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Ensino de Lutas na

Educação Física Escolar


Material Teórico
Semelhanças e Diferenças entre as Lutas para
o Trabalho no Âmbito da Educação Física Escolar

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Lazaro Rocha Oliveira

Revisão Textual:
Profa. Esp. Kelciane da Rocha Campos
Semelhanças e Diferenças entre as Lutas
para o Trabalho no Âmbito da Educação
Física Escolar

• Semelhanças e Diferenças entre as Lutas para o Trabalho


com a Educação Física Escolar: das Classificações Acadêmicas
aos Jogos de Oposição

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Identificar através de classificações das lutas, possibilidades de
trabalho que mais se adequem ao contexto da escola.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Semelhanças e Diferenças entre as Lutas para o Trabalho
no Âmbito da Educação Física Escolar

Contextualização
Através dos currículos, operamos recortes em campos do conhecimento,
escolhemos o que julgamos mais relevante. Em que pese a discussão de que a
escolha do que é e do que parece não ser relevante não é neutra (já nos alertavam os
grandes estudiosos do currículo de que não há como ser), mas sempre interessada;
recortes são necessários para tornar o trabalho factível.

Nós, como profissionais de uma profissão academicamente orientada, devemos


entender o recorte, mas devemos também saber olhar um pouco fora dele. O que
tem lá? O que podemos trazer para a prática docente na escola se dermos uma
espiada no modo como os temas que aparecem no currículo são tratados fora
deste? É exatamente isso que faremos nessa unidade, olhar algumas classificações
das lutas que foram pensadas fora do contexto do currículo e depois voltar para
pensar, com base nelas, propostas que já nascem voltadas ao contexto educacional.

Tudo pronto?

Vamos lá!

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Semelhanças e Diferenças entre as Lutas
para o Trabalho com a Educação Física
Escolar: das Classificações Acadêmicas
aos Jogos de Oposição
Selecionar, organizar, sistematizar, distinguir e/ou agrupar são tarefas bastante
recorrentes no mundo acadêmico. No que diz respeito ao campo da Educação Física
Escolar, podemos olhar para o currículo (os Parâmetros Curriculares Nacionais
ou o Currículo do Estado de São Paulo, por exemplo) como um ato técnico e
político que se alinha às tarefas mencionadas. Muitas vezes, o conhecimento que
um currículo recorta já foi percorrido e analisado por especialistas, ainda que isto
possa não aparecer necessariamente na forma final de um currículo. Nesse sentido,
podemos considerar que um currículo opera uma síntese dos principais recortes
realizados pelos interlocutores de uma área.

SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000.
Explor

PÉREZ GOMEZ, A.; SACRISTÁN, J. G. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre:


Artmed, 2007

Tratando especificamente da temática das lutas, podemos nos indagar: quais


recortes os interlocutores da área têm feito sobre o fenômeno das lutas? Tais
recortes poderiam nos fornecer subsídios para a elaboração de atividades a serem
desenvolvidas nas aulas de Educação Física? Vejamos.

Classificações Acadêmicas das Lutas


Como vimos nas unidades anteriores, o Eixo Lutas da Educação Física Escolar
engloba práticas pertencentes ao campo das artes marciais, das lutas e dos
esportes de combate. Nas unidades anteriores, refletimos acerca de elementos que
podem subsidiar atividades a serem desenvolvidas nas aulas de Educação Física,
principalmente a partir da temática das artes marciais. Como veremos a seguir,
outros autores se preocuparam em pensar subsídios à temática da pedagogia das
lutas partindo dos esportes de combate e da noção de lutas, sem necessariamente
abordarem a discussão de artes marciais que realizamos na unidade I. Podemos
extrair elementos da obra destes autores que podem nos auxiliar no trabalho com
a temática das lutas e do esporte de combate no Eixo Lutas.

Certamente não há como percorrer todas as obras com seus destaques e classifi-
cações em um único texto. Portanto, nos dedicaremos a analisar algumas das obras
mais citadas no que diz respeito às classificações das lutas e esportes de combate.

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UNIDADE Semelhanças e Diferenças entre as Lutas para o Trabalho
no Âmbito da Educação Física Escolar

A Classificação de Gomes
Mariana Gomes (2010) parte das ideias disseminadas por Claude Bayer a
respeito dos Jogos Desportivos Coletivos para propor os princípios condicionais
das lutas. Segundo a autora, seriam eles: contato proposital; fusão ataque-
defesa; imprevisibilidade; oponentes/ alvos; regras.

GOMES, Mariana Simões Pimentel et al. Procedimentos pedagógicos para o ensino das
Explor

lutas: contextos e possibilidades. 2008. Disponível em: https://goo.gl/G5i8Px

Contato proposital
Este princípio parte da exigência de que para haver luta deve ocorrer contato
entre os participantes. Em algumas modalidades o contato ocorre utilizando diversas
partes do corpo, em outras ocorre através de um implemento (instrumento). Para
Gomes (2010), sempre há contato na luta: seja o contato técnico, facilmente
perceptível a terceiros, ou o contato tático, que é perceptível àqueles mais
familiarizados com determinada modalidade.

Fusão ataque-defesa
Trata-se, segundo a autora, de uma peculiaridade das lutas ao serem comparadas
com alguns esportes coletivos. Nas lutas os ataques e as defesas não ocorreriam
de maneira isolada, um participante ataca enquanto o oponente defende. Pelo
contrário, tratar-se-iam de ações que cada participante executa simultaneamente: o
modo de organizar a defesa leva em consideração a iminência do ataque, enquanto
o modo de atacar geralmente não deixa de lado a necessidade da defesa. Em
Gomes (2010), este princípio se liga intimamente ao princípio seguinte.

Imprevisibilidade
Para Gomes, a relação de interdependência disposta entre os praticantes de uma
luta, aliada às várias possibilidades de ataques e defesas simultâneas, faz com que
o número de estratégias que podem ser previamente estabelecidas se torne ínfimo,
o que leva a uma constante organização e estruturação de estratégias durante o
próprio combate.

Oponente/ alvo
Segundo a autora, é a condição da luta existir. Gomes (2010) destaca que o
oponente de um indivíduo na luta é, geralmente, um participante em condições físicas
semelhantes às dele próprio: ele também pode se movimentar através de estratégias de
ataque-defesa, e essa característica reforça a imprevisibilidade de um combate.

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Regras
Compõem o alicerce de qualquer modalidade de luta, já que dita as condições
em que os participantes podem se opor.

A partir destes princípios condicionais, Gomes sugere a seguinte definição para


as lutas:
Prática corporal imprevisível, caracterizada por determinado estado de
contato, que possibilita a duas ou mais pessoas se enfrentarem numa
constante troca de ações ofensivas e/ou defensivas, regida por regras,
com o objetivo mútuo sobre um alvo móvel personificado no oponente.
(GOMES, 2010, p.15, grifo da autora).

Adiante veremos mais algumas classificações de lutas e, em seguida, possibilidades


de trabalho que elas podem fomentar no contexto da Educação Física escolar.

A Classificação de Espartero
Julián Espartero (1999) sugeriu uma classificação para as lutas que utiliza
como critério o tipo de contato entre os participantes. Teríamos, então, segundo
Espartero, os esportes de luta com agarre; os esportes de luta com golpes e, por
fim, os esportes de luta com implemento.

Os Esportes de Luta com Agarre


Este primeiro grupo de Espartero (1999) engloba as modalidades em que a
ação de agarrar remete ao objetivo do combate, que pode ser o de derrubar, o de
projetar o oponente, ou o de controlar o oponente no solo.

Os esportes de luta com agarre são subdivididos entre os que possuem uma
imposição inicial do agarre (os lutadores já começam agarrados, como no Judô
paralímpico, por exemplo) e os que não possuem essa imposição (no combate do
Jiu-jitsu e do Judô olímpico, por exemplo, os lutadores começam afastados).

Espartero (1999) ainda subdivide os esportes de luta com agarre entre os que
têm por objetivo somente derrubar ou projetar o adversário (como na luta leonesa)
e os que possuem como objetivo a projeção com a continuação do combate no
solo (como no judô).

Os Esportes de Luta com Golpes


No segundo grupo, esportes de luta com golpes, Espartero (1999) agrupa as
modalidades em que a ação de golpear é essencial para alcançar os objetivos do
combate (golpear para marcar pontos, por exemplo). O grupo é subdividido entre
os esportes de luta que utilizam exclusivamente os punhos (como no boxe, por
exemplo); os esportes de luta que utilizam exclusivamente as pernas (como no
savate, por exemplo) e, por fim, os esportes de luta que utilizam os punhos e as
pernas (como no karatê, por exemplo).

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UNIDADE Semelhanças e Diferenças entre as Lutas para o Trabalho
no Âmbito da Educação Física Escolar

Os Esportes de Luta com Implemento


O terceiro grupo da classificação de Espartero (1999) engloba os esportes de
luta que utilizam um implemento com o objetivo de tocar o corpo do adversário
em áreas pré-definidas. É o caso da esgrima, por exemplo, em que o toque no
oponente ocorre através de uma arma (espada, sabre ou florete).

A Classificação de Ramirez, Dopico e Iglesias


Ramirez, Dopico e Iglesias (2000) sugeriram uma classificação para os esportes
de luta que apresenta, como critério principal, as condições em que o contato pode
ocorrer entre os participantes (apesar de várias ações motoras serem virtualmente
possíveis durante um combate, apenas algumas são válidas: ao boxeador não é
permitido chutar, ao taekwondista não é permitido agarrar, por exemplo).

Os autores sugerem três grandes grupos para as lutas e os esportes de combate:


esportes de luta com agarre; esportes de luta sem agarre e com golpes; esportes de
luta sem agarre e com implemento.

Os Esportes de Luta com Agarre


Nesta categoria, Ramirez, Dopico e Iglesias (2000) agrupam as modalidades
cuja ação motora principal seja a de derrubar o adversário (como na luta canária);
excluir ou fixá-lo em um espaço (como no sumô); controlá-lo (como no jiu-jitsu).

Os Esportes de Luta sem Agarre e com Golpes


Esta categoria engloba as modalidades cuja ação motora principal é a de golpear
ou impactar: temos como exemplo o karatê, várias modalidades de kung fu,
taekwondo, etc.

Os Esportes de Luta sem Agarre e com Implemento


Nesta categoria, os autores dispõem as modalidades em que a ação motora
principal é a de tocar o oponente com o auxílio de algum implemento, como é o
caso do kendo, da esgrima, etc.

A Classificação de Henares
David Henares (2000) sugeriu uma classificação para as lutas e para os esportes
de combate que pretende reunir características citadas por vários autores (como
Iglesias, Ramirez, Espartero, Dopico, entre outros). Para Henares, as ações motoras
presentes nas lutas e nos esportes de combate permite alinhá-las em três grupos:
modalidades em que a ação motora visa derrubar o adversário; modalidades em
que a ação motora seja a de golpear e modalidades em que a ação motora seja a
de tocar.

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Derrubar
O primeiro grupo de Henares (2000) engloba as modalidades cuja ação motora
principal seja a de a) derrubar ou desequilibrar o adversário; b) controlá-lo; c) fixá-
lo; ou d) excluí-lo. Vejamos em detalhes:
• No caso das modalidades que visam derrubar ou desequilibrar o adversário,
o autor destaca que a ação motora pode ser realizada de três maneiras,
dependendo da modalidade: apenas com os membros superiores; apenas com
os membros inferiores; com movimentos articulados de membros superiores e
inferiores, tronco e quadril.
• As modalidades que visam controlar o adversário são aquelas em que a disputa
não é encerrada logo após a queda do parceiro de prática, pelo contrário,
a modalidade possui um grande número de ações motoras que devem ser
realizadas com o parceiro de prática no solo.
• As modalidades que visam fixar o adversário são aquelas cujo objetivo do
combate é o de manter o parceiro de prática no solo.
• As modalidades que visam excluir o adversário são aquelas cujo objetivo do
combate é o de remover o parceiro de prática de uma área física pré-definida.

Golpear
O segundo grupo da classificação proposta por Henares (2000) engloba as práticas
em que a ação motora de golpear pode ser efetiva (a potência da ação motora de
golpear interfere nos rumos da disputa) ou fictícia (não se golpeia para impactar,
neste caso a ação de golpear visa ao acúmulo de pontos que decidirão a disputa). As
ações de golpear podem ser realizadas com diversas partes do corpo, dependendo da
modalidade (membros superiores; membros inferiores; cabeça; etc.).

Tocar
O terceiro e último grupo da proposição de Henares engloba as modalidades cujo
objetivo é o de tocar o adversário com um implemento (instrumento). Dependendo
da modalidade, o toque deve ser realizado somente com a ponta de um implemento
(como é o caso das disputas de esgrima utilizando as armas espada e florete, por
exemplo) ou, pelo contrário, pode ser realizado com todo o implemento (como
é o caso das disputas de esgrima com a arma sabre, por exemplo, em que os
participantes podem tocar o adversário utilizando tanto a ponta da arma quanto a
sua lâmina).

Explorando as Classificações Acadêmicas


das Lutas sobo Prisma da Escola
Muitas vezes um autor pode fazer uma pesquisa acadêmica e obter resultados
excelentes, contudo estes resultados podem não ter nenhuma aplicabilidade pre-

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UNIDADE Semelhanças e Diferenças entre as Lutas para o Trabalho
no Âmbito da Educação Física Escolar

vista. Isto pode ocorrer porque as pesquisas acadêmicas podem ter uma natureza
aplicada, ou seja, visa produzir conhecimentos para resolver um problema especí-
fico, ou ter uma natureza básica, ou seja, visa produzir conhecimentos novos, mas
sem previsão de aplicabilidade. Olhando para as classificações das lutas do item
anterior, por exemplo, podemos ter a impressão de que elas pertencem ao campo
da pesquisa básica, e que não podem subsidiar concretamente nosso trabalho na
escola. Todavia, basta um pouco mais de zelo e reflexão para que a nossa imagi-
nação comece a apresentar sugestões muito concretas: seja a de elementos para
elaborarmos atividades, seja a de mudanças para propostas que tenhamos realiza-
do sem sucesso. É aí que percebemos: não devemos basear nossa prática docente
apenas em manuais com receitas práticas sobre o que fazer na escola.

Podemos perceber que a classificação de Gomes (2010), ao sugerir princípios que


atravessam várias modalidades, promove dois movimentos: por um lado faz com
que nos familiarizemos com as lutas (regras, contato, ataque e defesa, oponentes,
etc. também aparecem no futebol, por exemplo), por outro mostra que a noção de
luta representa um conhecimento que pode ser criado na escola: grande parte dos
alunos adoraria, após estudar sobre alguma(s) modalidade(s), criar a luta da turma
ou colaborar para a criação da luta da escola.

Se os princípios condicionais das lutas, sugeridos por Gomes (2010), nos im-
pelem à ampliação do que interpretamos como lutas (o conhecimento das lutas pode
até mesmo ser criado, se partirmos de seus princípios), as classificações de Esparte-
ro, Ramirez, Dopico, Iglesias e Henares nos convida a olhar novamente para as mo-
dalidades já conhecidas, mas agora sob o prisma de suas ações motoras principais.

Judô não é jiu-jitsu, e vice-versa. Todavia, a ação motora de agarrar desempenha


um papel fundamental em ambas as modalidades. A esgrima e o kendo moderno
possuem muitas diferenças, talvez mais do que semelhanças, mas em ambas
as modalidades a ação de tocar o oponente é mediada por um implemento. O
desafio para o professor de Educação Física se torna o de analisar uma modalidade
para saber quais são suas ações motoras principais. Quais são seus padrões de
movimento? Partindo deste questionamento, podemos propor aos nossos alunos
atividades que ajudem a ilustrar o que foi discutido com eles sobre a modalidade.

Há uma proposta bastante difundida no Brasil que opera nesse sentido, é


chamada de jogos de oposição.

Os Jogos de Oposição
Os jogos de oposição se popularizaram no Brasil principalmente após o livro do
professor Sérgio Luiz Carlos dos Santos, chamado ‘‘Jogos de oposição: ensino
das lutas na escola”, publicado em 2012. Ainda que o título do livro remeta à ideia
arriscada de que é possível para o professor de Educação Física ensinar a lutar na
escola (assim como o título de muitas disciplinas que tratam de lutas, artes marciais
e esportes de combate em cursos de licenciatura), a leitura do seu conteúdo mostra
o cuidado do autor com o tema.

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SANTOS, Sérgio Luiz Carlos dos. Jogos de oposição: ensino das lutas na escola. São Paulo:
Explor

Phorte, 2012.

O objetivo dos jogos de oposição não é o de ensinar técnicas de luta, nem


as gerais nem as específicas. É importante esclarecer isso desde o início para os
alunos, para que eles não produzam expectativas que não podem ser contempladas
com este conteúdo. Nas palavras do próprio Santos:
“Os Jogos de Oposição objetivam, como qualquer atividade de cunho
educacional, formar indivíduos para o convívio social, por meio de
conteúdos que passam por valores culturais, históricos, sociais e de
gênero, e que podem ser ensinados pelo movimento humano” (SANTOS,
2012, p. 41).

A ideia de realizar atividades envolvendo jogos nas aulas de Educação Física


não soa estranha para ninguém, o que faz com que a proposta dos jogos de
oposição seja muito bem acolhida por alunos em diferentes ciclos de ensino. Outra
característica positiva é o fato dos jogos de oposição tratarem-se de atividades que
podem ser livremente criadas: um pouco de dedicação e o professor consegue criar
e/ou adaptar um jogo para determinado contexto.

Vamos pensar alguns jogos?

Segundo Santos (2012), os jogos de oposição são classificados de três maneiras,


de acordo com o espaço entre os participantes: a) jogos de oposição a distância;
b) jogos de oposição a meia distância; c) jogos de oposição corpo a corpo. Sem
pegadinhas, é uma classificação bastante intuitiva:
a) Nos jogos de oposição a distância, os participantes raramente se tocam.
Um bom exemplo é um jogo bastante divertido chamado “ponha o
menininho do outro lado”: duas equipes com número igual de integrantes
se opõem em um espaço grande. Uma garrafa pet – ou bola - representa
o pequeno menino. Os jogadores podem se movimentar livremente,
a meta de cada equipe é levar o objeto que representa o menino até o
extremo do lado oposto do espaço – linha de fundo em uma quadra
de futsal, por exemplo -, enquanto a outra equipe tenta fazer o mesmo
para o outro lado. Se um jogador portando o objeto nas mãos é tocado
por um membro da equipe adversária, ele perde a posse do objeto para
aquele participante. Para que isso não ocorra, é permitido aos jogadores
passarem o objeto para os outros membros da sua equipe, mas só para
os que estão atrás dele em relação à direção do ataque – o que evita
que os jogadores lancem o objeto para alguém que esteja lá na frente,
por exemplo. É permitido aos jogadores da equipe adversária interceptar
os passes para tomar a posse do objeto. O jogo termina quando uma
equipe alcançar um número de pontos pré-estabelecido, ou ao término
de um período curto de tempo.

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UNIDADE Semelhanças e Diferenças entre as Lutas para o Trabalho
no Âmbito da Educação Física Escolar

Figura 1 − Sentido de ataque das equipes no jogo ponha o menininho do outro lado. Os jogadores
podem se movimentar livremente, mas só é permitido passar o objeto para quem está atrás deles
em relação à direção do ataque
Fonte: Acervo do Conteudista

b) Nos jogos de oposição a meia distância, o contato entre os participantes


é frequente, mas descontínuo. Um jogo bastante comum no norte e
nordeste do Brasil, chamado “disputa de galo”, é um bom exemplo:
dois participantes se opõem dentro de um espaço delimitado no chão,
geralmente um círculo de 1,5m de diâmetro. Com as mãos para trás e
braços próximos ao corpo, só é permitido aos jogadores utilizar o tronco,
o quadril e os ombros para empurrar o oponente para fora do círculo).
c) Nos jogos de oposição corpo a corpo, o contato entre os participantes é
praticamente contínuo (no jogo “brincando de sumô”, por exemplo, os
participantes se movimentam dentro de um círculo de 2m de diâmetro,
com a meta de fazer o parceiro de prática pisar fora do círculo puxando
ou empurrando-o pelos braços).

Cientes dos três tipos básicos de jogos de oposição, vamos retomar as ações
motoras expostas na classificação de Henares (2000) (já que ela de certa forma
sintetiza as classificações de Espartero, Ramirez, Dopico e Iglesias), estas ações
motoras vão compor a grade que buscaremos preencher com jogos de oposição:

Tabela 1 − Quadro de ações motoras recorrentes em lutas e esportes de combate, adaptado de Henares (2000)
Derrubar Golpear Tocar
Com a ponta de um
Desequilibrar Com os membros superiores
implemento
Ações motoras
Controlar
Com toda a extensão de um
Fixar Com os membros inferiores
implemento
Excluir

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Antes de propor um jogo de oposição...
É fundamental pensarmos em questões simples de segurança para evitarmos
contratempos. Sabemos que muitos alunos praticam atividades que são muito mais
perigosas do que os jogos de oposição; ainda assim, devemos prevenir pequenos
acidentes para que os alunos não desenvolvam aversão à temática das lutas,
principalmente com os mais novos. Este cuidado engloba desde a utilização de
materiais disponíveis (como pequenos colchonetes, espaços de areia ou tatames
para os jogos de desequilibrar) até as regras que você e os alunos possam estabelecer
para a disputa.

Devemos propor disputas curtas, que podem ser controladas por um número
de pontos ou um período de tempo pré-estabelecido. É importante também que os
jogos propostos aos alunos se liguem ao conteúdo que está sendo estudado. Jogar
por jogar não é uma boa opção.

Jogo de desequilibrar
Duelo na prancha1
É uma atividade muito interessante, pois pode ser desenvolvida em variados
níveis de complexidade. Como é esperado, acompanha muito bem os estudos que
se relacionam a modalidades cuja ação motora principal seja a de desequilibrar,
mas também pode ser desenvolvido para o estudo de modalidades que possuem um
padrão fixo de movimentação, como é o caso da movimentação anteroposterior
na esgrima.

A área que representará a prancha deve ser delimitada de acordo com


o desenvolvimento motor dos alunos: para crianças menores ou jogadores
menos experientes, podemos utilizar pedaços das linhas desenhadas em uma
quadra poliesportiva, por exemplo. Ou os alunos mesmos podem desenhar as
pranchas com giz no chão do pátio ou corredor (vinte centímetros de largura com
aproximadamente três metros de comprimento é um bom tamanho; lembre-se
de avisá-los que eles terão de remover o desenho). Para alunos mais velhos ou
mais experientes, um banco sueco é o espaço de disputa ideal; nesse caso, é
recomendado se certificar de que o banco está firme no chão e utilizar colchonetes,
se disponíveis, para prevenir machucados que podem ser provocados por alguma
queda mais desajeitada.

Cada prancha acolhe a disputa de dois alunos; caso o número de pranchas seja
menor do que o número de duplas disputando (como geralmente ocorre quando
utilizamos um banco sueco), é possível organizar os alunos em duas fileiras, uma
em cada lado da área que representa a prancha, assim como é possível desenvolver
a atividade em trios, com o terceiro aluno representando o papel de árbitro.

1 Todos os nomes sugeridos para os jogos são provisórios. É importante que você e seus alunos busquem nomear
as atividades e definir as regras sempre que possível. Percebo em minhas aulas que este detalhe promove uma
identificação maior dos alunos com a atividade que estão desenvolvendo.

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UNIDADE Semelhanças e Diferenças entre as Lutas para o Trabalho
no Âmbito da Educação Física Escolar

Os participantes têm como meta fazer com que o parceiro de prática pise fora
da área que representa a prancha, contudo os alunos só podem utilizar os membros
superiores para tentar desequilibrar o companheiro. É possível adicionar regras,
como, por exemplo, não ser permitido flexionar o cotovelo, ou não ser permitido
tocar o tronco do companheiro, etc.

Jogo de controlar
Disputa de titãs
Trata-se de um jogo de oposição corpo a corpo, no qual os dois participantes
disputam a posse de uma bola. Um deles segura a bola apoiando as mãos embaixo
e em cima dela em relação ao chão, enquanto o outro segura a bola pelas laterais,
como ilustra a figura 2:

Figura 2 − Posicionamento das mãos no jogo disputa de titãs


Fonte: iStock/Getty Images

Os participantes podem girar livremente. Cada participante possui a meta


de tirar a bola das mãos do parceiro de prática executando apenas movimentos
contínuos dos membros superiores, não sendo permitido puxar a bola bruscamente
(o que evita lesões nas articulações do cotovelo e do ombro).

Jogo de Fixar
Segure o boi
É um jogo de oposição extremamente adequado para acompanhar o estudo de
modalidades corpo a corpo. Os alunos disputarão em duplas. Um aluno se posiciona
deitado sobre a área de jogo na posição de decúbito ventral (barriga voltada para o
chão), enquanto o parceiro de prática se posiciona deitado transversalmente sobre
ele, de modo que a barriga do aluno que está por cima se apoie nas costas do que
está por baixo:

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Figura 3 − Posicionamento no jogo de fixar segure o boi
Fonte: iStock/Getty Images

O aluno que está por baixo tem como meta ficar de pé, enquanto o aluno
que está por cima tenta impedi-lo. O aluno que está por cima pode tocar o
colega abaixo apenas utilizando a barriga, nenhum dos dois pode se tocar com as
mãos. Recomenda-se, na primeira tentativa, realizar duplas de alunos com pesos
semelhantes. O jogo é encerrado após um tempo bem curto (dois minutos no
máximo), após o qual o posicionamento se inverte.

Esta atividade não é adequada para pisos ásperos. O ideal é desenvolvê-la sobre
colchonetes, tatames ou em uma área de grama.

Jogo de excluir
Derrube a torre!
Trata-se de um jogo de excluir de fácil desenvolvimento, assim como a “disputa de
galo” e a “brincadeira de sumô” mencionadas anteriormente. Os alunos disputam
em duplas, posicionados lateralmente em relação ao outro e com os dois pés sobre
uma das linhas da quadra. A primeira disputa ocorre com o braço direito, ambos
segurando o antebraço direito do parceiro de prática.

A meta dos participantes é fazer o parceiro de prática pisar fora da linha,


puxando-o ou empurrando-o pelo braço. É uma atividade muito interessante para
ilustrar a noção de utilização da força do oponente contra ele próprio, presente
em diversas práticas de luta.

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UNIDADE Semelhanças e Diferenças entre as Lutas para o Trabalho
no Âmbito da Educação Física Escolar

Jogo de golpear
Esmaga chão!
Este é um jogo de oposição de golpear com os membros inferiores. Pode ser
desenvolvido em duplas, mas também pode ser desenvolvido opondo equipes
com número igual de integrantes. São necessários pedaços de barbante de
aproximadamente quarenta centímetros, um pedaço para cada jogador, e uma
bexiga para cada jogador.

Amarra-se a bexiga cheia de ar em uma ponta do barbante, enquanto a


outra ponta do barbante é amarrada no tornozelo da perna não dominante do
jogador. A meta dos participantes é proteger a própria bexiga enquanto se tenta
explodir a bexiga do parceiro de prática com os pés. Em um nível mais elevado
de complexidade, os participantes podem ter um barbante maior ou uma bexiga
amarrada a cada perna.

Jogo de tocar
Esgrima de braço e esgriminha
Para ambos os jogos são necessários tinta guaxe e avental branco. As disputas
ocorrem em duplas, com um terceiro aluno no papel de árbitro. Os alunos devem
desenhar suas pistas de esgrima no chão com giz (para fins desta atividade, podemos
propor pistas com um metro de largura e quatro de comprimento).

Na esgrima de braço, os participantes devem passar guache na ponta dos


dedos de uma mão, apenas o braço que possui os dedos marcados pode executar
movimentos de ataque e defesa (mas não é permitido segurar o parceiro de
prática). Os participantes têm como meta marcar pontos, o que pode ocorrer de
três formas: 1) tocando o avental do companheiro de prática com os dedos; 2)
fazendo o companheiro de prática pisar fora da pista; 3) fazendo o companheiro
de prática recuar até sair da pista. A cada ponto a disputa é reiniciada com os
participantes na ponta da pista.

O jogo de oposição esgriminha possui o mesmo sistema de pontuação utilizado


na esgrima de braço, a diferença fundamental é que ao invés do braço os alunos
utilizam uma arma adaptada como implemento de mediação: para os alunos mais
novos, pode-se utilizar uma espada feita de jornal ou outro material, enquanto os
alunos mais velhos podem utilizar uma espada confeccionada com hastes longas de
antenas de televisão, por exemplo. Em todo caso, é necessário reforçar o cuidado
que se deve ter para não atingir o companheiro de prática nos olhos (no jogo de
esgriminha com espadas feitas de hastes, por exemplo, pode-se considerar apenas
a área das pernas como elegível para pontuação).

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Para além dos jogos...
Já dissemos anteriormente, mas a importância nos faz repetir: tanto os jogos
de oposição quanto outros jogos desenvolvidos em nossas aulas não devem ter um
fim neles mesmos; não queremos que nossos alunos joguem apenas pelo prazer
de jogar. Isoladas, as atividades acima não possuem razão de existir nas aulas de
Educação Física: todas elas poderiam ser realizadas pelos alunos fora do horário
de aula ou fora da escola, ou seja, poderiam ocorrer sem que um professor de
Educação Física as ministrasse...

Nosso papel é o de transmitir conhecimentos sobre algo. Nesse sentido, as


atividades que desenvolvemos cumprem o papel de ajudarem os nossos alunos a
fixarem, verificarem, observarem algo discutido anteriormente, enfim, as atividades
devem estar atreladas a uma proposta geral de trabalho que busca a promoção
de certo conjunto de conhecimentos ou valores. Daí em diante nossa presença
na mediação se torna indispensável: por mais que o aluno possa experimentar
os jogos anteriores fora da escola, no nosso trabalho os jogos ganham um novo
sentido.

Qual sentido é este? É aquele enraizado localmente, ligado aos objetivos do


projeto pedagógico da sua escola.

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UNIDADE Semelhanças e Diferenças entre as Lutas para o Trabalho
no Âmbito da Educação Física Escolar

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
Ensino das Lutas
Artigo: Estudo de Mariana Gomes sobre os princípios condicionais das lutas.
GOMES, M. S. P. et al. Ensino das lutas: dos princípios condicionais aos grupos
situacionais. Movimento (ESEFID/UFRGS), v. 16, n. 2, p. 207, 2010.
O Corpo Concebido pelo Judô Kodokan
Artigo: Estudo de Julián Espartero sobre a noção de corpo no judô.
ESPARTERO, Julián. O corpo concebido pelo judô kodokan: um projeto educativo
de progresso truncado pela reação política. Movimento (ESEFID/UFRGS), v. 22, n. 4,
p. 1265-1276, 2016.
A Tematização das Lutas na Educação Física Escolar
Artigo: Estudo de Paulo Nascimento e Luciano Almeida sobre a tematização das lutas
na escola. NASCIMENTO, P. R. B. do; DE ALMEIDA, L. A tematização das lutas na
Educação Física Escolar: restrições e possibilidades Movimento (ESEFID/UFRGS), v.
13, n. 3, p. 91, 2007.
A Separação dos Conteúdos das “Lutas dos Esportes” na Educação Física Escolar
Artigo: Estudo de Luiz Rufino e Suraya Darido sobre a separação entre as lutas e os
esportes na Educação Física. RUFINO, L. G. B.; DARIDO, S. C. A separação dos
conteúdos das “lutas dos esportes” na educação física escolar: necessidade ou
tradição? Pensar a Prática, v. 14, n. 3, 2011.

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Referências
BRASIL. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 23 dez. 1996.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros curriculares nacio-


nais: educação física. Brasília, DF: Secretaria de Educação Fundamental, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.


Parâmetros curriculares nacionais do ensino médio: parte I — bases legais.
Brasília, DF: Secretaria de Educação, 2000a.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.


Parâmetros curriculares nacionais do ensino médio: parte II: linguagens,
códigos e suas tecnologias. Brasília, DF: Secretaria de Educação, 2000b.

ESPARTERO, J. Aproximación histórico-conceptual a los deportes de lucha.


In: VILLAMÓN, M. Introducción al judo. Barcelona: Editorial hispano Europea
S.A., 1999.

GOMES, M. S. P. et al. Ensino das lutas: dos princípios condicionais aos grupos
situacionais. Movimento (ESEF/UFRGS), v. 16, n. 2, p. 207-227, 2010.

HENARES, D. A. Deportes de lucha. 1ª edição, Barcelona, Espanha: Inde


Publicaciones, 2000.

RAMIREZ, F. A.; DOPICO, J. A.; IGLESIAS, E. Requerimientos motrices de


la lucha leonesa. Consideraciones generales sobre el proceso de enseñanza-
aprendizaje. In: RODRIGUEZ, C. L. El entrenamiento en los deportes de
lucha. Federación territorial de Lucha. León, 2000.

SANTOS, Sérgio Luiz Carlos dos. Jogos de oposição: ensino das lutas na escola.
São Paulo: Phorte, 2012.

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