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Prática 04

Produtos
Salgados e Dessecados
“Charque, Jerked Beef & Carne-de-Sol”

L.A.M. Gomide & E.M. Ramos

Introdução
produtos, mas alguns obtidos pela salga da carne de
A Instrução Normativa no. 6 (IN6), de 15 de bovinos possuem regulamentos específicos.
fevereiro de 2001, do Ministério da Agricultura, Em nosso país, a evolução dos produtos salgados
Pecuária e Abastecimento (MAPA), define Produtos e dessecados de bovinos resultou em duas categorias
Cárneos Salgados como os produtos cárneos bem distintas:
industrializados, obtidos de carnes de animais de
açougue desossados ou não, tratados com sal, # Carnes bovinas salgadas e dessecadas que
adicionados ou não de sais de cura, condimentados necessitam apenas de cozimento antes do seu
ou não, cozidos ou não. Nesta definição incluem-se consumo. A Carne-de-Sol, elaborada com
os cortes, carnes e, ou, miúdos das diferentes espécies relativamente baixo teor de sal, é o principal produto
de animais de açougue. dessa categoria;
No Brasil, a origem do consumo de carnes # A outra categoria abrange as carnes que, para o seu
salgadas confunde-se com a própria história do país. consumo, necessitam de dessalga ou reidratação
Antes do advento e da disseminação da refrigeração, prévia ao cozimento. Incluem-se nessa classe as
foi a produção de charque em larga escala, no Rio carnes dessecadas de salga forte como o Charque
Grande do Sul, que tornou possível o suprimento de e, mais recentemente, o seu derivado
proteína de alta qualidade às populações localizadas comercializado sob o nome de Jerked Beef.
no restante do país.
Ainda hoje, a salga de carnes e derivados é um Em meados de 1998, estes três principais produtos
método de conservação empregado com certa tradição difundidos no Brasil (carne-de-sol, charque e jerked
em algumas regiões brasileiras, sendo de fundamental beef), somavam o total de 600.000 toneladas de carne
importância onde a refrigeração torna-se difícil, como comercializada ao ano, o que correspondia a um
em muitas cidades do nordeste. consumo de aproximadamente 3,7 kg/per capita/ano.
A estabilidade microbiológica da carne salgada é No entanto, devido à baixa concentração de sal da
baseada na redução da umidade e incorporação de carne-de-sol, o que torna sua vida-útil limitada e
sal de modo a reduzir-se o valor da atividade de água dificulta a sua distribuição, o charque e o jerked beef
a valores incompatíveis com o crescimento representam a maior fatia do mercado, contribuindo
microbiano. para um consumo de cerca de 2,0 a 2,5 kg/per capita/
A extensão da vida-de-prateleira, associada a ano.
procedimentos diversos de salga e dessecação de Basicamente, a carne-de-sol, charque e jerked
alimentos perecíveis, resultou no aparecimento de beef diferem entre si devido à forma de processamento
uma gama variada de produtos cárneos em várias e quantidade e tipo de ingredientes adicionados,
partes do mundo. Muitos produtos são atualmente resultando em produtos com características finais
salgados e vão desde a carne, originando produtos distintas e peculiares (Tabela 4.1).
como charque e carne-de-sol, a partes de animais, Vale ressaltar que não existe, ainda não existe no
como pés, orelhas e rabo de suínos, e miúdos, como país nenhuma regulamentação oficial quanto à
língua, rins, coração, etc. A IN6 abrange todos estes composição e características físico-químicas da carne-

PROCESSAMENTO DE CARNES E DERIVADOS 65


Texto em Revisão
66 L.A.M. Gomide & P.R. Fontes
Tabela 4.1. Composição e características físico-químicas dos principais produtos salgados do Brasil
Característica Charque Jerked Beef Carne-de-Sol
Categoria (Umidade) Intermediária Intermediária Alta
Umidade 45% (máx.) 55% (máx.) 65 a 70%
Atividade de água (aw) 0,70 a 0,75 0,78 (máx.) 0,90 a 0,92
Adição de nitrito/nitrato não sim não
Adição de sal (NaCl) > 10% > 10% 4 a 6%

de-sol, que defina o seu padrão de identidade e M Matéria-Prima


qualidade. Também não existem portarias específicas
disciplinando as instalações e o seu processo de
Desossa e Manteação
elaboração, o que torna a sua fabricação empírica e
dificulta sua comercialização.
Salmouragem
Charque
Pilha de Salga
O charque é um produto derivado de processos
Ressalga
combinados (salga, secagem e embalagem), cujo
propósito é o de evitar a proliferação da microbiota
deteriorante e estender a sua vida de prateleira, sem Pilha de Volta
que haja necessidade de refrigeração. Trata-se de um Pilha de Espera
Tombagem
produto típico do Brasil e de alguns países da América Pilha de Inverno
do Sul
Lavagem
De acordo com os artigos 431 e 432 do RIISPOA
(BRASIL, 1997), entende-se por Charque, sem
Secagem
qualquer outra especificação, a carne bovina
desossada, salgada e dessecada. Deve-se esclarecer a
espécie de procedência quando a carne empregada Embalagem e Expedição
não for a de bovino. Este regulamento determina que
Figura 4.1. Fluxograma do processamento de charque.
o charque não deve conter mais do que 45% de
umidade na porção muscular, nem mais do que 15%
de resíduos minerais fixos, tolerando-se até 5% de sua manipulação, além de ter, no estado natural, uma
variação. procura limitada a nível de consumo. Traseiros e
O charque tem uma atividade de água dianteiros, principalmente os excedentes do consumo
intermediária (aproximadamente 0,70 a 0,75), o que e carcaças destinadas ao aproveitamento condicional
permite a sua conservação e comercialização à por razões sanitárias (responsabilidade do DIF), são
temperatura ambiente. É um produto que, também muito utilizados.
tradicionalmente, tem estado ligado à alimentação de O processamento básico consiste em promover a
uma considerável parcela da população brasileira, remoção de água dos tecidos, inicialmente pela
notadamente aquelas das regiões Norte e Nordeste. alteração da pressão osmótica, provocada pela
Além de suas características sensoriais, um dos fatores salmouragem e salga, e posteriormente pela secagem,
que mais contribui para seu consumo é o seu baixo a qual é geralmente feita ao sol, embora também possa
preço relativo e a sua conservação à temperatura ser realizada em estufas. O objetivo é diminuir a
ambiente. atividade de água (aw) dos tecidos, inibindo, desta
forma, o desenvolvimento microbiano e reduzindo a
Et apas do Pr
Etapas ocessament
Processament
ocessamentoo velocidade de reações indesejáveis no produto final.
Durante o processo, algumas etapas de fabricação
O processo de fabricação leva de 12 a 15 dias, também permitem uma determinada fermentação da
desde a manteação e salmouragem até o último dia carne, a qual é responsável pelo sabor característico
de secagem ao sol (Figura 4.1), quando o produto (bouquet) do charque.
alcança valores de umidade próximos de 45%. Durante todas as etapas de fabricação deve-se
A carne utilizada para sua preparação é de manter um rigoroso controle higiênico-sanitário das
preferência a ponta de agulha, pois permite a instalações, pessoal, utensílios e equipamentos.
elaboração de um produto de formato tal que facilita Também deve ser feito um controle de insetos e
Produtos Salgados e Dessecados 67
roedores na charqueada e seus arredores. Tudo isto impermeabilização eficiente, conseguida através de
associado à seleção cuidadosa de matérias-primas revestimento interno com azulejos ou com cimento
adequadas, o que garantirá um produto de qualidade. queimado. As peças são mergulhadas em salmoura e
constantemente agitadas por operários munidos de
Recepção da Matéria-Prima bastões de aço inox. A agitação das peças nos tanques
favorece a penetração do sal nas mesmas.
As peças destinadas à elaboração do charque, ou Atualmente, esta operação é realizada em tanques
seja, as pontas de agulha e os quartos apartados pelo especiais, com movimentação constante das peças de
Serviço de Inspeção Federal (SIF), ou pelo próprio carne imersas em salmouras com concentração de 95º
frigorífico por conveniências comerciais, são salômetro (24º Baumé) e temperatura próxima de
recebidas, sob refrigeração, pela unidade de 15ºC. Esta concentração é mantida constante durante
charqueamento e enviadas à sala de desossa ou para toda etapa de salmouragem, com auxílio de um tanque
câmaras-frias onde ficarão estocadas aguardando o reforçador de sal ligado ao tanque de salga, por onde
momento de processamento. a salmoura é constantemente bombeada. A atividade
de água da salmoura, nestas condições, é estimada
Desossa e manteação em 0,77.
A operação de salmouragem em tanques de
Em temperaturas menores que 8ºC a carne possui imersão dura cerca de 40 a 50 minutos, ao final da
uma plasticidade melhor, permitindo que os cortes qual a carne adquire uma coloração acinzentada, o
realizados na desossa e manteação sejam mais que, em linguagem corrente, se conhece como
uniformes. Além disso, temperaturas menores “queima da carne”.
garantem uma maior conservação do produto final. Algumas indústrias estão equipadas com sistemas
Por estes motivos, a matéria-prima deve sempre mecanizados, denominados salgadeiras (Figura 4.2),
ser mantida em temperaturas de refrigeração e a com capacidade de 70 a 90 peças/batelada, que
desossa dos quartos e manteação das peças cárneas reduzem o tempo de salmouragem para 15 a 20
devem ser executadas em ambiente apropriado, de minutos, trazendo inúmeras vantagens,
preferência climatizado a uma temperatura entre 10 principalmente de ordem higiênica. Enquanto as
e 15ºC. mantas salgadas em tanques devem possuir espessura
Os quartos ou as pontas de agulha são desossados, de 2 a 4 cm, as mantas salgadas em salgadeiras têm a
sendo efetuadas algumas aparas, com remoção de espessura aumentada para 5 a 6 cm.
possíveis contusões e acúmulos de gorduras, que, A salmouragem também pode ser realizada por
quando presentes em excesso, dificultam a penetração injetores de salmouras, que também aceleram esta
do sal e rancificam-se facilmente, prejudicando a etapa e permitem trabalhar com mantas de espessura
qualidade do produto. maiores. No entanto, este processo costuma causar a
A manteação, também chamado de esponjamento
ou charqueamento, consiste no adelgaçamento das
porções musculares mais densas, gerando peças
uniformes, denominadas mantas, com espessura
aproximada de 2 a 4 cm. A uniformidade da espessura,
assim como do teor de gordura das mantas, é
importante para se obter uma maior uniformidade na
penetração e distribuição do sal e do tempo de
secagem.
As mantas também podem serem submetidas a
cortes penetrantes com o intuito de facilitar a
penetração do sal. Estes cortes devem ser de
profundidade limitada para evitar os chamados
cavacos que desvalorizam o produto.

Salmouragem

Nas indústrias de menor porte, a salmouragem é Figura 4.2. Salgadeira. Trata-se de um tumbler, dotado de
realizada em tanques de imersão (salga úmida), com hélices ou pás internas, que, em movimentos giratórios,
uma profundidade aproximada de 80 a 100 cm, com elevam as mantas para o topo e as deixa cair, facilitando a
largura e comprimentos variáveis, e com uma penetração da salmoura.
68 L.A.M. Gomide & P.R. Fontes
“queima” da carne nos pontos de injeção, depreciando
o aspecto geral do charque. Esta queima se deve a
uma concentração elevada de sal nos locais dos furos
realizados pelas agulhas.
O uso de uma salmoura de boa qualidade evita
problemas futuros com as partidas de produto
elaborado. Uma salmoura de boa qualidade é aquela
elaborada com água potável, que seja incolor, inodora,
de pH neutro ou levemente ácido (pH 6,0 a 6,6).
Algumas charqueadas adicionam ácido acético ou
ácido láctico para abaixar o pH da salmoura, tornando-
a imprópria para o desenvolvimento de alguns
microrganismos indesejáveis.
A medida do potencial de oxiredução (Eh)
proporciona a indicação mais segura para apreciação
do estado da salmoura utilizada no preparo de
charque. Salmouras usuais ainda boas apresentam Eh
de +200 a +350 mV, sendo consideradas deterioradas
quando o Eh cai para -150 mV. Desta forma, quando
o Eh da salmoura alcança valores inferiores a +50
mV esta deve ser substituída.
A salmoura pode ainda ser reaproveitada,
necessitando, para isto, ser esterilizada, após remoção Figura 4.3. Pilhas de salga no processamento de charque.
(filtragem) de matéria orgânica coagulada pelo calor, Fonte: Pichi, 1994.
e reciclada através de um tanque reforçador de sal.

Pilha de Salga O tempo de duração da pilha de salga


normalmente é de 24 horas, podendo, no entanto, ser
Após a salmouragem, as mantas são conduzidas estendido por até 48 horas.
para a sala de salga, onde são estendidas e sobrepostas, O sal utilizado no processamento do charque deve
sem dobras, sobre um piso, previamente coberto com ser de origem marinha, granulado (cristais de ± 5 mm),
uma camada de sal grosso, sendo submetidas à salga apresentando ausência de substâncias orgânicas e
seca. O piso da sala de salga deve ter uma leve minerais estranhos à composição normal e com a
inclinação e canaletas laterais que permitam escorrer seguinte composição média :
a salmoura exsudada (que pode ser reaproveitada,
após tratamento). Esta salmoura é oriunda da difusão # NaCl = 96,5% a 97,5%
da água do interior da manta para a superfície e # Livre de MgSO4 e Na2SO4 (higroscópicos);
contém uma concentração de sal na ordem de 18%. # Turbidez = 50 graus;
As mantas de carne são intercaladas entre si com # Teor de sólidos insolúveis = 0,3%; e
camadas de sal grosso, formando pilhas de salga # Umidade máxima = 1 a 2%.
(Figura 4.3), as quais devem ter uma altura
aproximada de 1,80 metros, de forma a permitir o Ressalga
melhor manejo das mesmas. Alturas superiores a 1,80
metros devem ser evitadas para não se ter uma pressão Após o período de 24 ou 48 horas, dependendo
excessiva sobre as mantas das camadas mais do estabelecimento, procede-se a operação de
inferiores. ressalga. Esta operação é realizada de modo
A posição em que as mantas são sobrepostas varia semelhante à pilha de salga. Nesta etapa, no entanto,
muito, ficando a critério do estabelecimento. as mantas ficam dispostas com a porção gordurosa
Normalmente, a porção gordurosa na primeira camada voltada para cima. A disposição da parte gordurosa
fica voltada para cima. Coloca-se uma camada de sal para cima parece provocar uma maior exsudação,
e, a seguir, a segunda camada de mantas, que é porém, o mais importante é que haja uma distribuição
colocada com a parte gorda voltada para baixo, assim por igual de sal em todas as mantas.
como nas demais camadas que se seguem. Desta O propósito principal da ressalga é assegurar que
forma, sucessivamente, vai-se intercalando as mantas todas as mantas tenham contato com o sal e realizar
e o sal. uma inversão na pilha de maneira que as peças da
Produtos Salgados e Dessecados 69
parte superior passem a ocupar a posição inferior e, tombagem, porém antes da lavagem.
assim, uniformizar a pressão sobre as mantas. Normalmente as pilhas de inverno são feitas em
O tempo de permanência das mantas nesta recintos apropriados, onde pilhas de carne salgadas,
operação também é de 24 a 48 horas. com altura de 3 a 4 metros, são mantidas à temperatura
ambiente. Estas pilhas são completamente vedadas
Pilha de Volta com grossas camadas de sal misturado a produtos
bactericidas, como o hipoclorito de sódio, e recobertas
A operação de pilha de volta somente ocorre com lona. Outro sistema de vedação empregado é a
quando os encarregados julgam que as carnes ainda utilização de pulmões salgados, recobrindo-se a pilha
necessitam de salga adicional. com uma pasta preparada à base de sebo e hipoclorito
Nesta etapa as mantas voltam à posição original de sódio.
da pilha de salga (com a porção gordurosa para baixo) Durante todo este período, normalmente quatro
e com nova adição de sal entre as diversas camadas. meses, as possibilidades da ocorrência do vermelhão
O período de duração da pilha de volta também é aumentam, devido à falta de movimentação das
de 24 a 48 horas. mantas salgadas, colocando em risco toda produção
e com grandes perdas econômicas.
Tombagem Embora este período de maturação possa conferir
características sensorias especiais ao charque, devido
Esta operação é imprescindível à qualidade do a uma ligeira fermentação, a gordura fica sujeita a
produto e objetiva a movimentação da carne, de um início de rancificação e de acidificação, que
preferência a cada 24 horas, sem nova adição de sal. podem desfavorecer a qualidade do produto pronto.
A tombagem permite uma equalização da pressão Devido a estes inconvenientes, alguns
nas mantas durante o processamento, através da estabelecimentos, que possuem instalações
inversão das posições das mesmas nas diversas pilhas, frigoríficas, protegem as pilhas de inverno sob frio
garantindo uma maior uniformidade da concentração artificial. Outros preferem reduzir parcialmente sua
do sal em toda peça cárnea. produção e manter as pilhas em constante movimento
A sucessão dos tombos impede a formação de na área de salga até ser possível a etapa de secagem.
condições anaeróbias favoráveis ao aparecimento do O uso de estufas na etapa de secagem também
vermelhão, causado por bactérias halófilas tem sido um artifício para se evitar a necessidade da
proteolíticas, além de facilitar a visualização dos manutenção destas pilhas na área de salga.
possíveis focos de contaminação.
O número de tombos é variável, porém, não Lavagem
deverá ser inferior a 4 ou 5.
As perdas de peso ocorridas desde o início da Após a salga, e antes de serem conduzidas para a
etapa de salga úmida (salmouragem) até a o fim da secagem no setor dos varais, as mantas são submetidas
tombagem é da ordem de 18 e 20% para a carne gorda a uma rápida imersão em água clorada com a
e magra, respectivamente. finalidade de reduzir o excesso de sal aderido à
O sal recuperado durante os tombos é misturado superfície.
com sal novo e reutilizado na salga e ressalga de outros O excesso de sal na superfície da carne, agravado
lotes. ainda mais pela etapa de dessecação, não somente
acarreta numa descoloração superficial, mas também
Pilhas de Espera e Pilhas de Inverno contribui para a proliferação de bactérias
halotolerantes, naturalmente presentes no sal,
Por contingência do clima (dias chuvosos ou principalmente as cromogênicas vermelhas.
nublados, que impossibilitam a etapa de secagem ao Para contornar a possível contaminação
sol) ou mesmo de mercado (logística), torna-se superficial por bactérias halófilas, alguns
necessário, por vezes, a retenção das peças de carne estabelecimentos têm utilizado água hiperclorada com
apenas salgadas, por mais tempo na indústria. níveis de até 500 mg/kg de hipoclorito de sódio, que,
Quando esta retenção é curta, não passando do embora tenha um efeito positivo frente o
prazo máximo de três meses, se recorre às chamadas desenvolvimento destas bactérias, pode acelerar a
pilhas de espera e, quando a retenção é mais longa, oxidação lipídica e reduzir o tempo de vida útil do
as mantas passam a se denominar pilhas de inverno. produto. Outros estabelecimentos têm adicionado
As pilhas de espera não possuem proteção ácido lático ou acético na água de lavagem, de forma
especial, sendo feitas na própria dependência da salga a reduzir o pH para valores abaixo de 5,5 e controlar
seca, com as mantas que passaram pelo processo de esta contaminação.
70 L.A.M. Gomide & P.R. Fontes
Outro motivo, não menos importante, da lavagem
é a remoção de cristais de sal aderidos à superfície
das mantas que poderão perfurar a embalagem a
vácuo, geralmente utilizada no acondicionamento do
produto pronto.
Após a lavagem, aconselha-se que as mantas
sejam empilhadas nas chamadas pedras ou pilares
(Figura 4.4) e cobertas com lona, por um período de
24 horas, já que o seu estendimento logo após da
lavagem, principalmente nos dias de sol muito forte,
pode provocar uma desidratação superficial excessiva,
prejudicando a qualidade do produto.
As pedras, ou pilares, são plataformas
retangulares, feitos de tijolos de cerâmica, elevadas a
cerca de 40 cm do chão, existente na área de secagem.

Secagem

A secagem é a etapa final da preparação do


charque e uma das mais importantes, uma vez que
nela as características sensoriais do produto são
obtidas. Porém, o processo é normalmente dependente
das condições climáticas, sendo inviabilizado em
períodos chuvosos e durante o inverno. Nestes Figura 4.5. Varais de exposição do charque ao sol. Fonte:
períodos há necessidade de formação das pilhas de Pichi, 1994.
espera e pilhas de inverno que consomem espaço e
podem levar ao aparecimento de problemas como o carrinhos e do pessoal para as estendidas e
vermelhão, significando um aumento nos custos de recolhimento das mantas.
produção. Este é um procedimento até hoje utilizado pelas
Pode-se considerar três métodos de secagem: indústrias, mas apresenta a inconveniência de ser
muito dependente das condições climáticas. Esta
SECAGEM AO SOL dependência muitas vezes põe em risco a produção e
compromete o aspecto tecnológico da fabricação, uma
Na secagem ao sol as mantas são estendidas em vez que o produto fica sujeito a flutuações de
varais e expostas aos raios solares e aos ventos (Figura qualidade, principalmente em razão do teor de
4.5). Cada dia em que a manta permanece estendida umidade.
nos varais é denominado de sol. Além disto, a secagem ao ar livre apresenta outras
Os varais são dispostos no sentido norte-sul, que inconveniências, como a exposição às contaminações
permite que as mantas recebam sol dos dois lados ao do ambiente e pelo manuseio constante, que ocorre
longo do dia, e em fileiras paralelas, com distâncias durante as idas e vindas das pilhas aos varais, e que
entre si de 1,80 metros, para permitir o trânsito de podem comprometer o aspecto sanitário do produto.
Além disso, deve-se levar em conta o aspecto
econômico, pois existe uma elevada utilização de
mão-de-obra e uma relativa demora na obtenção do
produto.
Na primeira estendida, a parte magra das mantas
é voltada para cima e exposta à incidência direta dos
raios do sol. Na segunda estendida, coloca-se a parte
gordurosa sob a ação direta do sol e, assim, vai-se
alternando até que o produto alcance 45% de umidade
na sua parte magra.
É aconselhável que as primeiras estendidas sejam
feitas por tempo limitado, para evitar o aquecimento
Figura 4.4. Pedras (pilares) usados para o descanso das excessivo e a acentuada desidratação da superfície
mantas durante a etapa de secagem. Fonte: Pichi, 1994. da carne. A temperatura das mantas durante a
Produtos Salgados e Dessecados 71
exposição ao sol pode superar os 40ºC em a 37ºC são mais usuais, embora temperaturas maiores
determinadas regiões do país, o que deve ser evitado possam fundir parcialmente a gordura (como ocorre
em qualquer fase do processo de secagem. durante a exposição a sol mais intenso), favorecendo
Normalmente o tempo de permanência das mantas o aspecto comercial do produto.
nos varais fica a critério do encarregado da charqueada Embora a secagem em estufa permita uma maior
o qual, por experiência ou por ajuda de análise padronização da qualidade do produto através do
químicas, determina quando o produto está pronto controle de todas as etapas de fabricação, sua
para ser embalado. Geralmente, o tempo de utilização é um tanto custosa, além de existir
permanência das peças ao sol varia de 6 a 8 horas por problemas de ordem sensorial, que afetam a aceitação
dia. do produto pelo consumidor. Dentre estes problemas
Diariamente, após a exposição ao sol, as mantas citam-se a cor pálida da gordura, quando comparada
são recolhidas e empilhadas, ainda quentes, nas pedras ao dourado intenso do produto exposto ao sol, e a cor
existentes na área dos varais (Figura 4.4) para mais escura da carne conferida pela dessecação em
descanso até o dia seguinte, num processo também estufa.
conhecido como abafamento. As mantas empilhadas Recentemente, novas estufas têm sido usadas para
são cobertas com tecidos impermeáveis (normalmente dessecação de carne bovina salgada e parece
lonas enceradas ou plásticas), para reter o calor e contornarem alguns dos inconvenientes das estufas
proteger do sereno, chuvas e vento. Este procedimento antigas. As novas estufas, semelhantes às usadas na
também é utilizado nos dias chuvosos. horticultura e fruticultura, são fechadas com plásticos
O abafamento proporciona um meio favorável à transparentes que deixam passar a luz do sol,
maturação, uma vez que resulta na manutenção de produzindo a coloração amarela dourada desejada na
temperaturas adequadas à ação eficiente de proteases superfície da gordura.
e lípases, endógenas e microbianas, sobre os O ar é aquecido pelo sol, mas as estufas também
constituintes da carne, desenvolvendo o aroma e sabor são dotadas de equipamento para aquecimento do ar
característico do charque, embora a exposição ao sol em dias chuvosos ou nublados e de ventiladores para
também contribua favoravelmente para estes circulação e homogeneização do ar.
atributos.
As operações de secagem ao sol e abafamento SECAGEM COMBINADA
são repetidas, diariamente ou com intervalos de um
dia, até que o charque atinja o teor de umidade A combinação dos dois métodos anteriores,
especificado, o que geralmente ocorre depois de 4 a constitui uma técnica que pode ser utilizada em
5 sois. qualquer oportunidade, já que permite uma aceleração
Apesar de representar um produto de considerável no processo de fabricação com o trabalho noturno e
valor econômico, o processo de fabricação do charque em dias inadequados (chuvoso, nublado, etc.) e a
através da secagem ao sol, leva a um empirismo na obtenção das características sensoriais intrínsecas do
determinação do ponto final de secagem, charque seco ao sol.
inviabilizando a uniformidade (padronização do
produto) entre as diferentes partidas. Embalagem e Expedição

SECAGEM CLIMATIZADA O tipo de embalagem utilizada depende,


particularmente, do mercado consumidor, podendo
A secagem do charque em estufa tem sido ser de dois tipos:
utilizada com a finalidade de contornar as dificuldades
da secagem ao sol e permitir a sua produção # Fardos prensados de 30 a 60 kg, acondicionados
independentemente das condições climáticas. em sacos plásticos, coextrusados ou laminados de
As estufas devem serdesignadas especialmente nylon e polietileno, fechados a vácuo e colocados
para este fim, efetuando um controle da temperatura em caixas de papelão. Este tipo de embalagens é
e da velocidade de circulação do ar, para utilizado para regiões cuja distância do centro
homogeneização do ar de dessecação na câmara. produtor é maior;
Também é necessário o controle de renovação do ar # Produto prensado, embalado em pacotes 250 g, 500
da câmara, para evitar que a umidade relativa aumente g, 1 Kg, 2 kg ou 5kg e fechado a vácuo para o
muito, o que prejudicaria a etapa de secagem. consumo local ou mercados mais exigentes.
O aquecimento nestas estufas pode ser obtido por
serpentinas por onde circula o vapor ou através de A vida útil do charque depende das condições
queimadores de óleo diesel. Temperaturas de secagem gerais de sua obtenção industrial, e dos cuidados com
72 L.A.M. Gomide & P.R. Fontes
o seu armazenamento e transporte. A carne prensada Tabela 4.2. Composição centesimal do charque
e embalada a vácuo tem a sua vida útil aumentada, já Composição Porção Porção
que o produto está protegido das alterações físicas e (%) Muscular Gordurosa
químicas que ocorrem durante seu armazenamento, Umidade 42,80 4,45
transporte e comercialização. Lipídios 4,45 78,40
O charque exposto ao sol pelo menos 5 vezes terá
NaCl 18,30 0,40
uma vida de prateleira de 60 a 90 dias, enquanto que
Proteína* 34,45 16,70
o chamado charque de meia cura, submetido a 3 sóis,
*calculada por diferença.
começa a apresentar sinais de depreciação com 30
Fonte: Pardi, 1961.
dias de enfardamento. Já o charque de apenas 2 sois
possui prazo de vida comercial muito curto, em torno
de 10 a 20 dias. Aspect os Micr
Aspectos obiológicos
Microbiológicos
e de Higiene
Faz-se necessário, então, o controle da umidade
durante a dessecação, ponto que é um verdadeiro
A determinação da atividade de água é importante
dilema para o produtor, que, tendo de um lado o
para a conservação, embalagem e armazenamento dos
máximo interesse em reduzir a quebra de peso, deverá
alimentos, a ponto destes serem classificados segundo
adotar cuidados especiais para que a conservação do
seu conteúdo de umidade e atividade de água (Tabela
produto não seja ameaçada.
4.3).
Com posição Química
Composição
O charque é um produto que tem uma atividade
eV alor N
Valor utr
Nutr itiv
utritiv
itivoo de água próxima a 0,75, o que faz com que seja
classificado como alimento com teor de umidade
Devido à grande diversidade na distribuição e do intermediária. Desta forma, o charque está protegido
conteúdo de gordura, a composição do charque é contra o desenvolvimento de bactérias patogênicas.
muito variável, o que torna a sua amostragem bastante Porém, existem algumas espécies de
delicada. Assim dependendo do tipo de amostragem microrganismos que apresentam elevada resistência
das mantas, os resultados de sua composição variarão. a baixas atividades de água. Estes microrganismos
Para evitar erros e obter uma composição podem causar deteriorações lentas nos alimentos,
centesimal mais expressiva do charque, a análise da embora sem risco para a saúde pública.
porção muscular e gordurosa das mantas deve ser feita Staphylococcus, Salmonella e Clostridium sp,
em separado, já que a porção gordurosa somente dentre outros, são alguns dos microrganismos
absorve sal em sua água livre, e a taxa de umidade é patogênicos que podem ser encontrados no charque
muito mais baixa em comparação à porção muscular ou na carne-de-sol, quando as condições de
(Tabela 4.2). processamento e armazenamento não foram
Poucas informações estão disponíveis a respeito apropriadas.
do valor nutritivo do charque. Com as alterações Pode-se considerar como parte da microbiota
físico-químicas que ocorrem durante o contaminante do charque, e demais produtos salgados,
processamento, como resultado de uma drástica as bactérias halófilas ou halotolerantes, cromogênicas
redução do conteúdo de água livre do músculo, tende ou não, que há muito são apontadas como causadoras
a haver um aumento na proporção de alguns de grandes prejuízos às indústrias que usam o sal
componentes, particularmente sal e proteína, quando comum como agente conservador. São bactérias
se compara com o conteúdo da carne fresca ou outro proteolíticas, cuja proteólise assume importância sob
tipo de produto cárneo. o ponto de vista econômico por provocar erosão no
Segundo Pardi (1961), o charque tem a tecido, diminuindo o seu valor.
concentração de seus nutrientes dobradas, quando Essas bactérias se desenvolvem naturalmente no
comparado à carne fresca. charque, provocando um tipo de deterioração
Entretanto, apesar de ser um produto com
conteúdo maior de nutrientes que a própria carne Tabela 4.3. Classificação dos alimentos em função de seu
conteúdo de água (%) e atividade de água (aw)
fresca, com o processo de desidratação tende haver
uma certa perda de vitaminas hidro e lipossolúveis, Designação do alimento % Água aw
oxidação de lipídios e perdas de compostos voláteis.
Alta umidade 55-100 1,0-0,9
Deve-se considerar, ainda, a ocorrência de uma
extração de carboidratos, Umidade intermediária 20-50 0,9-0,6
aminoácidos, proteínas e bases nitrogenadas, durante Baixa umidade 00-20 0,6-0,0
a etapa de salga úmida (salmouragem).
Fonte: Girard, 1991.
Produtos Salgados e Dessecados 73
conhecida como vermelho ou vermelhão, mantidos ao longo das etapas de processamento, e de
caracterizada por um exsudado viscoso, rosa maneira constante, em benefício de um produto de
avermelhado e de cheiro penetrante. excelente qualidade.
Dentre as bactérias responsáveis pelo Cada etapa do processo deve merecer cuidados
aparecimento do vermelhão estão: Micrococcuss higiênicos particulares, porém os cuidados devem
roseus, Pseudomonas salinaris, e Sarcina litoralis. A recair principalmente sobre a salmoura na etapa de
presença de Micrococcus no charque provoca, ainda, salmouragem, a qual deve ser renovada
fermentações mucilaginosas, rancificando as gorduras periodicamente em virtude dos fragmentos de tecido
e formando limo (mucilagem cinzenta) na superfície muscular, sangue e gordura que nela ficam retidos e
do produto, além de conferir cheiro acre e irritante. que resultam em um meio rico para o crescimento de
A contaminação do charque por este tipo de microrganismos.
bactérias é proveniente do sal, da água, e do manuseio Igualmente, cuidados devem ser tomados com o
constante a que o produto é submetido durante a sua tipo de sal a ser utilizado, assim como a higiene nos
preparação. As bactérias halófilas são microrganismos varais e de todos os arredores da charqueada. Deve
que requerem uma quantidade mínima de sal para ser feito um controle sistemático de moscas, roedores
crescerem. e insetos em todas as áreas do processo, já que este
A concentração de sal requerido varia muito, tipo de problema compromete a qualidade do produto,
havendo aquelas que requerem de 0,5 a 3% e são assim como a produção.
conhecidas como halofilícas fracas. As que precisam
de 3,0 a 15 % de sal são consideradas halofilícas Jerked Beef
moderadas, e aquelas que precisam de 15 a 30 % de
sal são denominadas halofilícas extremas. O charque Segundo a Instrução Normativa no. 22, de 31 de
tem uma concentração de sal relativamente elevada, julho de 2000, do Ministério da Agricultura, Pecuária
favorecendo o crescimento das halófilas moderadas. e do Abastecimento (MAPA), entende-se por Jerked
Também fazem parte da microbiota do charque Beef ou Carne Bovina Salgada Curada Dessecada, o
as bactérias produtoras de ácido láctico, pertencentes produto cárneo industrializado, obtido de carne
aos gêneros Lactobacillus, Streptococcus, bovina, adicionado de cloreto de sódio e sais de cura
Pediococcus, e Leuconostoc, as quais são (entende-se nitrato/nitrito), submetido a um processo
responsáveis pelos processos fermentativos que de maturação e dessecação.
ocorrem durante a sua produção. Sabe-se muito pouco Os limites legais máximos para o Jerked Beef são
sobre o papel destes microrganismos na formação do de 0,78 para a atividade de água, 55% para a umidade
sabor, cor, odor, textura e sobre sua participação na e 18,3% para o resíduo mineral total.
conservabilidade e durabilidade dos produtos O jerked beef constitui uma variação do charque
salgados e secos. que surgiu há pouco mais de uma década. A origem
do mesmo está ligada à mal sucedida tentativa de
Defeit
Defeit os
eitos encurtar o tempo de elaboração do charque,
objetivando um aumento de produtividade e uma
A produção de charque é uma arte, na qual o menor quebra do peso do produto durante as etapas
mínimo descuido pode levar a sérias conseqüências de salga e dessecação. Porém, surgiram duas fortes
(Tabela 4.4). Os cuidados higiênicos devem ser implicações tecnológicas.

Tabela 4.4. Defeitos mais comuns em charques.


Defeito Causa
Abombado Desenvolvimento de microrganismos produtores de gases sob a superfície da peça.
Saltão Desenvolvimento da larva de mosca varejeira na carne.
Desenvolvimento, sob anaerobiose, de microrganismos cromogênicos halofílicos ou
halotolerantes, como o Micrococus roseus, a Sarcina litoralis, e a Pseudomonas
salinaris, os quais têm sua origem no sal utilizado, e na reutilização sistemática de
Vermelhão
salmouras super e/ou mal recicladas, sendo também freqüentes nas pilhas de
espera/inverno, ou ainda devido à pouca movimentação das pilhas salgadas (poucos e
infreqüentes tombos).
Cavacos Manteação e cortes mal realizados das peças, depreciando o aspecto do produto.
Limosidade Desenvolvimento de microrganismos produtores de limo sobre a superfície da manta.
74 L.A.M. Gomide & P.R. Fontes
A primeira diz respeito à cor obtida no produto Devido aos fatores de cor e sabor diferenciados,
final, que se apresentava acinzentada, devido a ação o Jerked Beef teve seu consumo aumentado por
oxidativa do sal num produto de alta umidade, em conquistar uma parcela da população não habituada
contraste com a cor vermelho-vinho tradicional do ao consumo de charque. Parte desses novos
charque. consumidores tem restrições ao aroma do charque,
Ooutro fator diz respeito ao problema de que classificam de “rançoso”.
conservação, traduzido na redução da vida útil do
produto, em decorrência de uma maior facilidade de Carne-de-Sol
desenvolvimento microbiano, induzido pela
insuficiência de dessecação. Produto típico do nordeste brasileiro, a carne-de-
Assim, o elevado teor de umidade no produto sol é a carne bovina salgada e dessecada menos
(acima de 45%) e de atividade de água (acima de conhecida nos grandes mercados consumidores do
0,78), aliado ao problema de cor, tornou necessário o sul e sudeste, onde é freqüentemente confundido com
uso de nitrito/nitrato na formulação, para desenvolver o charque.
uma cor vermelha típica dos produtos curados, bem Devido ao baixo nível econômico da população
como o uso de embalagens a vácuo para aumentar nordestina, a carne-de-sol surgiu como uma
sua conservação. alternativa para preservação do excedente de carne
O processamento de jerked beef é idêntico ao do bovina, uma vez que as condições climáticas e a
charque, com algumas pequenas diferenças. disponibilidade de sal marinho da região são bastante
A etapa de desossa deve ser feita em ambiente favoráveis a esta prática. No entanto, devido às
climatizado, que embora aconselhado é facultativo características de sua produção, a carne-de-sol se
no caso do charque. apresenta como um produto cárneo levemente salgado
A espessura das mantas no processamento do e parcialmente desidratado, principalmente quando
jerked beef é maior, uma vez que a salga úmida é comparado com outros produtos salgados.
realizada com o uso de injetoras de salmoura. A maior Trata-se de um produto obtido de uma salga rápida
espessura confere um aspecto mais atrativo ao produto da carne bovina e, eventualmente, caprina e suína,
e elimina a necessidade de se mantear as peças, seguida de sua exposição ao sol. Por ser um produto
exigindo apenas o desdobramento das porções mais parcialmente desidratado (umidade geralmente acima
espessas. de 55%), sua vida de prateleira é muito curta, o que
A injetora de salmoura tornou possível a leva a sua comercialização apenas ao nível municipal
elaboração de produtos com maior teor de sal e alto ou estadual. Por este motivo a carne-de-sol foge à
teor de umidade, mas com atividade de água muito inspeção do DIPOA.
próximo dos valores obtidos no charque tradicional, Talvez por isso, não existe ainda no país nenhuma
desde que as operações de salga seca e secagem sejam regulamentação oficial quanto à composição e
bem ajustadas. características físico-químicas da carne-de-sol, que
Além disso, as injetoras de salmoura criaram uma defina o seu padrão de identidade e qualidade.
nova dinâmica no processamento, ao praticamente Também não existem portarias específicas
eliminar a etapa de manteação e ao transformar disciplinando as instalações e o seu processo de
contínua a operação de salmouragem, até então feita elaboração, o que torna a sua fabricação empírica e
em tanques ou salgadeiras, acelerando o processo de dificulta sua comercialização.
salga.
O volume de injeção de salmoura é geralmente Pr ocessament
Processament
ocessamentoo
da ordem de 30 a 35% do peso da carne antes da
injeção. A salmoura típica possui concentração de 26º Existem apenas alguns estudos sobre a carne de
Baumés, contendo 200 mg/kg de nitrito e 500 mg/kg sol, e destes pode-se estabelecer uma tecnologia
de nitrato. O produto final tem a cor típica de produtos básica da sua elaboração (Figura 4.6), embora
curados e o conteúdo residual de nitrito é usualmente conforme anteriormente mencionado, seu processo é
menor do que 10 mg/kg. empírico, variando de região para região e resultando
As peças injetadas são submetidas à salga seca em produtos com características diferentes quanto ao
em ambiente climatizado, lavagem e dessecação aspecto, sabor, cor e tempo de conservação.
seguindo os mesmos procedimentos utilizados na
elaboração do charque. No entanto, o número de Desossa e Manteação
tombos na etapa de tombagem é de apenas 2 e o
produto é normalmente seco em 2 a 3 sóis. A carne utilizada pode ser tanto de primeira ou
de segunda.
Produtos Salgados e Dessecados 75
M que o tempo passa, a salmoura exsudada vai sendo
Matéria-Prima
retida e o processo, inicialmente com características
de salga seca, adquire características de salga úmida.
Desossa e Manteação
Geralmente esta etapa de salga leva de 12 a 18 horas,
mas também é variável de região para região.
Salga
Logo após a salga, o produto é lavado para retirar
o excesso de sal. Esta etapa do processo é opcional
Lavagem
em algumas regiões. Alguns produtores realizam a
salga seca, seguida da lavagem das mantas pela
Secagem
imersão destas na purga, antes de sua exposição ao
sol.
Embalagem e Expedição

Figura 4.6. Fluxograma básico do processamento de Secagem e Embalagem


carne-de-sol.
As mantas salgadas são dependuradas em varais,
sob a ação do sereno (principalmente) ou do sol, ou
Com a desossa, obtém-se 6 postas do quarto ainda na sombra, dependendo de cada região.
traseiro e 5 do dianteiro. Os cortes individuais são Do contrário que ocorre com o charque e o jerked
manteados na espessura de 3 a 4 cm, sendo feito cortes beef, a secagem da carne de sol normalmente não é
penetrantes a distância e profundidade variáveis realizada com etapas de estendimento e descanso, o
conforme a espessura da manta. Estas incisões são que impossibilita que ocorra fermentação.
realizadas para facilitar a penetração do sal no interior O tempo de secagem é geralmente rápido, mas
do músculo e a perda de umidade para o ambiente. pode variar de 2 horas a 5 dias dependendo da região.
Esta variação, naturalmente, resulta em produtos com
Salga e Lavagem
diferentes teores de umidade e vida útil.
Após a secagem, as mantas são dobradas sobre si
Invariavelmente a salga é feita com auxílio das
e embaladas em sacos de aniagem ou esteiras de
mãos, utilizando-se sal grosso e, ou, fino, moído ou
carnaúba. Entretanto, geralmente é comercializada na
intermediário, forçando-se com os dedos a sua
forma de mantas sem qualquer tipo de embalagem,
penetração nas reentrâncias. A porcentagem de sal
sendo exposta pendurada em feira livres, mercados
utilizada varia de região a região.
municipais, armazéns, casas de carne e açougue.
As peças sofrem, então, um processo de salga seca
ou salga mista, que podem resultar em produtos de Com posição Química
Composição
características químicas, sensoriais e microbiológicas e Aspectos Micr
Aspectos obiológicos
Microbiológicos
diferentes.
Na salga seca, as mantas são empilhadas no piso De acordo com os estudos de vários autores,
da sala de salga, formando pilhas de poucos diferentes resultados de análises químicas da carne
centímetros de altura, com a parte da gordura voltada de sol é reproduzida na Tabela 4.5.
para baixo, para que a salmoura exsudada (purga) Com uma atividade de água tão elevada, e sem
escoe naturalmente, sendo em alguns casos recolhida. sofrer a ação de nenhum outro método conservante a
Após 6 horas, o tombamento é feito invertendo-se a não ser o sal, adicionado em quantidades pequenas, a
pilha e também a posição da porção gordurosa (agora carne-de-sol torna-se um produto altamente
voltada para cima). deteriorável. Desta forma, o conceito de que se trata
No caso da salga mista, as mantas são colocadas de uma conserva semelhante ao charque, é bastante
em tanques, denominados salgadeiras, onde, à medida incoerente.

Tabela 4.5. Composição centesimal da carne de sol


Componente Nóbrega (1982) Vieira Neto (1982) Norman et al. (1983)
Umidade (%) 65,96 67,04 66,93
Proteína (%) 21,76 - -
Lipídios (%) 5,43 - -
Cinzas (%) 5,85 8,19 -
NaCl (%) 4,90 7,10 5,73
Atividade de água 0,96 - 0,83
76 L.A.M. Gomide & P.R. Fontes
Ao que tudo indica, este produto é na verdade CARVALHO JR., B.C. A Produção de Charque, Jerked
apenas semi-preservado pela salga e cuidados como Beef e Carne-de-sol. In: CARBAHIA: 1º Encontro de
refrigeração e embalagem adequada são Carne na Bahia. Palestras..., CD-ROM, 2002.
imprescindíveis. CARVALHO JR., B.C. The Ethnical Origin of the Main
Quando elaborado sob condições de higiene Meat Processed Products of Brazil. Brazilian Journal of
satisfatória, a carne-de-sol possui uma vida útil muito Food Technology, special issue (49th ICoMST), p.119-125,
pequena, de apenas 3 a 4 dias. O uso de embalagem a 2003.
vácuo e estocagem a 5ºC aumentam a vida-útil do FAYRDIN, A. Modernidade e Tecnologia Chegam à
produto em, pelo menos, 10 dias. Indústria do Charque. Revista Nacional da Carne. n.175,
Embora possua um consumo significativo no p.3-5. 1991.
nordeste, a carne-de-sol continua sendo produzida em FURTUNATO, D.M. Diferenças Tecnológicas entre Carne
condições higiênico-sanitárias insatisfatórias, muitas de Sol e o Charque. Revista Nacional da Carne. n.190,
vezes com carnes oriundas de abates clandestinos. p.34-35. 1992.
Trata-se, portanto, de um produto tipicamente
GIRARD, J.P. La Deshidratación. In: GIRARD, G.P.
artesanal que, na ausência de regulamentação oficial Tecnologia de la Carne y de los Produtos Cárnicos.
e de inspeção veterinária, peca pela absoluta falta de Zaragoza, Acribia, p.89-123. 1991.
higiene, não só no processamento mas também na
GUTHEIL, N.C. Considerações sôbre a ocorrência de
sua comercialização, podendo colocar em risco a
bácterias halófilas vermelhas na indústria do charque.
saúde dos consumidores.
Porto Alegre, Instituto Tecnológico do Rio Grande do Sul,
1956. 35p. (Boletim, 2).
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