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SUMÁRIO

1. Introdução...................................................................... 3
2. Propriedades e ações das enzimas..................... 6
3. Cinética enzimática..................................................17
4. Inibidores enzimáticos............................................20
5. Cofatores e coenzimas...........................................24
Referências Bibliográficas .........................................27
ENZIMAS E COENZIMAS 3

1. INTRODUÇÃO
CONCEITO! Catálise, em química, é o
São duas as condições fundamentais aumento da velocidade de uma reação,
para haver vida. Primeiro, o organis- devido à adição de uma substância (ca-
mo deve ser capaz de se autorre- talisador); sendo assim, a catálise pode
ser simplesmente definida como sendo
plicar; segundo, ele deve ser capaz
a ação do catalisador. Esta substância,
de catalisar reações químicas com que normalmente está presente em
eficiência e seletividade. A impor- pequenas quantidades, pode ser recu-
tância central da catálise pode pa- perada ao final da reação, não sendo
consumida pela mesma. Por sua vez, as
recer surpreendente, mas é fácil de enzimas consistem nos catalisadores
demonstrar. biológicos, as quais participam das rea-
ções bioquímicas.
Os sistemas vivos fazem uso da ener-
gia do ambiente. Muitos humanos,
por exemplo, consomem quantidades Neste SuperMaterial, o foco se vol-
substanciais de sacarose (o açúcar tará para os catalisadores das re-
comum) como combustível, geral- ações dos sistemas biológicos: as
mente na forma de comidas e bebidas enzimas, as proteínas mais notáveis
doces. A conversão de sacarose em e mais altamente especializadas. As
CO2 e H2O, em presença de oxigênio, enzimas têm um poder catalítico ex-
é um processo altamente exergônico, traordinário, geralmente muito maior
liberando energia livre que pode ser do que os catalisadores sintéticos ou
usada para pensar, mover-se, sen- inorgânicos. Elas têm um alto grau de
tir gostos e enxergar. Entretanto, um especificidade para os seus respecti-
saco de açúcar pode permanecer na vos substratos, aceleram as reações
prateleira por anos a fio sem qualquer químicas e atuam em soluções aquo-
conversão evidente em CO2 e H2O. sas sob condições suaves de tem-
Embora esse processo químico seja peratura e pH. Poucos catalisadores
termodinamicamente favorável, ele é não biológicos têm esse conjunto de
muito lento. Mesmo assim, quando propriedades.
a sacarose é consumida por seres
humanos (ou por qualquer outro
organismo), ela libera sua energia Importância das enzimas
química em segundos. A diferença As enzimas estão no centro de cada
é a catálise. Sem catálise, as reações um dos processos bioquímicos. Atu-
químicas como aquelas da oxidação ando em sequências organizadas,
da sacarose poderão não ocorrer na elas catalisam cada uma das reações
escala de tempo adequada e então das centenas de etapas que degra-
não podem sustentar a vida. dam as moléculas dos nutrientes, que
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conservam e transformam energia Jacob Berzelius, em 1835, na pri-


química e que constroem as macro- meira teoria geral proposta para a
moléculas biológicas a partir de pre- catálise química, mostrou que um ex-
cursores elementares. trato de malte conhecido como dias-
O estudo das enzimas tem imensa im- tase (agora sabe-se que contém a
portância prática. Em algumas doen- enzima α-amilase) catalisa a hidrólise
ças, especialmente nas doenças ge- do amido com mais eficiência do que
néticas hereditárias, pode haver uma o ácido sulfúrico. Mais ainda, embora
deficiência ou mesmo ausência total os ácidos minerais mimetizem o efei-
de uma ou mais enzimas. Outras do- to da diastase, eles não são capazes
enças podem ser causadas pela ati- de reproduzir a maioria das demais
vidade excessiva de determinada en- reações bioquímicas no laborató-
zima. A determinação das atividades rio, fato que levou Louis Pasteur, na
de enzimas no plasma sanguíneo, nas metade do século XIX, a propor que
hemácias ou em amostras de tecidos o processo de fermentação ocorre-
é importante no diagnóstico de certas ria apenas em células vivas. Assim,
enfermidades. Muitos medicamentos como era comum naquela época,
agem por interação com enzimas. As Pasteur supôs que os sistemas vivos
enzimas também são ferramentas seriam dotados de uma “força vital”
importantes na engenharia química, que permitiria que eles se evadissem
tecnologia de alimentos e agricultura. das leis da natureza que governam a
matéria inanimada. Outros, entretan-
to, notavelmente Justus von Liebig,
Perspectiva histórica argumentavam que os processos bio-
Em grande parte, a história inicial da lógicos eram causados pela ação de
enzimologia, o estudo das enzimas, substâncias químicas que então eram
se confunde com a própria histó- conhecidas como “fermentos”. Na re-
ria da bioquímica. Essas disciplinas alidade, o nome “enzima” (do grego:
evoluíram juntas a partir das investi- en, no + zyme, levedura) foi cunha-
gações feitas no século XIX sobre a do em 1878 por Friedrich Wilhelm
fermentação e a digestão. Aceita-se Kühne, em uma tentativa de enfatizar
amplamente que as pesquisas sobre que havia alguma coisa dentro das
a fermentação começaram em 1810 leveduras, que não a própria levedu-
com a determinação, feita por Joseph ra, que catalisaria as reações de fer-
Gay-Lussac, de que os principais mentação. Todavia, foi somente em
produtos da decomposição do açúcar 1897 que Eduard Buchner obteve
por leveduras são etanol e CO2. um extrato de levedura livre de cé-
lulas capaz de executar a síntese do
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etanol a partir da glicose (fermenta- Embora a enzimologia como área de


ção alcoólica). estudo tenha uma história longa, a
A descoberta de Emil Fischer, em maioria dos conhecimentos sobre a
1894, de que as enzimas glicolíticas natureza e as funções das enzimas
podem diferenciar entre açúcares es- é fruto do trabalho dos últimos 50
tereoisômeros levou à formulação da anos. Somente com o aparecimento
hipótese da chave e fechadura. A das técnicas modernas para separa-
especificidade de uma enzima (a fe- ção e análise é que o isolamento e a
chadura) por seu substrato (a chave) caracterização de enzimas deixaram
provém das suas formas geométricas de ser uma tarefa monumental. Foi
complementares. Mesmo assim, até somente em 1963 que a primeira se-
o século XX já estar bem avançado, quência de aminoácidos de uma en-
a composição química das enzimas zima; da ribonuclease pancreática
não estava firmemente estabelecida. bovina A, foi completamente deter-
James Sumner, em 1926, ao cristali- minada. Apenas em 1965 foi eluci-
zar a primeira enzima, a urease do fei- dada a primeira estrutura por raios X
jão-de-porco, que catalisa a hidrólise de uma enzima; da lisozima da clara
da ureia em NH3 e CO2, demonstrou de ovo. Desde então, dezenas de mi-
que esses cristais eram constituídos lhares de enzimas foram purificadas
de proteína. Como a preparação de e caracterizadas em maior ou menor
Sumner era algo impura, a natureza grau. Essa aventura da humanidade
proteica das enzimas não foi ampla- tem avançado aceleradamente.
mente aceita até a metade da década
de 1930, quando John Northrop e
Moses Kunitz mostraram haver uma
correlação direta entre as atividades
enzimáticas de cristais de pepsina,
tripsina e quimotripsina e as quan-
tidades de proteínas presentes.
Desde então experiências en-
zimológicas têm demons-
trado amplamente que
as enzimas são prote-
ínas (embora recen-
temente foi mostrado
que o RNA também
pode ter propriedades
catalíticas).
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SAIBA MAIS!
Durante muito tempo, admitiu­se que todos os catalisadores biológicos fossem proteínas. No
início da década de 1980, entretanto, verificou-se que moléculas de RNA catalisavam rea-
ções químicas celulares. A descoberta foi surpreendente e este tipo particular de catalisador
recebeu o nome de ribozima. Comporta-se de forma semelhante às proteínas enzimáticas.
Sua atuação nas reações metabólicas está restrita a alguns casos especiais, porém impor-
tantes. Cerca de 10 anos depois da identificação das ribozimas, foram selecionados, in vitro,
pequenos segmentos de DNA com atividade catalítica, as desoxirribozimas, que, todavia,
não são encontradas na natureza.
Diante da maior atuação das proteínas como enzimas, focaremos na atuação das mesmas
nas reações bioquímicas do organismo.

2. PROPRIEDADES E obtida esfregando tecido pancreáti-


AÇÕES DAS ENZIMAS co com glicerina. Às vezes, a mesma
enzima tem dois ou mais nomes, ou
Nomenclatura das Enzimas
duas enzimas têm o mesmo nome.
Muitas enzimas receberam seus no- Devido a essa ambiguidade e tam-
mes pela adição do sufixo “ase” ao bém ao número cada vez maior de
nome dos seus substratos ou a uma enzimas que são descobertas, os bio-
palavra que descreve sua atividade. químicos, por meio de um acordo in-
Assim, a urease catalisa a hidrólise da ternacional, adotaram um sistema de
ureia e a DNA-polimerase catalisa a nomenclatura e classificação de enzi-
polimerização de nucleotídeos para mas. Esse sistema divide as enzimas
formar DNA. Outras enzimas foram em seis classes, cada uma com sub-
batizadas pelos seus descobrido- classes, com base nos tipos de rea-
res em razão de uma função ampla, ções que catalisam (Tabela 1).
antes que fosse conhecida a reação
Para cada enzima, são designados
específica catalisada por elas. Por
dois nomes e uma classificação de
exemplo, uma enzima conhecida por
quatro números da Comissão de En-
atuar na digestão de alimentos foi de-
zimas (número E. C., do inglês Enzy-
nominada pepsina, do grego pepsis
me Commission). O nome aceito ou
(digestão), e a lisozima foi denomina-
o recomendado é conveniente para o
da pela sua capacidade de lisar (de-
uso cotidiano e geralmente foi o pri-
gradar) a parede de bactérias. Outras
meiro nome adotado. O nome siste-
foram ainda denominadas a partir de
mático é usado para minimizar a am-
sua fonte: a tripsina, denominada em
biguidade. Ele é formado pelo nome
parte do grego tryein (desgastar), foi
do(s) substrato(s) da enzima, seguido
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por uma palavra terminando em -ase, Seu número da Comissão de Enzi-


que especifica o tipo de reação que a mas é 2.7.1.1. O primeiro número (2)
enzima catalisa, de acordo com o gru- indica o nome da classe (transferase);
po de classificação principal. o segundo número (7), a subclasse
Como exemplo, o nome sistemáti- (fosfotransferase); o terceiro núme-
co da enzima que catalisa a reação ro (1), uma fosfotransferase que tem
ATP + D-glicose → ADP + D-gli- um grupo hidroxila como aceptor, e o
cose-6-fosfato é ATP: glicose-fos- quarto número (1), D-glicose como o
fotransferase, indicando que ela aceptor do grupo fosforil. O nome co-
catalisa a transferência de um grupo mum desta enzima, que é usado com
fosforribosil do ATP para a glicose. maior frequência, é hexocinase.

NÚMERO DA CLAS-
NOME DA
SE (1º NÚMERO TIPO DE REAÇÃO CATALISADA
CLASSE
E.C.)
1 Oxidorredutases Transferência de elétrons (íons hidrido ou átomos de H)
2 Transferases Reações de transferência de grupos
Reações de hidrólise (transferência de grupos funcionais para a
3 Hidrolases
água)
Clivagem de C–C, C–O, C–N ou outras ligações por eliminação, rom-
4 Liases pimento de ligações duplas ou anéis, ou adição de grupos a ligações
duplas.
Transferência de grupos dentro de uma mesma molécula produzin-
5 Isomerases
do formas isoméricas
Formação de ligações C–C, C–S, C–O e C–N por reações de conden-
6 Ligases
sação acopladas à hidrólise de ATP ou cofatores similares
Tabela 1. Classificação internacional das enzimas. Fonte: Nelson (2014)

Interação entre a enzima e o seu aquoso. Além disso, muitos proces-


substrato sos químicos corriqueiros, como a for-
mação transitória de intermediários
A catálise enzimática das reações é
instáveis carregados ou a colisão de
essencial para os sistemas vivos. Nas
duas ou mais moléculas exatamente
condições biológicas relevantes, as
na orientação exata necessária para
reações não catalisadas tendem a ser
que as reações ocorram, são desfa-
lentas – a maioria das moléculas bio-
voráveis ou improváveis no ambiente
lógicas é muito estável nas condições
celular. As reações necessárias para
internas das células com pH neutro,
digerir os alimentos, enviar sinais
temperaturas amenas e ambiente
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nervosos ou contrair os músculos


simplesmente não ocorrem em velo-
cidades adequadas sem catálise.
As enzimas contornam esses proble-
mas ao proporcionarem um ambiente
específico adequado para que uma
dada reação possa ocorrer mais rapi-
damente. A propriedade característi-
ca das reações catalisadas por enzi-
mas é que a reação ocorre confinada
em um bolsão da enzima denomina-
do sítio ativo (Figura 1). A molécula
que liga no sítio ativo e sobre a qual a
enzima age é denominada substrato.
O contorno da superfície do sítio ativo
é delimitado por resíduos de amino-
ácidos com grupos nas cadeias late-
rais que ligam o substrato e que ca-
talisam a sua transformação química.
Frequentemente, o sítio ativo engloba Figura 1. Complexo enzima-substrato ilustrando a
o substrato, sequestrando-o com- complementaridade física e geométrica entre enzima e
substrato. Fonte: Voet (2013)
pletamente da solução. O complexo
enzima-substrato, cuja existência foi
primeiramente proposta por Charles- As forças não covalentes por meio
-Adolphe Wurtz em 1880, é funda- das quais os substratos e outras mo-
mental para a ação enzimática. léculas ligam-se às enzimas são, em
caráter, similares às forças que de-
terminam a própria conformação das
proteínas: ambas envolvem intera-
ções de van der Waals, eletrostáti-
cas, hidrofóbicas e ligações de hi-
drogênio. De uma maneira geral, um
sítio de ligação de um substrato con-
siste em uma reentrância ou fenda na
superfície da molécula de enzima que
é, na sua estrutura, complementar ao
substrato (complementaridade geo-
métrica). Além disso, os aminoácidos
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que formam o sítio ativo estão orga- Atuação das enzimas na cinética
nizados de tal modo que interagem das reações
especificamente com o substrato de
Uma reação enzimática simples pode
uma maneira que envolve atração
ser escrita como:
(complementaridade eletrônica). As
moléculas que diferirem do substrato E+S ⇌ ES ⇌ EP ⇌ E+P
quanto à forma ou à distribuição dos onde E, S e P representam enzima,
grupos funcionais não se ligarão pro- substrato e produto, respectivamen-
dutivamente à enzima, isto é, elas não te; ES e EP são complexos transi-
formarão complexos enzima-substra- tórios da enzima com o substrato e
to que levem à formação de produtos. com o produto.
O sítio de ligação ao substrato, de Para entender a catálise, deve-se pri-
acordo com a hipótese chave e fe- meiro avaliar a importância de distin-
chadura, já existe mesmo na ausên- guir entre o equilíbrio e a velocidade
cia de ligação do substrato ou pode, de uma reação. A função do catali-
como é sugerido pela hipótese do sador é aumentar a velocidade da
ajuste induzido, formar-se sobre o reação. A catálise não afeta o equi-
substrato à medida que ele se liga à líbrio da reação. Qualquer reação,
enzima. Estudos por raios X indicam como S ⇌ P, pode ser descrita por
que os sítios de ligação ao substra- um diagrama de coordenadas da re-
to da maioria das enzimas estão em ação (Figura 2), que representa a va-
grande parte pré-formados, mas a riação de energia durante a reação. A
maioria deles apresenta ao menos energia é descrita nos sistemas bioló-
algum grau de ajuste induzido ao se gicos, em termos de energia livre, G.
ligar ao substrato.

SAIBA MAIS!
Para descrever a variação de energia livre das reações, químicos definiram um conjunto de
condições padrão (temperatura de 298 K; pressão parcial de cada gás de 1 atm e concen-
tração de cada soluto de 1 M) e expressam as mudanças de energia livre de um sistema
reagindo sob essas condições como ΔG°, a variação de energia livre padrão. Uma vez que
os sistemas bioquímicos geralmente envolvem concentrações de H+ muito abaixo de 1 M,
bioquímicos definiram uma variação de energia livre padrão bioquímica, ΔG’°, a variação
de energia livre padrão em pH 7,0.
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No diagrama de coordenadas da re- S é convertido em P. O ponto de par-


ação, a energia livre do sistema é co- tida tanto da reação direta quanto da
locada no gráfico em função do pro- reação reversa é denominado esta-
gresso da reação (a coordenada da do fundamental, a contribuição que
reação). O eixo horizontal (coorde- uma molécula (S ou P) fornece para
nada da reação) reflete as mudanças a energia livre do sistema, sob dadas
químicas progressivas (p. ex., quebra condições do sistema.
ou formação da ligação) à medida que

Estado de transição
Energia livre, G

S
Estado
fundamental P
Estado
fundamental

Coordenada da reação

Figura 2. Diagrama da coordenada da reação. Fonte: Nelson (2014)

O equilíbrio entre S e P reflete a di- Porém, um equilíbrio favorável não


ferença entre as energias livres dos significa que a conversão S → P ocor-
seus estados fundamentais. No ra em uma velocidade detectável. Um
exemplo mostrado na Figura 2, a exemplo já dado é a conversão de sa-
energia livre do estado fundamental carose em CO2 e H2O, em presença
de P é menor do que a de S, e então de oxigênio; este é um processo al-
ΔG’° para a reação é negativa (reação tamente exergônico, porém, um saco
exergônica) e o equilíbrio favorece de açúcar pode permanecer na pra-
mais P que S. A posição e a direção teleira por anos a fio sem qualquer
do equilíbrio não são afetadas pe- conversão evidente em CO2 e H2O.
los catalisadores. Embora esse processo químico seja
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termodinamicamente favorável, ele é A diferença entre os níveis energéti-


muito lento. cos do estado basal e do estado de
A velocidade da reação depende de transição é a energia de ativação,
um parâmetro totalmente diferente. ΔG‡. A velocidade da reação refle-
Há uma barreira energética entre S e te essa energia de ativação: uma
P: a energia necessária para alinhar energia de ativação maior corres-
os grupos reagentes, para a forma- ponde a uma reação mais lenta. A
ção de cargas instáveis transitórias, velocidade da reação pode aumentar
rearranjos de ligações e ainda outras pela elevação da temperatura e/ou
transformações necessárias para que da pressão, o que aumenta o número
a reação ocorra em qualquer direção. de moléculas com energia suficiente
Isso é ilustrado pela curva de ener- para suplantar a barreira energética.
gia na Figura 2. Para que a reação Alternativamente, a energia de ativa-
ocorra, as moléculas devem suplan- ção pode ser diminuída pela adição
tar essa barreira e atingir um nível de de um catalisador (Figura 3). Os ca-
energia mais alto. O topo da curva de talisadores aumentam a velocida-
energia é um ponto a partir do qual o de das reações por diminuírem as
decaimento para o estado S ou para o energias de ativação.
estado P tem a mesma probabilidade As enzimas não são exceções à regra
de ocorrer (nos dois casos a curva é de que os catalisadores não afetam o
descendente). Isso é denominado es- equilíbrio da reação. As flechas bidi-
tado de transição. O estado de tran- recionais na equação (E + S ⇌ ES
sição não é uma forma química com ⇌ EP ⇌ E + P) indicam isso: qual-
alguma estabilidade significativa e quer enzima que catalise a reação S
não deve ser confundido com os in- → P também catalisa a reação P → S.
termediários da reação (como ES ou O papel da enzima é acelerar a in-
EP). terconversão entre S e P. A enzima
não é gasta no processo e o ponto
CONCEITO! O estado de transição é um
de equilíbrio não é afetado. Entre-
momento molecular transitório em que tanto, a reação atinge o equilíbrio
eventos como a quebra de ligação, a for- muito mais rapidamente quando a
mação de ligação ou o desenvolvimento enzima apropriada estiver presen-
de carga ocorrem com a mesma proba-
bilidade de seguirem tanto para formar te, pois a velocidade da reação é
novamente o substrato como para for- aumentada.
mar o produto.
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Estado de transição
Energia livre, G

S
Estado P
fundamental Estado
fundamental

Coordenada da reação
Figura 3. Diagrama da coordenada da reação comparando uma reação catalisada por enzima com uma não catalisa-
da. Fonte: Nelson (2014)

Modo de ação das enzimas durante a reação catalisada pela


enzima. Muitos tipos de reações quí-
As enzimas são catalisadores extra-
micas ocorrem entre substratos e
ordinários. O aumento de velocidade
grupos funcionais da enzima (cadeias
conferido pelas enzimas situa-se na
específicas de aminoácidos, íons me-
faixa de 5 a 17 ordens de magnitu-
tálicos e coenzimas). Grupos funcio-
de. As enzimas também são muito
nais catalíticos na enzima podem for-
específicas, distinguindo facilmente
mar ligações covalentes transitórias
substratos com estruturas muito se-
com um substrato e ativá-lo para a
melhantes. Como é que esse enorme
reação, ou um grupo pode ser tran-
e altamente seletivo aumento de ve-
sitoriamente transferido do substrato
locidade pode ser explicado? Qual é
para a enzima. Geralmente, essas re-
a fonte de energia para essa grande
ações ocorrem apenas no sítio ativo
diminuição nas energias de ativação
da enzima. Interações covalentes en-
de reações específicas? A resposta
tre enzimas e substratos diminuem a
para essas questões tem duas partes
energia de ativação, acelerando a re-
distintas, embora interligadas.
ação, por fornecerem condições para
A primeira parte baseia-se no re- que a reação ocorra por uma via alter-
arranjo de ligações covalentes nativa de baixa energia.
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A segunda parte da explicação fun- explicação geral de como as enzi-


damenta-se em interações não co- mas utilizam a energia de ligação não
valentes entre enzima e substrato. covalente.
É importante lembrar que interações
• Muito do poder catalítico das enzi-
fracas não covalentes ajudam a esta-
mas provém basicamente da ener-
bilizar a estrutura das proteínas e as
gia livre liberada na formação de
interações proteína-proteína. Essas
muitas ligações fracas e interações
mesmas interações são cruciais para
entre a enzima e seu substrato.
a formação de complexos entre pro-
Essa energia de ligação contribui
teínas e moléculas pequenas, incluin-
tanto para a especificidade como
do os substratos de enzimas. Muito
também para a catálise.
da energia necessária para diminuir
a energia de ativação provém de in- • Interações fracas são otimizadas
terações fracas não covalentes entre no estado de transição da reação.
substrato e enzima. O que realmente Os sítios ativos das enzimas são
distingue as enzimas de outros cata- complementares não aos subs-
lisadores é a formação de um com- tratos por si mesmos, mas aos es-
plexo ES específico. A interação entre tados de transição pelos quais os
substrato e enzima nesse complexo substratos passam ao serem con-
é mediada pelas mesmas forças que vertidos em produtos durante a re-
estabilizam a estrutura das proteí- ação enzimática.
nas, incluindo ligações de hidrogênio
e interações hidrofóbicas e iônicas. A
As interações fracas entre enzima
formação de cada interação fraca no
e substrato são otimizadas no
complexo ES é acompanhada pela li-
estado de transição
beração de uma pequena quantidade
de energia livre que estabiliza a inte- Para entendermos a ação das enzi-
ração. A energia proveniente da inte- mas, considere, por exemplo, uma
ração enzima-substrato é denomina- reação imaginária, a quebra de um
da energia de ligação, ΔGB. O seu bastão de metal magnetizado; a rea-
significado abrange mais que uma ção não catalisada está mostrada na
simples interação enzima-substrato. Figura 4a. Duas enzimas imaginárias
A energia de ligação é a principal – duas “bastonases” – poderiam ca-
fonte de energia livre utilizada pe- talisar essa reação. Ambas utilizam
las enzimas para a diminuição da forças magnéticas como paradigma
energia de ativação das reações. para a energia de ligação utilizada por
Dois princípios fundamentais in- enzimas reais.
ter-relacionados possibilitam uma
ENZIMAS E COENZIMAS 14

A noção moderna da catálise enzi- substrato ligado ainda deve ter au-
mática, primeiramente proposta por mento na energia livre para atingir o
Michael Polanyi (1921) e Haldane estado de transição. Agora, entretan-
(1930), foi elaborada por Linus Pau- to, o aumento de energia livre neces-
ling em 1946 e por William P. Jencks sário para tensionar o bastão em uma
na década de 1970. Para poder ca- curvatura e quebrar parcialmente a
talisar reações, as enzimas devem conformação é compensado (“pago”)
ser complementares ao estado de pelas interações (energia de liga-
transição da reação. Isso significa ção) que se formam entre a enzima
que interações ótimas entre substra- e o substrato no estado de transição.
tos e enzimas só ocorrem no estado Muitas dessas interações envolvem
de transição. partes do bastão distantes do ponto
A Figura 4b demonstra como uma de quebra. Assim, as interações en-
enzima dessas pode funcionar. O tre a bastonase e as regiões não rea-
bastão de metal liga-se à bastona- gentes do bastão fornecem parte da
se, mas apenas um subconjunto das energia necessária para catalisar a
interações magnéticas possíveis é quebra do bastão.
usado para formar o complexo ES. O

Figura 4. Proposta de uma enzima imaginária (bastonase) que catalise a quebra de um bastão metálico. Fonte: Adap-
tado de Nelson (2014)
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agem segundo um princípio análogo.


SE LIGA! Antes da quebra, o bastão No complexo ES há a formação de
primeiro deve ser curvado (o estado interações fracas, mas a completa
de transição). Uma enzima com bolsão
complementaridade entre o subs-
complementar ao estado de transição
da reação ajuda a desestabilizar o bas- trato e a enzima ocorre apenas
tão, contribuindo para a catálise da re- quando o substrato estiver no es-
ação. A energia de ligação das intera- tado de transição. Esta hipótese do
ções magnéticas compensa o aumento
da energia livre necessária para curvar
ajuste da enzima ao substrato na sua
o bastão. Os diagramas das coordena- conformação de transição é chamada
das das reações (à direita) mostram as de hipótese do ajuste induzido.
consequências energéticas da comple-
mentaridade ao estado de transição (os A energia livre (energia de ligação)
complexos EP estão omitidos). ΔGM, a liberada durante a formação dessas
diferença entre as energias dos estados interações compensa parcialmente
de transição da reação catalisada e da
não catalisada, reflete a contribuição das a energia necessária para atingir o
interações magnéticas entre o bastão e topo da curva de energia. A soma da
a bastonase. energia de ativação ΔG‡ desfavorável
(positiva) e a energia de ligação favo-
rável ΔGB (negativa) resulta em uma
Esse “pagamento de energia” tradu-
redução líquida da energia de ativa-
z-se em diminuição efetiva na ener-
ção (Figura 5).
gia de ativação e aumento na velo-
cidade da reação. As enzimas reais
Energia livre, G

S
P

Coordenada da reação
Figura 5. Papel da energia de ligação na catálise. Fonte: Nelson (2014)
ENZIMAS E COENZIMAS 16

Fatores que interferem na característico para cada enzima, mas,


atividade enzimática: pH e com frequência, está próximo do pH
temperatura neutro. A influência do pH sobre a
catálise enzimática pode ser melhor
A estrutura e a forma do sítio ativo
compreendida lembrando que as en-
são uma decorrência da estrutura
zimas apresentam grupos ionizáveis
tridimensional da enzima e podem
nos resíduos de aminoácidos. Alguns
ser afetadas por quaisquer agentes
destes grupos podem fazer parte do
capazes de provocar mudanças na
sítio ativo ou serem importantes na
conformação da proteína. Isto torna a
manutenção da estrutura espacial da
atividade enzimática dependente das
molécula. Existe uma concentração
características do meio, notadamente
hidrogeniônica que propicia um de-
do pH e da temperatura.
terminado arranjo de grupos protona-
As considerações referentes a am- dos e desprotonados que leva a mo-
plas variações de pH são pertinentes lécula de enzima à conformação ideal
ao estudo da atividade enzimática in para exercer seu papel catalítico. Este
vitro. Os seres vivos têm suas rea- pH ótimo decorre do número e tipo
ções ocorrendo em ambiente tampo- de grupos ionizáveis que uma enzima
nado, já que todas as células dispõem apresenta e da sequência em que es-
de mecanismos para manutenção do tão organizados, ou seja, depende de
pH. Mesmo assim, microambientes sua estrutura primária.
celulares podem apresentar peque-
Por outro lado, quando o substrato
nas variações de pH que afetam a
contém grupos ionizáveis, as varia-
atividade das enzimas e que servem
ções de pH também poderão afetar
para o controle de sua ação. A tem-
suas cargas. A eficiência da catálise
peratura tem influência decisiva so-
dependerá, então, de encontrarem-
bre a distribuição geográfica dos se-
-se, enzima e substrato, com confor-
res vivos. Microrganismos, vegetais e
mação e carga adequadas para per-
animais ectotérmicos têm suas ativi-
mitir a interação.
dades vitais inteiramente dependen-
tes da temperatura ambiente; aves e Temperatura: A velocidade de rea-
mamíferos, endotérmicos, são menos ção enzimática, a 0°C, apresenta va-
afetados. lores próximos de zero. A elevação
da temperatura aumenta a velocida-
pH do meio: Para a maioria das enzi-
de somente enquanto a enzima con-
mas existe um valor de pH no qual a
servar sua estrutura nativa. Acima
sua atividade é máxima - a velocida-
de 50 - 55°C, a maioria das enzimas
de da reação diminui à medida que o
são desnaturadas, acarretando a per-
pH se afasta desse valor ótimo. Ele é
da do poder de catálise. Entre 0°C e
ENZIMAS E COENZIMAS 17

50°C, vive a grande maioria dos seres Em concentrações relativamente bai-


vivos; há entretanto, exceções, entre xas de substrato, V0 aumenta quase
as quais a mais notável é representa- linearmente com o aumento de [S].
da por bactérias que vivem em águas Em altas concentrações de substrato,
termais, com temperaturas ao redor V0 aumenta em pequenas quantida-
de 100°C. des em resposta ao aumento da [S].
Enfim, é atingido um ponto além do
qual o aumento de [S] leva a um au-
3. CINÉTICA ENZIMÁTICA mento insignificantemente pequeno
Um fator-chave que afeta a velocida- em V0. Essa região de V0 tipo platô
de das reações catalisadas por enzi- está próxima à velocidade máxima,
mas é a concentração do substrato, Vmáx.
[S]. Entretanto, o estudo dos efeitos O complexo ES é a chave para en-
da concentração do substrato é com- tender este comportamento catalí-
plicado pelo fato de [S] modificar-se tico, e por isso foi o ponto inicial da
durante o curso de uma reação in vi- nossa discussão sobre catálise. O pa-
tro à medida que o substrato é con- drão da cinética mostrada na Figura
vertido em produto. Uma abordagem 6 levou Victor Henri, seguindo o ca-
que simplifica os experimentos de minho proposto por Wurtz, a propor,
cinética enzimática é medir a velo- em 1903, que a combinação de uma
cidade inicial, designada como V0. enzima com a molécula do subs-
Em uma reação típica, a enzima pode trato formando um complexo ES é
estar presente em quantidades nano- uma etapa necessária na catálise
molares, enquanto [S] pode estar em enzimática. Essa ideia foi ampliada
uma ordem de magnitude cinco ou em uma teoria geral de ação de enzi-
seis vezes maior. Se apenas o início mas, particularmente por Leonor Mi-
da reação for monitorado (frequente- chaelis e Maud Menten, em 1913. Os
mente os primeiros 60 segundos, ou dois postularam que a enzima primei-
menos), a mudança em [S] pode estar ramente combina-se de modo rever-
limitada a alguns poucos pontos per- sível com o substrato, formando um
centuais e [S] pode ser considerada complexo enzima-substrato em uma
constante. V0 pode ser explorado em etapa reversível e relativamente rápi-
função de [S], que é ajustada pelo in- da: E + S ⇌ ES. Então, o complexo
vestigador. O efeito da variação de ES é rompido em uma segunda etapa
[S] sobre V0 quando a concentra- mais lenta, fornecendo a enzima livre
ção da enzima é mantida constante e o produto P: ES ⇌ E + P
está mostrado na Figura 6.
Uma vez que a segunda reação, por
ser mais lenta, limita a velocidade da
ENZIMAS E COENZIMAS 18

reação total, a velocidade total deve Figura 6. Às vezes, o padrão mostra-


ser proporcional à concentração das do na Figura 6 é denominado ciné-
espécies que reagem na segunda tica de saturação.
etapa, isto é, ES.
Em determinado instante de uma re-
ação catalisada por enzima, a enzima
existe em duas formas, na forma livre
ou não combinada (E) na forma com-
binada (ES). Em baixa [S], a maior
parte da enzima está na forma não
combinada E. Assim, a velocidade é
proporcional à [S] porque o equilíbrio
da equação E + S ⇌ ES é deslocado
na direção da formação de mais ES à
medida que [S] aumenta. Ou seja, a
velocidade de formação do comple-
Figura 6. Efeito da concentração do substrato sobre a
xo ES aumenta com o incremento de velocidade inicial de uma reação catalisada por enzima.
substrato no meio. A velocidade ini- Fonte: Nelson (2014)
cial máxima de uma reação catalisada
(Vmáx) ocorre quando quase toda a
A curva que expressa a relação en-
enzima estiver presente como com-
tre [S] e V0 (Figura 6) tem a mesma
plexo ES e [E] é desprezível. Nessas
forma geral para a maioria das enzi-
condições, a enzima está “saturada”
mas (aproximadamente uma hipér-
com o substrato, e então um incre-
bole retangular) e pode ser expressa
mento de [S] não produz efeito na ve-
algebricamente pela equação de Mi-
locidade. Essa condição ocorre quan-
chaelis-Menten. Michaelis e Menten
do [S] for alta o suficiente para que
deduziram essa equação partindo da
essencialmente toda a enzima livre
sua hipótese básica de que a etapa
se converta na forma ES.
limitante da velocidade em uma re-
Após o rompimento do complexo ES, ação enzimática é a quebra do com-
fornecendo produto (P), a enzima fica plexo ES em produto e enzima livre. A
livre para catalisar a reação de mais equação é:
uma molécula do substrato (e sob
V0 = Vmáx[S] / Km + [S]
condições saturantes segue fazendo
isso rapidamente). O efeito da satu-
ração é uma característica que dife- A constante de Michaelis­Menten
rencia a catálise enzimática, sendo (Km) é numericamente igual à
responsável pelo platô observado na concentração de substrato que
ENZIMAS E COENZIMAS 19

determina a metade da velocidade


máxima, o que permite a determi- SE LIGA! O valor do Km indica o grau
nação experimental desta constan- de afinidade da enzima pelo substrato.
Recordando o conceito de que o Km é
te. As enzimas que seguem a lógica
a concentração do substrato necessária
da equação de Michaelis-Menten são para que a enzima atinja a metade de
chamadas de enzima Michaelianas. sua Vmáx de reação, podemos observar
Elas possuem apenas um sítio-ati- num gráfico Velocidade x Substrato (Fi-
gura 7), que quanto menor o Km, menor
vo e sua cinética depende somente a quantidade de substrato necessária
da presença ou não do substrato no para atingir esta velocidade, o que deno-
meio. ta maior afinidade da enzima em ques-
tão com seu substrato. Ou seja, quanto
As enzimas que possuem mais de um menor o Km de uma enzima, maior é
sítio-ativo são chamadas de enzimas sua afinidade com seu substrato.
não-Michaelianas ou alostéricas.
Elas não obedecem a equação de Mi-
chaelis-Menten. Os sítios adicionais
são sítios reguladores, chamados de
alostéricos. A cinética destas enzi-
mas é modulada a partir da ligação
de uma substância (um neurotrans-
missor, um hormônio, um mensagei-
ro intracelular, etc.) ao sítio alostéri-
co, atuando na dependência desta
ligação, além da própria presença do
Figura 7. Comparação da cinética de três enzi-
substrato. Por conta disso, sua curva mas com Km progressivamente maiores.
de cinética não segue o padrão da
curva da Figura 6.
ENZIMAS E COENZIMAS 20

MAPA MENTAL CINÉTICA ENZIMÁTICA

CINÉTICA
ENZIMÁTICA

Velocidade da reação enzimática X


Concentração do substrato no meio

A velocidade de formação do complexo enzima-substrato


aumenta com o incremento de substrato no meio

Quando a enzima se encontra saturada, acréscimos subsequentes na


concentração do substrato leva a um aumento insignificantemente pequeno da
velocidade de reação. Esta é a velocidade máxima (Vmáx) da reação enzimática

A constante de Michaelis-­Menten (Km) é numericamente igual à concentração de


substrato que determina a metade da velocidade máxima da reação enzimática

O valor do Km indica o grau de afinidade da enzima pelo substrato

Quanto menor o Km, menor a quantidade de substrato necessária para atingir a


Vmáx/2, o que denota maior afinidade da enzima em questão com seu substrato

4. INIBIDORES outras são estranhas aos organis-


ENZIMÁTICOS mos. Os inibidores enzimáticos en-
contrados nas células que cumprem
A atividade enzimática pode ser di-
um papel regulador importante são
minuída pela ação de substâncias,
designados alostéricos. Como es-
genericamente chamadas de inibi-
tes inibidores são produzidos pelas
dores. Algumas destas substâncias
próprias células, a variação de sua
são constituintes normais das células,
ENZIMAS E COENZIMAS 21

concentração é um recurso por elas Inibidores reversíveis


largamente empregado no controle competitivos
da velocidade das reações.
Os inibidores competitivos (IC), por
Adicionalmente, o uso in vitro de ini- apresentarem configuração espacial
bidores tem trazido um enorme vo- semelhante à do substrato, são ca-
lume de conhecimento sobre a es- pazes de ligarem-se ao centro ativo
trutura das enzimas, a organização da enzima, produzindo um comple-
do centro ativo, o mecanismo de ca- xo enzima­inibidor (EIC) (Figura 8).
tálise etc., além de contribuir para a
A constante de equilíbrio da reação E
elucidação da sequência de reações
+ Ic ⇌ EIC é chamada de constan-
que compõem uma via metabólica. A
te do inibidor (KI), e mede a afinida-
possibilidade de inibir reações enzi-
de da enzima pelo inibidor, como o
máticas é também um campo aberto
Km mede a afinidade da enzima pelo
para aplicações farmacológicas. Mui-
substrato. O complexo EIC jamais
tos medicamentos de uso corrente
gera produto e a atividade enzimática
na prática terapêutica baseiam suas
ficará diminuída proporcionalmente à
propriedades na inibição específica
fração de enzima que estiver ligada
de certas enzimas.
ao inibidor. Uma vez que este tipo de
Embora exista grande variação quan- inibidor se liga ao mesmo sítio onde
to aos mecanismos de inibição, po- se liga o substrato, a ligação do ini-
de-se agrupar os inibidores em duas bidor e a ligação do substrato a uma
grandes categorias, irreversíveis e re- dada molécula de enzima são even-
versíveis, segundo a estabilidade de tos mutuamente exclusivos.
sua ligação com a molécula de enzi-
Quando a molécula da enzima é libe-
ma. Os inibidores irreversíveis rea-
rada (seja por dissociação do comple-
gem com as enzimas, levando a uma
xo EIC ou por decomposição do com-
inativação praticamente definitiva.
plexo ES em E + P), ela irá associar-se
Alguns exemplos são os compostos
a novas moléculas de substrato ou de
organofosforados, que constituem o
inibidor, com uma probabilidade que
princípio ativo de muitos inseticidas;
dependerá de suas concentrações
eles formam ligações covalentes com
e das afinidades entre a enzima e o
o grupo OH de resíduos de serina.
substrato e entre a enzima e o ini-
Os inibidores reversíveis são clas-
bidor. Em concentrações baixas de
sicamente divididos em três grupos:
substrato, será encontrada uma fra-
os competitivos, os não competi-
ção das enzimas associada ao subs-
tivos e os mistos, que podem atuar
trato (gerando produto) e uma fração
como inibidores competitivos e não
ligada ao inibidor e a velocidade da
competitivos.
ENZIMAS E COENZIMAS 22

reação ficará reduzida. Se a concen- praticamente, nula e a velocidade da


tração do substrato for muito grande reação será zero.
em relação à concentração do inibi- Visto que mesmo na presença de ini-
dor competitivo, a probabilidade de bidor competitivo a velocidade máxi-
formação do complexo ES é pratica- ma pode ser atingida, há, neste caso,
mente 100%, e tudo se passa como uma aparente alteração do valor do
se não houvesse inibidor presente no Km, que parece maior do que o da
meio de reação. A velocidade máxi- reação sem inibidor. Ou seja, o ini-
ma da reação será idêntica à veloci- bidor competitivo atua diminuindo
dade máxima da reação na ausência a afinidade da enzima com o seu
do inibidor, mas só será obtida com substrato. É claro, entretanto, que
concentrações de substrato maiores este valor não pode ser usado como
do que as da reação não inibida. uma medida de Km, cuja determi-
Por outro lado, se a concentração do nação deve ser feita na ausência de
inibidor competitivo for exagerada- inibidores. A nova constante, medida
mente alta em relação à concentração em presença de inibidores, é chama-
do substrato, a probabilidade de a en- da Km aparente.
zima livre ligar-se ao substrato será,

Figura 8. Inibição competitiva de uma enzima.


Fonte: Nelson (2014)

reação que inibem. Seu efeito é pro-


vocado por ligação a grupamentos
Inibidores reversíveis
que não pertencem ao centro ativo
não-competitivos
(Figura 9); esta ligação altera a es-
Os inibidores pertencentes a esta trutura enzimática a tal ponto que in-
classe não guardam qualquer seme- viabiliza a catálise. O ponto de ligação
lhança estrutural com o substrato da do inibidor não competitivo (INC) é
ENZIMAS E COENZIMAS 23

a cadeia lateral de um aminoácido (o à concentração de enzimas ativas, a


grupo OH de serina, ou o grupo SH velocidade de reação será menor
de cisteína, por exemplo). Como estes do que na ausência do inibidor para
grupos são frequentes nas enzimas, qualquer concentração de substra-
a ação de inibidores não competitivos to; é claro que a velocidade máxima
é bastante inespecífica, o mesmo ini- da reação também será reduzida.
bidor podendo atuar sobre um gran- Ainda mais, já que o substrato e o
de número de enzimas (ao contrário inibidor não-competitivo não compe-
do que ocorre com os inibidores com- tem pelo mesmo sítio de ligação na
petitivos). A reação do inibidor não enzima, aumentos na concentração
competitivo com a enzima pode ser do substrato não podem anular ou
representada por: E + INc ⇌ EINC mesmo atenuar o efeito do inibidor.
O que diferencia este tipo de inibidor As características descritas permitem
dos inibidores irreversíveis é que, no prever, para o inibidor não competiti-
caso destes últimos, uma molécula vo, uma cinética diferente da do ini-
enzimática ligada ao inibidor está de- bidor competitivo. Além disso, com
finitivamente inativada, enquanto, no inibidores não competitivos, o valor
caso dos inibidores reversíveis não do Km aparente coincide com o va-
competitivos, uma molécula de en- lor do Km. Isto porque as velocida-
zima, que em um instante está liga- des medidas resultam da ação de
da ao inibidor (inativa), pode encon- enzimas que não estão ligadas ao
trar-se livre (ativa) em um momento inibidor e que conservam a mesma
seguinte. Sendo assim, o fato de a afinidade pelo seu substrato.
ligação do inibidor não competitivo
à molécula de enzima ser reversível SE LIGA! No caso da inibição não com-
não diminui seu poder de ação. petitiva, a constante de dissociação do
complexo EINC e a própria concentração
Como o sítio de ligação do inibidor não
do inibidor interferem no valor de Vmáx,
competitivo é diferente do sítio ativo, e não no de Km, ao contrário do que
em alguns casos é possível a ligação ocorre com o inibidor competitivo.
concomitante de inibidor e substra-
to à enzima, formando um comple-
xo ternário ESINC, incapaz de gerar
produto. Na presença de um inibidor
não competitivo, tudo se passa como
se efetivamente houvesse uma con-
centração menor de enzimas. Uma
vez que a velocidade da reação en-
zimática é diretamente proporcional
ENZIMAS E COENZIMAS 24

substrato ou à co-
enzima. É o caso de
reações catalisadas
por quinases, que
utilizam como co-
enzima o comple-
xo ATP–Mg2+: na
ausência de Mg2+,
o ATP não se liga à
enzima.
As coenzimas atu-
am como aceptores
Figura 9. Inibição não competitiva de uma enzima.
de átomos ou gru-
Fonte: Nelson (2014) pos funcionais do substrato em uma
dada reação e como doadores destes
mesmos grupos ao participarem de
5. COFATORES E outra reação e, por isto, diz-se que as
COENZIMAS coenzimas são transportadoras de
A maioria das enzimas necessita da determinados grupos (Tabela 2).
associação com outras moléculas ou Durante a catálise, coenzima e subs-
íons para exercer seu papel catalítico. trato acham se alojados no centro ati-
Esses componentes da reação enzi- vo da enzima, consistindo a reação
mática são genericamente chama- na remoção de um grupo químico do
dos cofatores. Os cofatores podem substrato e sua transferência para a
ser íons metálicos ou moléculas orgâ- coenzima, ou vice­versa.
nicas, não proteicas, de complexidade Fica evidente que as coenzimas não
variada, que recebem o nome de co- apenas sofrem modificações em sua
enzimas. Íons metálicos como Zn2+, estrutura ao participar de uma reação
Fe2+, Cu2+ e Co2+ costumam fazer enzimática, mas são necessárias em
parte da estrutura da enzima ou por quantidades estequiométricas em re-
ligarem-se a cadeias laterais de ami- lação ao substrato. Todavia, o fato de
noácidos, frequentemente perten- as coenzimas serem constantemente
centes ao sítio ativo da enzima, ou por recicladas, oscilando entre duas for-
estarem presentes em grupos pros- mas, permite que suas concentrações
téticos como, por exemplo, o heme. celulares possam ser bastante redu-
Outros íons metálicos como Na+, K+, zidas, muito menores do que as con-
Mg2+, Mn2+e Ca2+ associam-se centrações de substrato.
fraca e reversivelmente à enzima, ao
ENZIMAS E COENZIMAS 25

Nem sempre é imediata a distinção pelas células. Outras apresentam em


entre substrato e coenzima. Um cri- sua molécula um componente orgâ-
tério diferencial é o fato de, em rea- nico que não pode ser sintetizado
ções metabólicas subsequentes, o pelos animais superiores. Este com-
substrato sofrer novas alterações, ponente, ou um seu precursor, deve
enquanto a coenzima volta à sua então ser obtido da dieta, constituin-
forma original. A coenzima pode en- do uma vitamina. As vitaminas são
contrar-se covalentemente ligada à compostos orgânicos sintetizados
molécula enzimática, constituindo um por plantas ou microrganismos, indis-
grupo prostético, como a flavina ade- pensáveis ao crescimento e às fun-
nina dinucleotídio (FAD), uma coenzi- ções normais dos animais superiores.
ma transportadora de hidrogênio. Ou Ao contrário de carboidratos, proteí-
a coenzima pode ser uma molécula nas e lipídios, são requeridos na die-
“livre”, reunindo-se à enzima apenas ta em pequenas quantidades (micro-
no momento da catálise, como acon- gramas ou miligramas diários), já que
tece com a nicotinamida adenina di- são precursores de coenzimas, cujas
nucleotídio (NAD+). concentrações celulares são muito
Algumas coenzimas, como o ATP e o pequenas, por serem constantemen-
GTP, são integralmente sintetizadas te recicladas.

COENZIMA GRUPO TRANSPORTADO VITAMINA


Adenosina trifosfato (ATP) Fosfato -------------------
Tiamina pirofosfato (TPP) Aldeído Tiamina (B1 )
Flavina adenina dinucleotídio (FAD) Hidrogênio Riboflavina (B2)
Nicotinamida adenina dinucleotídio (NAD) Hidreto Nicotinamida (B3 )

Coenzima A Acila Ácido pantotênico (B5 )

Piridoxal-fosfato Amino Piridoxina (B6 )


Biotina CO2 Biotina (B7 )
Tetraidrofolato Carbono Ácido fólico (B9 )
Metilcobalamina Metil Cobalamina (B12)
Tabela 2. Grupos transportados por coenzimas e vitaminas presentes em suas moléculas. Fonte: Nelson (2014)
ENZIMAS E COENZIMAS 26

MAPA MENTAL FINAL

ENZIMAS E
COENZIMAS

Os substratos interagem A estrutura e a ação


Cofatores são íons
com os sítios ativos enzimática são uma
Catálise: É o aumento da ou moléculas cuja sua
das enzimas através de decorrência da estrutura
velocidade de uma reação, associação com as enzimas
complementaridade tridimensional da enzima Inibidores enzimáticos
devido à adição de uma é necessária para que
geométrica e e podem ser afetadas por
substância (catalisador) elas exerçam o seu papel
complementaridade alterações no pH e da
catalítico
eletrônica temperatura do meio

As enzimas consistem Inibidores Irreversíveis


nos catalisadores Coenzimas são moléculas
Hipótese do ajuste induzido
biológicos, as quais orgânicas, não proteicas,
participam das reações que atuam como cofatores
bioquímicas Inibidores Reversíveis

Os catalisadores
aumentam a Inibidor Misto
velocidade das reações
por diminuírem as Atua diminuindo a
energias de ativação velocidade de reação Inibidor Não
das reações máxima enzimática Competitivo

Atua diminuindo a
Inibidor Competitivo
A energia de ligação é a principal fonte de afinidade da enzima
energia livre utilizada pelas enzimas para a com o seu substrato
diminuição da energia de ativação das reações.
ENZIMAS E COENZIMAS 27

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Marzzoco A, Torres BB. Bioquímica Básica. 4. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.
Nelson DL, Cox MM. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6. ed. – Porto Alegre: Artmed,
2014.
Voet D, Voet JG. Bioquímica. 4. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2013.
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