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conheca-estrategias-para-utilizar-jogos-na-alfabetizacao
Publicado em NOVA ESCOLA 09 de Junho | 2022

Prática pedagógica

Aprender brincando:
conheça estratégias para
utilizar jogos na
alfabetização
Atividades, que precisam ser planejadas com
intencionalidade pedagógica, motivam os alunos,
despertam reflexões e promovem habilidades importantes
para o desenvolvimento da leitura e da escrita
Dimítria Coutinho

Foto: Acervo pessoal/Liane Castro de Araujo


Unir brincadeira e aprendizado é sempre uma boa ideia para professores de
crianças, sobretudo porque elas se sentem mais motivadas. Na etapa da
alfabetização, há diversos jogos que podem ser usados pelos docentes como
estratégia para atingir os mais diversos objetivos pedagógicos.
Os jogos tornam a experiência do aprendizado mais significativa, já que eles
têm também uma função social, fazendo com que as crianças interajam entre si
e trabalhem em equipe. Se a estratégia for bem planejada, os professores
podem proporcionar diversas aprendizagens para os alunos enquanto eles
brincam.
“Reflexões sobre a dimensão sonora da língua e a sua notação são aspectos
que, entre outros, podem ser acionados por jogos. Eles são particularmente
produtivos porque essas reflexões são demandadas pelos seus próprios
objetivos: para jogar, para ganhar, para cumprir essas metas, é preciso
mobilizar conhecimentos no contexto do próprio jogo”, afirma Liane de Castro
Araujo, docente e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), onde também coordena o Laboratório de Acervos e
Práticas.
Os jogos na perspectiva da recomposição das
aprendizagens
Sobretudo neste momento em que as escolas e os estudantes ainda estão se
adaptando ao retorno ao modelo presencial, os jogos podem ser usados na
recomposição das aprendizagens. Sheila Cristina da Silva Barros, professora do
1º ano do Ensino Fundamental na EM Ubaldino Figueiroa, em Jaboatão dos
Guararapes (PE), percebe no cotidiano a falta que a Educação Infantil presencial
fez na vida escolar de seus alunos.
“Normalmente, quando entra no primeiro ano, a maioria das crianças já sabe
escrever o seu nome. Elas conhecem as letras que compõem o nome e
conseguem contar sílabas com facilidade. Agora, tudo isso está fazendo falta no
processo de alfabetização”, conta a professora. Ela costuma trazer jogos para a
sala de aula ao menos duas vezes por semana e diz que as crianças costumam
se empenhar mais nessas brincadeiras do que em outros tipos de atividade.
Para Maria José Nóbrega, assessora pedagógica na área de Linguagens, este é
um momento bastante propício para o uso de jogos na alfabetização. “Quando
a criança precisa desenvolver habilidades que ela já deveria ter desenvolvido
em anos anteriores, o jogo cria um uma situação interessante. Como ele tem
um lado que é motivador e prazeroso, acaba sendo mais light do que qualquer
outra atividade”, analisa. “Ele ativa também conteúdos emocionais, permite a
interação com os colegas e tem objetivos para serem atingidos. Tudo isso tira
um pouco daquele peso de inadequação que às vezes as crianças sentem
quando não estão dando conta daquilo que se esperava que elas
dominassem.”
Elementos lúdicos e intencionalidade pedagógica
Mas, apesar de muito importantes para a alfabetização, os jogos não servem
para toda e qualquer situação. “Eles não dão conta, sozinhos, do processo de
alfabetização”, alerta Liane. Ela aconselha que estratégias mais formais também
continuem sendo utilizadas pelos professores.
Para que os jogos tenham a função de ajudar na alfabetização, eles devem ser
muito bem planejados de acordo com a turma. Nesse sentido, os elementos
lúdicos precisam se unir à intencionalidade pedagógica do professor para que a
atividade faça sentido.
“Se forem apenas brincadeiras, não cumprem a função didática, e se forem
apenas recursos didáticos, perdem sua natureza de jogo”, destaca Liane. “É a
ação docente que, efetivamente, faz com que artefatos como jogos se
constituam como recursos didáticos. O jogo por si só não promove,
necessariamente, as aprendizagens pretendidas.”
Jogos para todas as etapas da alfabetização
Há uma grande diversidade de jogos que podem ser usados para diferentes
objetivos
Os jogos podem ajudar nos processos iniciais, ainda na Educação Infantil,
contribuindo para a fonetização da escrita, para chamar a atenção das crianças
para a dimensão sonora da escrita, para aprender as letras e para a reflexão
fonológica sobre unidades mais holísticas, como rimas, sílabas e aliterações”,
explica Liane. “Há jogos envolvendo diferentes unidades fonológicas e
diferentes operações cognitivas, seja de consciência fonológica sem a presença
da escrita, com o apoio de imagens, seja com a presença da escrita, que amplia
as possibilidades de análise fonológica”, completa.
Mais adiante, há também jogos que vão contribuir para a consciência
grafofonêmica e a apropriação do princípio alfabético para a consolidação das
correspondências fonográficas e para desenvolver a ortografia e a fluência de
leitura. “Assim, os jogos podem auxiliar durante todo o processo de
alfabetização”, reforça a pesquisadora.
CONFIRA AQUI ALGUNS JOGOS PARA A ALFABETIZAÇÃO

Desafios para todos, considerando o nível de


conhecimento de cada um
Janaína Vieira Siqueira, diretora da EM Alberto Santos Dumont, em Lagoa Santa
(MG), onde era professora do Infantil II até o ano passado, conta que gosta de
produzir os próprios games, sempre levando em consideração as necessidades
da turma. “Para atingir a intencionalidade pedagógica, antes é preciso conhecer
a turma e as peculiaridades de cada criança. Eu tenho de ter bem definido o
que que eu quero trabalhar naquele momento”, afirma. No município, uma das
cidades brasileiras referência em alfabetização, o processo começa de forma
intencional ainda na Educação Infantil.
A educadora acredita que os jogos são de grande ajuda no cotidiano
pedagógico, sobretudo quando as turmas são diversas. Neste momento de
retorno ao modelo presencial, as diferenças de aprendizagem ficaram ainda
mais evidentes nas salas de aula, e os jogos podem ajudar porque permitem
que alunos sejam organizados em pequenos grupos ou que atividades
específicas sejam direcionadas a cada estudante.
Um exemplo prático aconteceu na execução do jogo Tapete de Sílabas, que a
própria Janaína desenvolveu, cujo objetivo é que os alunos formem palavras a
partir de sílabas (o jogo está disponível no documento acima). Nesse game, que
acontece com a turma dividida em grupos, Janaína colocava os alunos com mais
dificuldade entre estudantes que já estavam mais avançados no conhecimento,
de forma que uns pudessem aprender com os outros. Em outra atividade, ela
realizou uma competição de “torta na cara” e direcionou perguntas a cada
estudante de acordo com o nível de alfabetização em que ele estava.
Segundo Liane, o uso de jogos na sala de aula pode ser organizado de modo a
desafiar todas as crianças, levando em conta os diferentes níveis de domínio da
leitura e da escrita que elas tiverem. “Por vezes, um mesmo jogo, com
diferentes adaptações, pode ser jogado por todos os alunos, respeitando seu
nível de conhecimento da língua oral e escrita. Em outras situações, a
organização de grupos com diferentes jogos e mediações é mais interessante.
Considerando que é preciso desafiar a todos, os jogos são bastante amigáveis
nesse sentido.”
Adaptações para avançar nos objetivos pedagógicos
Além de criar os próprios jogos, como Janaína, os educadores também podem
utilizar atividades já existentes e adaptá-las ao contexto de sua turma. É o que
tem feito Gabriela Domingos da Rocha, professora na EMEF Claudio Manoel da
Costa, em São Paulo (SP). Ela atua no contraturno escolar no Projeto de Apoio
Pedagógico (PAP) com alunos de 3°, 4°, 5° e 6° anos que ainda não
completaram a alfabetização. Com turmas pequenas e diversas, ela afirma que
os jogos permitem que seu planejamento seja quase individualizado para cada
criança.
Gabriela também ressalta a necessidade de praticar o mesmo jogo diversas
vezes. “É preciso ter uma frequência. Jogar mais de uma vez faz com que a
criança se aproprie das regras e das reflexões propostas pelo jogo, conseguindo
avançar”. A professora Sheila diz que tem usado a mesma estratégia. Ela
percebe que os alunos conseguem fixar melhor o conhecimento e levar as
reflexões realizadas de um jogo para outro com maior dificuldade ou objetivo
diferente.
Nesse sentido, é essencial que os docentes observem se os jogos estão tendo o
efeito esperado em relação à alfabetização. Se não estiverem, é necessário
adaptá-los, tornando-os mais desafiadores. “É preciso estar atento, porque não
adianta ficar em um jogo cujo objetivo é que a criança compreenda o
funcionamento do sistema de escrita se ela já entendeu que as letras
representam o som da fala”, orienta Maria José. “É preciso avançar e colocar
mais desafios. O jogo com função pedagógica tem de estar associado à
habilidade que se quer desenvolver.”
Janaína comenta que muitos professores não gostam de trabalhar com jogos
porque consideram que a turma faz muita bagunça nesses momentos. Para ela,
se isso está acontecendo, é justamente porque falta intencionalidade
pedagógica. “Eu vou dar um jogo para a criança montar palavras, por exemplo.
Se ela já venceu aquilo, não tem sentido, então ela vai acabar se dispersando.”
Observar muito, intervir pouco, evoluir sempre
Além de muito planejamento, as intervenções e as observações no decorrer dos
jogos e após as atividades são muito importantes para os professores
replanejarem o trabalho, averiguando se as habilidades pretendidas foram
atingidas e o que é necessário modificar para avançar.
“É no pós-jogo que o professor vai observar se de fato aquela estratégia
cumpriu sua função, que é garantir a aprendizagem daquele determinado
conteúdo”, ressalta Maria José. “Normalmente, o jogo tem a função de
sistematizar algum tipo de reflexão que o professor já promoveu antes.”
Janaína, Gabriela e Sheila comentam que costumam fazer anotações enquanto
as crianças jogam. Nesse momento, é importante notar se o jogo precisa de
alguma modificação, seja por falta de entendimento das regras ou para
aumentar ou diminuir a dificuldade, e se os alunos estão se ajudando ou se
seria necessária alguma mudança entre grupos e posições. Também vale
observar se as crianças estão conseguindo jogar sozinhas ou se estão
constantemente pedindo a ajuda do professor e se os estudantes estão
evoluindo em relação ao primeiro contato que tiveram com aquele jogo
específico.
Além de observar e anotar, os educadores também podem fazer pequenas
intervenções. Elas podem ser realizadas diretamente pelo docente ou por meio
do incentivo para que as crianças colaborem entre si. Janaína costuma colocar
algumas regras nos jogos que facilitam esse compartilhamento de
conhecimento, como a obrigatoriedade de todos do grupo interagirem antes de
uma decisão ser tomada na atividade.
Antes, durante e depois do jogo, o que faz com que a atividade tenha a função
alfabetizadora é justamente a mediação e a observação do professor. Mas Liane
dá uma dica: não intervir demais. “A função docente é essencial. Mas é
essencial também para assegurar a natureza do jogo, não parando o seu fluxo,
por exemplo, para dar explicações no quadro enquanto as crianças estão
animadas para seguir jogando. Esse equilíbrio faz parte das artes do fazer
docente.”
Jogando para alfabetizar
Confira algumas dicas para usar jogos na sala de aula no processo de
alfabetização
Conheça sua turma: Diagnostique quais são as habilidades que precisam ser
trabalhadas e escolha o jogo ideal para isso. Divida a turma a fim de conseguir
atingir todas as crianças de forma direcionada, considerando as diferenças
entre elas.
Adapte os jogos: Seja criando games novos ou modificando outros já
existentes, pense sempre que o contexto deve ser levado em consideração.
Converse antes, durante e depois: Os jogos são uma ótima estratégia de
sistematização de conhecimentos – que devem ter sido apresentados
previamente para as crianças, assim como precisam ser reforçados depois.
Explique bem as regras: Para que o jogo flua da forma esperada, é essencial
que as crianças compreendam corretamente suas regras e objetivos.
Proponha o mesmo jogo mais de uma vez: Isso ajuda a fixar as reflexões
propostas nas atividades.
Não subestime os jogos: Deixar os games para o fim da aula, como se
tivessem menor importância, não é considerada uma boa estratégia. Os jogos
devem ser bem planejados de acordo com a intencionalidade pedagógica,
ganhando destaque no processo de ensino e aprendizagem.
Sempre desafie os alunos: Fique de olho para notar quando um jogo está
ficando muito fácil. Pode ser hora de adaptá-lo ou de trocá-lo por outro.

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