – têm aí os seus alicerces. ceira e a tutela sectorial em conjun- cessão e de contrato de cessão de ex-
Como contributo para a discus- to?). De igual forma, refere-se que ploração: as figuras não estão bem
são pública sobre a revisão destes a contratação pública decorre “sob delimitadas em termos conceptuais
diplomas, destacamos os seguintes orientação” da entidade responsável (há uma sobreposição de conceitos
pontos: pela tutela sectorial, não sendo to- quando esteja em causa um «em-
(i) Estudos de viabilidade e modelo talmente claro o que significa “sob preendimento existente»). Para a dis-
económico-financeiro de referência: orientação”. tinção destas figuras contratuais, po-
nos termos do regime jurídico das (iii) Ajuste directo: o recurso ao der-se-ia referir que, quando está em
PPP, o estudo de viabilidade econó- ajuste directo para a contratação de causa a cedência de direitos de rea-
mico-financeira de cada empreen- empreendimentos de PPP encon- bilitação, exploração e manutenção
dimento de PPP deve ser feito ten- tra-se sujeito a autorização prévia de um «empreendimento existente»,
do por base o «modelo económico- do Governo. Não se identificam os o contrato é de cessão de explora-
-financeiro de referência aprovado casos que podem servir de justifica- ção. Pelo contrário, quando esteja
pela entidade responsável pela tute- ção para o recurso ao ajuste directo, em causa a cedência de direitos de
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desenvolvimento, exploração e ma- é problemática pelo facto de estas re- faseamento parece ter por base uma
nutenção de um «empreendimento gras imperativas existirem tanto para concessão de raiz, em que a imple-
novo», o contrato é de concessão. PPP em áreas puramente económicas mentação do empreendimento tem
Em situações mistas, uma possível como para PPP em áreas de prestação lugar antes do início da operação,
solução seria a de qualificar o con- de serviço público de bens essenciais o que suscita dúvidas de interpreta-
trato consoante a alocação da maior (em que há um carácter eminente- ção em contratos em que existam,
expressão financeira do investimento mente social na prestação do serviço por exemplo, obras de reabilitação
privado (contrato de concessão, se a em causa). Ou seja, não há qualquer e operação ao mesmo tempo (as ga-
maior componente do investimento flexibilidade que permita reduzir as rantias são cumulativas?) ou quando
for para o desenvolvimento do em- taxas a cargo da concessionária abai- esteja em causa um mero contrato
preendimento ou o seu alargamen- xo dos mínimos previstos legalmen- de gestão.
to a áreas não cobertas, ou contrato te quando estejam em causa PPP na (x) Outros instrumentos: seria im-
de cessão de exploração, se a maior área de prestações de serviço públi- portante que determinados ins-
componente do investimento priva- co de bens essenciais (sendo que essa trumentos usualmente utilizados
do for para afectar à reabilitação do circunstância reflectir-se-á necessa- em PPP tivessem um quadro legal,
empreendimento existente). riamente nas tarifas a praticar junto como, por exemplo, o instrumento
(vii) Prazos: não é totalmente com- da população). do sequestro, que está omisso (na fi-
preensível a razão pela qual o prazo Por outro lado, certos benefícios gura do sequestro, há uma assunção
máximo de um contrato de conces- financeiros previstos na lei são de temporária pelo parceiro público das
são de raiz é de 30 anos e de um con- difícil exequibilidade prática, como, obrigações do parceiro privado por
trato de cessão de exploração é de 20 por exemplo, a necessidade de ha- razões de incumprimento grave das
anos (já que este último pode envol-
ver investimentos de avultado valor,
superiores a uma concessão de raiz).
Os prazos definidos para os contratos
PPP devem ser os adequados à amor- É imperioso que a articulação da legislação das PPP
tização do investimento, não sendo com outro tipo de legislação seja clarificada
correcta a ideia de que o prazo máxi-
mo de um contrato de concessão de
raiz deva necessariamente ser superior
ao contrato de cessão de exploração.
Por outro lado, as regras nesta ver uma participação reservada para obrigações por este último).
matéria necessitam de uma melhor alienação para cidadãos, via merca- (xi) Autarquias locais: a Lei das
clareza, já que não é totalmente evi- do bolsista, no capital social do em- PPP é também aplicável a PPP de
dente se a possibilidade de prorro- preendimento em percentagem não autarquias locais, mas todo o regime
gação contratual por mais 10 anos inferior a 5%. das PPP parece estar desenhado para
nos contratos de concessão se tem (ix) Garantias financeiras: a pres- PPP do Estado, o que traz muitas
de compatibilizar com o prazo má- tação de garantias financeiras está dificuldades práticas na interpreta-
ximo ou se pode ir além do mes- prevista de forma imperativa, tanto ção e aplicação dos diplomas quan-
mo. De igual forma, não é claro se quanto ao tipo de garantias como ao do esteja em causa uma parceria a
a possibilidade de prorrogar a du- seu valor. Tal circunstância impede nível local.
ração do contrato como forma de qualquer derrogação por contrato (xii) Articulação com outra legisla-
compensação por eventos de força ou acto administrativo (por exem- ção: por fim, é imperioso que a arti-
maior ou investimentos adicionais plo, quanto ao valor) para PPP em culação da legislação das PPP com
pode ir para além dos prazos máxi- áreas de prestação de serviço público outro tipo de legislação seja clarifica-
mos definidos. de bens essenciais. da. Com efeito, o artigo 38.º da Lei
(viii) Benefícios financeiros: a Lei das Por outro lado, há um faseamento das PPP e o artigo 74.º do Regula-
PPP contém regras imperativas sobre temporal no que diz respeito ao mo- mento da Lei das PPP (que tratam
os vários tipos de benefícios financei- mento de prestação das várias garan- da legislação supletiva e da prevalên-
ros que devem constar do contrato de tias financeiras: (i) apresentação das cia de normas em caso de conflito)
PPP e os respetivos valores mínimos. propostas, (ii) celebração do contra- são muito pouco claros e de difícil
O mesmo acontece com os benefícios to (para garantia da implementação interpretação.
sócio-económicos. Esta imperativida- do empreendimento), (iii) início de Estes são, em nossa opinião, al-
de impede qualquer derrogação ou exploração (para garantia do bom guns dos aspectos essenciais que de-
adaptação por contrato ou acto ad- desempenho operacional) e (iv) assi- vem ser considerados na revisão do
ministrativo. Ora, esta circunstância natura do termo de devolução. Este “pacote” legislativo das PPP.

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