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CURSO DE DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO

III. RECEITA PÚBLICA

1. Conceito
2. Classificações
3. Empréstimo público e dívida pública
4. Distribuição das receitas tributárias
4.1. Participações sobre a arrecadação de tributos alheios
5. Princípio da não afetação da receita de impostos

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Carlos Alexandre de Azevedo Campos

1. Conceito

Como visto, na consecução dos serviços públicos, o Estado tem um dispêndio de


recursos monetários para o seu custeio, a chamada despesa pública. O Estado, então,
necessita de recursos financeiros para cobrir essas despesas, ou seja, necessita de receita
para custear os serviços e as obras públicas voltadas para a realização do bem-estar comum
– satisfazer as necessidades públicas. Esses recursos são as chamadas receitas públicas.

Pode-se conceituar receita pública como todo ingresso de dinheiro nos cofres do
Estado que integra seu patrimônio e é utilizado para atendimento de suas finalidades. Essa
receita do Estado tanto pode ser obtida pela exploração do seu próprio patrimônio, como
pela imposição tributária, que representam, ambas, atividades financeiras do Estado
voltadas para obtenção de recursos.

Para Aliomar Baleeiro,1 “receita pública é a entrada que, integrando-se no


patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem
acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo”. Com base nesse conceito, deve-se
fixar a ideia da relação entre receita pública, de um lado, e acréscimo do patrimônio do
Estado, de outro: só poderá ser considerada receita pública aquela entrada de dinheiro que
venha a integrar definitivamente o patrimônio do Estado.

Com efeito, seguindo essa linha de definição, nem todas as “entradas” ou


“ingressos” de valores nos cofres públicos podem ser consideradas receitas públicas, pois
muitos desses valores representam entradas que serão objeto de “restituição posterior ou
representam mera recuperação de valores emprestados ou cedidos pelo governo”. Daí que,
Baleeiro denominou essas “simples entradas de caixa” que não integralizam o patrimônio
do Estado de “movimentos de fundos”,2 caracterizados como ingressos de recursos
destituídos de natureza de receita pública. São ingressos, entradas, mas não são receitas
públicas, pois lhes falta a característica essencial de promover um acréscimo patrimonial
em favor do Estado.

1
BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução ao Estudo das Finanças. Op. cit., p. 126.
2
Idem, ibidem.

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O Mestre baiano exemplifica esses “movimentos de fundos” como as cauções,


fianças, depósitos judiciais recolhidos ao Tesouro, os empréstimos contraídos pelo Estado
ou as amortizações nos empréstimos concedidos pelo próprio Estado. Esses exemplos
firmam a noção de não serem receitas públicas aqueles valores obtidos pelo Estado sob a
condição de serem restituídos aos respectivos depositantes ou concedentes de empréstimos.
Com esses exemplos, fica ainda mais claro que o conceito de receita pública não se
confunde com o de entrada. Todo ingresso de dinheiro aos cofres públicos caracteriza uma
entrada. Contudo, nem todo ingresso corresponde a uma receita pública, pois existem meras
“entradas de caixa” que não se integram efetivamente ao patrimônio do Estado porque são
representativos de entradas provisórias que devem ser, oportunamente, devolvidas.3

Em suma, e na esteira das lições de Aliomar Baleeiro, nosso melhor tratadista de


Direito Financeiro, para se caracterizarem como receitas públicas, os recursos devem
ingressar nos cofres públicos sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no
passivo, vindo a acrescer o patrimônio do Estado como elemento novo e positivo.

2. Classificações

Os autores nacionais classificam as receitas públicas, normalmente, a partir de dois


critérios distintos: o critério da regularidade ou da periodicidade e o critério da origem das
receitas públicas.

Adotando o critério da periodicidade, temos: a) receitas ordinárias; b) receitas


extraordinárias:

3
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 48. A grande polêmica em torno dessa
concepção de receita pública fica por conta da caracterização do produto da arrecadação dos empréstimos
compulsórios, instituídos para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública ou
guerra externa, e sua natureza tributária estabelecida pela Constituição de 1988. Previstos no art. 148 da
CF/88, dentro do Capítulo do Sistema Tributário Nacional e sujeitos aos princípios constitucionais
tributários, os empréstimos compulsórios são, inadvertidamente, tributos para o constituinte originário.
Contudo, possuem a particularidade de ser um tributo restituível, o que, segundo a concepção de Baleeiro,
lhe retiraria a característica de gerir receita pública, pois os valores arrecadados a este título ingressariam
nos cofres públicos sob a condição de serem futuramente restituídos. Ora, mas daí surge uma grande
polêmica: como os empréstimos compulsórios podem ser tributo e, ao mesmo tempo, não ser receita
pública? Trata-se de confusão gerada pelo distanciamento entre a disciplina do constituinte originário e a
melhor doutrina do Direito Financeiro e do Direito Tributário nacional.

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a) receitas ordinárias – são fontes permanentes de recursos financeiros do


Estado, pois ingressam regularmente, ordinariamente, nos cofres públicos
através do desenvolvimento regular da atividade financeira do Estado;

b) receitas extraordinárias – são receitas obtidas excepcionalmente,


temporariamente, só se justificando em casos extremos. Exemplo clássico é o
do art. 154, II da CF,4 onde a União Federal pode impor a exigência de
impostos extraordinários em caso de iminência ou na efetiva existência de
guerra externa.

Quanto ao segundo critério classificatório, o da origem das receitas públicas, essas


podem ser classificadas em:

a) originária – aquela que advém da exploração do próprio patrimônio público


ou através da atuação do Estado na exploração de atividades econômicas
(empresas estatais e sociedades de economia mista);

b) derivada – obtida pelo Estado por meio da coerção aos administrados,


retirando-lhes parte de suas riquezas, a título de tributo ou de outras espécies
de obrigação, para que possa cumprir suas finalidades. Sem embargo algum, o
exemplo mais destacado dessa espécie de receita é a derivada da imposição de
tributos aos cidadãos, a chamada receita tributária. Podem também ser
incluídas entre as receitas derivadas as penalidades pecuniárias, o confisco e
as reparações de guerra.

Ainda, e tal como acontece com as despesas públicas, tem-se a classificação legal
das receitas públicas contida na Lei nº 4.320/66, que igualmente não se compatibiliza com a
classificação doutrinária, principalmente porque, em seu art. 11, ela ignora plenamente,
para efeito de conceituação da receita pública, o requisito dos ingressos em dinheiro
integrarem efetivamente o patrimônio do Estado.

4
Art. 154. A União poderá instituir: (...)
II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua
competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.”

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O referido dispositivo infraconstitucional não se preocupou em conceituar as


receitas públicas, porém, as espécies de receitas listadas pela norma como sendo receitas
públicas deixa clara a mens legis de ser toda e qualquer entrada nos cofres públicos
considerada como tal, independente de estar condicionada à futura devolução, ser fruto de
devolução de empréstimo público outrora concedido ou de ser um ingresso que tem uma
contrapartida no passivo. Para o legislador ordinário, qualquer ingresso de caixa em favor
do Estado, pura e simplesmente porque é uma entrada de recursos, é receita pública.

3. Empréstimo público e dívida pública

Dentre as entradas que, a rigor, não são consideradas receita pública pela
doutrina,5 tem-se o empréstimo público – contrato administrativo por meio do qual “o
Estado se beneficia de uma transferência de liquidez com a obrigação de devolvê-lo no
futuro, normalmente acrescido de juros”.6 Trata-se de conceito mais restrito que o de
crédito público, que pode envolver tanto a operação estatal de fornecer pecúnia como a de
tomar dinheiro. Com os empréstimos, o Estado toma dinheiro e, com isso, assume a
obrigação de restituir o valor e seus acréscimos pactuados. Como leciona Lobo Torres, os
governos lançam mão desses empréstimos como forma de antecipar sua arrecadação
tributária e sustentar seus investimentos de longo prazo, sendo legítima a previsão dessas
operações na lei orçamentária anual, conforme art. 165, §8º, da Constituição de 1988.7

Porém, a classificação dos empréstimos públicos como receita pública enfrenta


dificuldades de fundo conceitual. Como visto, a configuração de uma entrada como receita
pública pressupõe a inexistência de qualquer contrapartida a esse ingresso de caixa.
Contudo, o empréstimo público representa entrada de dinheiro nos cofres públicos que tem,
como contrapartida, a obrigação do Estado de satisfazer o crédito tomado, ou seja, trata-se
de entrada de dinheiro que não acresce ao patrimônio do Estado, mas que produz no
passivo estatal a obrigação de restituir a quantia e seus acréscimos dentro do prazo

5
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 216.
6
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 111.
7
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 216.

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pactuado. Trata-se, em suma, de meras “entradas de caixa” ou “movimentos de fundos”.


Não obstante, a Lei nº 4.320/64, em seu art. 11, reconhece os empréstimos públicos como
espécie de receita pública.8

O passivo criado com a tomada de empréstimo público corresponde à considerada


dívida pública. O conceito de dívida pública alcança “os empréstimos captados [pelo
Estado] no mercado financeiro interno ou externo, através de contratos assinados com os
bancos e instituições financeiras ou do oferecimento de títulos ao público em geral”, além
da “concessão de garantias e avais”. Por obviedade, não abrange as dividas próprias da
Administração, como as de “aluguéis, aquisição de bens, prestação de serviços,
condenações judiciais, etc.”.9

4. Receitas tributárias e sua distribuição

Para nosso estudo importa, acima das demais espécies de receitas públicas, a
chamada receita tributária – aquela receita obtida através da arrecadação de valores
legalmente exigidos a título de tributos. Oportuna a observação feita por Celso Ribeiro
Bastos no sentido de serem as receitas tributárias “as mais importantes no Estado
Moderno.” Acrescenta o autor:

“Ninguém pode negar a importância do tributo, sobretudo na sua modalidade de imposto, na


atividade financeira do Estado. De fato, por sua própria natureza, o Poder Público volta-se para
a realização de diversos serviços cujos benefícios não são divisíveis. São utilidades não
suscetíveis de exclusiva imputação individual. Assim sendo, é de justiça que também a
coletividade seja chamada a cobrir essas despesas mediante o pagamento do imposto”. 10

Como já insistente exposto, a tarefa maior do Estado é a satisfação das


necessidades públicas, que vem a ser realizada pela consecução dos serviços públicos; esses
serviços públicos, para serem efetivos, requerem recursos financeiros para seu custeio;

8
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 111.
9
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 217/218.
10
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. Op. cit., p. 48.

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assim, toda a atividade estatal voltada para obtenção, gestão e aplicação desses recursos
financeiros é a denominada atividade financeira do Estado.

Ocorre que, o Estado, apenas por seus recursos próprios (receita originária), não
possui condições para o custeio e a manutenção desses serviços públicos. Diante disso, o
Estado precisa adquirir junto aos administrados – inclusive àqueles que não sejam
diretamente beneficiados pelos serviços públicos e principalmente aos que possuem
melhores condições econômicas de contribuir – os recursos necessários para o
funcionamento adequado da máquina estatal. Esses recursos são obtidos mediante a
imposição de tributos – a receita tributária, que, acima de tudo, encontra sua justificativa
no dever de participação justa da sociedade na satisfação das necessidades públicas. Como
o Brasil é uma federação, com três níveis de governo encarregados de amplos deveres
perante a sociedade e alto custo orçamentário para tanto, há a necessidade do
estabelecimento de uma distribuição equilibrada dessas receitas.

O constituinte de 1988 estabeleceu duas formas distintas de distribuição de


receitas tributárias para promover esse equilíbrio financeiro: (i) distribuição de
competências tributárias; (ii) participações sobre as arrecadação de tributos de competência
alheia. Trata-se de institutos diferentes que requerem abordagens separadas.

No primeiro caso, há uma distribuição, pela Constituição de 1988, de autorizações


legislativas para que os entes federativos instituam e arrecadem tributos próprios. Como
será visto nos capítulos sobre “tributos” (capítulo VII) e sobre a “competência tributária”
(capítulo IX), a Constituição de 1988, assim como haviam feito as constituições anteriores,
estabeleceu diferentes espécies tributárias e distribuiu, entre a União Federal, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, competências para a instituição em lei desses diferentes
tributos, de modo que cada uma dessas pessoas constitucionais pudesse obter recursos para
satisfazer as necessidades públicas que são de suas respectivas alçadas. Assim, por expressa
disposição constitucional, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
receberam competências para instituir impostos, taxas, contribuições de melhoria e
contribuições especiais, na forma e com o conteúdo autorizado constitucionalmente,
enquanto a União pode ainda instituir empréstimos compulsórios.

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Essa distribuição de competências tributárias, por meio das quais os entes


constitucionais podem impor seus próprios tributos e, dessa forma, arrecadar diretamente
suas receitas públicas, é disciplinada nos arts. 145, 148, 149, 149-A, 153, 154, 155 e 156 da
Constituição Federal. Trata-se, o instituto da competência tributária, sob o ponto de vista da
autonomia política dos entes constitucionais, embora nem sempre do ponto de vista
econômico, o instrumento mais relevante que a Constituição estabeleceu para os entes
federativos obterem receitas tributárias. Contudo, como dito acima, essa não é a única
maneira por meio da qual o constituinte originário distribuiu receitas tributárias. Há
também a figura das participações sobre a arrecadação de tributos alheios, por meio das
quais os entes menores recebem, dos entes maiores, parcelas das receitas arrecadas por
esses últimos por meio da imposição dos tributos de sua competência. Parcela da receita
tributária da União é distribuída para Estados, Distrito Federal e Municípios; enquanto
parcela da receita tributária dos Estados é distribuída para seus respectivos Municípios.

Enquanto o instituto da competência tributária será especificamente tratado mais


adiante, no capítulo IX e como objeto do estudo do Direito Tributário, as participações
serão abordadas agora como matéria do Direito Financeiro.11

4.1. Participações sobre a arrecadação de tributos alheios

Como muito bem advertido por Ricardo Lobo Torres, “as participações sobre a
arrecadação constituem instrumento dos mais modernos, de equilíbrio financeiro” entre os
entes federativos, no que toca à distribuição das receitas públicas.12 O constituinte de 1988
buscou, por meio dessas, o equilíbrio financeiro vertical no complexo Estado federal
brasileiro, utilizando-se do expediente de transferir, em favor de um ente constitucional

11
É de se entender que a distribuição de receitas tributárias por meio das participações sobre a arrecadação de
tributos alheios, ainda que trate da partilha de recursos auferidos por meio da imposição tributária, não
constitui um instrumento de caráter tributário, ou seja, que encerra uma relação jurídica de natureza
tributária, mas sim, uma relação jurídico-constitucional entre entes federativos dotada de natureza própria
do Direito Financeiro – aspecto da soberania financeira dos entes constitucionais. Daí porque,
didaticamente, o tema se encaixa melhor nos capítulos destinados ao Direito Financeiro do que ao Direito
Tributário.
12
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário. Constituição
Financeira, Sistema Tributário e Estado Fiscal. Op. cit., p. 500.

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menor, parte da receita de outro ente constitucional oriunda do exercício concreto de uma
ou mais de suas competências tributárias. Com isso, o constituinte redistribui recursos dos
entes federativos mais autossuficientes para os mais dependentes econômica e
financeiramente. A Constituição tratou do tema em seus arts. 157 a 162.

Tal como estruturada na Constituição de 1988, essas participações podem ser


classificadas em diretas e indiretas. As participações diretas operam por mera transferência
orçamentária ou são entregues diretamente aos entes destinatários, enquanto as
participações indiretas se concretizam por meio de fundos específicos.

As participações diretas são estabelecidas nos arts. 157 e 158 da Constituição:

(i) pertence aos Estados e ao Distrito Federal, a receita arrecadada com o


Imposto de Renda (IR) incidente na fonte sobre os rendimentos pagos, a
qualquer título, tanto a funcionários e servidores públicos como aos
prestadores de serviços em geral, por esses entes constitucionais, por
suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem (art.
157, I);

(ii) pertence aos Municípios, a receita arrecadada com o Imposto de Renda


(IR) da União Federal, incidente na fonte sobre os rendimentos pagos, a
qualquer título, tanto a funcionários e servidores públicos como aos
prestadores de serviços em geral, por esses mesmos entes
constitucionais, por suas autarquias ou pelas fundações que instituírem e
mantiverem (art. 158, I);

(iii) pertencem aos Estados e ao Distrito Federal, 20% da arrecadação com


eventuais impostos residuais da União Federal, estabelecidos na forma
do art. 154, I (art. 157, II);

(iv) pertencem aos Municípios, 50% da arrecadação do Imposto sobre a


Propriedade Territorial Rural (ITR), de competência da União Federal,
relativamente aos imóveis situados em seus respectivos territórios,
podendo o percentual ser de 100% na hipótese de os Municípios

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optarem por fiscalizar e cobrar diretamente o imposto dos imóveis neles


situados, na forma do art. 153, §4º, III (art. 158, II);

(v) pertencem aos Municípios, 50% do produto da arrecadação do Imposto


sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), de competência
dos Estados, relativamente aos veículos licenciados em seus respectivos
territórios (art. 158, III);

(vi) pertencem aos Municípios, 25% do produto da arrecadação do Imposto


sobre as operações relativas a Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), maior imposto dos Estados, conforme os critérios de valor
adicionado das operações que ocorrerem em seus territórios (art. 158,
IV, § único).

Essas participações diretas são incondicionadas na medida em que não possuem


destinação prévia a quaisquer órgãos ou despesas, ao passo que a nota característica das
participações indiretas é justamente a vinculação das receitas transferidas a determinadas
despesas ou órgãos. O emprego desses recursos fica então sujeito a um controle posterior
quanto à sua destinação correta a esses fundos e à sua vinculação a essas despesas pré-
determinadas, de modo que se possa falar em participações condicionadas.

A Constituição de 1988 estabeleceu alguns fundos especiais de participação como


“instrumentos de descentralização da administração financeira” e que “constituem uma
universalidade de receitas vinculadas a despesas específicas”. Nesses casos de “partilha de
recursos através de fundos”, “o numerário ingressa originariamente no fundo e é repassado
segundo o sistema de cotas calculadas de acordo com critérios estabelecidos em lei, ficando
o emprego das importâncias transferidas sujeitas ao controle do Tribunal de Contas da
União”. O fundo serve assim de “mecanismo contábil para o cálculo e a entrega dos
recursos” em um sistema, a princípio, “refinado e produtivo de redistribuição de receita”.13

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TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário. Constituição
Financeira, Sistema Tributário e Estado Fiscal. Op. cit., p. 506/507.

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O art. 159 prevê um sistema de redistribuição de receitas tributárias da União


Federal mediante essas participações indiretas:

(i) 48% do produto da arrecadação do Imposto sobre a Renda (IR)


(excluída a parcela correspondente aos Estados e Municípios a título de
participação direta) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI),
da seguinte forma: a) 21,5% para o Fundo de Participação dos Estados e
do Distrito Federal (FPE) (art. 159, I, a); b) 22,5% para o Fundo de
Participação dos Municípios (FPM) (art. 159, I, b); c) 3% para aplicação
em programas de financiamento do setor produtivo das Regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste do país (art. 159, I, c); d) mais 1% para o
Fundo de Participação dos Municípios a ser entregue nos primeiros dez
dias de dezembro de cada ano (art. 159, I, d, §1º);

(ii) 10% do produto da arrecadação do Imposto sobre Produtos


Industrializados (IPI) para os Estados e o Distrito Federal,
proporcionalmente ao valor das respectivas exportações e limitados,
para cada ente, ao percentual máximo de 20% do valor a ser distribuído,
devendo esses redistribuir, aos seus respectivos Municípios, 25% dos
recursos que lhes serão transferidos (art. 159, II, a, §§ 2º e 3º);

(iii) 29% do produto da arrecadação da Contribuição de Intervenção sobre o


Domínio Econômico (CIDE) de que trata o art. 177, §4º (CIDE relativa
às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus
derivados, gás natural e álcool combustível) para os Estados e o Distrito
Federal, devendo esses redistribuir, aos seus respectivos Municípios,
25% dos recursos que lhes serão transferidos; esses recursos devem ser
destinados exclusivamente para o financiamento de programas de
infraestrutura de transportes14 (art. 159, III, §4º c/c art. 177, §4º, II, c).

14
Cf. STF – Pleno, ADI 2.925/DF, Rel. p/ac. Min. Marco Aurélio, j. 19/12/2003, DJ 14/03/2005, onde a
Corte julgou inconstitucional lei orçamentária que dava destinação diversa à CIDE daquelas estabelecidas
no inciso II do §4º do art. 174, da Constituição, deixando claro se tratar de disciplina constitucional
exaustiva e plenamente vinculante inclusive ao legislador orçamentário.

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Conforme previsto no art. 160, caput, da Constituição de 1988, essas transferências


não estão sujeitas à retenção pelo ente obrigado à sua realização, salvo as hipóteses em que
a União e os Estados condicionarem a entrega dos recursos ao “pagamento de seus créditos,
inclusive de suas autarquias” ou ao “cumprimento do disposto no art. 198, §2º, II e III”, que
versam sobre os recursos mínimos que deverão ser aplicados em ações e serviços públicos
de saúde (art. 160, § único).

O papel de estabelecer critérios para a partilha dos recursos, tanto das participações
diretas como dentro dos fundos de participação, com o objetivo de promover o equilíbrio
socioeconômico entre Estados e Municípios e, desse modo, assegurar o escopo fundamental
do desenvolvimento nacional e buscar a redução das desigualdades regionais (art. 3º, II e
III, Constituição de 1988), foi reservado, pelo constituinte (art. 161), ao legislador
complementar. Em decisão relevantíssima, o Supremo Tribunal Federal julgou, em 2010,
inconstitucionais os critérios de rateio vigentes e estipulados pela LC 62/1989, por entender
os mesmos defasados com a atual realidade socioeconômica dos entes destinatários das
transferências e, portanto, incapazes de cumprir com os propósitos constitucionais de
promover o equilíbrio socioeconômico dentro da Federação brasileira, reduzindo assim as
desigualdades regionais então existentes.15

A Corte, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99, modulou temporalmente os efeitos


de sua decisão, mantendo os critérios inconstitucionais vigentes até 31/12/2012, dando
assim quase três anos para que o Congresso Nacional renovasse os critérios sem um vácuo
normativo sobre a matéria. Contudo, expondo mais uma vez toda a sua fraqueza funcional,
o Congresso quedou-se inerte, omisso, e não cumpriu o prazo estipulado pelo Supremo em
sua decisão. Dessa forma, desde 01/01/2013, o Brasil carece da lei complementar exigida
pelo art. 161 da Constituição de 1988, ficando a impressão da injustiça continuada da
distribuição dessas participações entre Estados e Municípios.

5. Princípio da não afetação da receita de impostos

15
STF – Pleno, ADI 2.727/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 34/02/2010, DJ 30/04/2010.

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Tema relevante dentro do universo de abordagem da receita pública é o da vedação


constitucional, dirigida ao legislador ordinário, de vinculação da receita pública a certas
despesas.16 Trata-se do chamado princípio da não afetação da receita. Destaque para seu
estabelecimento no art. 167, IV, da Constituição de 1988, que proíbe a vinculação das
receitas derivadas de impostos a órgão, fundo ou despesa determinada, salvo a repartição
do produto da arrecadação de impostos de que tratam os arts. 158 e 159; a destinação de
recursos para as ações e serviços públicos de saúde, nos termos do art. 198, §2º; a
destinação de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212); recursos
para realização de atividades da administração tributária, na forma do art. 37, XXII; e
prestação de garantias às operações de crédito para antecipação de receita (art. 165, §8º).

A vinculação da receita, total ou parcial, de imposto a órgão, fundo ou despesa, fora


das exceções estabelecidas no art. 167, IV, é causa de inconstitucionalidade da medida
legislativa. O constituinte, fora das exceções estabelecidas, privilegiou a maior liberdade
para a confecção e execução do orçamento público. Para o Supremo, de acordo com esse
dispositivo constitucional, o legislador não pode destinar, seja para antes ou para depois da
entrada dos recursos, a receita de impostos a órgãos ou despesas específicas ou pré-
determinadas,17 o que não alcança outros tributos, como as taxas.18

16
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 119.
17
STF – Pleno, ADI 1.750/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 20/09/2006, DJ 12/10/2006: “É inconstitucional a lei
complementar distrital que cria programa de incentivo às atividades esportivas mediante concessão de
benefício fiscal às pessoas jurídicas, contribuintes do IPVA, que patrocinem, façam doações e investimentos
em favor de atletas ou pessoas jurídicas. 2. O ato normativo atacado a faculta vinculação de receita de
impostos, vedada pelo artigo 167, inciso IV, da CB/88. Irrelevante se a destinação ocorre antes ou depois da
entrada da receita nos cofres públicos. 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade da vinculação do imposto sobre propriedade de veículos automotores ---
IPVA, contida na LC 26/97 do Distrito Federal.”
STF – Pleno, ADI 1.759/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14/04/2010, DJ 20/08/2010: “Ação Direta de
Inconstitucionalidade contra o inciso V do § 3º do art. 120 da Constituição do Estado de Santa Catarina,
com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, promulgada em 10 de novembro de 1997.
Vinculação, por dotação orçamentária, de parte da receita corrente do Estado a programas de
desenvolvimento da agricultura, pecuária e abastecimento. Inconstitucionalidade. Afronta à iniciativa
privativa do Chefe do Poder Executivo em tema de diretrizes orçamentárias. Precedentes. Violação ao art.
167, IV, da Constituição. Precedentes. Ação julgada procedente”.
18
STF – Pleno, ADI 2.129/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 26/04/2006, DJ 16/06/2006: “1. Preceito de lei
estadual que destina 3% [três por cento] dos emolumentos cobrados pelas serventias extrajudiciais ao Fundo
Especial para Instalação, Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades dos Juizados Especiais Cíveis
e Criminais do Estado do Mato Grosso do Sul não ofende o disposto no art. 167, V, da Constituição do
Brasil Precedentes. 2. A norma constitucional veda a vinculação da receita dos impostos, não existindo, na
Constituição, preceito análogo pertinente às taxas. Pedido julgado improcedente.

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