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1. Conceito
2. Classificações
3. Empréstimo público e dívida pública
4. Distribuição das receitas tributárias
4.1. Participações sobre a arrecadação de tributos alheios
5. Princípio da não afetação da receita de impostos
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Carlos Alexandre de Azevedo Campos
1. Conceito
Pode-se conceituar receita pública como todo ingresso de dinheiro nos cofres do
Estado que integra seu patrimônio e é utilizado para atendimento de suas finalidades. Essa
receita do Estado tanto pode ser obtida pela exploração do seu próprio patrimônio, como
pela imposição tributária, que representam, ambas, atividades financeiras do Estado
voltadas para obtenção de recursos.
1
BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução ao Estudo das Finanças. Op. cit., p. 126.
2
Idem, ibidem.
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CURSO DE DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO
2. Classificações
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HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 48. A grande polêmica em torno dessa
concepção de receita pública fica por conta da caracterização do produto da arrecadação dos empréstimos
compulsórios, instituídos para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública ou
guerra externa, e sua natureza tributária estabelecida pela Constituição de 1988. Previstos no art. 148 da
CF/88, dentro do Capítulo do Sistema Tributário Nacional e sujeitos aos princípios constitucionais
tributários, os empréstimos compulsórios são, inadvertidamente, tributos para o constituinte originário.
Contudo, possuem a particularidade de ser um tributo restituível, o que, segundo a concepção de Baleeiro,
lhe retiraria a característica de gerir receita pública, pois os valores arrecadados a este título ingressariam
nos cofres públicos sob a condição de serem futuramente restituídos. Ora, mas daí surge uma grande
polêmica: como os empréstimos compulsórios podem ser tributo e, ao mesmo tempo, não ser receita
pública? Trata-se de confusão gerada pelo distanciamento entre a disciplina do constituinte originário e a
melhor doutrina do Direito Financeiro e do Direito Tributário nacional.
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Carlos Alexandre de Azevedo Campos
Ainda, e tal como acontece com as despesas públicas, tem-se a classificação legal
das receitas públicas contida na Lei nº 4.320/66, que igualmente não se compatibiliza com a
classificação doutrinária, principalmente porque, em seu art. 11, ela ignora plenamente,
para efeito de conceituação da receita pública, o requisito dos ingressos em dinheiro
integrarem efetivamente o patrimônio do Estado.
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Art. 154. A União poderá instituir: (...)
II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua
competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.”
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Dentre as entradas que, a rigor, não são consideradas receita pública pela
doutrina,5 tem-se o empréstimo público – contrato administrativo por meio do qual “o
Estado se beneficia de uma transferência de liquidez com a obrigação de devolvê-lo no
futuro, normalmente acrescido de juros”.6 Trata-se de conceito mais restrito que o de
crédito público, que pode envolver tanto a operação estatal de fornecer pecúnia como a de
tomar dinheiro. Com os empréstimos, o Estado toma dinheiro e, com isso, assume a
obrigação de restituir o valor e seus acréscimos pactuados. Como leciona Lobo Torres, os
governos lançam mão desses empréstimos como forma de antecipar sua arrecadação
tributária e sustentar seus investimentos de longo prazo, sendo legítima a previsão dessas
operações na lei orçamentária anual, conforme art. 165, §8º, da Constituição de 1988.7
5
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 216.
6
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 111.
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TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 216.
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Carlos Alexandre de Azevedo Campos
Para nosso estudo importa, acima das demais espécies de receitas públicas, a
chamada receita tributária – aquela receita obtida através da arrecadação de valores
legalmente exigidos a título de tributos. Oportuna a observação feita por Celso Ribeiro
Bastos no sentido de serem as receitas tributárias “as mais importantes no Estado
Moderno.” Acrescenta o autor:
8
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 111.
9
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 217/218.
10
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. Op. cit., p. 48.
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assim, toda a atividade estatal voltada para obtenção, gestão e aplicação desses recursos
financeiros é a denominada atividade financeira do Estado.
Ocorre que, o Estado, apenas por seus recursos próprios (receita originária), não
possui condições para o custeio e a manutenção desses serviços públicos. Diante disso, o
Estado precisa adquirir junto aos administrados – inclusive àqueles que não sejam
diretamente beneficiados pelos serviços públicos e principalmente aos que possuem
melhores condições econômicas de contribuir – os recursos necessários para o
funcionamento adequado da máquina estatal. Esses recursos são obtidos mediante a
imposição de tributos – a receita tributária, que, acima de tudo, encontra sua justificativa
no dever de participação justa da sociedade na satisfação das necessidades públicas. Como
o Brasil é uma federação, com três níveis de governo encarregados de amplos deveres
perante a sociedade e alto custo orçamentário para tanto, há a necessidade do
estabelecimento de uma distribuição equilibrada dessas receitas.
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Carlos Alexandre de Azevedo Campos
Como muito bem advertido por Ricardo Lobo Torres, “as participações sobre a
arrecadação constituem instrumento dos mais modernos, de equilíbrio financeiro” entre os
entes federativos, no que toca à distribuição das receitas públicas.12 O constituinte de 1988
buscou, por meio dessas, o equilíbrio financeiro vertical no complexo Estado federal
brasileiro, utilizando-se do expediente de transferir, em favor de um ente constitucional
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É de se entender que a distribuição de receitas tributárias por meio das participações sobre a arrecadação de
tributos alheios, ainda que trate da partilha de recursos auferidos por meio da imposição tributária, não
constitui um instrumento de caráter tributário, ou seja, que encerra uma relação jurídica de natureza
tributária, mas sim, uma relação jurídico-constitucional entre entes federativos dotada de natureza própria
do Direito Financeiro – aspecto da soberania financeira dos entes constitucionais. Daí porque,
didaticamente, o tema se encaixa melhor nos capítulos destinados ao Direito Financeiro do que ao Direito
Tributário.
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TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário. Constituição
Financeira, Sistema Tributário e Estado Fiscal. Op. cit., p. 500.
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menor, parte da receita de outro ente constitucional oriunda do exercício concreto de uma
ou mais de suas competências tributárias. Com isso, o constituinte redistribui recursos dos
entes federativos mais autossuficientes para os mais dependentes econômica e
financeiramente. A Constituição tratou do tema em seus arts. 157 a 162.
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TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário. Constituição
Financeira, Sistema Tributário e Estado Fiscal. Op. cit., p. 506/507.
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Cf. STF – Pleno, ADI 2.925/DF, Rel. p/ac. Min. Marco Aurélio, j. 19/12/2003, DJ 14/03/2005, onde a
Corte julgou inconstitucional lei orçamentária que dava destinação diversa à CIDE daquelas estabelecidas
no inciso II do §4º do art. 174, da Constituição, deixando claro se tratar de disciplina constitucional
exaustiva e plenamente vinculante inclusive ao legislador orçamentário.
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O papel de estabelecer critérios para a partilha dos recursos, tanto das participações
diretas como dentro dos fundos de participação, com o objetivo de promover o equilíbrio
socioeconômico entre Estados e Municípios e, desse modo, assegurar o escopo fundamental
do desenvolvimento nacional e buscar a redução das desigualdades regionais (art. 3º, II e
III, Constituição de 1988), foi reservado, pelo constituinte (art. 161), ao legislador
complementar. Em decisão relevantíssima, o Supremo Tribunal Federal julgou, em 2010,
inconstitucionais os critérios de rateio vigentes e estipulados pela LC 62/1989, por entender
os mesmos defasados com a atual realidade socioeconômica dos entes destinatários das
transferências e, portanto, incapazes de cumprir com os propósitos constitucionais de
promover o equilíbrio socioeconômico dentro da Federação brasileira, reduzindo assim as
desigualdades regionais então existentes.15
15
STF – Pleno, ADI 2.727/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 34/02/2010, DJ 30/04/2010.
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TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 119.
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STF – Pleno, ADI 1.750/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 20/09/2006, DJ 12/10/2006: “É inconstitucional a lei
complementar distrital que cria programa de incentivo às atividades esportivas mediante concessão de
benefício fiscal às pessoas jurídicas, contribuintes do IPVA, que patrocinem, façam doações e investimentos
em favor de atletas ou pessoas jurídicas. 2. O ato normativo atacado a faculta vinculação de receita de
impostos, vedada pelo artigo 167, inciso IV, da CB/88. Irrelevante se a destinação ocorre antes ou depois da
entrada da receita nos cofres públicos. 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade da vinculação do imposto sobre propriedade de veículos automotores ---
IPVA, contida na LC 26/97 do Distrito Federal.”
STF – Pleno, ADI 1.759/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14/04/2010, DJ 20/08/2010: “Ação Direta de
Inconstitucionalidade contra o inciso V do § 3º do art. 120 da Constituição do Estado de Santa Catarina,
com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, promulgada em 10 de novembro de 1997.
Vinculação, por dotação orçamentária, de parte da receita corrente do Estado a programas de
desenvolvimento da agricultura, pecuária e abastecimento. Inconstitucionalidade. Afronta à iniciativa
privativa do Chefe do Poder Executivo em tema de diretrizes orçamentárias. Precedentes. Violação ao art.
167, IV, da Constituição. Precedentes. Ação julgada procedente”.
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STF – Pleno, ADI 2.129/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 26/04/2006, DJ 16/06/2006: “1. Preceito de lei
estadual que destina 3% [três por cento] dos emolumentos cobrados pelas serventias extrajudiciais ao Fundo
Especial para Instalação, Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades dos Juizados Especiais Cíveis
e Criminais do Estado do Mato Grosso do Sul não ofende o disposto no art. 167, V, da Constituição do
Brasil Precedentes. 2. A norma constitucional veda a vinculação da receita dos impostos, não existindo, na
Constituição, preceito análogo pertinente às taxas. Pedido julgado improcedente.
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