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METODOLOGIA E PESQUISA CIENTÍFICA

METODOLOGIA E PESQUISA CIENTÍFICA

DÚVIDAS E ORIENTAÇÕES
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TUTORIA ONLINE
Segunda a Sexta de 09:30 às 17:30
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 4
2 PRINCIPAIS ERROS E DIFICULDADES NA PRODUÇÃO DO TCC....... 5
2.1 Título......................................................................................................... 5
2.2 Problematização ...................................................................................... 5
2.2.1 Viabilidade ................................................................................................. 6
2.2.2 Especificidade ........................................................................................... 6
2.2.3 Diálogo com outros itens ........................................................................... 6
2.3 Afirmações sem dados científicos ........................................................ 6
2.4 Objetivo geral .......................................................................................... 6
2.5 Paradigma de pesquisa .......................................................................... 7
2.5.1 Qualitativo ................................................................................................. 7
2.5.2 Quantitativo ............................................................................................... 7
2.5.3 Mista .......................................................................................................... 8
3 TIPOS DE PESQUISA .............................................................................. 9
3.1 Pesquisa Bibliográfica ............................................................................ 9
3.2 Pesquisa Teórica ................................................................................... 10
3.3 Pesquisa Documental ........................................................................... 11
3.4 Pesquisa de Campo .............................................................................. 11
4 INTRODUÇÃO À PESQUISA QUANTITATIVA E QUALITATIVA ......... 12
4.1 A pesquisa quantitativa ........................................................................ 12
4.1.1 O questionário de perguntas fechadas .................................................... 13
4.1.2 Amostragem ............................................................................................ 13
4.2 A pesquisa qualitativa ........................................................................... 14
4.2.1 Etnografia ................................................................................................ 14
4.2.2 História Oral e História de Vida ............................................................... 16
4.2.3 Estudo de Caso ....................................................................................... 17
4.2.4 Grupo focal .............................................................................................. 19
4.2.5 Pesquisa-ação......................................................................................... 20
5 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS .......................................... 21
5.1 Entrevistas abertas ............................................................................... 21
5.2 Observação ............................................................................................ 22
REFERÊNCIAS ....................................................................................... 28
METODOLOGIA E PESQUISA CIENTÍFICA

Bruna Giarola Souza


Lucas Eustáquio de Paiva Silva
Luciano Borges Muniz
1 INTRODUÇÃO

O objetivo da presente apostila é, em primeiro lugar, promover o


esclarecimento das principais dúvidas e dificuldades encontradas na produção
do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Sabendo que esse será um trabalho
árduo, nosso segundo objetivo perpassa a tentativa de demonstrar que uma
pesquisa não se constrói somente pela vontade de se produzir um conhecimento
cientifico, pelo contrário, sem uma metodologia, ou melhor, dizendo, sem um
rigor metodológico, como afirma o meio acadêmico, não há possibilidade de se
desenvolver a Ciência. Sabe-se que existe um vasto número de tipos de
pesquisa e de metodologias, no entanto, pensando na praticidade dessa
produção, o presente material optou por aqueles que mais poderão nortear os
trabalhos de conclusão de curso dos estudantes. Mas, isso não exclui qualquer
uso de outro método que não esteja no referido material. Para os pesquisadores
Bervian, Cervo e Silva (2012), o que permitiu à Ciência chegar ao nível atual foi
o núcleo de técnicas de ordem prática, seus fatos empíricos e suas leis, que
formam o elemento de continuidade, que, por sua vez, foi sendo aperfeiçoado e
ampliado ao longo da história do Homo Sapiens. Grosso modo, o que esses
autores disseram refere-se, principalmente, à tentativa da Ciência, durante
séculos e séculos, de contrapor todas as informações geradas pelo meio
teocrático/religioso e, cotidianamente, pelo senso comum. Ou seja, a natureza
do conhecimento pressupõe a dúvida de qualquer afirmação que seja
apresentada sem provas sistemáticas. Isso se apresenta na negação que a
Ciência obtém sobre o termo popular “eu acho que...”. A Ciência não aceita o “eu
acho”, ao contrário, conhecimentos que não se apresentam com um rigor
cientifico não são aceitos e reconhecidos pelo universo acadêmico e científico.

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2 PRINCIPAIS ERROS E DIFICULDADES NA PRODUÇÃO DO TCC

Esse item irá abordar os principais erros que os discentes cometem na


produção do TCC. A presente faculdade baseou, essas reflexões, através do
próprio material produzido pelo discentes. A equipe de tutoria fez um balanço
quantitativo desses erros e chegaram aos referidos itens, que veremos agora.

2.1 Título

Esse item é o primeiro contato que o leitor tem com o texto. Ele precisa
exprimir, fidedignamente, as principais intenções do autor. Pode-se até colocar
um título provisório para iniciar o trabalho, mas é necessário que, ao final da
produção do texto, o discente se debruce sobre o referido título para verificar o
diálogo com o resto do trabalho. Ou seja, o título precisa estar dialogando com
as intenções do texto. Existe uma vertente teórica contemporânea da área da
metodologia que defende que o título necessita apresentar três itens: Tema,
objeto de pesquisa e método. Por exemplo, em uma pesquisa que tem como
objeto a importância da docência na educação especial, podemos apresentar o
título assim: Docência e educação especial: um estudo teórico sobre a
importância do professor na aprendizagem de discentes com necessidades
especiais (FLICK; CRESWELL, 2012).

2.2 Problematização

Muitos discentes não levam esse item muito a sério. Na verdade, poucos
apresentam a problematização em seu texto. Como afirma a pesquisadora Eva
Maria Lakatos (2004), a mola propulsora de um trabalho científico é a pergunta
que se quer responder. Isto é, uma pesquisa cientifica não se inicia pela escolha
de um tema aleatório, mas por uma pergunta que se formula em determinado
momento. O que move uma pesquisa, é a resposta de uma determinada
pergunta e/ou problema. Flick (2012), apresenta algumas reflexões para a
produção do problema:

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2.2.1 Viabilidade

Ao desenvolver a sua pergunta, reflita sobre o tempo que terá para


responder. Ou seja, se a pergunta direciona para uma pesquisa de campo, você
terá tempo para desenvolve-la. Pense no fator tempo ao fazer o seu TCC.

2.2.2 Especificidade

Ao desenvolver a sua pergunta, pense em seu objeto e na delimitação.


Não adianta fazer uma pergunta que não conseguirá responder. Por exemplo, a
educação especial funciona no Brasil? Em determinado contexto pode funcionar,
mas em outros não. Faça uma pergunta bem delimitada.

2.2.3 Diálogo com outros itens

Ao desenvolver o seu problema, terá que dialogar, sobretudo, com o


objetivo geral. Não adianta o seu objetivo te direcionar para um caminho, se a
pergunta te leva para outro. Esses itens necessitam dialogar diretamente.

2.3 Afirmações sem dados científicos

Muitos trabalhos detêm afirmações, sem apresentarem dados que


confirmem tal informação. Lembre-se, está desenvolvendo um trabalho
científico, nesse sentido, toda afirmação deve ser embasada e citada a fonte.

2.4 Objetivo geral

Historicamente, o objetivo é visto como a intencionalidade abrangente de


um texto acadêmico. No entanto, Flick (2012), amplia esse conceito e apresenta
uma outra funcionalidade do objetivo geral: apresentar o objeto de pesquisa.
Nesse sentido, é necessário estar ciente que, ao apresentar o objetivo geral,
estará apresentando o seu objeto de pesquisa. Por isso, é um item fundamental
em qualquer trabalho científico. Ele contribui para a delimitação de seu tema e,

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de forma didática, se faz presente no esclarecimento das intenções no texto. Não
esqueça de apresentá-lo em seu trabalho.

2.5 Paradigma de pesquisa

Muitos alunos confundem a natureza das pesquisas que necessitam ir


para o “campo”. Grosso modo, podemos dividir essas pesquisas em três formas
de paradigma.

2.5.1 Qualitativo

É uma abordagem de pesquisa que estuda aspectos subjetivos de


fenômenos sociais e do comportamento humano. Os objetos de uma pesquisa
qualitativa são fenômenos que ocorrem em determinado tempo, local e cultura.
Uma pesquisa qualitativa aborda temas que não podem ser quantificados em
equações e estatísticas. Ao contrário, estudam-se os símbolos, as crenças, os
valores e as relações humanas de determinado grupo social. (FLICK, 2012)

2.5.2 Quantitativo

É uma abordagem científica que se utiliza de estatísticas e cálculos com


o intuito de quantificar informações para realização de estudo. Este método de
pesquisa é utilizado com intuito de compreender e mensurar numericamente um
apanhado de informações relevantes à determinado tema previamente
escolhido. Esta modalidade é excelente para quem deseja aprofundar
conhecimentos quantificados anteriormente, compará-los com dados mais atuais
ou também para criar uma base de conhecimentos que serão quantificados mais
adiante. Utiliza-se principalmente questionários e formulários para coletar os
dados. (FLICK, 2012)

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2.5.3 Mista

Como o próprio nome sugere, este tipo de pesquisa emerge do uso


combinado da abordagem quantitativa com a qualitativa. A área interdisciplinar
de pesquisa tem contribuído para o crescente número de pesquisas que adotam
a abordagem mista. (FLICK, 2012)

Obs.: As discussões sobre os paradigmas serão aprofundadas na segunda parte


desse material.

Muito bem! Vimos até aqui, os principais erros que os discentes cometem
na produção do TCC. Agora, iremos para a segunda parte da apostila, ou seja,
iremos trabalhar alguns métodos de pesquisa. Vamos lá?!!

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3 TIPOS DE PESQUISA

Pesquisa é o mesmo que busca ou procura. Pesquisar, portanto, é buscar


ou procurar resposta para alguma coisa. Em se tratando de Ciência, a pesquisa
é a busca de solução para um problema que alguém queira saber a resposta.
Não é muito aconselhável dizer que se faz ciência, mas que se produz ciência
através de uma pesquisa. Pesquisa é, portanto, o caminho para se chegar à
ciência, ao conhecimento.
É na pesquisa que utilizaremos diferentes instrumentos para se chegar a
uma resposta mais precisa. O instrumento ideal deverá ser estipulado pelo
pesquisador para se atingir os resultados ideais. Grosso modo, não se pode
procurar um tesouro numa praia cavando um buraco com uma picareta; é preciso
de uma pá. Da mesma forma eu não poderia fazer um buraco no cimento com
uma pá; eu precisaria de uma picareta. Por isso a importância de se definir o tipo
de pesquisa e da escolha do instrumento ideal a ser utilizado.
A Ciência, através da evolução de seus conceitos, está dividida por áreas
do conhecimento. Assim, hoje temos conhecimento das Ciências Humanas,
Sociais, Biológicas, Exatas, entre outras. Mesmo estas divisões têm outras
subdivisões cuja definição varia segundo conceitos de muitos autores. As
Ciências Sociais, por exemplo, podem ser divididas em Direito, História,
Sociologia etc.
De forma prática, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que será
formulado deverá ser desenvolvido a partir da escolha do tipo de pesquisa, claro,
respeitando o problema e, sobretudo, o objeto de pesquisa. É fundamental que,
na Introdução do trabalho, seja apresentado o tipo de pesquisa que irá se
desenvolver, pois é necessário que o leitor esteja ciente do caminho que irá
percorrer no desenrolar da pesquisa.

3.1 Pesquisa Bibliográfica

Abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema do


estudo, quer sejam revistas especializadas e livros, quer sejam os meios de

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comunicação oral, como rádio, audiovisuais, etc. Tem como característica
trabalhar com fontes secundárias, ou seja, analisa trabalhos que já foram
publicados e dados que também já foram analisados por outros pesquisadores.
É importante ressaltar que qualquer pesquisa de campo, seja ela qualitativa ou
quantitativa, depende, em primeiro lugar, de um trabalho minucioso de pesquisa
bibliográfica. É ela que mostrará ao pesquisador o seu ponto de partida, ou seja,
para o campo científico não é interessante apresentar o “mais do mesmo”, é
fundamental que um trabalho científico avance e desenvolva a temática
proposta.
Muitos alunos confundem a pesquisa bibliográfica com a pesquisa teórica.
São dois métodos literários que utilizam a revisão de literatura como instrumento
de coleta de dados. No entanto, os dois métodos contem focos de abordagem
diferentes. A pesquisa bibliográfica tem como foco análise de resultados de
pesquisa, ou seja, seleciona um número “x” de pesquisas (de acordo com o
objeto de pesquisa) e analisa os resultados que os trabalhos alcançaram, para
verificar os avanços alcançados com determinada temática. Todo campo
cientifico utiliza-se desse método para verificar as temáticas que foram
abordadas e os avanços que determinada área cientifica construiu. Percebe-se
que é um método que não foca no autor, mas no trabalho em si. Diferente da
pesquisa teórica que veremos agora.

3.2 Pesquisa Teórica

Esse tipo de pesquisa busca, de forma restrita, se debruçar sobre os


conceitos que vários pesquisadores e cientistas criam em seus debates
acadêmicos. Ex: Um artigo pode ter por objetivo geral debater sobre o conceito
de Violência Simbólica do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Também é utilizado
para desenvolver reflexões ou debates sobre determinado tema. Por exemplo,
qual a importância do enfermeiro no processo de acolhimento de pacientes
diagnosticados com vírus gripal? O foco dessa pesquisa encontra-se nos autores
e nas ideias defendidas por eles. Não tem como intenção analisar resultados de

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pesquisa, ao contrário, busca-se analisar e/ou abordar conceitos, discussões e
reflexões gerais sobre determinadas temáticas.

3.3 Pesquisa Documental

É a pesquisa que consiste na busca de fontes primárias, ou seja, são


documentos que não foram publicados ou analisados por nenhum outro
pesquisador. Como por exemplo, documentos históricos, fotografias, legislação,
etc.

3.4 Pesquisa de Campo

Pesquisa de Campo é o tipo de estudo onde se observa, faz a coleta de


dados, analisa e interpreta os resultados referentes ao seu objeto de estudo,
diretamente do seu ambiente natural ou da realidade onde ele ocorre. O objeto
de estudo poderá ser um indivíduo, um grupo, uma comunidade, uma população
um fenômeno ou fato e suas relações. Tanto quanto variam os objetos de estudo,
varia também “o campo” no qual irá se desenvolver o estudo, podendo ser uma
instituição, uma determinada área de plantio, um setor hospitalar, ruínas, uma
comunidade indígena, dentre diversos outros. Contudo, para que se tenha um
trabalho válido, é necessário um embasamento teórico, e uma metodologia com
diretrizes claras utilizando ferramentas viáveis que possam dar respaldo aos
resultados. É necessário também que a pesquisa possa ser replicada permitindo
a observação de diferentes aspectos de uma determinada realidade.

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4 INTRODUÇÃO À PESQUISA QUANTITATIVA E QUALITATIVA

Os métodos quantitativos e qualitativos em muitos momentos são


colocados em debate e, sobretudo, em confronto mútuo, em particular, pela
validade de seus dados, a sua eficiência e a sua neutralidade frente a análise
dos dados e o contato que muitas vezes o pesquisador tem com os sujeitos
investigados.
As pesquisas quantitativa e qualitativa se definem principalmente pela
escolha e abordagem do problema formulado. A mola propulsora de uma
pesquisa parte da abordagem do problema formulado, visando à checagem das
causas atribuídas a cada uma, na escolha do tema do trabalho a ser
desenvolvido, sabe-se que seu foco de estudo, seu objeto de análise, partirá,
necessariamente, de um problema. A maneira como será abordado este
problema bem como os resultados que se deseja obter é que definem a
pesquisa.

4.1 A pesquisa quantitativa

Diretamente na quantificação dos dados, ou seja, o pesquisador terá


como objetivo tabelar e numerar os dados coletados. Por exemplo, são as
pesquisas desenvolvidas pelo IBGE, quando, através de questionários e
entrevistas fechadas, o pesquisador analisa e transforma os dados coletados em
números e tabelas, justamente para quantificar e responder as suas
problematizações. Segundo a pesquisadora Lima (2015), as pesquisas
quantitativas são muito bem aceitas nas áreas das ciências exatas ou mesmo
biológicas. Para que uma pesquisa quantitativa atenda às características
científicas é muito importante que se tenha presentes dois aspectos: boas
perguntas e percepção dos limites aos quais pode-se ir a partir dos números.

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4.1.1 O questionário de perguntas fechadas

Este, sem dúvida, é o principal instrumento de coleta de dados utilizado


por pesquisadores que buscam desenvolver uma pesquisa quantitativa. É
também conhecido como “Entrevista Estruturada”, ou seja, o pesquisador
elabora as questões que serão direcionadas aos entrevistados, no entanto, não
há possibilidade de acrescentar (durante a entrevista) qualquer outro tipo de
pergunta. Naturalmente, o pesquisador quase não tem contato direto com os
sujeitos entrevistados, muitas vezes, o próprio pesquisador contrata um
aplicador e somente analisa e quantifica os dados a posteriori. Normalmente,
essas perguntas formuladas antes das entrevistas pelo pesquisador são
questões objetivas, em que o entrevistado terá como função somente marcar a
alternativa que melhor corresponda às suas ideias. Por isso são denominadas
de entrevistas fechadas, onde o pesquisador não terá muita ou quase nenhuma
liberdade para interagir com os sujeitos analisados. O Questionário, numa
pesquisa, é um instrumento ou programa de coleta de dados. Se sua confecção
é feita pelo pesquisador, seu preenchimento é realizado pelo informante. Todo
questionário a ser enviado deve passar por uma etapa de pré-teste num universo
reduzido, para que se possam corrigir eventuais erros de formulação.

4.1.2 Amostragem

Para a pesquisadora Lima (2015), a técnica da amostragem consiste em


tomar uma amostra de dentro de um universo maior do que se pretende estudar.
Existem pesquisas que possuem um universo muito grande e para que a
amostragem reflita significativamente o tema abordado ela precisa ser
proporcional ao problema. Veja um exemplo explicitado pela autora: Exemplo: a
quantidade de alunos de uma escola que tem aula nos turnos manhã, tarde e
noite é de 1.000 alunos, para saber o perfil do aluno da referida escola não
precisa entrevistar os mil alunos, eu posso pegar uma amostra, a qual vai
representar todos os três turnos, daí poderemos desenhar o perfil do alunado da
escola após entrevistar 300 pessoas.

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4.2 A pesquisa qualitativa

A pesquisa qualitativa, ao contrário da quantitativa, tem como


característica o contato direto entre o pesquisador e o sujeito pesquisado, como
também a descrição detalhada do contexto desses sujeitos. Busca a
aproximação e interação contínua entre os indivíduos. Segundo Lima (2015), a
intenção da pesquisa qualitativa é investigar os fenômenos em toda a sua
complexidade, tendo como características que devem ser encontradas no
pesquisador: a capacidade de fazer a observação participante e a entrevista em
profundidade. Nesse sentido, gestos, entonações de voz, o olhar, as falas, enfim,
tudo que esteja aos olhares do pesquisador é importante para a pesquisa, nada
deve ser descartado.
De acordo com Bogdan e Biklen (2004), o investigador deve fazer uma
imersão no mundo do investigado na tentativa de captar a sua realidade,
conseguido após a conquista da confiança do investigado, o qual, ao se sentir à
vontade para falar dos problemas para o investigador, traduziria a realidade dos
fatos.
Bourdieu (1999) salienta que é necessário que se tenha uma reflexividade
reflexa, esta seria baseada num olhar sociológico, onde é possível controlar os
efeitos da estrutura social na qual a sua pesquisa se realiza. Ou seja, não se
pode nos envolver nos problemas do entrevistado, porém deve-se imergir o
suficiente na realidade deste, para que se possa quase que sentir o que ele
relata.
Existem vários métodos que o pesquisador pode utilizar em sua pesquisa
de campo:

4.2.1 Etnografia

A etnografia, na concepção do antropólogo Angrosino (2009), é a arte e a


ciência de descrever um grupo humano, suas instituições, seus
comportamentos, suas produções materiais e suas crenças. De forma
complementar, Hammersley e Atinkson (1994), caracterizam a natureza

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etnográfica na ação cotidiana, ou seja, as características de uma cultura são
estudadas na ação dos sujeitos inseridos em seu modo diário de convivência
e/ou interação com o outro. Dentro desse novo contexto em que o pesquisador,
mais precisamente, o etnógrafo se encontra, é importante salientar que as
condições propícias para a coleta de dados se fazem na interação e, sobretudo,
na forma como o pesquisador se relacionará com os sujeitos pesquisados. Isso
significa afirmar que, diferentemente das pesquisas de cunho quantitativo - em
que as variáveis são manipuladas a fim de identificar as relações entre elas, ou
seja, o pesquisador tem um controle de seu objeto – os fenômenos sociais e os
acontecimentos que caracterizam uma determinada cultura, não são controlados
pelo etnógrafo, assim, os dados que tanto o pesquisador de “campo” almeja
alcançar serão construídos no cotidiano, nas relações e na postura que o
etnógrafo terá frente aos fenômenos e acontecimentos sociais e culturais. Dessa
forma, é papel do etnógrafo, nas palavras de Malinoviski (1984), “determinar, no
campo, as regras e as regularidades da vida tribal; tudo que é permanente e fixo;
descrever a anatomia de sua cultura; retratar a constituição de sua sociedade.”
Pode-se afirmar que, é no cotidiano que vão surgindo às oportunidades que o
pesquisador precisa para delinear as características peculiares que o autor tanto
salienta.
Assim, a etnografia, como método singular, tende essencialmente a
descrever a cultura do outro, ou como prefere Angrosino (2009), a “descrição de
um povo”. Essa característica aponta para uma outra funcionalidade do método,
isto é, a sua abordagem é sempre coletiva, ela não lida e/ou analisa indivíduos
na sua ação particular. Sua intencionalidade refere-se à tentativa de entender a
organização de grupos que, como afirma Malinoviski (1984), “deve cobrir de
modo sério e sóbrio toda a extensão dos fenômenos em cada aspecto da vida
tribal”, atribuindo tanta importância aos fatos rotineiros e banais, quanto àqueles
que chamam a atenção por serem surpreendentes e estranhos.
De forma complementar, Hammersley e Atkinson (2007), definem a
etnografia como uma empresa textual, porém esses textos devem relatar a
realidade como ela se apresenta na visão do pesquisado, colocando os atores,
as situações, as manifestações como elas se apresentam, sem perder de vista

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que esta vertente metodológica busca entender os significados dos eventos na
perspectiva do sujeito e não do pesquisador. Claro que isto não remete à
neutralidade tão defendida pelos positivistas, mas salienta a importância de o
pesquisador conhecer o significado local da ação. Isso permite afirmar que o
etnógrafo necessita buscar e/ou obter, o que o antropólogo americano Geertz
(1989) chamou de Descrição Densa, ou seja, uma descrição detalhada dos
eventos ocorridos no campo de pesquisa, considerando gestos, olhares, tom de
voz, as interações, etc. No livro Interpretação das Culturas, Geertz (1989),
exemplifica a descrição densa trazendo a ideia da piscadela, ou seja, a
comunicação corporal praticada pelos sujeitos pode dizer tanto quanto o
discurso falado, uma piscada, por exemplo, pode ser encarada tanto como um
tique nervoso, quanto como uma forma de comunicação:

Como movimento, os dois são idênticos; observando os dois sozinhos,


como se fosse uma câmara, numa observação ‘fenomenalista’,
ninguém poderia dizer qual delas seria um tique nervoso ou uma
piscadela ou, na verdade, se ambas eram piscadelas ou tiques
nervosos. No entanto, embora não retratável, a diferença entre um
tique nervoso e uma piscadela é grande, como bem sabe aquele que
teve a infelicidade de ver primeiro tomado pela segunda. O piscador
está se comunicando e, de fato, comunicando de uma forma precisa e
especial: 1- deliberadamente; 2- alguém e particular; 3- transmitindo
uma mensagem particular; 4- de acordo com o código estabelecido.
(GEERTZ, 1989).

Desse modo, o pesquisador deve descrever minuciosamente o fenômeno


ocorrido, entretanto, relacionando esses acontecimentos ao contexto
sociocultural onde o objeto pesquisado está inserido, sempre pensando na
dicotomia local/global, como salienta o antropólogo inglês Street (1995). Assim,
chegamos à singularidade do método etnográfico: a Observação Participante.

4.2.2 História Oral e História de Vida

As pesquisas, por exemplo, que utilizam o método História de vida,


permitem a ampliação das fontes documentais, na medida que as falas, os
gestos e, principalmente, as memórias são valorizadas como objeto de pesquisa.
Assim, as pesquisadoras Teixeira e Praxedes (2001), no artigo intitulado História

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Oral e Educação: tecendo vínculos e possibilidades pedagógicas, salientam três
características fundamentais da História Oral, em particular, a História de Vida.
O primeiro diz respeito ao debate entorno da ideia de Verdade histórica,
ou seja, a história oral contribui para a problematização do conceito de Verdade,
ou seja, a ideia de verdade hegemônica dos fatos históricos, defendida pelo
historicismo alemão, é repensada a partir do momento que a história oral propõe
a valorização da memória dos sujeitos, que até meados do século XX, eram
desconhecidos pela historiografia. O segundo refere-se à valorização das
práticas culturais e cotidianas, isto é, o uso da história oral nas pesquisas
propicia o uso não somente das entrevistas abertas ou semiabertas, formais ou
informais, mas permite que o olhar seja estruturado como parte da pesquisa e
da compreensão das relações que os sujeitos incorporam nas suas práticas
corporificadas no cotidiano vivenciado por eles. O terceiro, e último aspecto, diz
respeito à afirmação que a pesquisa é um encontro sócio antropológico, é uma
relação intersubjetiva entre sujeitos que falam e ouvem, que sentem e pensam.
Nesse sentido, para as autoras, cabe ao pesquisador a busca da
espontaneidade, pois se trata de um encontro entre sujeitos, com diferentes
registros culturais e temporários, que exige do pesquisador um permanente
exercício de alteridade. A natureza da pesquisa etnográfica também pressupõe
essa preocupação com o outro, essa busca em transformar a relação
verticalizada do pesquisador/pesquisado, na horizontalidade das relações
sociais face a face, como afirma o sociólogo americano Goffman (1967).

4.2.3 Estudo de Caso

Consiste na observação detalhada de um contexto, ou indivíduo a partir


de documentos ou de acontecimentos específicos. Os Estudos de Caso têm por
finalidade:

a) Fornecer uma caracterização precisa de variáveis, no sentido de


identificá-los e sugerir relações entre elas;
b) Servir de base a futuros estudos controlados experimentalmente,

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apontando questões ou hipóteses sobre os fenômenos estudados;
c) Auxiliar na avaliação de programas;
d) Analisar o comportamento individual, ajudando a compreender como um
programa afeta os indivíduos.

O Estudo de Caso tem origem na tradição médica e psicológica, na qual


se refere a uma análise detalhada de um caso individual (TOSTA, 2009). Este
estudo tem duplo objetivo. O primeiro consiste em tentar chegar a uma
compreensão abrangente do grupo em estudo, o segundo é a tentativa de
desenvolver declarações teóricas mais gerais sobre regularidades do processo
e estruturas sociais. O desenvolvimento de um estudo de caso compreende, em
geral, três fases:

a) Fase explanatória: fundamental para uma definição mais precisa do


objeto de estudo. É o momento de especificar as questões, estabelecer
os contatos iniciais para a entrada no campo, localizar os sujeitos e as
fontes.
b) Delimitação do estudo: a importância de delimitar os focos da
investigação e estabelecer os contornos do estudo decorre do fato de que
nunca será possível explorar todos os ângulos do fenômeno num tempo
razoável limitado.
c) Análise sistemática e elaboração do relatório: surge a necessidade de
juntar a informação, analisá-la, torná-la disponível aos sujeitos da
pesquisa, para que manifestem suas reações sobre a relevância.

Para o pesquisador Corrêa (2007), o estudo de caso tem múltiplas


funções, no entanto, existem duas que, sem dúvida, caracterizam melhor esse
procedimento metodológico. A primeira consiste na informação, ou seja, na
descrição de um conjunto de dados sobre uma ou mais pessoas em
determinadas situações. A segunda parte da problematização, isto é, no
entrelaçar da teoria com o material proveniente de uma prática, ou seja, de uma
pesquisa empírica.

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4.2.4 Grupo focal

O grupo focal, muitas vezes no meio acadêmico, é abordado como


metodologia, outras vezes, como instrumento de coleta de dados. Iremos
abordar, nesta apostila, a percepção da pesquisadora brasileira Gatti (2012), em
que afirma que essa metodologia possibilita ao pesquisador um número
considerável de entrevistas em um curto espaço de tempo. Enquanto a entrevista
tradicional Face a Face, o pesquisador se concentra em somente uma pessoa,
no Grupo Focal, ele trabalha simultaneamente com uma faixa de dez
entrevistados, todos colocados em uma mesa redonda. Isso,
consequentemente, permite que o pesquisador usufrua de dados sistemáticos,
provenientes de poucos encontros com seus entrevistados.
Segundo Gatti (2012), o Grupo é focalizado, no sentido de que envolve
algum tipo de atividade coletiva: assistir um filme e conversar sobre ele; examinar
um texto sobre algum assunto, ou debater um conjunto de questões. Ainda para
a autora, existem algumas dicas indispensáveis, que o pesquisador precisa
saber para que o uso do método aconteça de forma clara e consistente:

a) Respeito ao princípio da não diretividade, ou seja, o pesquisador não


pode induzir a resposta do sujeito entrevistado.
b) Fazer a discussão fluir entre os participantes é a função do moderador.
Isso pressupõe dizer que na pesquisa com Grupo Focal é fundamental
a participação de um outro pesquisador, denominado de Moderador.
Enquanto o pesquisador principal fica do lado de fora da discussão,
observando e fazendo suas anotações, o Moderador tem como função
organizar e fazer o debate fluir entre os participantes.
c) O grupo será composto a partir de critérios associados as metas de
pesquisa.
d) Recomenda-se não se juntar no mesmo grupo pessoas que se
conhecem muito ou que conheçam o moderador.
e) Número de participantes: entre 6 à 12 pessoas.
f) Número de grupos: 3 a 4 grupos. Encontro preferencialmente em uma

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mesa, em lugar silencioso.

4.2.5 Pesquisa-ação

Esse método iniciou no período póstumo à 2° Guerra Mundial, quando o


psicólogo alemão Kurt Lewin, foi convidado pelo governo americano para
desenvolver um trabalho de intervenção frente à população. O que caracteriza
essa metodologia é, sem dúvida, o grande foco que é dado na modificação de
uma realidade, ou seja, o pesquisador que escolher trabalhar essa metodologia,
terá como objetivo desenvolver uma pesquisa para modificar um contexto
conflitante. O hífen que existe entre eles “Pesquisa-ação” tem uma função,
significa um diálogo entre as partes que compõe essa metodologia, isto é, ao
mesmo tempo que a pesquisa influencia na mudança de uma situação concreta,
essa situação também influencia a pesquisa. De forma prática, um pesquisador
desenvolve um trabalho cientifico, como qualquer trabalho, mas a grande
diferença está no seu objetivo final, que é transforma uma situação ou fenômeno.
Por exemplo, um pesquisador desenvolve um trabalho sobre o uso de drogas na
escola. Após finalizar esse trabalho, seu objetivo é utiliza-lo de forma prática,
para contribuir, quer seja grande, quer seja pequena, para a transformação
daquele problema nessa determinada escola.

20
5 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

5.1 Entrevistas abertas

No que se refere à Entrevista, é o instrumento de coleta de dados mais


utilizado em pesquisas sociais, segundo o antropólogo Seale (1999). Ainda para
o autor, a entrevista é mais econômica do que os métodos de observação já que
o entrevistado pode informar sobre uma ampla gama de situações que ele ou ela
tem observado, atuando assim, como olhos e ouvidos do pesquisador.
Convencionalmente, a entrevista tem sido definida como um encontro entre duas
pessoas a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado
assunto, mediante uma conversação da natureza profissional. Nessa
concepção, o entrevistado é percebido como um sujeito passivo, visto pelo
entrevistado como um mero informante. A pesquisadora Szymanski (2011), em
seu livro intitulado “A entrevista na pesquisa em educação: a prática reflexiva”
tenta avançar nesse debate, trazendo a ideia de, no processo de entrevista, tanto
o entrevistador, quanto o entrevistado partem de comportamentos ativos nessa
interação. O que é inusitado na perspectiva de Szymanski (2011) é o papel
fundamental do entrevistado para o direcionamento da entrevista e para,
consequentemente, a coleta de dados objetivada pelo pesquisador. Ao aceitar
ser entrevistado, o sujeito durante o processo da fala vai organizando fatos,
acontecimentos e ideias que muitas vezes, até o momento, não fizera parte de
seus pensamentos de forma sistemática. Ele descobre ser dono de um
conhecimento importante para o outro.
Assim, esse movimento reflexivo que a narração exige apresenta para o
entrevistado algo novo, organizado, que ele não conhecia. Nessa nova
perspectiva de entender, a entrevista permite olhar para o entrevistado como um
sujeito ativo, em que até o direcionamento da entrevista irá depender da
interpretação e o sentido que ele dará a essa conversa. Dessa forma, Szymanski
(2011), acrescenta que a interpretação do entrevistado sobre o momento da
entrevista “pode se processar de várias maneiras: uma oportunidade para falar
e ser ouvido; uma avaliação; uma deferência a sua pessoa; uma ameaça; um

21
aborrecimento, uma invasão.” Pensando no trabalho do etnógrafo, a entrevista
deve ser também, como afirma Seale (1999), vista como um bom recurso e/ou
oportunidade para realizar a observação direta, ou seja, o que acontece durante
a entrevista em si é de interesse do pesquisador. O silêncio, a agitação, o
nervosismo, a risada, o choro, enfim, tudo tem que ser observado e descrito,
como diz Geertz (1989), em um processo de descrição densa.
Existem dois momentos na entrevista fundamentais para que o
pesquisador tenha “sucesso” na sua coleta de dados. O primeiro diz respeito ao
contato inicial, o que Angrosino (2009) chama de Gelo Inicial, ou seja, a forma
como o pesquisador se apresentará ao entrevistado, pois esse sabe de seu valor
e tem o pesquisador numa relação de igual para igual. Nessa interação de poder,
o entrevistado pode decidir se quer ou não contribuir com o entrevistador. A
forma que o pesquisador, em particular, o etnógrafo, irá se apresentar,
fornecendo dados sobre sua pessoa, a instituição que está representando, e,
sobretudo, os objetivos da pesquisa, irão contribuir para o direcionamento da
pesquisa, mais precisamente, da entrevista. O segundo diz respeito ao que a
pesquisadora Szymanski (2011) chama de Aquecimento, isto é, o papel do
etnógrafo em criar um clima mais informal para a entrevista. É a partir dessa
informalidade que o entrevistado se deixa levar pela entrevista e que se obtém
os dados que se consideram necessários. Segundo Angrosino (2009), as boas
entrevistas se caracterizam pelo fato de os sujeitos estarem à vontade de falarem
livremente sobre seus pontos de vista. Ainda para o autor, as boas entrevistas
produzem uma riqueza de dados, recheadas de palavras que revelam as
perspectivas de correspondentes.

5.2 Observação

No que se refere à observação como instrumento de coleta de dados,


Hammersley e Atkinson (2007), contribuem para o debate quando nos alertam
para a ideia da Refletividade, isto é, o pesquisador, ao se inserir no contexto
sociocultural do “nativo”, precisa levar em conta o fato de que faz parte de um
mundo social. Desse modo, quando as autoras abordam esse conceito estão

22
reconhecendo e alertando os pesquisadores para o que o sociólogo francês
Bourdieu (2004) chama de Vigilância Epistemológica, ou seja, precisa estar
atento para que suas visões de mundo, seus preconceitos não atrapalhem as
análises e, sobretudo, as interações propostas no campo de pesquisa. Isso
significa afirmar que a pesquisa não é realizada isolada da sociedade e da
biografia do pesquisador, nesse sentido, a problemática da Reflexividade nos
traz a questão do grau de influência que a presença do observador pode causar,
modificando o contexto e mesmo a situação a ser observada.
É possível eliminar toda a influência do pesquisador no campo? Na
tentativa de responder essa questão, o pesquisador Vianna (2007), propõe a
distinção entre a observação casual e a observação científica. Para o autor, a
diferença centra-se no fato de que a observação científica procura coletar dados
que sejam válidos ou confiáveis, a partir de objetivos, metodologias e teorias
estruturando e direcionando a pesquisa de campo. A observação científica
direciona o observador para o que realmente deve ser observado. Essa ação de
ir ao campo já estabelecido de suas intenções contribui também na reflexividade,
na forma como o pesquisador deve se postar e interagir com os sujeitos
estudados. Como afirma a pesquisadora Gatti (2012), só se aprende a pesquisar
pesquisando, ou seja, somente nas interações no campo de pesquisa, o
observador conseguirá entender e/ou compreender a forma como deve buscar
respostas para suas indagações. Essa reflexividade proposta por Hammersley e
Atkinson (2007), contribui para o entendimento e enriquecimento de que o
antropólogo DaMatta (2010) chama de “transformar o exótico em familiar e
transformar o familiar em exótico”. Como premissa do trabalho do etnógrafo, a
necessidade do distanciamento e do estranhamento na pesquisa, se impõem de
maneira definitiva. E como salienta o antropólogo DaMatta (2010), o trabalho de
campo se investe de um tipo de rito de iniciação na formação do pesquisador. E
deste rito o “estranhar o familiar para torná-lo estranho”, é parte fundamental.
Nesse sentido, a etnografia contribui para a valorização do que Rockwell e
Ezpeleta (2007), chamam de “não-documentado”. Ela proporciona a
possibilidade do pesquisador não só observar diretamente o objeto de estudo,
mas participar de forma efetiva nas interações sociais presentes no campo de

23
pesquisa. Assim, ao se vestir a “capa do etnógrafo”, no que se refere à
observação, o pesquisador necessita, a partir da reflexividade de sua pesquisa
e, sobretudo, de sua compreensão da dimensão do contato com o outro, de
realizar o diálogo desses dois universos propostos por DaMatta (2010). Partindo
da história da Antropologia, o primeiro movimento “transformar o exótico em
familiar”, constitui a natureza da disciplina antropológica, onde na origem da
Etnografia, a partir da contribuição dos antropólogos Franz Boas (1858-1942) e
Malinowski (1884- 1942), encontram-se a busca em compreender as sociedades
e culturas totalmente diferentes e distantes da que os pesquisadores estavam
situados. O segundo movimento, para Damatta (2010), encontra-se no momento
presente da antropologia, onde está se volta para a nossa própria sociedade,
num movimento semelhante a um auto exorcismo, pois já não se trata mais de
depositar no selvagem africano o mundo das práticas primitivas que se deseja
objetificar e inventariar, mas de descobrir em nós, nas nossas instituições, na
nossa prática política e religiosa.
A reflexividade presente nesses movimentos propostos por Damatta
(2010), contribui para pensarmos o papel fundamental em que se encontra a
observação no trabalho de campo. A observação etnográfica é desenvolvida na
integração pesquisador e “nativo” a partir das situações da vida cotidiana. Esse
contato diário e as interações que vão 30 envolvendo o pesquisador com os
sujeitos observados, favorecem o estreitamento de laços que,
consequentemente, contribuirão para as análises reflexivas do pesquisador, no
que diz respeito ao diálogo entre os dois movimentos “transformar o exótico em
familiar e o familiar em exótico”. Como afirma Angrosino (2009), a observação
etnográfica é um processo de aprendizagem por exposição ou por envolvimento
nas atividades cotidianas ou rotineiras de quem participa no cenário da pesquisa.
Esse processo de aprendizagem tanto se refere ao pesquisador quanto ao
observado, uma vez que é ingênua o pesquisador imaginar que o processo
inverso também não aconteça, ou seja, do observado se transformar em
observador. Vários exemplos clássicos já foram retratados pelos antropólogos,
como por exemplo, o relato consistente da chegada de Geertz (1989) na ilha de
Bali, para estudar a Briga de Galos. A sua observação preliminar de perceber

24
que estava se transformando em um sujeito invisível frente aquela comunidade
nos diz e exemplifica a inversão do movimento observador/observado. Nesse
debate, Angrosino (2009), contribui para pensarmos a funcionalidade da
observação participante para a pesquisa etnográfica. Para ele, o observador
participante deve possuir as seguintes qualidades: habilidades linguísticas, pois
os diferentes grupos têm a sua própria gíria; consciência explícita, ou seja, ficar
consciente dos detalhes das relações que a maioria das pessoas deixam fora de
sua observação; uma boa memória, porque nem sempre é possível registrar a
observação no próprio local. Essas qualidades propostas por Angrosino (2009)
contribuem para pensarmos as interações entre pesquisador e pesquisado, ou
melhor, entre observador e observado, na medida que denota a importante
reflexão da postura do pesquisador no campo. Nesse sentido, um pesquisador,
em particular, um etnógrafo que se encontra no campo, deve ficar consciente de
quatro questões básicas sugeridas por Selltiz, citado por Vianna (2007), O que
deve ser efetivamente observado? Como proceder para efetuar o registro dessas
observações? Quais os procedimentos a utilizar para garantir a validade das
observações? Que tipo de relação estabelecer entre o observado e observador?
Essas questões nos levam novamente a dicotomia entre observação casual e
observação científica. Vianna (2007) lembra que a observação casual, isto é, do
senso comum é caótica, muitas vezes inexata e omissa, comprometendo a
observação de fatos e acontecimentos. Nas literaturas científicas, no que se
refere ao tema das metodologias de pesquisa, é de práxis distinguir dois tipos de
observação. A primeira chamada Observação Estruturada, diz respeito às
observações que ocorrem em laboratórios e, em geral partem de hipóteses, que
são testadas, a partir de instrumentos padronizados. A segunda, normalmente
chamada de Observação semiestruturada traz em seu bojo a possibilidade de o
pesquisador integrar a cultura dos sujeitos observados e ver o mundo, na
perspectiva dos sujeitos em processo de observação. O principal objetivo dessa
forma de observação é descrever, no ambiente natural dos observados, o que
acontece, como as pessoas se envolvem e se interagem, “o contexto em que a
ação acontece e o que se segue a partir dele” conforme explica (Hammersley e
Atinkson, 1994). Esse tipo de observação oferece a liberdade do pesquisador de

25
se relacionar e acompanhar o dia a dia dos sujeitos pesquisados. As interações
precisam ser as mais naturais possíveis para que os sujeitos observados não
mudem, de forma artificial, a sua forma de agir e que consigam estreitar os
universos propostos por Damatta (2010), ou seja, de “transformar o exótico em
familiar e o familiar em exótico”.

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ENCERRAMENTO

Parabéns por ter concluído os estudos desta matéria da sua


especialização!
A Editora Famart e seus parceiros (a) conteudistas, prepararam este
material baseando-se em temas e discussões relativas à esta disciplina.
Reunimos conteúdos de autores e pesquisadores que são referência na
temática apresentada neste material, concebendo uma compilação desta
abordagem de forma didática visando melhor aproveitamento no seu processo
de conhecimento e aprendizagem.
Busque fontes auxiliares de estudo para que possam agregar ainda mais
no seu conhecimento.
Dúvidas, elogios, questionamentos ou orientações quanto ao conteúdo
estudado, disponibilizamos através de sua área de estudo a opção de abrir um
requerimento. Nossos tutores estarão disponíveis para te atender!

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REFERÊNCIAS

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