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Enzimas

ENZIMAS: NATUREZA E AÇÃO


NOS ALIMENTOS
Enzimas são proteínas produzidas por todos os organismos vivos.
Elas aceleram as reações químicas de forma seletiva como parte
do processo essencial da vida, tais como digestão, respiração,
metabolismo e manutenção de tecidos. Em outras palavras, são
catalisadores biológicos altamente específicos. As enzimas agem sob
condições mais ou menos moderadas, o que as tornam catalisadores
ideais para utilização na tecnologia de alimentos, em que o fabricante
pretenda modificar seletivamente matérias-primas alimentícias, sem
destruir os nutrientes essenciais. O uso histórico das enzimas na
fabricação de cerveja, vinho, queijo e pão são exemplos da exploração
industrial do poder e seletividade das enzimas. As enzimas foram
e continuam sendo essenciais para o fornecimento de substratos
de fermentação (cerveja e pão), desenvolvimento de sabor e aroma
(vinho) ou criação da própria estrutura da produção (queijo).

Introdução e história mentos pelo papel que desempenham no seu


processamento e deterioração.
Em todas as células vivas ocorrem ininter- A história moderna das enzimas vem
ruptamente reações que, devido à sua grande desde 1833 quando, no periódico Annales de
complexidade, deveriam ser muito lentas Chimie et de Physique, os químicos franceses
nas temperaturas em que essas reações se Anselme Payen e Jean-François Persoz isola-
processam (ao redor de 37°C). No entanto, ram uma substância de um extrato de malte
essas reações são muito rápidas, o que leva que catalisava a transformação do amido em
à conclusão de que existem nas células vivas glicose. Batizaram esta substância de “dias-
substâncias catalisadoras que diferem dos tase” (do grego “separar”) porque separava
catalisadores inorgânicos pelo fato de serem os blocos de amido em unidades individuais
substâncias muito mais complexas, formadas de glicose. É a primeira vez que foi isolado
pelo organismo vivo. Essas substâncias são uma enzima, um composto orgânico que apre-
denominadas enzimas e podem ser definidas sentava as propriedades de um catalisador. O
de um modo geral como substâncias orgâni- sufixo ase de diastase passou a ser usado para
cas, formadas no interior das células vivas, designar as enzimas.
mas capazes de agir também fora das células. Em 1835 o sueco Jöns Jacob Berzelius
São fatores importantes na tecnologia de ali- demonstrou que o amido pode ser mais efi-

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cientemente decomposto usando-se outro lado, fermentação alcoólica era liquidada, Hans e Eduard Buchner
extrato de malte preferencialmente considerada como sendo uma reação colocando a pedra fundamental da
ao ácido sulfúrico e cunhou o termo espontânea até 1858, quando o quí- bioquímica moderna demonstrando
catálise. mico e biólogo francês Louis Pasteur que o extrato de levedura livre de cé-
Em 1836, ao investigar processos provou numa série de publicações que lulas podia converter glicose em eta-
digestivos, o fisiologista alemão Theo- a fermentação ocorre apenas na pre- nol e dióxido de carbono exatamente
dor Schwann isolou uma substância sença de células vivas - um fenômeno como células de levedura vivas. Em
responsável pela digestão albuminosa correlacionado com a vida - um ato outras palavras, a conversão não era
no estômago e denominou-a pepsina, fisiológico, conforme ele o chamou. atribuível a células de levedura como
a primeira enzima preparada a partir Esta divergência no entendimento tais, mas as suas enzimas não viáveis.
de tecido animal. Theodor Schwann da natureza da levedura no processo Em 1878, o fisiologista alemão
foi o fundador da teoria da moderna de fermentação causou um caloroso Wilhelm Kühne empregou pela pri-
histologia, definindo a célula como a debate entre Liebig e Pasteur. Liebig meira vez o termo “enzima” para
unidade básica do animal. morreu em 1873 e Pasteur em 1895 descrever este fermento, usando a
Em 1839 o eminente químico ale- sem que o debate fosse concluído. palavra grega ενζυμον, que significa
mão Justus von Liebig desenvolveu Subseqüentemente, contudo, os quí- “levedar”. O termo passou a ser
uma explicação mecanística para o micos alemães Eduard Buchner e mais tarde usado apenas para as
papel da levedura no processo de fer- Hans Buchner descobriram em 1897 proteínas com capacidade catalítica,
mentação. Ele via a levedura presente que um extrato de levedura livre de enquanto que o termo “fermento”
na mistura de fermentação como uma células poderia causar fermentação se referia à atividade exercida por
matéria em decomposição que emitia alcoólica. O antigo quebra-cabeças organismos vivos.
certas vibrações: ... os átomos de açú- foi solucionado; a célula de levedura O químico dinamafquês Johan
car sofrem um deslocamento; eles se produz a enzima, e a enzima provo- Kjeldahl, que foi chefe do Departa-
rearrumam de uma tal maneira a for- ca a fermentação. A controvérsia mento de Química no Laboratório
mar álcool e dióxido de carbono. Por Liebig-Pasteur foi assim finalmente Carlsberg em Copenhague de 1876

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até sua morte em 1900, desenvolveu manha para o Taka-koji do Asper- mas apesar do desencorajamento
um método analítico para detectar gillus oryzae cultivado em arroz pelos colegas que duvidavam se al-
nitrogênio no estado trinegativo úmido ou farelo de trigo e para um guma enzima poderia vir a ser isolada
em certos compostos orgânicos.
 
O método de produção para koji. Foi em forma pura, ele continuou. Em
método foi desenvolvido em 1883 e é presumivelmente a primeira patente 1921, quando sua pesquisa estava
utilizado amplamente na determina- para um produto de enzima microbiana. ainda nos estágios iniciais, foi dada
ção da proteína em alimentos, já que O produto foi denominado takadiastase. a ele uma bolsa belgo-americana e
a proteína é uma macromolécula feita O método de fermentação sugerido por decidiu ir para Bruxelas trabalhar
de nitrogênio, contendo aminoácidos Takamine, a cultura de superfície ou com Jean Effront, que havia escrito
ligadas umas às outras. Quando utili- cultura semi-sólida, ainda é utilizado vários livros sobre enzimas.

O plano
zada para determinação quantitativa na produção de certas enzimas. fracassou, contudo, porque Effront
de proteína, a percentagem de nitro- Em 1894, o químico alemão Emil achou que a idéia de Sumner de isolar
gênio medida é convertida para teor Fischer desenvolveu a teoria fechadu- a urease era ridícula. De volta a Itha-
protéico equivalente usando-se um ra e chave baseada nas propriedades ca, ele retomou seu trabalho até que
fator numérico apropriado. O método das enzimas glicolíticas. Ele determi- finalmente, em 1926, ele teve sucesso.
foi a base para o desenvolvimento da nou que uma função vital das enzimas Sua isolação e cristalização da urease
enzimologia quantitativa e biotecno- também depende da configuração encontrou uma receptividade confu-
logia geral. estereométrica das moléculas (ou sa; era ignorada ou desacreditada
No mesmo ano, o botânico, mi- seja, a posição dos átomos relativa a pela maioria dos bioquímicos, porém
cologista e microbiólogo Emil Chr. uma outra). Fischer foi o primeiro a rendeu lhe uma docência plena em
Hansen, que foi chefe do Departa- determinar as estruturas moleculares 1929 e o Prêmio Nobel de Química
mento de Fisiologia nos Laboratórios da glicose e frutose e a sintetizá-las a em 1946.

No mesmo ano, o cientista
Carlsberg em Copenhague de 1879 partir do glicerol em 1890. A cinética dinamarquês Kaj Ulrik Linderstrøm-
a 1909, descobriu e desenvolveu um enzimática fundamental data de 1903. Lang investigou muitas propriedades
método para propagar levedura que Naquela época Victor Henri con- químicas detalhadas importantes das
tornou possível produzir culturas de cluiu, em Paris, que uma enzima proteínas no Laboratório Carlsberg
levedura pura para uso industrial. combina com seu substrato para for- em Copenhague. A publicação de
Seus métodos foram utilizados sem- mar um complexo enzima-substrato 1924, The Ionization of Proteins,
pre desde então na incrementação do como um passo essencial na catálise estabeleceu um formalismo básico
processo industrial de fermentações. enzimática. Com base nesta idéia, a para a produção de enzimas. A teoria
Durante a parte inicial do Século teoria geral da ação enzimática foi de Lang ainda é a primeira aproxi-
XX, a tecnologia de enzimas estava expressada matematicamente pelo mação e permanece em uso para
também lentamente se desenvol- bioquímico e físico alemão Leonor muitos problemas onde a estrutura
vendo fora da Europa. No Extremo Michaelis e a cientista canadense Maud molecular não é conhecida.
Oriente, uma antiga tradição pre- Leonora Menten do Canadá em 1913. A cristalização de enzimas purifi-
valecia na qual bolores (cogumelos) Restava determinar qual a natu- cadas permitiu que as suas estruturas
chamados de koji eram (e de fato reza das enzimas. O fato de que as en- moleculares pudessem ser exami-
ainda são) utilizados na produção de zimas são proteínas foi descoberto em nadas por cristalografia de raios X,
certos gêneros alimentícios e aditivos 1926 por James Batcheller Sumner o que aconteceu primeiro com a
aromatizantes baseados na proteí- da Universidade de Cornell, Ithaca, lisozima, uma enzima que existe na
na de soja (shoyu, miso) e bebidas NY, EUA.
O trabalho de pesquisa saliva, lágrimas e na clara de ovo e
fermentadas (saquê, álcool). Koji é de Sumner em Cornell centrou-se destrói a parede celular de bactérias.
preparado a partir de arroz cozido primeiro sobre os métodos analíticos, Começaram assim a bioquímica e
no vapor em que se inocula uma mis- mas apesar de seu trabalho firme biologia estruturais, que se esforçam
tura de bolores (cogumelos), sendo ele era incapaz de obter quaisquer por compreender o funcionamento
a composição da mistura passada resultados interessantes. Ele então das enzimas a nível atômico.
de geração a geração.Isto formou decidiu isolar uma enzima em forma Quimicamente, as enzimas são
a base sobre a qual o químico japo- pura, um objetivo ambicioso nunca proteínas com uma estrutura química
nês Jokichi Takamine desenvolveu alcançado por ninguém até então, mas especial, contendo um centro ativo,
a processo de fermentação para a um tipo de pesquisa apropriado a sua denominado apoenzima e, algumas
produção industrial de amilase fún- aparelhagem insuficiente e escasso vezes, um grupo não protéico, deno-
gica. Em 1891, Takamine depositou pessoal de laboratório. Em especial, minado coenzima. A molécula toda
pedidos de patente nos EUA, Reino ele trabalhou com urease.

Por muitos (apoenzima e coenzima) é dado o
Unido, França, Bélgica, Canadá e Ale- anos seu trabalho foi sem sucesso, nome de haloenzima. Dependendo

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enzimáticas ocorrem não somente
no alimento natural, mas também
durante o seu processamento e
armazenamento.
As oxidoredutases, por exemplo,
são enzimas relacionadas com as
reações de óxido-redução em siste-
mas biológicos e, portanto, com os
processos de respiração e fermenta-
ção. Estão incluídas nesta classe não
somente as hidrogenases e oxidases,
mas também as peroxidases, que
usam o peróxido de hidrogênio como
agente oxidante, as hidroxilases, que
introduzem hidroxilas em moléculas
insaturadas, e as oxigenases, que
oxidam o substrato, a partir de 02.
Já as transferases são enzimas
que catalisam, como o nome indica,
a transferência de grupos de um
composto para outro. A metilação
em sistemas biológicos é realizada
pelas transferases. A transalciolase
do tipo de ligação, o grupo prostético enzima dentro da sua subclasse. As e transcetolase transferem glico-
pode ser separado da proteína por enzimas podem também ser designa- laldido e 1,3-di-hidroacetona, e a
métodos brandos, como por exemplo, das por nomes que obedecem a uma transferência de acetilas e alquilas
a diálise. Em alguns casos, as enzimas sistemática e são constituídos de duas é feita pelas acetiltransferases e
podem estar ligadas a moléculas or- partes: uma indicando o substrato e a alquiltransferases. Outras enzimas
gânicas de baixo peso molecular, ou outra indicando a natureza da reação. pertencentes às transferases são as
íons metálicos, cuja função é ativar as Como essa nomenclatura também é glicosiltransferases, que transferem
enzimas a eles ligados, denominados complexa, as enzimas são geralmente resíduos de açúcar. Outras enzimas
co-fatores. identificadas por nomes triviais, já em pertencentes a esta classe transferem
As enzimas são substâncias só- uso há muito tempo. Por exemplo, a nitratos e fosfatos.
lidas, mas difíceis de serem cris- enzima classificada como 3.2.1.2 é As hidrolases incluem enzimas de
talizadas devido à complexidade denominada sistematicamente de baixa especificidade, como esterases
de suas estruturas químicas. Com α-14-glucan-malto-hidrólise, mais co- e tioesterases, que hidrolisam um
algumas exceções, são solúveis em mumente conhecida como α-amilase. número muito grande de ésteres e tio-
água e álcool diluído e, quando em As reações químicas que se pro- ésteres, embora com velocidades di-
solução, são precipitadas pela adição cessam no organismo são de diferen- ferentes, e enzimas de especificidade
de sulfato de amônio, álcool ou ácido tes tipos e necessitam de catalisa- muito alta, como as glicosilfosfatases
tricloroacético. São inativadas pelo dores diferentes. Essas reações são (enzimas glicosílicas) e as peptidases
calor e esta, talvez, seja a propriedade catalisadas por enzimas diferentes, (enzimas proteolíticas). Pertencem
mais importante desses compostos fato que serviu de base à classificação também às hidrolases, as fosfatases
em relação a tecnologia de alimentos. das enzimas, agrupando enzimas que e as pirofosfatases.
As enzimas são classificadas em catalisam as mesmas reações em uma As liases modificam o substrato,
seis principais classes: oxidoreduta- mesma classe. cindindo compostos ou removendo
ses, transferases, hidrolases, liases, grupos da molécula de substrato.
isomerases e ligases. Cada classe é di- Os tipos de enzimas Pertencem a esta classe as descar-
vidida em subclasses que identificam As reações enzimáticas são mui- boxilases; as cetoácidoliases, cuja
a enzima em termos mais específicos to importantes nos alimentos, de- principal função é a síntese de ácidos
e que são representadas pelo segundo pendendo delas não só a formação di- e tri-carboxílicos, e as hidroliases,
algarismo. O terceiro algarismo de- de compostos altamente desejá- que desidratam hidroxiaminoácidos,
fine com exatidão o tipo de atividade veis, como também podem ter con- com posterior rearranjo da molécula
enzimática e o quarto é o número da sequências indesejáveis. As reações e formação de novos compostos.

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Enzimas
As isomerases são enzimas que creas e no leite. Podem causar desper- glucan-4-glucanohidrolase) é uma
catalisam reações de isomerização. dício de alimentos, porque os ácidos endoenzima que hidrolisa o α-1,4-
Racemização e epimerização são cau- gordurosos livres provocam o ranço. glucosídico, unida fortuitamente ao
sadas pelas racemases e epimerases e Em outros casos, a ação das lipases é longo da cadeia. Estas amilopectinas
cistransisomerases mudam a configu- desejável, sendo produzida intencio- de hidrolise e oligossacarídeo, con-
ração das duplas ligações. Pertencem nalmente. O limite entre o sabor e o tendo duas a seis unidades de glico-
ainda às isomerases, as oxiredutases sem sabor frequentemente apresenta se. Esta ação conduz a uma rápida
intramoleculares, que interconvertem uma gama muito estreita. Por exem- diminuição na viscosidade e pequena
aldoses em cetoses, oxidando uma hi- plo, a hidrólise de gordura de leite, no formação de monossacarídeos. Uma
droxila desses compostos e reduzindo leite, conduz a um desagradável “sem mistura de amilase e amilopectina
a carbonila adjacente, e as transfera- sabor”, com muito baixa concentração será hidrolisada em uma mistura de
ses intramoleculares, também deno- de ácido gorduroso livre. Já a hidró- dextrina, maltose, glicose e oligossa-
minadas mutases, que apenas mudam lise de gordura de leite, no queijo, carídeos. A amilase é completamente
a posição de determinados grupos da contribui para um sabor desejável. hidrolisada por maltose, embora nor-
molécula de substrato. Esta diferença está relacionada ao malmente haja alguma maltotriose
As ligases são enzimas que cau- uso no qual estes ácidos gordurosos formada, que hidrolisa lentamente.
sam a degradação da molécula de são sobrepostos e a especificidade A β-amilase é uma exoenzima que
ATP, usando a energia liberada nesta para grupos particulares de ácidos remove unidades de maltose suces-
reação para a síntese de novos com- gordurosos de cada enzima. sivas de não redução das cadeias de
postos, unindo duas moléculas. Em sementes, as lipases podem glucídios. A ação é interrompida no
As esterases estão envolvidas na hidrolisar gordura, a menos que as ponto onde o acoplamento α -1,6-glu-
hidrólise de acoplamentos de éster de enzimas sejam destruídas pelo calor. cosídeo não pode ser quebrado pela
vários tipos. Os produtos formados O óleo de palma produzido por méto- α -amilase. As combinações resultan-
são ácidos e álcool. Estas enzimas dos primitivos na África, consistia em tes são nomeadas dextrina de limite.
podem hidrolisar triglicérides e in- mais do que 10% de ácidos gordurosos A β-amilase só é encontrada em
cluem várias lipases; por exemplo, livres. Também são encontrados tais plantas mais altas. Malte de cevada,
fosfolipídios são hidrolisados através problemas de desperdício em grãos trigo, batata-doce e feijão de soja são
de fosfolipases e ésteres de colesterol e na farinha. A atividade da lípase boas fontes de β-amilase. Tecnologi-
são hidrolisados através de esterase em trigo e outros grãos é altamente camente, é importante na indústria
de colesterol. O carboxilesterase são dependente do conteúdo de água. alimentícia no processo de assar, bem
enzimas que hidrolisam triglicérides, No trigo, por exemplo, a atividade como no preparo e destilação, onde
como o tributirin. Podem ser dis- da lipase é cinco vezes, 15,1%, do a goma é convertida em maltose de
tinguidos das lipases, porque hidroli- que a 8,8% de umidade. A atividade açúcar de fermentação. O fermento
sam substratos solúveis, consideran- lipolítica de aveias é mais alta do que de maltose, sacarose, inverte açúcar
do que as lipases só agem nas inter- a maioria dos outros grãos. e glicose, mas não fermenta dextrinas
faces de lipídio de água de emulsões. As amilases são as mais impor- ou oligossacarídeos que contêm mais
Assim, qualquer condição que resulta tantes enzimas do grupo de glicídios de duas unidades de hexose.
no aumento da área de superfície da hidrolisados. Estas enzimas degra- A glucoamilase é uma exoenzi-
interface do lipídio de água, aumen- dantes podem ser divididas em dois ma que remove unidades de glicose
tará a atividade da enzima. grupos, as enzimas denominadas de uma maneira sucessiva, sem
Esta é a razão pela qual a ati- de branching, que especificamente redução da cadeia de substrato. O
vidade da lipase é muito maior na hidrolisam 1,6 acoplamentos entre produto formado é apenas glicose, e
homogeneização (não pasteurização) cadeias, e as enzimas que quebram isto diferencia esta enzima da alfa e
do leite do que no produto não ho- os 1,4 acoplamentos entre unidades beta-amilase. Além da hidrolização
mogeneizado. A maioria das enzimas de glicose das cadeias diretas. Este dos acoplamentos α -1,4, esta enzima
lipolíticas são específicas para o ácido último grupo consiste em endoenzi- também pode atacar os acoplamentos
ou o componente de álcool do subs- mas que partem os laços ao acaso, em α -1,6, embora a uma taxa mais lenta.
trato e, no caso de ésteres de álcoois pontos ao longo das cadeias, e exoen- Isto significa que a goma pode ser
polihídricos, pode haver também uma zimas que partem pontos específicos completamente degradada à glicose.
especificidade posicional. nos fins de cadeia. Está presente em bactérias e moldes
As lipases são produzidas através As α-amilases são enzimas distri- e é industrialmente usada na produ-
de microorganismos, como bactérias buídas amplamente nos reinos animal ção de xaropes de milho e glicose.
e moldes. Está presente em plantas e vegetal. Contém 1 grama-átomo de Um problema na conversão da
e em animais, especialmente no pân- cálcio por mole. A α-amilase (α-1,4- enzima de goma de milho para glicose

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é a presença de enzima de transgluco- As enzimas pépticas são capazes A poligalacturonase, também
sidase em preparações de α -amilase e de degradar substâncias pépticas e conhecida como pectinase, hidrolisa
glucoamilase. A transglucosidase ca- ocorrem em plantas mais altas e em os acoplamentos de glicídios em
talisa a formação de oligossacarídeos microrganismos. Estas enzimas são substâncias pépticas. As poligalactu-
de glicose, reduzindo o rendimento de comercialmente importantes no tra- ronases podem ser divididos em
glicose. Grãos não danificados, como tamento de sucos de frutas e bebidas, endoenzimas, que agem dentro da
trigo e cevada, contém muito pouco auxiliando na filtração e clarificação molécula em acoplamentos de α -1,4
α -amilase, mas níveis relativamente e em proporcionar rendimentos e, em exoenzimas, que catalisam a
altos de β-amilase. Quando estes crescentes. As enzimas também po- hidrólise de galacturônicos, moléculas
grãos germinam, o nível de β-amilase dem ser usadas para a produção de ácidas de não redução no término da
muda e o conteúdo de α -amilase pode baixas pectinas de metoxil e ácidos cadeia. Uma divisão adicional pode
aumentar para 1,000. A ação combi- galacturônicos. A presença de enzi- ser feita devido ao fato que alguma
nada de alfa e beta-amilase no grão mas pépticas em frutas e legumes poligalacturonase age principalmente
germinado aumenta, grandemente, pode resultar em amolecimento ex- em substratos metilados (pectinas),
a produção de açúcar fermentado. cessivo. Em tomate e suco de frutas, considerando que outros agem em
A β-galactosidade é uma enzima as enzimas pépticas podem causar substratos com grupos de ácidos
que catalisa a hidrolise de β-D- separação de “nuvem”. carboxílicos livres (ácidos pépticos).
galactosides e α L-arabinosides. É Existem vários grupos de enzimas Estas enzimas são nomeadas galactu-
mais conhecida por sua ação de hi- pépticas, inclusive, a pectinesterase, ronases de polimetil e poligalacturo-
drolização em lactose, sendo também uma enzima que se agrupa e hidrolisa nases, respectivamente. As endopo-
conhecida como lactase. A enzima é metoxil, e a poligalacturonase, enzi- ligalacturonases estão presentes em
amplamente distribuída e encontra- mas de polimerização e liase péptica. frutas e em fungos filamentosos, mas
da em animais, bactérias, fermentos A pectinesterase remove os gru- não em fermento ou bactéria. As exo-
e plantas. A β-galactosidase ou pos metoxil da pectina. A enzima poligalacturonases estão presentes
lactase é encontrada em humanos se refere a vários outros nomes, em plantas (por exemplo, cenouras e
nas células da membrana mucosa incluindo pectase, pectina metoxi- pêssegos), fungos e bactérias.
intestinal. Uma condição ampla em lase, pectina metil esterase e pec- As enzimas imobilizadas foram
adultos não caucasianos, é caracte- tina demetilase. A pectinesterase empregadas apenas na sua forma
rizada por uma ausência de lactase. pode ser encontrada em bactérias, solúvel, até 1973, quando, a partir de
Tais indivíduos tem intolerância a fungos e plantas altas, em quanti- trabalhos de Katchalsk e colaborado-
lactose, que é uma inabilidade para dades elevadas em frutas cítricas res, surgiu a possibilidade de enzimas
digerir leite corretamente. e tomates. A enzima é específica serem ligadas a compostos insolúveis.
A presença de galactose inibe a hi- para ésteres de galacturonide e não Neste processo, a enzima é ligada a
drolise de lactose, através da lactase. ataca galacturonide metil ésteres uma matriz, que são polímeros inso-
A glicose não tem este efeito. em qualquer extensão. lúveis em água, inativos, cuja função
é a de fixar as enzimas, formando
um composto relativamente estável,
permitindo o uso de processos con-
tínuos. As ligações enzima-matriz
podem se dar por ligações covalentes
e não covalentes; neste último caso, as
enzimas seriam absorvidas na matriz,
ou apenas presas em micro cápsulas
semipermeáveis ou em membranas
semipermeáveis.
Como exemplo, podemos citar os
xaropes ricos em glicose e maltose
que podem ser preparados passando-
se uma solução de amino através de
uma coluna contendo β-amilase e
glucoamilase.
As enzimas imobilizadas são mais
resistentes a temperaturas elevadas
do que as naturais.

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Enzimas
Cinética enzimática econômica na conversão de material. tros, e são insumos básicos vitais para
A cinética enzimática qualitativa e decidir quais preparações enzimáti-
Os mecanismos de ação enzimáti- quantitativa mostra que as enzimas cas devem ser usadas e em qual pro-
ca e as interações das enzimas com o se comportam de forma previsível cesso de modificação dos alimentos.
seu ambiente físico e químico podem em sistemas ideais simples, como os Os perfis de temperatura e pH de-
ser descritos matematicamente com usados para classificar e caracteri- rivados de condições de teste simples
razoável precisão. No entanto, a maio- zar as preparações enzimáticas em são geralmente aplicáveis em ambien-
ria das equações, as constantes e as laboratórios de pesquisa e controle tes alimentícios complexos porque são
regras básicas (cinética enzimática), de qualidade. Trabalham de forma dependentes das propriedades mole-
foram elaboradas para situações idea- máxima em valores específicos de culares da proteína da enzima em si
lizadas em que as enzimas e os subs- pH, temperaturas e concentrações de e não das propriedades do substrato.
tratos agem unicamente em condições substrato, de acordo com regras bem As enzimas são cadeias polipeptídicas
previsíveis dentro das células vivas. estabelecidas (veja Figura 1). dobradas, mantidas juntas por forças
Os tecnólogos em alimentos não Em concentrações de substrato moleculares relativamente fracas. A
só precisam saber quais enzimas fixo, as taxas de reação enzimática de- estrutura dobrada determina a inte-
degradam, sintetizam ou intercon- pendem da concentração da enzima, gridade do sítio catalítico (sítio ativo,
vertem com o material dos subs- dependendo da eficiência de volume veja Figura 2) dentro da enzima,
tratos alimentícios, como também da preparação enzimática específica. e pode ser facilmente rompido por
precisam poder quantificar o quanto As curvas de atividade, como aquelas mudanças energéticas no ambiente
de determinada enzima é necessário representadas esquematicamente na da enzima (a temperatura é um ex-
e em quais condições deverá atuar Figura 1, são usadas para definir os celente exemplo). Esse fenômeno é
para atingir a máxima eficiência valores numéricos desses parâme- chamado de “desnaturação” e pode
ser reversível ou não, dependendo
FIGURA 1 – EFEITO DO pH, TEMPERATURA, CONCENTRAÇÃO da severidade da deformação e dos
DA ENZIMA E CONCENTRAÇÃO DE SUBSTRATO SOBRE A TAXA danos estruturais.
INICIAL DE REAÇÕES CATALISADAS POR ENZIMAS EM SOLUÇÃO

desnaturação
A desnaturação é um processo
que se dá em moléculas biológicas,
principalmente proteínas, expostas a
condições diferentes àquelas em que
Atividade

Atividade

foram produzidas, como variações de


temperatura, mudanças de pH, força
iônica, entre outras. A proteína perde
a sua estrutura tridimensional e,
portanto, as suas propriedades. Este
processo é irreversível. Dois exemplos
simples de desnaturação ocorrem:
• Ao pingar gotas de limão no leite,
3 5 7 9 10 20 30 40 o pH é alterado, causando a desnatu-
pH Temperatura (0C) ração das proteínas, que se precipitam
na forma de coalho;
• Ao cozinhar um ovo. O calor modi-
fica irreversivelmente a clara, que é for-
mada pela proteína albumina e água.
A desnaturação também atinge
enzimas, que realizam funções vitais
Atividade

Atividade

no corpo. Por isso que os médicos


preucupam-se antes em baixar a febre
do que descobrir a causa, pois a alta
temperatura pode destruir enzimas de
funçoes vitais, como as enzimas que
auxiliam no processo respirátorio (trans-
porte de substância via hemoglobina).
Concentração de substrato Concentração de enzima

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mistura de reação. Em alimentos e
FIGURA 2 – CADEIA POLIPEPTÍDICA DOBRADA tecnologia de alimentos, a instabilida-
TRIDIMENSIONAL DE UMA PROTEÍNA ENZIMÁTICA
de física pode ser induzida pelo efeito
de pH e temperatura descritos acima,
mas também por forças relativamente
leves, como a tensão superficial em
espumas e emulsões.
A maioria dos inibidores de enzi-
ma não está presente nos alimentos,
porque geralmente são agentes ve-
nenosos (metais pesados e compostos
organometálicos, por exemplo); po-
rém, muitos antagonistas da enzima
e venenos catalíticos são comuns nos
gêneros alimentícios e matérias-pri-
mas (i.e., respectivamente, enzimas
proteolíticas e radicais livres de áci-
dos graxos insaturados oxidados). A
estabilidade absoluta de uma enzima
No entanto, mesmo pequenas mu- modificação da ligação e liberação do só pode ser determinada em sistemas
danças nas forças intramoleculares produto. Em ambos os lados do pH alimentícios reais. Qualquer medição
na enzima, tais como as causadas por ótimo para a atividade, as mudanças de estabilidade por via de proteínas
pequenas variações de temperatura na carga e a eficiência da ligação de purificadas em sistemas tampões
ou diferenças de cargas dependente hidrogênio podem, ou distorcer o sítio aquosos somente fornece uma orien-
do pH sobre os aminoácidos que ativo por meio de mudanças na dobra tação de como poderá se comportar a
compõem as estruturas da cadeia tridimensional da cadeia polipeptídica enzima na prática, i.e. em um sistema
primária de polipeptídios, também da proteína (veja Figura 2), ou reduzir alimentício real. A primeira decisão a
podem provocar mudanças confor- ligações dipolo em grupos funcionais ser tomada é se o processo irá benefi-
macionais na estrutura, que ficam do sítio ativo, reduzindo sua capacida- ciar de enzimas estáveis ou instáveis.
aquém de desnaturação. Mudanças de de diminuir a energia de ativação Enzimas altamente estáveis são
desta magnitude são mostradas nas para conversão do substrato. normalmente utilizadas em processos
curvas típicas de temperatura e ati- A compreensão da relação entre que levam muito tempo para serem
vidade de pH apresentadas na Figura as sequências de aminoácidos e das concluídos, como na malteação da
1 e ilustram o quão precisa deve ser eficiências das estruturas tridimen- cevada e processo Koji de fermenta-
a justaposição dos grupos funcionais sionais e catalíticas das enzimas ali- ção, ou sempre que a enzima é parte
do sítio ativo para se atingir a taxa mentícias são agora suficientemente de um kit de diagnóstico e precisa
máxima de catálise. Assim, a medida compreendidas para permitir que os sobreviver a secagem e ao tempo de
que a temperatura da reação é au- enzimologistas moleculares mudem as armazenamento antes do uso, sem
mentada, a cinética química clássica estruturas das enzimas para melhorar perder sua atividade normalizada na
dita que a reação acelerará, mas, além suas propriedades de transformação fabricação. Por outro lado, algumas
de certa temperatura (característica tecnológica, tais como resistência ao enzimas utilizadas na fabricação de ali-
de qualquer enzima particular), a calor, definição de pH ótimo, resistên- mentos só são obrigadas a ficar ativas
ruptura da estrutura dobrada da cia aos inibidores catalíticos e mesmo durante um curto período de tempo,
proteína da enzima irá reduzir sua preferência de substratos; isso é cha- por exemplo, para limpar o oxigênio,
eficiência catalítica e sua atividade mado de “engenharia de proteínas”, para precipitar as proteínas do leite
irá cair novamente. ou engenharia protéica. ou para auxiliar no amadurecimento,
No caso do pH, a curva em forma sendo sua persistência em longo prazo
de sino é a manifestação de uma óti- Instabilidade e no alimento irrelevante, ou até mesmo
ma estrutura espacial da proteína da estabilidade das enzimas prejudicial. Exemplos específicos des-
enzima, que ocorre em um determi- As enzimas possuem uma vida tas aplicações e os critérios utilizados
nado pH, quando a ionização relativa finita de trabalho, ou meia-vida, de- para escolher a enzima certa para
dentro da estrutura se combina para vido à instabilidade física inerente, o trabalho serão apresentados mais
orientar o sítio ativo para gerar o a ação de antagonistas/inibidores, e adiante. Alguns dos fatores especiais
máximo de ligações de substrato, a intoxicação por contaminantes na que influenciam a estabilidade das

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Enzimas
de protease). Mesmo que a aplicação
TABELA 1 – FATORES ESPECIAIS QUE INFLUENCIAM A ESTABILIDADE
DAS ENZIMAS NOS ALIMENTOS seja para um componente isolado de
Condições Efeito na estabilidade Causas subjacentes alimento, como proteína de soro de
leite, uma preparação enzimática he-
Fase de
Aumento a energia necessária por unidade de terogênea pode passar uma atividade
concentração da Estabiliza
volume para desnaturar a enzima.
enzima enzimática inesperada e indesejável
Presença de Diminui a proporção de energia desnaturante para o cliente que adquire o produto,
outras proteínas Estabiliza ou fonte molecular disponíveis para desnaturar a menos que medidas sejam tomadas
não-enzimaticas proteínas enzimáticas.
para inativa-la após o processamento.
Presença de Se acompanhadas de enzimas ou proteinases, Assim, o relacionamento enzima/
outras proteínas Desestabiliza podem degradar a proteína enzimática
enzimaticas adicionada. substrato é mais complexo e menos
Envenenamento catalítico
previsível em ambientes de reações
• de lipases por danos químicos induzidos por alimentícias, porque os materiais
Presença de
radicais livres à enzima (principalmente lipases). alimentícios não são substâncias
Desestabiliza • de qualquer enzima por átomos de metais químicas puras, mas sim estruturas
impurezas
pesados bloqueando o sitio ativo.
• de metal que requerem enzimas por agentes complexas e/ou misturas mal defi-
quelantes, como o ácido cítrico ou polifosfatos. nidas de potenciais (possivelmente
Interfaces de fase Desestabiliza Desnaturação por forças de tensão superficiais. concorrentes) substratos e inibidores.
A quantidade de enzima necessá-
enzimas em sistemas alimentícios e esse tipo de estrutura tende a fazer ria para converter uma determinada
no processamento de alimentos estão com que qualquer substância adicio- quantidade de substrato é medida em
listados na Tabela 1. nada seja concentrada por afinidade, “Unidades de Enzima”. Em sistemas
Não existem regras rígidas para osmose ou solubilidade diferencial em simples, a International Union of
orientar os tecnólogos em alimentos um determinado componente ou fase Biochemistry Unit define (U) como a
nesta área ainda pouco explorada do alimento. Portanto, vale buscar a quantidade de enzima que irá catalisar
da ciência aplicada as enzimas, pois partir dos dados do fornecedor sobre a transformação de um micromole de
a comunidade científica não possui a solubilidade, a hidrofobicidade e a substrato por minuto, sob condições
estudos sistemáticos sobre os efeitos resistência à tensão superficial da des- definidas. A unidade SI (Sistema In-
das fases estruturais e interfaces em naturação da enzima, de modo que os ternacional de Unidades do francês
alimentos, em todos os fatores utiliza- valores de custo possam ser ajustados Système international d’unités) para
dos para prever a atividade enzimáti- para “x unidades/kg a granel de proteí- atividade da enzima é o katal (símbolo:
ca. No entanto, com base na Tabela 1, na, gordura ou carboidratos”, ou mes- kat), definida como a quantidade de
é possível evitar algumas armadilhas mo “por unidade de volume de água enzima que causa a transformação de
ou, até mesmo, aproveitar algumas em uma emulsão”. Isso pode produzir um milimole de substrato por segundo
oportunidades. Por exemplo, um for- um valor de custo substancialmente sob determinadas condições. O katal
necedor pode recomendar uma taxa de maior ou menor do que o baseado em não é usado para demonstrar a taxa
adição de enzimas de x unidades por hipóteses de homogeneidade. de reações e é expressado em mol/s.
quilo de produto alimentício, com base Infelizmente, para os tecnólogos
na atividade medida contra o substrato Composição e atividade de alimentos até mesmo um subs-
em solução. O fabricante de alimentos das preparações trato que é definível em termos de
calcula o custo da conversão enzimá- enzimáticas comerciais tecnologia de alimentos (por exemplo,
tica com base nesse valor, o ajusta A maioria das preparações en- proteína fúngica, extratos de proteí-
para compensar as diferenças de pH e zimáticas comerciais contém não nas vegetais, músculo animal, amido
temperatura, e decide o quanto a fase apenas a enzima específica, cuja de milho, gordura do leite) passa
enzimática custará. Esse processo de atividade é impressa no rótulo, mas a ser heterogêneo quanto se trata
decisão é baseado na suposição de que também outras enzimas produzidas de enzima, e as definições unitárias
a enzima agirá em um ambiente homo- pelo mesmo material de origem/or- acima são de pouca utilidade na ela-
gêneo semelhante ao analisado pelo ganismo. O usuário da enzima deve boração de um processo. Por exemplo,
produtor. No entanto, a maioria dos estar sempre atento a este fator na o amido de milho é constituído por
alimentos é heterogênea, constituída especificação do produto enzimático, polímeros de glicose de pesos mole-
por compostos sólidos descontínuos para evitar efeitos colaterais em ali- culares infinitamente variáveis, com
de gordura, proteína, carboidratos e mentos complexos (por exemplo, hi- diferenças enormes de lote para lote,
água, ou emulsões e espumas com li- drólise do amido por uma preparação tornando impossível fixar uma dosa-
mites de fase distintos. Em alimentos, enzimática adquirida para a função gem de enzima padrão para alcançar

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uma especificação acordada para Fontes e variedades de extraídas para uso exógeno.
um produto da hidrólise do amido enzimas para alimentos Por outro lado, algumas proteina-
como ingrediente. Na verdade, seria ses de plantas e animais continuam
impossível definir uma unidade de As fontes tradicionais de enzimas amplamente em uso difundido devido
enzima em relação a esse substrato, para processos alimentícios são os teci- a sua eficácia bem estabelecida em
simplesmente porque um milimole ou dos de plantas e animais (veja Tabela 2). alguns processos fundamentais na
micromole de um polímero de peso Embora estes ainda sejam amplamente produção de queijos e carnes proces-
molecular misto não pode ser defini- utilizados na fabricação de alimentos, sadas. De particular interesse são a
do. Esses fatores significam que não há uma tendência para a produção de papaína (e as proteinases relacionadas,
há nenhuma forma simples e consis- enzimas alimentícias provenientes de a bromelina e a ficina) na tenderização
tente para definir ou pré-determinar alternativas microbianas, incluindo os (amaciamento) da carne, e a quimosina
o quanto adicionar da enzima para derivados geneticamente modificados (com um pouco de pepsina para uma
qual quantidade de matéria-prima no (OGMS) desses organismos. boa medida) na fase de coagulação do
processamento de alimentos. Há muitos exemplos do uso de leite na produção de queijos. A qui-
Na prática, os fabricantes de enzimas para a degradação de car- mosina extraída do abomaso - quarto
enzimas fornecem informações es- boidratos na fabricação de alimentos, estômago dos ruminantes - de vitela,
senciais para os seus clientes através especialmente em panificação, fabri- é substituída em alguns países pela
da definição de unidades em termos cação de cerveja e produção de suco mesma enzima produzida pela fer-
da função tecnológica da enzima. Isso de frutas. No entanto, sua produção mentação de leveduras e fungos con-
não só permite ao usuário definir econômica a partir de microrganismos tendo genes clonados de quimosina; a
e controlar o processo de hidrólise eficientes em fermentadores de escala quimosina natural ainda é a preferida
enzimática em escala industrial, como industrial significa que a utilização de muitos produtores tradicionais de
também estabelece a base para rela- de enzimas, como a amilase e a pecti- queijo, apesar das vantagens da oferta
cionar o preço da enzima com o valor nase presentes nas matérias-primas e da pureza do produto produzido por
do produto produzido, e permite com- tradicionais (trigo, cevada, frutas cí- fermentação.
parar a produtividade das enzimas de tricas e farinha), se limita agora a sua A tripsina bovina e suína ainda é
diferentes fornecedores. ação in situ, não sendo amplamente utilizada para a produção de proteína

TABELA 2 – ENZIMAS PROVENIENTES DE ANIMAIS E PLANTAS UTILIZADAS NA FABRICAÇÃO DE ALIMENTOS


Enzima Fonte Ação nos alimentos Aplicação nos alimentos
Sementes de cereais (trigo, Hidrólise do amido em
α-amilase Panificação; malteação.
cevada) polissacarídeos.
β-amilase Batata doce Hidrólise do amido em maltose pura. Produção de xaropes de alta maltose.
Hidrólise de proteínas em alimentos Tenderização de carnes; prevenção de névoa
Papaína Látex dos frutos verdes de papaia
e bebidas. na cerveja.
Hidrólise de proteínas musculares e
Bromelina Suco de abacaxi e caule Tenderização de carne.
do tecido conjuntivo.
Idem a bromelina e a papaína, mas não
Ficina Látex de figueiras tropicais Idem a bromelina.
amplamente utilizado devido ao custo.
Produção de hidrolisados de aromas
Tripsina Bovina/suína Hidrólise da proteína dos alimentos. alimentícios (principalmente substituído por
proteinases microbianas).
Quimosina (coalho) Abomaso de bezerro Hidrólise da kappa-caseína. Coagulação do leite em queijos.
Como a quimosina + hidrólise da Usualmente presente com quimosina como
Pepsina Abomaso de bovinos
caseína em geral, em queijos. parte do coalho.
Esôfago de caprinos e ovinos;
Realce do sabor em queijos; modificação da
Lipase/esterase abomaso de bezerro; pâncreas Hidrólise de triglicerídeos (gordura).
função de gordura por interesterificação.
de porco
Oxidação de ácidos graxos
Lipoxigenase Soja Melhora a massa do pão.
insaturados na farinha.
Prevenção em queijos de media e longa
Lisozima Clara de ovo de galinha Hidrólise de polissacarídeos duração dos riscos de estufamento tardio
pela ação do Clostridium tyrobutyricum
Oxidação do íon tiocianato para
Lactoperoxidase Soro de queijo; colostro bovino Esterilização a frio de leite.
hipotiocianato bactericida.

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TABELA 3 – ENZIMAS DERIVADAS DE MICROORGANISMOS E UTILIZADAS NA FABRICAÇÃO DE ALIMENTOS
Enzima Fonte Ação nos alimentos Aplicação nos alimentos
Aspergillus Spp. Amolecimento da massa, aumento do volume
α-amilase Bacillus spp.* Hidrólise do amido de trigo. do pão, ajuda na produção de açúcares para a
Microbacterium imperiale fermentação de leveduras.
Redução do tempo de maturação do decarboxilase
Converte acetolactato em
α-acetolactato Bacillus subtilis* Vinho evitando a necessidade de uma fermentação
acetoína.
secundária de diacetil para acetoína.
Aspergillus niger Hidrólise da dextrina do amido em Uma fase de produção de xarope de milho de alta
Amiloglucosidase
Rhizopus Spp. glicose (sacarificação). frutose (HFCS); produção de cervejas light.
Lactococcus lactis Libera aminoácidos livres a partir
Reduz o amargor de hidrolisados, acelera a
Aminopeptidase Aspergillus spp. do N-terminal de proteínas e
maturação do queijo.
Rhizopus oryzae peptídeos.
Aspergillus niger* Decompõe o peróxido de Tecnologia de remoção de oxigênio, combinada
Catalase
Micrococcus luteus hidrogênio em água e oxigênio. com glicose oxidase.
Aspergillus niger
Celulase Hidrólise da celulose. Liquefação da fruta na produção de sucos.
Trichoderma spp.
Aspergillus awamori*
Quimosina Hidrólise da kappa-caseína. Coagulação do leite para queijo.
Kluyveromyces lactis*
Ciclodextrina Sintetiza ciclodextrinas a partir de Ciclodextrinas são microencapsulantes de grau
Bacillus spp.*
Glucanotransferase amido liquefeito. alimentício para cores, sabores e vitaminas.
Adoçantes de leite e soro; produtos para indivíduos
intolerantes à lactose; redução da cristalização
β-galactosidase Aspergillus spp. Hidrólise da lactose do leite em
em sorvetes contendo soro de leite; melhorar a
(lactase) Kluyveromyces spp. glicose e galactose.
funcionalidade do concentrado protéico de soro;
fabricação de lactulose.
Aspergillus spp Hidrólise de beta-glucanas em Auxiliares da filtração, prevenção de névoa na
β-glucanase
Bacillus subtilis* mosto de cerveja. produção de cervejas
Actinplanes missouriensis
Bacillus coagulans Produção de xarope de milho de alta frutose HFCS
Glicose isomerase Converte glicose em frutose.
Streptomyces lividans* (adoçante de bebidas).
Streptomyces rubiginosus*
Remoção de oxigênio de embalagens de alimentos;
Aspergillus niger*
Glicose oxidase Oxida glicose em ácido glucônico. remoção da glicose da clara de ovo para evitar o
Penicillium chrysogenum
escurecimento.
Aspergillus spp.* Hidrólise da hemicelulose
Hemicelulose
Bacillus subtilis* (polissacarídeos não amiláceos Melhoria da estrutura do miolo de pão.
e xilanase
Trichoderma reesei* insolúveis na farinha).
Aspergillus spp.*
Hidrólise de triglicérides em
Candida spp Rhizomucor Realce do sabor em queijos; modificação da função
ácidos graxos e glicerol; hidrólise
Lipase e esterase miehei Penicillium roqueforti de gorduras por interesterificação; síntese de
de ésteres de alquila em ácidos
Rhizopus spp. ésteres de aromas.
graxos e álcool.
Bacillus subtilis*
Pectinase Aspergillus spp
Hidrólise da pectina. Clarificação de sucos de frutas por despectinização.
(poligalacturonase) Penicillium funiculosum
Remove grupos metílicos de Usado com pectinase na tecnologia de
Pectinestearase Aspergillus spp.
unidades de galacose em pectina. despectinização.
Hidrólise de pentosanas
Humicola insolens
Pentosanase (polissacarídeos não amiláceos Parte da tecnologia para melhorar a massa.
Trichoderma reesei
solúveis em farinhas de trigo).
Hidrólise das ligações 1-6 que
Bacillus spp.*
Pululanase formam ramificações na estrutura Sacarificação do amido (melhora a eficiência).
Klebsiella spp.*
do amido.
Aspergillus spp.*
Hidrólise da kappa-caseína;
Rhizomucor miehei Coagulação do leite para fabricação de queijos;
Protease hidrólise de proteínas alimentícia
Cryphomectria parasítica produção de hidrolisados para sopas e alimentos
(proteinase) animais e vegetais; hidrólise do
Penicillium citrinum Rhizopus salgados; melhora a massa do pão.
glúten do trigo.
niveus Bacillus spp*
* Estas enzimas estão disponíveis comercialmente em versões GMO de fontes de microorganismos

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alimentícia hidrolisada como ingredien- proteinase ácida que é um subproduto
A QUIMOSINA tes flavorizantes, mas existem atualmen-
te no mercado tantas boas alternativas
tradicional da indústria láctea e bovina.
É extraída do abomaso de bezerro após
A renina ou quimosina , é uma enzi- microbianas disponíveis a essas serino- o abate, e idealmente possui uma alta
ma protease que contém 323 resíduos proteases clássicas (veja Tabela 3), espe- proporção de quimosina vs. pepsina,
de aminoácidos com três pontes de dis- cialmente aquelas com menor tendência a proteinase ácida do bovino adulto.
sulfito , que adicionada ao leite produz a para tornar os produtos amargos, que a Mesmo antes da disseminação da ence-
primeira etapa de formação do queijo ou tripsina já não é tão importante para os falopatia espongiforme bovina (BSE) e
para a formação do “junket” ( espécie de fabricantes de alimentos. sua forma humana CID, o fornecimento
coalhada fresca com sal ou sobremesa Assim como as proteinases, as de abomaso de bezerro pela indústria
de leite coagulado e aromatizado). A en- lipases animais, que foram o susten- da carne era imprevisível e insuficien-
zima converte partículas de caseinato de táculo da indústria de aromas lácteos te para atender a demanda global da
cálcio do leite no relativamente insóluvel no passado, está sendo gradualmente indústria de queijo. A BSE tornou a si-
paracaseinato de cálcio, que na presen- substituída por enzimas equivalentes tuação de abastecimento ainda pior e a
ça de íons cálcio coagula para dar forma de origem microbiana. Mais e mais falta do produto natural foi compensada
a um produto coagulado denominado enzimas usadas na tecnologia de ali- através do fornecimento e da utilização
“coalho”. A fonte tradicional de renina mentos são provenientes de microor- de alternativas microbiais produzidas
é o abomaso (ou coagulador , quarto ganismos especialmente selecionados pela indústria de enzimas alimentícias.
estômago dos ruminantes) de bezerros ou geneticamente modificados, culti- Essas alternativas vão desde proteina-
lactentes (que ainda dependem para a vados em fermentadores de escala ses ácidas fúngicas (principalmente a
sua sobrivivência do leite materno) ou de industrial; a Tabela 3 apresenta uma partir de Rhizomucor miehei) até a
outros ruminantes jovens. Os bezerros série de exemplos e aplicações. quimosina de bezerro produzida por
recém-nascidos e outros ruminantes O número e a variedade desses tecnologia de clonagem de genes.
produzem no estômago a renina para exemplos de fontes alternativas micro- A disponibilidade e a utilização de
coagular o leite ingerido produzindo bianas reflete as vantagens logísticas enzimas microbianas é tão difundida
uma massa semilíquida, que permite e comerciais da utilização da fermen- que um conjunto considerável de
aumentar o tempo de permanência do tação microbiana, ao invés de extração legislações nacionais emergiu e ama-
leite no organismo. Caso contrário, o animal ou vegetal para a produção de dureceu para garantir a segurança
leite fluiria pelo sistema digestivo res- enzimas alimentícias. A logística é ambiental e do consumidor. Isso se
tante produzindo diarréia. Com o tempo baseada em geografia política e custos aplica a enzimas derivadas tanto de
a quantidade de renina diminui, sendo de transporte, e é claro que é desejável microorganismos geneticamente mo-
substituída pela pepsina, permitindo o para um produtor de enzimas e para dificados quanto a microorganismos
desmame do filhote. os usuários ter uma fonte confiável e não modificados geneticamente.
No Brasil, encontram-se queijos previsível de uma enzima que é crucial
elaborados por coalhos elaborados a para um processo de fabricação. Esta Conclusão
partir de estômagos de bovinos adultos regra vale para qualidade, quantidade A fabricação de alimentos e a in-
e suínos, praticamente inexistindo a e preço, e a alternativa da fermentação dústria de ingredientes fazem amplo
produção de coalho de vitelo. atende melhor em todos os aspectos. uso de enzimas em vários setores
É também possível produzir a renina Pode ser produzida em qualquer lugar, tradicionais, tais como na panifica-
a partir de fungos. Atualmente, a maioria independentemente do clima e da ção, em cervejaria e na fabricação de
da renina comercial é produzida a partir agro-economia; a produção da enzima queijo, mas novas áreas de aplicação
de leveduras (fungos unicelulares) ou é previsível a partir dos parâmetros de estão surgindo, como a tecnologia de
bactérias geneticamente modificadas, fermentação e a pureza é garantida modificação de gorduras e adoçantes.
permitindo a produção de um queijo tanto pela especificação da fermenta- Certo cuidado é muitas vezes
considerado vegetariano. Acredita-se que ção quanto pela tecnologia de proces- necessário para a adaptação destes
a renina produzida deste modo rende um samento. Além disso, a fermentação frágeis catalisadores biológicos aos
queijo de consistência e com qualidade evita completamente os problemas processos industriais, mas uma com-
superior do que aquele produzido a partir oriundos da propagação de doenças binação de conhecimentos básicos de
da renina animal tradicional. Um substitu- em população animal e/ou em plantas. bioquímica e moderna biotecnologia
to da renina é a enzima cinarase existente Nada ilustra melhor esses pontos está abrindo novas áreas de aplicação,
na cynara (proveniente do cardo selva- do que o uso de microorganismos de especialmente para as enzimas de
gem) usada na produção de um queijo grau alimentício para produção de origem microbiana e enzimas animais
tradicional em torno do Mediterrâneo. quimosina, o agente coagulante na fa- produzidas por micróbios através da
bricação de queijo. A quimosina é uma tecnologia de engenharia genética.

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