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6.

Contratação de projetos de infraestrutura via PPPs15

No que segue, proponho que o framework aplicado à modalidade de PPP tenha sete elementos principais.

Os quatro primeiros correspondem às fases 2 a 4 do esquema de preparação de projetos de PPP na União Europeia (Figura 4). Os três
outros dizem respeito à fase posterior à conclusão do projeto.

Figura 4: Fases de preparação de projeto de PPP na União Europeia

Fonte: Camacho e Rodrigues (2014)

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Para fins de discussão que segue, adoto a prática de muitos autores que não diferenciam concessões de PPPs, entendendo que as primeiras são
apenas um caso particular das segundas. O foco aqui é a perspectiva econômica da questão. Há que se ter em mente, porém, que o normal no Brasil é
tratar essas duas opções como alternativas distintas. Essa distinção resulta, principalmente, de a legislação que rege as concessões (Lei 8.987/1995) ser
diferente da que regula as PPPs (Lei 11.079/2004), inclusive no que tange às regras que regem a transferência de recursos e a concessão de garantias pelo
Poder Público

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Passo 1: Passo 2:
Avaliação da atratividade da PPP Detalhamento do projeto

A literatura mostra que, em geral, os governos não dedicam A etapa de detalhamento do projeto visa atingir três objetivos
a mesma atenção a realizar avaliações cuidadosas e análises principais:
econômicas das PPPs como fazem com projetos contratados
na modalidade convencional (Engel, Fisher e Galetovic, 2008; i. aprofundar o conhecimento dos gestores públicos sobre
Estache e Saussier, 2014; RLKKF, 2014). Para Estache e o investimento, de forma a permitir aperfeiçoar o projeto,
Saussier (2014), isso reflete certo viés ideológico e oportunismo adaptá-lo à modalidade PPP e mitigar problemas de assimetria
político, que fazem com que os governos sigam em frente informacional em relação aos potenciais investidores;
com as PPPs sem testar se as suposições que as tornam uma
alternativa atraente se verificam no caso do projeto em questão. ii. desenhar um modelo de PPP que maximize o VFM do
Um primeiro passo do nosso framework, portanto, deve ser projeto;
testar se as hipóteses que tornam as PPPs a melhor opção estão
presentes no caso concreto. Duas dessas hipóteses devem ser iii. redigir um contrato de PPP que reflita o modelo escolhido.
explicitamente consideradas:
Vieira (2014) lista uma série de estudos que necessitam ser
• que as PPPs fazem com que o projeto de infraestrutura seja feitos para a preparação de uma PPP (Quadro 2). A maioria já
realizado de forma mais eficiente, resultando, portanto, em um deveria ter sido realizada nos estágios anteriores de análise, mas
melhor VFM; há sempre espaço para aprofundá-los e, por vezes, atualizá-los.
Deve haver sempre uma forte preocupação do setor público
• que as PPPs permitem flexibilizar as restrições fiscais em se ter o máximo de informação possível sobre o projeto
(adicionalidade de recursos), viabilizando investimentos em e os potenciais licitantes, de forma a minimizar os rents
casos em que o setor público carece dos recursos financeiros e/ informacionais que podem ser auferidos pelos investidores
ou humanos para tal. privados.

O argumento da eficiência depende de uma série de suposições O contrato de PPP precisa ser muito mais completo, no sentido
que podem ou não ser realidade: mercados competitivos; de prever cenários contingentes variados ao longo de um
seleção e execução eficiente; ótima transferência ou maior período de tempo, do que o de execução de uma obra. É
compartilhamento de riscos; e a capacidade no setor público de necessário prever contingências, deveres e direitos ao longo do
preparar e desenvolver bons projetos, assim como de realizar período do contrato, em geral de décadas; determinar como se
bons contratos. A própria experiência brasileira mostra que darão as adaptações às novas circunstâncias e como elas serão
nem sempre esse é o caso. financiadas. É preciso definir, com detalhes, qual o serviço que
será fornecido e com que padrão de qualidade, com a geração
A possibilidade de acelerar a implantação de novas de indicadores que possam ser monitorados e eventualmente
infraestruturas é um dos principais atrativos das PPPs no checados por uma terceira parte. E é preciso desenhar um
Brasil (Frischtak, 2013). Porém, o aporte de recursos pelo projeto que interesse o investidor privado, mas sem dar a ele
parceiro privado não é uma doação, mas um “empréstimo”. A uma parcela do excedente total gerado pelo projeto maior do
não ser no caso de uma concessão pura, em que esta viabiliza que o mínimo necessário. Assim, a formatação da PPP em si
com a cobrança que não seria politicamente possível de outra e do contrato correspondente deve contemplar os seguintes
forma, o recurso à PPP significa que o parceiro privado está elementos:
financiando os investimentos do governo, e precisará ser
pago por isso no médio e longo prazo. E, em geral, esse é um i. Definição do escopo: Em uma PPP, o parceiro privado é
empréstimo com custo mais alto do que se o governo fosse responsável por um conjunto mais amplo de etapas do projeto
diretamente a mercado. Isso leva à recomendação de que do que na modalidade convencional. Entre essas, podem estar a
antes de se seguir em frente com a PPP se garanta que a sua concepção do plano de negócios e dos projetos de engenharia,
atratividade foi devidamente testada, inclusive com recurso a a construção, o financiamento, a manutenção e a operação
avaliações externas, como discutido na seção 4. da infraestrutura. É preciso definir caso a caso quais serão
efetivamente transferidas ao privado.

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Quadro 2: Estudos necessários à estruturação de uma PPP

Fonte: Vieira (2014)

ii. Determinação de prazos e indicadores de desempenho: O v. Análise das condições de financiamento: As condições
contrato deve especificar e o governo fiscalizar explicitamente financeiras com que o parceiro privado aceitará trabalhar
o prazo de início de provisão dos serviços e a qualidade e dependerão do tipo de financiamento que estiver disponível
quantidade do serviço a ser fornecido pelo parceiro privado, a para o projeto.
partir de indicadores de desempenho definidos claramente no
contrato. Passo 3:
Contabilização orçamentária dos compromissos com a PPP
iii. Alocação de riscos: Na preparação do projeto de PPP, um
dos passos mais importantes é a eficiente alocação de riscos. Em algumas jurisdições, de acordo com RLKKF (2014), ocorre
Quase sempre, a maioria dos riscos de implantação e operação no caso das PPPs que essas não precisem constar do orçamento
do projeto ficarão com o parceiro privado. A transferência público, em contraste, segundo os autores, com o que ocorre
desses para o parceiro privado poderá aumentar o VFM nos projetos realizados na modalidade convencional. Nesse
quando isso criar um incentivo para que o parceiro privado caso, argumentam RLKKF (2014), o investimento em PPPs
melhore a eficiência. Raramente, porém, será o caso de se acaba sendo tratado à parte do investimento realizado
transferirem todos os riscos em um projeto para a empresa diretamente pelo setor público. Da mesma forma, as despesas
privada. O objetivo deve ser alocar o risco para a parte que decorrentes da implantação da PPP muitas vezes não estão
seja mais capaz de gerenciá-lo – no caso do setor público, por submetidas à regulamentação direta como sendo uma despesa
exemplo, isso se aplica quando é ele mesmo o responsável pública.
por determinadas licenças, como as ambientais, ou atividades,
como as desapropriações. Em parte, argumentam RLKKF (2014), esse quadro resulta da
falta de normas contábeis adequadas. A falta de um padrão
iv. Precificação de riscos: Além de identificar e alocar os de contabilidade abrangente e universal para o tratamento
riscos adequadamente, é preciso precificá-los corretamente, contábil de PPPs, segundo os autores, dificulta incluir e tornar
para poder avaliar a razoabilidade da remuneração exigida vinculantes os compromissos com PPPs no orçamento público.
pelo parceiro privado. Um erro nesse passo pode ter severas Isso, às vezes, permite às PPPs contornar limites fiscais que não
consequências fiscais, assim como afetar a prestação deveriam ser ignorados.
de serviços, inclusive pela não conclusão do projeto de
infraestrutura. Como grande parte das obrigações futuras do governo sobre as
PPP são compromissos de longo prazo, é importante analisar

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a PPP do ponto de vista fiscal, em especial: (i) o impacto Passo 5:
dos projetos sobre a dinâmica das contas públicas, e (ii) se o Monitoramento
governo tem como manter a solidez e sustentabilidade fiscal
enquanto promove projetos de PPP. O monitoramento do projeto de PPP é realizado pela
autoridade pública competente, tendo por base os indicadores
Passo 4: de desempenho estipulados em contrato, que precisam ser
Licitação detalhados, mensuráveis e refletir adequadamente a natureza, a
quantidade e a qualidade do serviço prestado.
Nas PPPs, uma intensa competição na etapa de licitação é ao
mesmo tempo mais difícil e mais necessária. A dificuldade O próprio contrato pode conter incentivos, como prêmios
deriva da escala muito maior do projeto, que exige do e punições, para estimular o privado a ter um desempenho
parceiro privado mais expertise tecnológica e gerencial e, consistente com o que estipula o acordo. Deduções podem ser
ao mesmo tempo, maior capacidade e comprometimento aplicadas aos pagamentos que o governo deve fazer ao parceiro
financeiro16. A necessidade resulta do grau bem maior de privado em caso de fraco desempenho. Complementarmente,
assimetria informacional e a oportunidade que este cria para podem ser dados prêmios se o desempenho superar um
a extração de rendas informacionais. A alocação da maioria benchmark pré-estabelecido. De fato, um aspecto interessante
das atividades do projeto, assim como dos riscos, ao parceiro dos projetos de PPP é que se pode recorrer a uma pesquisa de
privado, gera uma assimetria informacional superior à presente satisfação para se aferir a qualidade do serviço e em cima disso
na modalidade convencional de contratação. Isso faz da instituir incentivos.
estruturação e da gestão do processo licitatório um dos passos
mais críticos do framework aqui analisado. Passo 6:
Renegociação e refinanciamento
Nesta etapa, os seguintes elementos precisam ser decididos:
Uma característica positiva das PPPs é a menor necessidade de
• o modelo de licitação a ser usado, se leilão inglês, envelope renegociações na fase de implantação do projeto, em função
fechado, etc.; se separado ou não em etapas (proposta técnica e da maior integração vertical das atividades aí desenvolvidas
de preço, por exemplo); em que ordem estas devem ocorrer; (Pinheiro, 2015). Isso não significa, porém, que não ocorram
renegociações em projetos realizados nessa modalidade. Pelo
• os critérios de pré-qualificação a que os potenciais licitantes contrário, como se trata de contratos de longo prazo, quase
devem estar sujeitos; por definição incompletos, há uma grande chance que eles
necessitem de adaptações ao longo do seu período de execução.
• o grau de interação com os potenciais licitantes e em Estache e Saussier (2014) observam que as renegociações
que medida o modelo de licitação deve ser permeável às são relativamente frequentes em projetos de PPP (Tabela
informações assim obtidas; 2). É difícil precisar o que leva a essas renegociações, se
um comportamento oportunista do parceiro privado,
• a definição dos critérios a serem utilizados para avaliar as aproveitando-se da “Transformação Fundamental” (ver
propostas e selecionar o vencedor da licitação (preço, cobertura Pinheiro, 2015) que se dá a partir do momento em que os
de serviços, prazo etc.); parceiros estão presos ao contrato de PPP, ou alterações
bem intencionadas, originadas no setor público ou privado,
• a decisão de se todos os participantes do leilão deverão motivadas pelo desejo de ampliar ou melhorar o serviço.
concorrer na mesma condição ou se alguns podem gozar de Seja qual for a razão, porém, é possível prever que durante a
alguma vantagem (Swiss challenge, bônus, etc.). vida de um projeto de PPP o plano original do projeto terá de
ser alterado. Isso significa que o projeto que é efetivamente
realizado não coincide exatamente com o licitado, de forma
que o VFM efetivo também não é necessariamente o mesmo.
Nesse contexto, a boa prática recomenda que essa realidade

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Estache e Iimi (2009) ilustram esse ponto com evidências empíricas para o setor de água e saneamento.

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Tabela 2: Alguns estudos sobre a frequência de renegociações em PPPs

NAO: National Audit Office


Fonte: Estache e Saussier (2014)

seja considerada na fase de preparação do projeto e, na medida FCM determina que o parceiro privado seja remunerado por
do possível, incluída de forma contingente no contrato de novos investimentos não previstos em contrato de forma a
PPP. Proponho aqui que três medidas sejam incorporadas no deles obter um valor presente líquido nulo, utilizando uma
framework geral aqui discutido, com vistas a lidar com essa taxa de desconto calculada de acordo com uma fórmula pré-
realidade. determinada, contingente nas condições correntes de mercado.

Primeiro, incluam-se nos contratos de PPP instrumentos que Segundo, a análise de VFM e a definição dos indicadores de
facilitem as adaptações contratuais, respeitando o objetivo de desempenho devem ser feitas de tal forma que a relação custo-
maximizar o VFM do projeto. Dois instrumentos já utilizados benefício possa ser facilmente atualizada para incorporar as
em alguns contratos, cuja aplicação deveria ser generalizada, condições de renegociação. Isso facilitaria a própria negociação
são o desconto de reequilíbrio e o fluxo de caixa marginal das adaptações contratuais e serviria para o setor público
(Ribeiro, 2011). avaliar a conveniência de manter o projeto operando17.

O desconto de reequilíbrio serve, no caso de pagamento de Terceiro, a gestão do parceiro privado precisa ser monitorada,
tarifa ao parceiro privado, para condicionar a remuneração de forma a evitar que eventuais desequilíbrios financeiros se
recebida pelo parceiro privado ao grau com que este atinge os avolumem e resultem na necessidade de renegociações para
níveis de desempenho contratados. Esse mecanismo permite cobrir custos elevados em função de desperdícios e má gestão.
que o contrato seja corrigido, preservando o seu VFM, sem a É sempre importante lembrar que a assunção de riscos pelo
necessidade de uma renegociação formal. parceiro privado funciona na prática para valores moderados,
até os quais não é interessante para ele simplesmente
O fluxo de caixa marginal (FCM) reproduz no contrato de abandonar o projeto. Daí ser recomendável que as PPPs sejam
PPP a flexibilidade que o gestor público detém na modalidade objeto de cuidadosa supervisão e auditorias regulares.
convencional de obra pública, no sentido de poder incorporar RLKKF (2014) propõem uma checklist voltada para garantir
novos investimentos ao projeto original (Pinheiro, 2015). O que as renegociações gerem bons resultados, mesmo quando

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RLKKF (2014) observam que. na Coréia do Sul, em caso de aumento no custo do projeto superior a 20%, a autoridade responsável pelo projeto é
obrigada a fazer um estudo de reavaliação da viabilidade do projeto.

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não ocorrerem de forma automática: benefícios advindos do refinanciamento, incluindo ganhos a
• qualquer renegociação deve incluir os financiadores do serem transferidos para o poder público.
projeto, além do poder público e o parceiro privado. Em
especial, o financiador do projeto quererá ter certeza de que seu Passo 7:
retorno não será diluído através de uma renegociação; Avaliação ex-post

• a renegociação tem de levar em conta o acordado no projeto Como se argumentou anteriormente, é recomendável que,
original; uma vez concluídos, todos os projetos de infraestrutura sejam
submetidos a uma revisão básica. Essa avaliação deve verificar
• é preciso respeitar o processo licitatório original, de forma se o projeto foi concluído dentro do orçamento e prazo
a prevenir a renegociação oportunista. Os países da UE, em originais; se o projeto apresenta as características originalmente
particular, têm regras rígidas sobre como adicionar ao escopo especificadas; e se os objetivos iniciais do projeto estão sendo
original ou à escala do projeto sem alterar a natureza do alcançados. No caso de desvios em relação ao projeto original,
processo licitatório inicial; é importante dimensioná-los e identificar as suas causas. A
boa prática sugere que essa avaliação se baseie em critérios
• a renegociação deve ser sempre feita sem afetar definidos quando da concepção original do projeto e essas
negativamente o VFM original do projeto; informações retroalimentem o processo de planejamento e os
bancos de dados disponíveis para os gestores.
• o governo só deve compensar o parceiro privado quando as
condições mudarem por causa de alterações discricionárias nas Proponho que essa avaliação seja incluída como um
políticas públicas; componente do framework aqui desenvolvido. Ela pode ser
feita pelo próprio ministério setorial, um órgão central (o
• é fundamental considerar cuidadosamente quaisquer Tesouro, por exemplo), ou pelo Tribunal de Contas.
mudanças no perfil de risco do projeto que possam resultar da
renegociação;

7. A Importância da
• qualquer renegociação deve ser feita de forma transparente e
dentro da lei. Estruturação dos Projetos
de Infraestrutura
Os autores chamam a atenção também para a possibilidade
de que as bases do contrato sejam alteradas por conta do
refinanciamento do projeto de PPP. Este ocorre quando há O Brasil apresenta sérias carências de infraestrutura. Apesar
uma mudança na estrutura de capital do parceiro privado, do fraco crescimento econômico dos últimos anos, em especial
da sua participação no investimento, ou das condições de na indústria, o risco de racionamento de energia elétrica é
financiamento da dívida. O refinanciamento pode ser uma boa significativo. Os aeroportos operam bem acima da taxa de
opção após a conclusão da construção, quando em geral as utilização ideal, os armadores sofrem com longas esperas para
empresas privadas de construção querem sair do projeto com a carga e descarga de mercadorias, as estradas estão saturadas.
venda de suas ações. Os indicadores de mobilidade urbana nas metrópoles
brasileiras pioram a cada novo levantamento. Relatórios
Além disso, nesse estágio, os acionistas às vezes querem diversos mostram que a o quadro da infraestrutura no Brasil,
converter uma parte do seu capital em dívida subordinada, especialmente na área de transportes, é bem pior do que seria
beneficiando-se de o risco do projeto ser significativamente de se esperar dado o seu nível de renda.
menor após a construção – isso significa que o prêmio de risco
embutido no custo de financiamento também deve cair, abrindo Além da falta de um planejamento setorial adequado, dois
uma oportunidade para monetização do ganho de capital fatores são em geral apontados para explicar esse quadro. Um,
correspondente. Quando for o caso, essa também pode ser uma a demanda por serviços de infraestrutura ter crescido mais que
oportunidade a ser aproveitada pelo BNDES para reduzir sua a renda. Por exemplo, nos últimos anos, o consumo de energia
participação no financiamento do projeto. Vários governos residencial e a movimentação de passageiros nos aeroportos
incluem nos contratos de PPP regras sobre como tratar os aumentaram mais que o PIB. Outro, o baixíssimo nível de

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