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DESCRIÇÃO

A construção histórica da Psicologia, desde seus antecedentes


nos períodos da Antiguidade e Idade Medieval até suas
formulações modernas como uma ciência empírica e
experimental.

PROPÓSITO
Conhecer o desenvolvimento histórico da Psicologia e seus
assuntos e áreas afins é importante para compreender como esta
área do saber se consolidou na contemporaneidade, bem como
para discutir problemas atuais cuja origem se dá no início da
Psicologia organizada como ciência.

PREPARAÇÃO
Ter em mãos um bom dicionário de Psicologia ajudará a buscar
conceitos mais específicos. O APA Dictonary of
Psychology (dicionário virtual, em inglês), da American
Psychological Association, é um dos mais reconhecidos e
consultados, bem como o espanhol Diccionario de Psicología, de
Umberto Galimberti.

OBJETIVOS

Módulo 1
Definir antecedentes históricos longínquos da Psicologia como
área de conhecimento ampla e originalmente pensada como um
ramo da Filosofia
Módulo 2
Localizar nas discussões filosóficas da Europa, no período da
Idade Moderna, os temas do racionalismo e empirismo na
Filosofia, por meio do pensamento de Christian Wolff e Immanuel
Kant
Módulo 3
Esquematizar, na Psicofísica e Fisiologia Sensorial do século
XIX, os recursos teóricos e experimentais por meio dos trabalhos
de Johannes Müller, Hermann von Helmholtz, Ernst Weber e
Gustav Fechner
Módulo 4
Descrever o trabalho e o projeto de Psicologia de Wilhelm Wundt

INTRODUÇÃO
A Psicologia possui um longo passado, ainda
que sua real história seja curta.
(EBBINGHAUS, 1910, p. 3)

Assim inicia-se a famosa obra Psicologia: um compêndio


elementar, do alemão Hermann Ebbinghaus. Esta frase, com
mais de um século de existência, anima pesquisas e discussões
históricas no campo psicológico, e serve como um bom ponto de
partida para pensarmos como estudar a história da Psicologia,
tanto como um saber científico, teórico e experimental, como uma
prática profissional.

Neste estudo, veremos como a Psicologia, apesar de ter sua


fundação como ciência experimental apenas no final do século
XIX, possui antecedentes históricos que datam desde a Idade
Antiga. Isto significa dizer que, apesar de sua história ser traçada
em 150 anos de desenvolvimento de uma área de conhecimento
mais ou menos definida, podemos buscar na história uma série
de temas, problemas e conceitos que, de uma forma ou outra,
participaram ativamente ou indiretamente na constituição do
saber que chamamos de Psicologia hoje em dia.

A Psicologia, como a conhecemos, é um saber


eminentemente baseado em autores de países europeus.
Este estudo pretende apresentar as raízes da Psicologia na
cultura europeia, em especial na Antiguidade Grega Clássica,
Período Romano e Idade Medieval da Europa. Em seguida, do
século XVI ao século XVIII, discutiremos os autores que
animaram os debates na Filosofia e que culminaram na
formulação da Psicologia científico-experimental, que se organiza
no final do século XIX e dá vazão, no início do século XX, aos
diversos projetos e abordagens que conhecemos atualmente.

MÓDULO 1
Definir antecedentes históricos longínquos da Psicologia
como área de conhecimento ampla e originalmente pensada
como um ramo da Filosofia

Quando falamos de Idade Antiga no Ocidente, estamos nos referindo a um


período que vai de aproximadamente 4.000 a.C. (surgimento da escrita fenícia)
até 476 d.C. (queda do Império Romano). Isso significa um período de quase
cinco mil anos.

GRÉCIA ANTIGA
Neste tópico, vamos nos concentrar apenas na Grécia e Roma
Antiga. É possível, entretanto, buscar antecedentes em outras
regiões e períodos. Existem autores, por exemplo, que
interpretam artefatos como os “livros dos sonhos”, produzidos
pelo povo assírio entre o sexto e quinto milênio antes de Cristo,
como evidências de discursos ou narrativas sobre uma
interioridade (HOTHERSALL, 2006). Tais livros constituíam
tábuas de argila com descrições de sonhos e revelavam detalhes
da vida íntima de quem os escreveu. Porém tais relatos são
escassos se comparados à vasta bibliografia que possuímos
sobre nossos antecedentes gregos, romanos e medievais.

A Grécia Antiga é considerada o berço da civilização ocidental, e,


portanto, nela encontramos uma série de antecedentes históricos
da Psicologia. Não se trata de afirmar que tais conhecimentos
são similares à Psicologia tal qual a conhecemos hoje, mas trata-
se de mostrar como, neste berço da cultura ocidental, certos
temas e questões de interesse surgiram, por exemplo a noção de
alma ou a noção de temperamentos. A partir daí, concepções de
mundo, da natureza e do ser humano foram se desenvolvendo,
modificados em períodos posteriores, através dos séculos,
segundo contextos históricos específicos, e retomados por
autores contemporâneos.

Podemos falar de antecedentes gregos em três grandes frentes:


nas artes, pela poesia e pela tragédia; na Filosofia, pelas
discussões sobre o mundo e o homem; e na Medicina, pelo que
sabemos sobre as concepções de cura dos antigos médicos
gregos.

Poesia e tragédia
Clique nas figuras abaixo.

Poesia épica
Tratava de feitos dos grandes heróis em suas jornadas e dos
mitos fundantes da Grécia, dos deuses e seus caprichos, reflexos
de caprichos dos mortais (MASSIMI, 2016, p. 27-28).

Poesia lírica
Era assim chamada porque as declamações eram
acompanhadas ao som da lira (instrumento musical). Falava dos
sentimentos do homem e pregava uma vida a ser intensamente
vivida (MASSIMI, 2016, p. 27-28).

Nas tragédias, as famosas peças teatrais gregas retratavam o ser


humano numa dupla posição:

Por um lado, um ser de infinitas possibilidades, almejando a


grandeza.

Por outro lado, um ser mortal, definido pela finitude e fragilidade.

Nessa condição, surge muitas vezes o tema do adoecimento, em


que os personagens enlouqueciam e, fora de si, eram tomados
pela fúria que os levava a cometer atos impensáveis.

A tragédia Medeia, escrita por Eurípedes (480 a.C.-406 a.C.), é


um bom exemplo. Medeia é a personagem que dá o título à peça.
Resumidamente, num dado ponto, ela é traída por seu marido, o
herói Jasão, e é tomada por uma fúria homicida, revelando que
no ser humano há paixões que fogem ao controle racional
(MASSIMI, 2016).
Me
deia e Jasão, Girolamo Macchietti, entre 1570 e 1573.

Talvez a tragédia de maior importância para a Psicologia


seja Édipo Rei, que é parte de uma trilogia que inclui as
tragédias Antígona e Édipo em Colono. Escritas por Sófocles
(497/496 a.C.-406/405 a.C.), tratam da história de um homem,
Édipo, órfão adotado por um rei, que escuta do Oráculo de Delfos
uma profecia: “mataria seu pai e se casaria com sua mãe”. No
intuito de escapar deste trágico destino, Édipo toma ações e
cursos em sua vida, mas acaba por cumpri-lo, matando seu pai
(que encontrou como um andarilho numa estrada) e tomando o
trono de Tebas (casando-se com Jocasta, sua mãe). Édipo
termina seus dias vendo sua mãe e esposa tirar a própria vida e,
então, fura os próprios olhos.

Édipo e a esfinge,
1808, pintura de Jean Auguste Dominique Ingres.

O tema aqui é justamente “o conhecimento de si”, que Édipo


obteve ao consultar o Oráculo de Delfos. Na tentativa de fugir
desse conhecimento, acabou exatamente por causá-lo.
Atenção
É importante destacar que a clássica interpretação de Sigmund
Freud sobre esta tragédia jaz não em seu sentido e discussão
aqui apresentados, mas numa interpretação bastante peculiar à
teoria psicanalítica. Portanto, a trilogia de Sófocles tem dupla
importância para os psicólogos: pelo tema do autoconhecimento
e destino e por ter inspirado um dos mais importantes conceitos
da Psicanálise, o Complexo de Édipo.

Filosofia e conceito de “alma”


A palavra “Psicologia” é um neologismo que surge no século XVI
em universidades protestantes na Alemanha. Era utilizada pelos
teólogos para discutir o que seria uma sciencia de anima ou
ciência da alma (VIDAL, 2010). Daí a construção das palavras:

Psyché (alma)
Logia (tratado, estudo)
Se no século XVI teólogos discutiam a alma e suas faculdades, é
importante traçar como, na Grécia, este conceito já existia, a fim
de compreendermos como ele se transformou através dos
séculos. Para os gregos, “alma” tinha diferentes significados.
Assume-se que o termo psique unificava ao menos duas
concepções algo distintas entre si: de um lado, tratava-se de um
princípio vital do corpo; de outro, de um princípio separado e livre
(MASSIMI, 2016).

Portanto, a alma para os gregos era um princípio vital que estava


ligado ao corpo e à natureza. Era ao mesmo tempo um princípio
colocado no corpo pelos deuses, remetendo a uma alma imortal
que persistiria para além da morte.
Esta dualidade animaria debates entre diversos filósofos, alguns
dos mais importantes: Sócrates, Platão e Aristóteles. Cada um
discutindo o tema da alma em suas vastas obras e
acrescentando alguma nova contribuição.

• Sócrates (469 a.C.-399 a.C.)


Foi um dos principais filósofos da Grécia antiga. Mestre de
Platão, conhecemos suas ideias através dos registros feitos por
este discípulo. Nos diálogos de Platão, Sócrates aparece várias
vezes como personagem. A alma aparece em Sócrates como
“centro intelectual e moral do homem, com personalidade própria”
(MASSIMI, 2016, p. 51).

Para Sócrates, a Filosofia era uma forma de fazer as pessoas


buscarem o significado das coisas belas, justas e verdadeiras,
através de uma prática constante que poderia ser condensada na
noção de “conhecer a si mesmo”. Para “conhecer a si mesmo”,
era necessário aprender a ouvir uma “voz interior”, que seria de
origem divina, implantada pelos deuses nos homens. Sócrates,
portanto, tematizou na Filosofia a necessidade de ouvirmos a voz
da nossa consciência, abrindo caminho para que essa
interioridade fosse tematizada por seus principais discípulos,
Platão e Aristóteles.

• Platão (428/427 a.C.-348/347 a.C.)


Foi o autor de muitos textos que conhecemos sobre Sócrates, e
ele mesmo escrevia em forma de diálogos suas ideias. Suas
concepções sobre a alma aparecem em diálogos
como Alcibíades Maior, Fédon, República e Timeu, em todos eles
diferentes concepções da alma foram progressivamente
discutidas. Em nosso estudo, focaremos apenas em Timeu, por
apresentar a noção da tripartição da alma (MASSIMI, 2016).
Para o filósofo, a alma humana tinha ligações com as partes do
corpo e, portanto, três grandes partes:

Clique nas informações a seguir.

A cabeça

O peito

A parte inferior do ventre

Essa tripartição tem reflexo em nossas concepções modernas de


que a cabeça é a “razão” e, no corpo, está a “emoção” —
localizada no peito, onde normalmente nos remetemos quando
tratamos de ações emocionadas.

• Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.)


Foi um dos filósofos mais importantes da Grécia Antiga e
incorporado em tradições teológicas até a Idade Média. Sobre a
alma, continuou a discussão de seu mestre Platão, mas
introduzindo uma diferença: para ele, havia três aspectos da
alma, mas organizados de forma distinta. O filósofo estabelece
que não apenas os humanos têm alma, mas todos os seres
vivos. Porém, com uma classificação (MASSIMI, 2016):

Plantas: alma vegetativa (responsável pela nutrição e


reprodução).
Animais: alma vegetativa e sensitiva (responsável pela
sensibilidade e a locomoção).

Humanos: se diferem por terem uma alma com um terceiro


aspecto, o racional, o aspecto do pensamento.

As noções de Aristóteles impactam não apenas concepções


modernas de Psicologia (ao assumir a racionalidade do homem
como sendo peculiar a ele), mas também como esta noção
organiza os seres vivos: quando olhamos para um cão, por
exemplo, e dizemos que ele não é um animal racional, estamos
nos remetendo, de uma forma ou outra, a esta concepção de
alma que vem desde Aristóteles.

Medicina na Grécia Antiga


A questão da Medicina é importante ser retomada porque nos
traz uma concepção não apenas de Saúde, tema adjacente à
prática do psicólogo em quase todas as suas funções
profissionais, como também pela noção de uma “personalidade”,
que pode ser remetida à noção de temperamento.

Devemos a Hipócrates (460 a.C. – 377 a.C.) a noção de que o


corpo humano possui quatro humores básicos: a bílis negra, a
bílis amarela, o sangue e a fleuma (fluidos relacionados ao baço,
fígado, coração e sistema respiratório, respectivamente). Tais
humores são os correspondentes dos elementos da natureza
(terra, fogo, água e ar), e o desequilíbrio e desarmonia entre eles
é o que levaria às enfermidades.
Tal arranjo dos humores seria também responsável pelos
temperamentos (HOTHERSALL, 2006):
Excesso de bílis negra (terra)
Mau humor, ser rabugento e melancólico.

Excesso de bílis amarela (fogo)


Ser irritadiço, irascível e maníaco.
Excesso de sangue (água)
Ser alegre, otimista e feliz.

Excesso de fleuma (ar)


Eram apáticos, tristes e preguiçosos.

Vemos como teorias da personalidade moderna herdam a forma


de classificar os tipos da teoria humoral de Hipócrates, e
observamos como certos adjetivos que caíram de desuso, como
fleumático (frieza de ânimo, impassível) e bilioso (furioso,
colérico) remontam a esta teoria.

ROMA ANTIGA E CRISTIANISMO


PRIMITIVO
Embora representasse uma civilização diferente da
grega, Roma (de 753 a.C. até sua queda em 476 d. C.) acabou
por incorporar muitas das questões filosóficas dos gregos,
levando adiante discussões e problemas que entrariam na Idade
Medieval, tanto pela Filosofia como pela Teologia, através dos
santos católicos.

Psiquê e Eros, Jacques-Louis David, 1817.


Alguns exemplos dessa continuidade estão nos mitos gregos. O
de Eros e Psiqué, contado pelo romano Apuleio (125-170), relata
a história da mortal Psiqué, que se apaixona por Eros, o deus do
Amor, e posteriormente se torna imortal como deusa que
personifica a alma. Temos, então, uma história referenciando a
mitologia grega, porém escrita por um cidadão romano.
Outro exemplo se encontra em Claudio Galeno (129-217), médico
que retoma algumas ideias de Hipócrates. Especialmente, para
Galeno, o clima e a alimentação eram cruciais no
desenvolvimento do temperamento humano; chegou a
desenvolver uma tipologia própria dos temperamentos, dividindo-
os (MASSIMI, 2016) em: sanguíneos, coléricos, melancólicos
e fleumáticos. A influência de Hipócrates em Galeno é clara,
reforçando a continuidade de temas que sofreram contribuições
específicas no contexto da época.

Um exemplo de antecedentes da Psicologia no período romano,


no final da Idade Antiga, está na Teologia, conforme era discutida
por autores como Santo Agostinho (354-430). Conhecido como
Agostinho de Hipona, por residir na província de mesmo nome
governada pelos romanos e localizada na costa norte do
Continente Africano (região que hoje corresponde a Argélia),
Santo Agostinho fez parte da Escola Patrística, perto do fim do
período cristão primitivo.
Santo Agostinho é notório por sua interlocução com Platão,
porém desenvolve um pensamento original que discute diversos
temas (PENNA, 1991). Aqui vamos apontar brevemente apenas o
tema da memória, que possui interesse particular por ter partido
de uma discussão Metafísica e teológica e ter chegado a
conclusões próximas de algumas teorias modernas.

Especialmente, Santo Agostinho discute como o homem é um


“escravo da memória”, por esta ser uma faculdade da alma que é
ativa e que, em muitos momentos, domina o homem com
reminiscências que ele não controla. Em alguns sentidos, tal
noção é interpretada como uma espécie de antecipação de temas
que seriam discutidos por Sigmund Freud, em sua teoria
psicanalítica (CONKE, 2014). Santo Agostinho faz uma série de
descrições do funcionamento da memória em diversos escritos,
discutindo como essa faculdade da alma é essencial para
construir a noção do tempo no homem.

IDADE MEDIEVAL
Para finalizar nossa discussão sobre antecedentes históricos da
Psicologia, trataremos brevemente da Idade Medieval (de 476 a
1453), um período de mil anos que é até hoje discutido em
profundidade. Se outrora a Idade Medieval foi acusada de ser
uma “Idade das Trevas”, com pouco ou nenhum avanço no
conhecimento ou na ciência, hoje sabemos que tal concepção é
um erro (LE GOFF, 2014): não apenas nesse período
encontramos inúmeros avanços tecnológicos e culturais (como o
arado para agricultura, multiplicação dos moinhos para produção
de farinha e pão, o uso cada vez maior de ferro como material, o
surgimento das Universidades etc.), como observamos que tais
avanços são, muitas vezes, as origens do desenvolvimento social
europeu que se atribuiu, em larga escala, ao Renascimento
(meados do século XIV ao fim do século XVI).

Vamos falar de um pensador que revela tanto o ambiente


intelectual europeu medieval como a continuidade da discussão
da Filosofia grega clássica através da Teologia, inspirando
filósofos da Era Moderna: ele é São Tomás de Aquino (1225-
1274). Responsável por operar uma conciliação entre as
Escrituras Sagradas cristãs e a Filosofia grega, especialmente
em Aristóteles, este santo funda não apenas uma tradição na
Filosofia — conhecida como tomismo, que colocava a Metafísica
a serviço da Teologia —, como se apresenta como um dos
principais representantes da Escolástica, tradição que sucede a
Patrística e que segue a conciliação com os ensinamentos das
Escrituras com a Filosofia Clássica dos gregos, focando não
apenas em Aristóteles. Tal conciliação visava construir a partir da
cosmovisão dos filósofos gregos um entendimento que se
adequasse ao cânone da fé cristã católica.
São
Tomás de Aquino, Gentile da Fabriano, 1400.

São Tomás de Aquino é de grande importância para a Psicologia


por retomar Aristóteles, que, como vimos, propõe uma divisão da
alma em vegetativa, sensitiva e racional. Entretanto, ao retomar o
filósofo grego à luz da teologia e do contexto cristão, opera uma
releitura que atualiza o conhecimento da Filosofia grega clássica
e o transmite (especialmente a noção de pessoa e de alma) para
todo o Ocidente cristão (MASSIMI, 2016).
No próximo módulo, veremos como essa discussão anima o
debate filosófico na Europa, que culmina na organização da
Psicologia como área de estudos da Filosofia.

Vamos, agora, aprofundar um pouco mais como a herança da


História Antiga e Medieval pode ainda estar presente na
Psicologia.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. O estudo dos antecedentes históricos da Psicologia


envolve visitar contextos históricos tão longínquos
quanto a Idade Antiga, que vai de 4.000 a. C. até 476 d.
C. Nesse período, encontram-se antecedentes diversos
de especial importância para a Psicologia. Podemos
dizer que o estudo desses antecedentes na Antiguidade
é válido para a história da Psicologia porque eles:

Representam as únicas raízes possíveis da Psicologia Moderna.

Estabeleceram as bases da Psicologia Experimental do século


XX.

Apresentam temas e questões que surgem e são ressignificados


nos séculos seguintes.

Definiram os conceitos e técnicas psicológicas utilizados até os


dias de hoje.

Esquematizaram os problemas de Filosofia específicos do século


XIX.
Responder

Comentário

2. Alguns autores gregos permaneceram como


referência no fim da Idade Antiga e durante a Idade
Medieval, que se deu do século V até o século XV.
Aristóteles e Platão são exemplos de filósofos gregos
que permaneceram estudados até o fim da Idade Média
entre padres e teólogos cristãos. Podemos afirmar que
esses padres e teólogos retomaram os filósofos gregos
porque:

Sua visão de mundo era equivocada e precisava ser corrigida


pela Igreja.

Suas poesias e tragédias gregas eram de interesse artístico e


cultural.

Tais filósofos deixaram discípulos que levaram adiante seus


escritos.

A Igreja Católica queria manter o controle sobre as ideias que


circulavam na Europa.

Era de interesse da Teologia a conciliação entre os saberes


clássicos gregos e a fé cristã.
Responder

Comentário
MÓDULO 2
Localizar nas discussões filosóficas da Europa, no período
da Idade Moderna, os temas do racionalismo e empirismo na
Filosofia, por meio do pensamento de Christian Wolff e
Immanuel Kant

IDADE MODERNA
Com o término da Idade Medieval, após a queda de
Constantinopla, conquistada pelo Império Turco-Otomano no ano
de 1453, inicia-se o período que os historiadores chamam de
Idade Moderna, que durará então do final do século XV até o
século XVIII. Nesse período, ocorre na Filosofia um longo debate
que culminará na proposta de Psicologia criada pelo filósofo
alemão Christian Wolff que, por sua vez, sofrerá forte crítica de
outro grande filósofo alemão, Immanuel Kant.
O
cerco de Constantinopla (miniatura), Jean Le Tavernier, 1455.

Esse debate entre o Racionalismo e o Empirismo manifestam-


se, no trabalho de Wolff, nas propostas de uma Psicologia
Racional e uma Psicologia Empírica, ambas com questões e
problemas distintos. As críticas que Kant fará a essas propostas
serão conhecidas como vetos kantianos e se tornarão cruciais
para que, ao longo do século XIX, uma série de pressupostos da
Fisiologia Sensorial seja adaptada para resolver o problema da
cientificidade da Psicologia, proposto por Kant e resolvido pelos
psicofisiologistas, assunto do terceiro módulo.

RACIONALISMO E EMPIRISMO
Pode se dizer que durante a Idade Moderna, instalou-se na
Filosofia, especialmente no ramo chamado de epistemologia, a
discussão entre o Racionalismo e o Empirismo. Veja a diferença
entre ambos a seguir (PENNA, 1991):

Racionalismo
Se posiciona epistemologicamente como uma abordagem que
prioriza o conhecimento adquirido pelo sujeito através do
intelecto, em detrimento das experiências ou das sensações. Um
argumento racionalista comum diz que os sentidos enganam
nossa percepção da realidade, que apenas através da dedução
lógica podemos assumir certas verdades sobre o mundo.

Empirismo
Se posiciona epistemologicamente como uma abordagem que
prioriza a obtenção do conhecimento sensível pela experiência,
ao contrário daquele obtido por deduções puramente lógicas. Um
argumento empirista comum é o de que na experiência se tira a
prova de diversas teorias sobre o funcionamento da natureza, em
detrimento de puras especulações sem base na realidade
sensível.

Podemos observar como a ciência moderna se fundamenta numa


espécie de síntese entre as duas posições:
Já o racionalismo muitas vezes inspira uma explicação para
várias medidas e experiências difusas das ciências aplicadas,
que podem ser sintetizadas por uma matematização específica
dos resultados experimentais obtidos, resultando em leis.

De um lado, o empirismo inspira o viés experimental da ciência


moderna, que tira a prova de hipóteses através de cuidadosos
experimentos, apontando como os fenômenos da natureza se
comportam em diferentes situações.
Veremos, em seguida, alguns filósofos modernos tomados como
exemplos de cada uma das duas abordagens. É importante
destacar que evidentemente existem muitos outros autores,
porém, fica a critério da curiosidade do leitor buscar mais
referências que ampliem sua visão sobre esse vastíssimo tema
na Filosofia e sua relação específica com a história da Psicologia.
Racionalismo
René Descartes (1596-1650) não é apenas um dos maiores
nomes do racionalismo na Filosofia, como também é considerado
um dos principais expoentes da Filosofia moderna. Em muitos
trabalhos, como o Discurso do Método e Meditações Metafísicas,
Descartes propõe que a razão humana deve ser a principal fonte
de obtenção de conhecimento, pois apenas dela podem surgir
conhecimentos tidos como válidos. Um exemplo dessa
proposição aplicada na prática é a origem da famosa
frase Cogito, Ergo Sum, que se traduziria para “Penso, Logo
Existo”. A raiz dessa afirmação está na chamada dúvida
metódica.
Retr
ato de René Descartes, Frans Hals, entre 1649-1700.

Descartes isolou-se da sociedade e, num quarto fechado, ao


longo de vários dias, começou a propor dúvidas sobre todos os
conhecimentos que havia previamente obtido, pretendendo reter
apenas os conhecimentos e as ideias dos quais não pudesse
duvidar. Ao chegar num ponto onde duvidava de tudo, percebeu
que só tinha certeza de uma coisa: de que estava duvidando.
Daí, surge o cogito cartesiano: podia duvidar de tudo, menos
de que duvidava e que, portanto, pensava. Para Descartes, o
pensamento humano é a base da Filosofia, pois nele se pode
confiar com certeza (MASSIMI, 2016).
Daí que a razão é o que orienta o racionalista: ao pensar
logicamente, produz conhecimento claro sobre o mundo. Ao não
se deixar levar pelas sensações, que habitualmente são
enganosas, o racionalista pode acessar conhecimentos que são
verdadeiros. Entretanto, não se trata apenas de um pensamento
sem regras, mas direcionado. Para Descartes, havia uma série
de regras para produzir conhecimento verdadeiro e confiável:

 Tratar apenas do que é evidente;


 Dividir problemas em partes para buscar sua solução;
 Ordenar o pensamento do mais simples ao mais complexo;
 Controlar o percurso desse pensamento.

Não é à toa que, para Descartes, um dos meios mais confiáveis


de obtenção de conhecimento era a Matemática, área à qual fez
importantes contribuições (MASSIMI, 2016, p. 335). O plano
cartesiano, utilizado pela Geometria Analítica para dispor pontos
em um eixo x e um eixo y, foi inventado por Descartes. Também
no cálculo infinitesimal fez contribuições, além de várias
notações matemáticas suas serem até hoje amplamente
utilizadas.
Baruch Spinoza (1632-1677) foi, em grande parte, inspirado por
Descartes. Uma das maiores contribuições de Spinoza para a
Filosofia é a distinção que opera, em parte de sua obra, entre
dois tipos de conhecimento (PENNA, 1991, p. 85):

Clique nas informações a seguir.

O conhecimento sensível

O conhecimento obtido pela razão


Retr
ato de Baruch Espinoza, anonymous, aproximadamente 1665.

Vemos em Spinoza o exemplo de um autor que apela para um


argumento tipicamente racionalista: os sentidos podem nos
enganar, mas a razão é perfeitamente confiável. Sintetiza o
mundo sensível e permite que organizemos as coisas nas
relações estabelecidas entre elas.

Empirismo
Um dos grandes expoentes do empirismo na Filosofia foi John
Locke (1632-1704). Para ele, a mente humana se constituía de
elementos básicos que seriam as ideias, e estas, por sua vez,
seriam formadas através da experiência humana. Locke utiliza-se
da clássica noção de que o ser humano é como uma folha em
branco, ou uma tabula rasa, que se preenche ao longo da vida.
Tal preenchimento se dá tanto pelas sensações que adquirimos
pela experiência quanto pela reflexão, operação interna da
mente.

Retr
ato de John Locke, Sir Godfrey Knelle, 1697.
Um exemplo das ideias de Locke pode ser encontrado na troca
de cartas que teve com um amigo, fato apresentado em seu
livro Ensaio sobre o entendimento humano.

Exemplo
Trata-se do caso em que um homem, que havia nascido cego,
subitamente recupera sua visão. Porém, um fato curioso
aconteceu: o homem, que ainda cego era capaz de diferir um
cubo de uma esfera pelo tato, após voltar a enxergar, era incapaz
de distingui-los apenas pela observação. Poderia raciocinar e
deduzir matematicamente as propriedades de um cubo ou da
esfera, mas ainda não os reconheceria visualmente.
Como essa questão seria explicada? A explicação vem do
Empirismo de Locke: apesar de voltar a enxergar, o homem em
questão nunca tinha experimentado um cubo ou uma esfera
visualmente, apenas de modo tátil. Para distingui-los com a visão,
teria que experimentar esses objetos visualmente, adquirindo
essas sensações específicas (HOTHERSALL, 2006).

Outro filósofo muito importante para o empirismo foi David


Hume (1711-1776). Ele foi um empirista de uma vertente
chamada associacionismo. Sua preocupação era, assim como
Locke, com a análise de experiências e como estas se tornam
sensações que se tornam ideias. Porém, Hume estava
preocupado também em formalizar leis que explicassem como as
sensações se associavam.
Retr
ato de David Hume, Allan Ramsay, 1766.

Para Hume, havia uma distinção entre ideias e impressões: as


primeiras seriam cópias “fracas” da segunda; e as
impressões surgiriam das sensações. Ideias e impressões,
quando ocorrem juntas, tendem a se associar, daí sua filiação a
um empirismo associacionista. Dessa forma, Hume argumenta
que nossa mente associa impressões a ideias e que tais ideias,
quando simples, associam-se umas com as outras para formar
ideias mais complexas, o que explicaria os conteúdos mais
elaborados do pensamento a partir de impressões sensíveis —
ou seja, da experiência. Não seria, entretanto, uma associação
fortuita. Hume descreve três princípios ou leis de associação
(HOTHERSALL, 2006, p. 59):

Associações de ideias por semelhança


Contiguidade (espacial ou temporal)
Relações de causa e efeito
Vemos assim como o Empirismo distancia-se do Racionalismo,
quando presume como o ser humano conhece e como pode
conhecer de maneira confiável a realidade.

CHRISTIAN WOLFF E IMMANUEL


KANT
Tendo em mente a distinção entre racionalismo e empirismo,
podemos então discutir uma das formulações mais complexas da
Psicologia no século XVIII.

Trata-se do sistema filosófico de Christian Wolff (1679-1754)


que, naquele século, foi o autor que ajudou a delinear a
Psicologia com status de uma disciplina da Filosofia. O complexo
sistema filosófico de Wolff visava garantir a essa área uma
certeza da qual gozavam os conhecimentos que dispunham da
Matemática. Para Wolff, os ramos da Filosofia deveriam ser a
Lógica, a Metafísica, a Filosofia Prática, a Física, a Filosofia das
Artes (nesse sentido, tratava-se da Tecnologia, Artes Liberais e
Medicina) e a Filosofia da Jurisprudência.
Chri
stian Wolff, Johann Bernigeroth, 1755.

A Metafísica, em ordem de dependência, estudava (VIDAL,


2010):

Ontologia
Cosmologia Geral
Psicologia Empírica
Psicologia Racional
Teologia Natural
Aqui, do vastíssimo e elaborado sistema filosófico de Christian
Wolff, interessa-nos destacar como a Psicologia tornou-se um
tema circunscrito na Filosofia como área de conhecimento, e será
a partir daqui que podemos começar a discutir um projeto de
Psicologia que poderia futuramente estar próximo de se separar
da Filosofia.

No sistema de Wolff, a Psicologia Empírica seria


um estudo da vida interior da alma excluindo as
relações fisiológicas e corporais.
O interesse seria o estudo das faculdades da alma (a percepção,
os sentidos, a imaginação, a memória, a atenção etc.). Trata-se
de entender como a alma humana capta o mundo e organiza as
percepções e ideias, observando como nossas faculdades
trabalham a posteriori, ou seja, após tais percepções do mundo
se formarem em nossa alma.

Já a Psicologia Racional define a alma humana


como o próprio poder de representação do universo,
e estuda essa alma como ente ou essência a priori.
Ou seja, que antes define por princípio as faculdades estudadas
na Psicologia Empírica. Colocando em outras palavras, se a
Psicologia Empírica se preocupa com as faculdades da alma,
capazes de organizar o mundo ao nosso redor, a Psicologia
Racional se preocupa em justificar e explicar a própria existência
dessa alma que, por sua vez, possibilita a existência de tais
faculdades em primeiro lugar. Para Wolff, a Psicologia Racional
não produzia conhecimentos empíricos, mas revelava aspectos
da alma para além do que permitia a observação, método próprio
da Psicologia Empírica (VIDAL, 2010).

Atenção
Observa-se como o debate entre Racionalismo e Empirismo se
configura no sistema de Wolff: uma Psicologia deduz
racionalmente como a alma funciona e outra Psicologia estuda
como essa alma possui faculdades específicas que percebem e
compreendem o mundo.
Esse sistema foi duramente criticado por Immanuel Kant (1724-
1804), contemporâneo de Wolff e que é considerado um dos mais
importantes filósofos não apenas do período, mas também para a
epistemologia. Kant estabelece em seu livro Crítica da razão
pura que certos conhecimentos não podem ser ciências
legítimas, uma vez que são incapazes de produzir uma evidência
demonstrativa. Tais conhecimentos recaem numa Metafísica, um
tipo de conhecimento que pode alegar várias coisas
racionalmente, mas sem fornecer objeto ou evidência empírica de
sua validade. Seria preciso operar uma síntese entre uma certa
racionalidade especulativa e um certo empirismo demonstrável
para atingir o status de cientificidade.
Portanto, ao analisar a Psicologia Racional e a Psicologia
Empírica de Wolff, o veredito é claro: não se pode fazer ciência
partindo da Psicologia Racional, dado que, sendo seu objeto
a alma, incorreria fatalmente num discurso puramente
metafísico, sem viés empírico que demonstre sua validade.
Porém, a Psicologia Empírica tinha possibilidade de ser uma
ciência, mas apenas se formalizasse seu corpo de conhecimento.
Em seu livro Princípios metafísicos da ciência da natureza, Kant
argumenta que, para se tornar ciência, a Psicologia Empírica
deveria (FERREIRA, 2010, p. 85):

Descobrir um objeto preciso, assim como a Química tinha como


objeto de estudo o elemento, sobre o qual realizava análises e
sínteses.

Estudar tal objeto de modo objetivo, dado que no caso da alma,


observador (humano) e observado (alma) se confundem nesse
processo, necessitando de uma separação entre objeto e
observador.

Produzir uma matematização sobre de tal objeto, matematização


essa mais complexa que a geometria de uma linha reta.

Aqui reside justamente o problema que levará a Psicologia a


organizar-se como ciência experimental. O século XIX será
marcado pela busca na Fisiologia Sensorial de ferramentas
para a superação desses vetos estabelecidos por Kant. E
uma vez que esses vetos sejam formalmente superados,
podemos falar finalmente de uma Psicologia que é científica e,
pela primeira vez, separada da Filosofia, existindo como campo
próprio de atuação e com problemas particulares, regidos pelos
ditames da ciência experimental.

Pela importância para a Psicologia, vamos entender um pouco


mais o embate de ideias entre Wolff e Kant.

VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. A Idade Moderna apresenta um grande debate na
Filosofia, especificamente entre o racionalismo e o
empirismo. Esse debate se revela importante para a
Psicologia porque:

O racionalismo é a vertente que, por fim, a Psicologia aderiu


inteiramente.

O empirismo deu origem ao método experimental, suplantando o


racionalismo.

Ambos foram substituídos pelo associacionismo, que resolveu os


problemas de cada posição.

Culmina na inspiração de um projeto de Psicologia Filosófica.

Demonstrou como essa área de conhecimento poderia ser


independente.
Responder

Comentário

2. No século XVIII, Christian Wolff recebe críticas de


Immanuel Kant com relação às Psicologias racional e
empírica que faziam parte da Metafísica de seu vasto
sistema filosófico. Assinale a alternativa que melhor
justifique as críticas de Kant:
Kant criticou a Psicologia Empírica por esta não apresentar lógica
consistente.

Kant criticou a Psicologia Racional por esta não ser


matematizável.

Kant criticou a Psicologia Empírica por não ter a alma como


objeto.

Kant criticou as duas Psicologias por serem impossíveis de


estudo científico.

Kant criticou a Psicologia Racional por esta ser demasiado


matematizada.
Responder

Comentário

MÓDULO 3
Esquematizar, na Psicofísica e Fisiologia Sensorial do século
XIX, os recursos teóricos e experimentais por meio dos
trabalhos de Johannes Müller, Hermann von Helmholtz, Ernst
Weber e Gustav Fechner

PSICOFISIOLOGISTAS
Neste módulo, discutiremos a busca da Psicologia para superar
os vetos que Immanuel Kant estabeleceu. Observaremos como,
no século XIX, diferentes teorias e modelos serão incorporados
no intuito de dar ao conhecimento psicológico uma organização
científica, com objeto e método definidos e uma formalização
matemática típica das Ciências Naturais.

Apresentaremos, em seguida, quatro autores: Johannes Müller,


Hermann von Helmholtz, Ernst Weber e Gustav Fechner.
Johannes Müller (1801-1858)
Johannes Müller foi um dos mais importantes fisiólogos alemães
da primeira metade do século XIX. Suas pesquisas envolviam as
funções do sistema nervoso, sensorial, endócrino e reprodutivo.
Seu trabalho tornou-se relevante para a Psicologia, pois ele
estabeleceu a Teoria das Energias Nervosas Específicas. Tal
teoria propunha que os órgãos sensoriais, não obstante o tipo de
estimulação externa que pudessem receber, sempre produziriam
sensações internas específicas, ligadas ao órgão em questão. O
olho, por exemplo, ao ser estimulado, teria seus nervos óticos
sempre produzindo imagens luminosas.
O importante desta teoria é a noção de que uma sensação
interna seria correlata a um estímulo externo. Dessa forma, tal
sensação poderia ser causada via cuidadosa experimentação e,
dessa forma, estudada. A sensação também resolve o primeiro
veto kantiano discutido no módulo anterior, já que substituiria a
alma como objeto da Psicologia Científica, além de unir:

O mundo físico externo (através dos estímulos)


O mundo fisiológico (por serem os nervos a traduzir os estímulos
em sensações)

O mundo psicológico (dado que as sensações se associavam na


consciência)

A sensação ainda teria a vantagem de ser um elemento mais


preciso e circunscrito do que as ideias e impressões que filósofos
empiristas acreditavam estar na base da associação de ideias
(FERREIRA, 2010). Vemos então que na Fisiologia Sensorial
surge a primeira possibilidade de superação dos vetos kantianos,
tendo a possível futura Psicologia um objeto definido: a
sensação.

Hermann Von Helmholtz (1821-1894)


Hermann von Helmholtz foi um médico, físico e matemático
alemão orientado por Johannes Müller. Entre várias contribuições
na Fisiologia, Física e até Filosofia, Helmholtz ficou conhecido por
desenvolver uma teoria sobre a formação das representações
psicológicas, que ele chamava de apercepções. Essa teoria foi
crucial para o desenvolvimento de um novo método de estudo e
análise das sensações. Tratava-se da introspecção
experimental, que era baseada na noção de inferências
inconscientes.
Para explicar a teoria de Helmholtz, voltemos a Christian Wolff e
sua Psicologia Empírica. Quando Wolff falava que seu objetivo
era observar as faculdades da alma e analisar a formação de
suas sensações e ideias a posteriori, o termo “observação” aqui
não se tratava de uma observação de algo no mundo “lá fora”,
mas sim do “mundo interno” do filósofo. Em outras palavras,
tratava-se de um estudo baseado na introspecção, um olhar para
dentro, em busca de compreender esses processos internos das
faculdades da alma. A essa forma específica, chamaremos
de introspecção filosófica.

É aqui que o trabalho de Helmholtz começa a fazer sentido. Uma


vez que se pretende analisar a formação das sensações, no
sentido proposto por Müller e não da Filosofia, sabemos que
essas não são puramente assimiladas pela nossa consciência.

Exemplo
Ao recebermos um estímulo externo vindo de uma fonte
conhecida, a sensação que se forma em nossa consciência é
imediatamente associada à experiência passada vinculada
àquele estímulo, dado que numa longa vida recebemos inúmeras
vezes tal estimulação.
Essa vinculação de uma sensação a uma
experiência passada Helmholtz nomeia
de inferência inconsciente.
Exemplo
Então, por exemplo, tomemos o estímulo luminoso de uma
lâmpada: após nosso sistema nervoso processar tal estímulo e a
sensação de luminosidade aparecer em nossa consciência, de
imediato associaremos, via uma inferência inconsciente, aquela
sensação à uma lâmpada.

Porém, se o estudo da sensação visava ser o estudo de um


elemento em seu estado puro, tais experiências passadas
associadas por inferências inconscientes seriam um obstáculo.
Logo, Helmholtz propunha um método de observação e estudo
dessas sensações que visava tirar a influência de tais inferências.
Tal método só poderia ser ensinado a quem fosse versado e
treinado na fisiologia sensorial necessária para reconhecer o erro
do estímulo, ou seja, confundir o estímulo externo e sua
correlata sensação com uma experiência passada
inconscientemente a ela atrelada. O treinamento envolvia uma
introspecção, que é diferente da introspecção filosófica:
Helmholtz o nomeia de introspecção experimental, portanto,
uma metodologia que facilitaria tanto depurar as sensações em
seu estado mais bruto como também eliminar a confusão sujeito-
objeto denunciada por Kant (FERREIRA, 2010). Observamos
aqui a superação de mais um dos três vetos kantianos.

Ernst Weber (1795-1878)


Ernst Weber foi um fisiólogo e anatomista alemão que lecionou
na Universidade de Leipzig. Suas pesquisas em fisiologia
focaram-se em sensibilidade tátil e audição. É, porém, no estudo
da sensibilidade tátil que encontraremos um caminho para a
superação do terceiro e último veto kantiano. Weber ficou
conhecido por postular o que chamou de Lei das Diferenças
Apenas Percebidas, que chamaremos aqui de DAP. Esta lei é
considerada não apenas uma das bases da Psicologia
Experimental, como também uma das primeiras formulações
matemáticas de interesse crucial para a Psicologia.
As DAP são uma relação de proporcionalidade entre as
diferenças apenas percebidas, cuja fórmula se expressa como:

��� = (�� – ��)/��
Ea e Eb são os estímulos a serem comparados. Assumindo, por
exemplo, que dois pesos, um de 1kg e outro de 2kg, sejam
comparados, é fácil notar a diferença entre eles. Há 1kg de
diferença e este se torna perceptível facilmente. Entretanto, se
assumirmos a diferença entre um peso de 21kg e um peso de 20
kg, empiricamente se torna uma diferença quase imperceptível:
não se nota a diferença entre esses dois pesos como se nota no
primeiro exemplo. Por mais que seja conhecida a diferença
entre estímulos (novamente, 1kg), a sensação dessa
diferença não ocorre.

Atenção
É importante observar que o valor absoluto da diferença é o
mesmo nos dois casos (1kg), mas dada a magnitude de
estímulos do segundo caso, 1kg torna-se imperceptível,
mostrando que a diferença relativa, que de fato é percebida,
depende da relação da diferença com os valores absolutos
(FERREIRA, 2010).
Em outras palavras, quanto maior é a magnitude dos
estímulos, mais difícil é notar pequenas diferenças
entre eles.
Torna-se necessária uma diferença cada vez maior para que esta
seja notada. Assumindo um terceiro cenário, se fossem
comparados pesos de 25kg e 20kg, por exemplo, tal diferença
seria sim percebida.

Porém, como esta fórmula ajuda a Psicologia a superar os vetos


kantianos? Apesar de Weber ter feito significativa contribuição
para a psicofísica com essa fórmula, foi sua subsequente
apropriação por Gustav Fechner que possibilitou a superação do
terceiro veto kantiano, como veremos a seguir.

Gustav Fechner (1801-1887)


Gustav Fechner foi um matemático, filósofo e físico alemão
principal responsável pela superação completa das críticas de
Kant à possibilidade de a Psicologia tornar-se científica. Dono de
uma vasta obra filosófica e fisiológica, Fechner viu nas DAP de
Weber a possibilidade de adaptar tal formulação de modo que se
calculasse não as diferenças apenas percebidas, mas as próprias
sensações internas. Vejamos seu raciocínio.
A fórmula de Fechner complexifica a fórmula das DAP. Em
primeiro lugar, substitui a noção de DAP pela própria noção de
Sensação, notada com um S na fórmula. Tal S seria igual a uma
constante k multiplicada pelo logaritmo do limiar de percepção do
estímulo, notado como LogR. A nova fórmula ficaria:
� = �.����
E seria conhecida a partir desse ponto como Lei de Weber-
Fecher (FERREIRA, 2010, p. 88-89).

Não nos importa aqui compreender exatamente a aplicação


matemática de tal fórmula, mas sim compreender o que ela
possibilitou. Podemos observar que de um lado da equação estão
as sensações, que se encontram na consciência. Já do outro
lado da fórmula, residem os estímulos, que fazem parte do
mundo físico externo à consciência. A principal contribuição de
Fechner, portanto, foi equacionar matematicamente o mundo
externo a uma medida objetiva do mundo interno. Em outras
palavras, Fechner conseguiu realizar a matematização que Kant
havia imposto como condição para que a Psicologia tornasse um
saber de fato científico.

A importância dessa fórmula não pode ser subestimada. Alguns


historiadores da Psicologia marcam-na como o início do campo
da Psicologia Experimental, e até mesmo com uma data
específica:

(...) foi no dia 22 de outubro de 1850, enquanto


estava deitado em sua cama pensando neste
problema [relação entre mente e matéria], que os
contornos da solução do problema vieram a ele.
(BORING, 1957, p. 280)

Trata-se de um evento não apenas importante para a Psicologia,


mas crucial para a compreensão de como a Psicologia
atualmente se fundamenta: teve de angariar fontes e
evidências empíricas para, finalmente, entrar no salão das
Ciências Experimentais.

Chegou o momento de entendermos um pouco melhor as


fórmulas de Ernest Weber e Gustav Fechner.

A IMPORTÂNCIA DOS
PSICOFISIOLOGISTAS
A maior contribuição dos psicofisiologistas para a Psicologia do
século XIX foi a superação dos vetos kantianos, conforme
abordamos. Entretanto, há uma segunda contribuição importante
a ser discutida, que é a de possibilitarem que os problemas
filosóficos do século anterior fossem mesclados com os métodos
da fisiologia sensorial. Mais do que apenas fornecerem respostas
àqueles vetos impostos por Kant, os trabalhos dos autores que
discutimos aqui permitiram que toda a problemática filosófica do
século XVIII se mesclasse com as teorias e técnicas
experimentais da Fisiologia do século XIX, abrindo caminho para
o que pode ser conhecido como:

Clique no botão para ver as informações.

Psicologia como Ciência da Experiência

Aqui podemos realmente contemplar a profundidade da


contribuição dos psicofisiologistas citados, pois seus trabalhos se
uniram de forma a garantir cientificidade à Psicologia e criar um
projeto que foi seguido nos anos posteriores, voltado a
compreender o falseamento da percepção de experiências
subjetivas:

A necessidade de explicar as causas deste


falseamento coloca-se na sequência. Para tal, a
experiência imediata ou psicológica deveria ser
estudada por uma forma de experiência mediata,
a introspecção experimental, na qual os sujeitos
– devidamente treinados – deveriam decantar, da
totalidade da experiência, os seus aspectos
sensoriais. Importado da fisiologia, o conceito de
sensação se colocava como uma espécie de
unidade básica da experiência, capaz de dar
conta de variações discretas de energia no
interior dos nervos e passível de formulação
matemática nos meandros da comparação
psicofísica com as gradações dos estímulos
físicos. Esta se tornou a garantia de
cientificidade da Psicologia e lastro de toda a
experiência.
(FERREIRA E PEREIRA, 2007, p. 234)

O que se segue é história. Wilhelm Wundt, no final do século XIX,


irá compor o primeiro laboratório de Psicologia Experimental e, a
partir dessa conquista, será possível produzir uma Psicologia que
tenha um conteúdo empírico e observável e que, ao mesmo
tempo, estabeleça uma matematização “mais complexa que a
geometria de uma linha reta”, como impusera Kant como
condição. A Psicologia proposta por Wundt será apenas um
exemplo entre várias possibilidades da Psicologia como Ciência
da Experiência, mas certamente se colocará como o exemplo de
uma Psicologia Clássica, título que carrega em manuais de
história da Psicologia até os dias de hoje.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. A importância dos psicofisiologistas para a Psicologia


Experimental foi:

Fornecer meios de superação das críticas realizadas por Kant à


Psicologia Filosófica.

Retomar o uso da alma como objeto da Psicologia, porém com


abordagem matemática.

Questionar Kant e mostrar que seus vetos à Psicologia estavam


equivocados.
Desenvolver a Psicologia como uma ciência sem o uso de
métodos experimentais.

Mostrar a impossibilidade de uma verdadeira Psicologia


Experimental.
Responder

Comentário

2. Gustav Fechner foi responsável por adaptar a


fórmula matemática de Ernst Weber para mensuração
da sensação. Entende-se que o importante resultado
dessa fórmula foi:

Permitir a quantificação das sensações processadas pelas


faculdades da alma.

Tornar desnecessária a introspecção experimental.

Estabelecer uma relação entre o mundo interior das sensações e


o mundo exterior dos estímulos.

Estabelecer uma relação entre diferenças percebidas entre


estímulos e uma sensação específica.

Estabelecer uma relação entre várias sensações diferentes e um


único estímulo inicial.
Responder

Comentário
MÓDULO 4
Descrever o trabalho e o projeto de Psicologia de Wilhelm
Wundt

A PSICOLOGIA DE WILHELM
WUNDT
Neste último módulo, apresentaremos brevemente o projeto de
Psicologia de Wilhelm Wundt (1832-1920), aquele que é
considerado por muitos historiadores o fundador da Psicologia
Experimental. Wundt é creditado por ter criado e dirigido o
primeiro Laboratório de Psicologia Experimental, sediado na
Universidade de Leipzig, na Alemanha, em 1879. Na visão de um
dos mais importantes historiadores da Psicologia:
[Wilhelm Wundt] é o primeiro homem a, sem
reservas, ser chamado de psicólogo. Antes dele
havia muita Psicologia, mas não havia nenhum
psicólogo. (...) Quando nós o chamamos de
‘fundador’ da Psicologia Experimental, queremos
tanto dizer que ele promoveu a ideia da
Psicologia como uma ciência independente
como também que ele é o mais velho dentre os
psicólogos.
(BORING, 1957, p. 316)

Apesar dessa alegação tão intensa sobre Wundt ser o primeiro


psicólogo de fato, há uma característica de seu trabalho que
chama a atenção: muito pouco se sabe sobre o que ele escreveu.
Nunca houve uma publicação completa de todos os escritos de
Wundt (que ultrapassariam 50 volumes), além de a
disponibilidade de seus livros ser baixa e as traduções escassas.
Dessa forma, não há um claro entendimento de sua obra até os
dias de hoje (ARAÚJO, 2010).

A seguir, iremos apresentar um panorama da obra de Wundt


seguindo os trabalhos de Saulo de Freitas Araújo, professor
brasileiro que empreendeu um dos maiores esforços, em nível
mundial, para compreender, pesquisar e divulgar a obra original
do autor. Para tanto, focaremos na fase madura do trabalho de
Wundt, que se assume como a partir de 1880 até seus últimos
escritos.

Definição de Psicologia
Em seu sistema de Psicologia, denominado
de Voluntarismo, Wilhelm Wundt define que a
Psicologia é uma ciência empírica que se
preocupa com a experiência interna.
Toda experiência pode ser analisada por duas vias:

Clique nas informações a seguir.

Dimensão objetiva

Dimensão subjetiva

Assim como as Ciências Naturais (Física e Química, por


exemplo) tratam dos objetos do mundo externo, a Psicologia se
preocuparia com o aspecto subjetivo da experiência (ARAÚJO,
2010).

Não se trata de dizer que as dimensões internas e externas da


experiência são distintas. Para Wundt, trata-se de duas
perspectivas de uma mesma experiência. Os aspectos do mundo
interno estão diretamente correlacionados com os aspectos do
mundo externo, não havendo, portanto, uma divisão ou
hierarquia: ambas as perspectivas dizem coisas sobre a
experiência como um todo, apenas de posições diferentes —
uma posição interna e outra externa.

Dessa forma, a principal diferença entre a Psicologia e as demais


Ciências Naturais é a natureza pela qual acessa a experiência.

Ciências Naturais
Tratam de objetos externos e sua compreensão é mediada por
aspectos do próprio sujeito (por exemplo, ao observar um objeto
cair, a apreensão do objeto é feita pelos sentidos do sujeito
observador).
Psicologia
Estuda experiências que não são mediadas (por exemplo, um
exame das sensações após observar uma fonte de luz é um
acesso direto à sensação, sem mediação dos sentidos dado que
estes já transformaram um estímulo externo em sensação
interna).
Em outras palavras, são posições complementares. A Física
estuda os objetos externos mediada pelos sentidos, e a
Psicologia estuda as sensações internas geradas pelo contato
com esses objetos e sem mediação (ARAÚJO, 2010).

Métodos de investigação psicológica


Wundt divide a Psicologia em dois grandes meios ou métodos de
investigação. Partindo da distinção entre experimento e
observação, comuns à metodologia científica, estabelece que à
Psicologia cabe metodologia similar, concernente à Psicologia
individual e à Psicologia dos povos (ARAÚJO, 2010):

Clique nas informações a seguir.

Psicologia individual

Psicologia dos povos

Dessa divisão, decorre uma Psicologia que estuda


os fenômenos inferiores da consciência, no sentido de serem
os mais básicos e elementares que podem ser observados num
indivíduo apenas, e uma Psicologia que se preocupa com
os fenômenos superiores da consciência, muitas vezes
complexos, elaborados e compartilhados entre muitos indivíduos.
Tal divisão não compromete a unidade da Psicologia como
ciência empírica, visto que se trata de aspectos complementares
de investigação: dos fenômenos elementares e básicos,
emergem os fenômenos elaborados e complexos; já os
fenômenos complexos retroagem organizando e dando sentido
aos fenômenos elementares.

Princípios fundamentais da Psicologia


wundtiana
Há dois grandes princípios que Wundt propôs em seu sistema e
que guiam seu entendimento de um projeto de Psicologia: a
noção de paralelismo psicofísico e a noção de causalidade
psíquica. Aqui, falaremos de dois princípios que remontam a
problemas recorrentes da Psicologia e que o autor tentou dar
conta com base em princípios que norteassem seu trabalho e
dissolvessem tais questões.

Clique nas barras para ver as informações.

PARALELISMO PSICOFÍSICO
É a afirmação de que o físico e o psíquico são processos
paralelos que não interagem entre si e são irredutíveis: isto é, o
processo psíquico não deriva do processo físico e nem o
processo físico deriva do psíquico. Como a experiência pode
ser conhecida a partir de duas perspectivas distintas (objetiva e
subjetiva), é possível que certas partes da experiência mediata
possam ter correspondência direta com a experiência imediata,
sem, contudo, que uma se reduza à outra. Não se trata aqui de
uma afirmação puramente Metafísica ou especulativa, mas a
constatação de um fato empírico (ARAÚJO, 2010).
Tal princípio se remete diretamente à discussão do binômio
mente-corpo, que sempre assombrou a Psicologia e permanece
até os dias de hoje relevante. A resposta de Wundt é bem
simples e elegante: mente e corpo são paralelos, porque um
trata da experiência interna e o outro da experiência externa.
CAUSALIDADE PSÍQUICA
Deriva em parte do princípio do paralelismo psicofísico. Partindo
do pressuposto de que há correspondência entre processos
mentais e físicos, certos conteúdos específicos da experiência só
podem ser compreendidos com base em um único ponto de vista,
físico ou psicológico. No caso dos processos físicos, por
exemplo, estados e processos cerebrais só poderiam ser
analisados sob esse ponto de vista, enquanto no caso dos
processos psicológicos, um exemplo de experiência apenas
compreendida sob esse ponto de vista seriam aspectos
qualitativos da experiência religiosa.
Logo, há uma autonomia do conhecimento psicológico em
alguns pontos, o que pressupõe autonomia de certos
processos mentais via uma causalidade própria. De fato, há
também uma autonomia de processos físicos, pois assumimos
uma causalidade física na natureza.
Wundt aqui assegura que ambas as causalidades, as específicas
dos processos mentais e as específicas dos processos físicos,
não são excludentes, mas apenas complementares. O fato de
alguns processos mentais serem apenas observados por uma
perspectiva específica não é excludente ao mesmo fato para os
processos físicos. Trata-se apenas de perspectivas distintas
que se somam na compreensão da mente e da consciência.
O privilégio na explicação de um fenômeno por uma das duas
perspectivas não desmerece ou diminui a importância da outra
perspectiva em tantas outras explicações.

Voluntarismo de Wundt X estruturalismo de


Titchener
Aqui apresentamos um panorama muito amplo de sistema de
Wundt, o que não impede demais investigações em outras fontes
para complementar a discussão. Entretanto, cabe uma última
discussão teórica no intuito de deixar clara a posição de Wundt
em relação à Psicologia e como um dos principais autores desse
campo de conhecimento.

O principal discípulo de Wundt foi Edward Titchener (1867-


1927). Britânico, Titchener viajou para a Alemanha e foi aluno de
Wundt durante o doutorado. Ao término, tentou iniciar carreira na
Inglaterra, mas, sem sucesso, foi para os Estados Unidos. A
partir desse ponto, Titchener se tornou um dos mais importantes
divulgadores da nova ciência psicológica experimental na
América. Porém, Titchener não reproduziu as ideias de Wundt,
mas as alterou drasticamente. Seu sistema, o estruturalismo,
difere-se do Voluntarismo de Wundt em muitos aspectos, mas
persistiu por muitos anos a compreensão equivocada de que
aquela Psicologia que ele divulgava era a mesma de Wundt.
A principal diferença está na proposta geral: como vimos, Wundt
admite uma Psicologia individual e uma Psicologia dos povos.

Titchener considerava que só poderia ser objeto da Psicologia


aquilo que estuda os elementos da consciência pela via da
introspecção. Tudo o que não estava relacionado a esses
elementos estruturais da consciência não deveria ser assunto da
Psicologia.
Essa concepção de Titchener acabaria focando apenas numa
Psicologia individual e fisiológica, e eliminaria por completo a
possibilidade de uma volkerpsychologie, Psicologia dos povos,
projeto ao qual Wundt devotou os últimos anos de sua vida
aperfeiçoando. O estruturalismo é, portanto, muito mais restrito
como sistema de Psicologia do que o Voluntarismo de Wundt,
que propõe a investigação de uma gama de fenômenos que o
sistema de Titchener simplesmente não abarca (ARAÚJO, 2010).

Legado de Wundt
O leitor pode vir a se perguntar:

Qual foi o legado de Wundt?


Como é um nome que não se estuda muito na graduação em
Psicologia, é perfeitamente lícito se questionar sobre sua
importância. Ocorre que Wundt foi um ator cuja influência se
sente muito mais de forma indireta. É certo que seu sistema de
Psicologia, parecendo confuso e muito complexo, seria alvo de
críticas da moderna neurociência e da Psicologia Cognitiva, mas
definitivamente Wundt foi responsável por abrir caminhos que
garantiram à Psicologia um campo de estudo muito
particular ao longo do século XX.

Wundt teve muitos alunos que visitaram seu laboratório e nele


obtiveram um título de Doutor, o qual utilizaram em outras áreas
e em outros lugares do mundo. Já citamos Titchener, seu mais
famoso aluno, mas existem muitos outros. Alguns dos mais
famosos foram Charles Spearman (1863-1945), britânico que
faria contribuições de extrema importância na área da Estatística
para Psicologia, chegando ao famoso fator g, conceito
fundamental nos estudos sobre a inteligência humana. Outro
aluno de extrema importância foi Emil Kraepelin (1856-1926),
psiquiatra considerado um dos principais fundadores da
Psiquiatria moderna, além de ter contribuições na
Psicofarmacologia.

Você sabia
Um número surpreendente surge quando descobrimos que, entre
1875 e 1919, Wundt orientou nada menos que 186 teses de
doutorado nos mais variados temas (HOTHERSALL, 2006).
Se considerarmos que há mais de cem anos ele foi responsável
por treinar uma nova geração de psicólogos e demais doutores
versados na nova possibilidade de uma Psicologia existir como
ciência experimental, podemos compreender a vastidão de sua
obra reverberando graças a seus alunos e orientandos. Este
trabalho acadêmico significou uma vasta divulgação da
Psicologia e dos novos métodos experimentais, possibilitando
distintas abordagens e debates que persistiram através de outros
sistemas e outras práticas psicológicas.

Comentário
Wundt talvez não tenha sido o psicólogo cujo sistema foi o mais
significativo ou duradouro em termos de relevância, mas seu
legado pode ser sentido pelo que ele representou para a
Psicologia: a possibilidade de ser uma área de conhecimento
autônoma e independente das demais ciências.
No vídeo a seguir, vamos compreender, de forma ainda mais
clara, porque Wilhelm Wundt é considerado o pai da Psicologia.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. Sobre o voluntarismo de Wilhelm Wundt, a afirmação


correta é:
Tratou-se de um sistema que tinha mais preocupações filosóficas
do que experimentais.

Era um sistema de Psicologia que focava mais na observação do


que na experimentação.

Foi um sistema de Psicologia que focava no estudo da Psicologia


dos povos em detrimento das sensações e da fisiologia.

Constituiu-se de dois principais métodos de investigação: a


Psicologia individual e o estudo do inconsciente.

Dividia o funcionamento da consciência entre fenômenos


inferiores e superiores.
Responder

Comentário

2. O paralelismo psicofísico é um princípio básico do


sistema psicológico de Wundt. Este princípio parte do
pressuposto que:

Os processos físicos e os processos psíquicos são paralelos e


não interagem entre si.

A investigação psicológica deve ser realizada com observações e


experimentos realizados em paralelo.

A mente possui processos inferiores e superiores paralelos e


simultâneos entre si.
Os processos físicos e os processos psíquicos não são paralelos
e interagem entre si.

Mente e corpo são instâncias paralelas que devem ser estudadas


experimentalmente.
Responder

Comentário

CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos, os antecedentes históricos da Psicologia são
variados e, assim, é difícil estabelecer quando exatamente surge
a Psicologia. Ela possui raízes longínquas na cultura grega e
muitos aspectos dessas raízes foram levados adiante, do fim da
Idade Antiga até a Idade Medieval.

Em seguida, observamos como várias questões surgiram a partir


das discussões filosóficas na Idade Moderna e de que maneira
vão culminar em outras questões a serem superadas, até que a
Psicologia se tornasse uma ciência experimental.

Por fim, aprendemos como essa superação se deu em conjunto


com a fisiologia sensorial e como o subsequente projeto de
Psicologia de Wilheim Wundt foi de especial importância para
inaugurar de uma vez por todas a possibilidade da atuação da
Psicologia como uma ciência empírica e experimental.

PODCAST
Agora, vamos ouvir o que o psicólogo Luiz Eduardo nos traz
como destaque desse conteúdo estudado.

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REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Saulo de Freitas. O voluntarismo de Wilhelm
Wundt. In: FERREIRA, Arthur Arruda Leal (Org.). A pluralidade
do campo psicológico. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 2010. p. 25-
38.

BORING, Edwin G. A History of Experimental Psychology. 2.


ed. New York: Appleton-Century-Crofts, 1957.

CONKE, Marcio Silveira. A questão da memória em santo


Agostinho e Freud. In: Perspectiva Filosófica, [s. l.], v. 41, ed. 1,
p. 30-48, 2014. Consultado na internet em: 15 abril 2021.

EBBINGHAUS, H. Psychology: An Elementary Textbook.


Boston: D.C. Health & Co., 1910.

FERREIRA, Arthur Arruda Leal; PEREIRA, André Luis. O projeto


da Psicologia como ciência da experiência: ascensão e
declínio do império dos sentidos. In: Revista Mnemosine. Rio de
Janeiro, v. 3, nº 2, p. 222-247, 2007. Consultado na internet em:
15 abril 2021.

FERREIRA, Arthur Arruda Leal. A Psicologia no recurso aos


vetos kantianos. In: JACÓ-VILELA, Ana Maria; FERREIRA,
Arthur Arruda Leal; PORTUGAL, Francisco Teixeira (Orgs.).
História da Psicologia: rumos e recursos. Rio de Janeiro: Nau,
2010. cap. 4, p. 85-92.

HOTHERSALL, David. História da Psicologia. 4. ed. São Paulo:


McGraw-Hill, 2006.

LE GOFF, J. Em busca do tempo sagrado: Tiago de Varazze e


a Lenda dourada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

MARTINS, L.; SILVA, P.; MUTARELLI, S. A teoria dos


temperamentos: do corpus hippocraticum ao séc. XIX.
Memorandum 14. Belo Horizonte/Ribeirão Preto, abr. 2008.
Consultado na internet em: 15 abril 2021.
MASSIMI, Marina. História dos saberes psicológicos. São
Paulo: Paulus, 2016.

PENNA, Antonio Gomes. História das ideias psicológicas. Rio


de Janeiro: Imago, 1991.

VIDAL, Fernando. A mais útil de todas as ciências:


configurações da Psicologia desde o Renascimento tardio até o
fim do Iluminismo. In: JACÓ-VILELA, Ana Maria; FERREIRA,
Arthur Arruda Leal; PORTUGAL, Francisco Teixeira (Orgs.).
História da Psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau,
2010. cap. 2, p. 47-76.

EXPLORE+
Para saber mais sobre os assuntos tratados neste tema, leia:

 História da Psicologia Moderna, de Duane P. Schultz e


Sydney Ellen Schultz. O tema central deste livro é, como diz
o título, a história da Psicologia Moderna, mas
especificamente o período que se inicia no fim do século
XX, quando a Psicologia se torna uma disciplina
independente. Apesar de recapitular, de forma resumida, os
pensamentos filosóficos anteriores, o livro concentra-se nas
questões relacionadas ao estabelecimento da Psicologia
como um novo e distinto campo de estudo.
 O artigo A questão da consciência na Psicologia de Wilhelm
Wundt, de Cintia Fernandes Marcellos, para aprofundar os
conhecimentos sobre a teoria de Wilhelm Wundt.
 O artigo Passado e o futuro da Psicologia Experimental:
contribuições de Fechner, Wundt e James, de Saulo de
Freitas Araújo, que promove uma reflexão de caráter
histórico-filosófico sobre a natureza da Psicologia
Experimental, com base nas contribuições de Fechner,
Wundt e James. (Revista Psicologia em Pesquisa, Juiz de
Fora, 14(3), p. 23-43. set./dez. 2020).
 Consulte o site da Rede Iberoamericana de Pesquisadores
em História da Psicologia (RIPeHP) e acesse o acervo
sobre a história da Psicologia. Vale conferir.
CONTEUDISTA
Luiz Eduardo Prado da Fonseca
Currículo Lattes

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