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tutela provisória de urgência
De acordo com o Código:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
o
§1 Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou
fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a
caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê‐la.
o
§2 A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
o
§3 A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de
irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto,
sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer
outra medida idônea para asseguração do direito.
Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo
prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:
I ‐ a sentença lhe for desfavorável;
II ‐ obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários
para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;
III ‐ ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;
IV ‐ o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido
concedida, sempre que possível.
Simples leitura desses dispositivos deixa claro que toda vez que existirem nos autos elementos
suficientemente seguros indicando a probabilidade do direito invocado pela parte e o perigo de dano
ou o risco ao resultado útil do processo, a tutela de urgência poderá ser concedida,
independentemente da prestação de caução pela parte interessada. Em alguns casos, porém, o juiz
pode exigir caução real ou fidejussória a título de garantia para o eventual ressarcimento de danos que
a outra parte possa vir a sofrer, a qual poderá ser dispensada se a parte economicamente
hipossuficiente não puder oferecê‐la (CPC, art. 300, §1º).1
Como dito, qualquer modalidade de tutela de urgência – isto é, tanto aquela acautelatória
quanto aquela antecipada – pode ser concedida liminarmente ou após audiência de justificação
prévia, desde que, por óbvio, sejam comprovados de forma suficientemente segura seus requisitos, e
que se não esteja diante de uma situação de absoluta irreversibilidade dos efeitos por ela emanados
(CPC, art. 300, §3º).
O assim chamado poder geral de cautela foi mantido pelo Código (art. 301).2 Mas, assim como
ocorre com a concessão da medida, analisada em tópico anterior, sua efetivação deve, em regra, ficar
condicionada a requerimento do interessado, pois o que o legislador permite é que o juiz aplique,
desde que provocado a tanto e desde que estejam presentes os requisitos genéricos previstos pelo
1
Embora tratando do cumprimento provisório de sentença, parece ser aqui aplicável, também, o Enunciado n. 136 da II JDPC/CJF, que dispõe que: “A
caução exigível em cumprimento provisório de sentença poderá ser dispensada se o julgado a ser cumprido estiver em consonância com tese
firmada em incidente de assunção de competência”.
2
Enunciado n. 31 do FPPC: “O poder geral de cautela está mantido no CPC.”
artigo 300 do CPC, a medida cautelar típica ou atípica que se mostrar mais adequada ao caso, mas não
que as empregue por sua livre e espontânea vontade.
A imposição de qualquer tutela provisória por parte do juiz, sem prévio requerimento é
medida excepcionalíssima e deve ser relegada a situações marcadas por essa nota, como aquelas
voltadas à preservação do resultado útil do processo, especialmente quando envolver direitos de
vulneráveis ou incapazes, como dito.3
Afora essas hipóteses, não cabe ao Estado‐juiz imiscuir‐se nesse pormenor para ordenar a
prática de atos tendentes ao cumprimento da medida sob o pretexto deles serem necessários no caso,
se a parte não os requerer. Isso seria ingerência estatal negativa, pois qualquer prejuízo processual ou
material que a efetivação da tutela de urgência eventualmente causar à parte contrária será suportado
pelo beneficiário, se ela vier a ser cassada no futuro, como será visto mais de perto na sequência (CPC,
art. 302).
Justamente por ter receio que isso ocorra no caso concreto, essa parte pode preferir aguardar
algum acontecimento ou o decurso de determinado prazo para dar início aos atos tendentes a lhe
conferir efetividade.
Apesar disso, seria possível se cogitar a viabilidade excepcional de o juiz efetivar de ofício as
medidas por ele concedidas quando se encontrasse diante de situações sensíveis, pois a preocupação
maior mesmo parece recair sobre a proibição de ele deferir, isto é, conceder a tutela provisória de
ofício, mas não de ordenar os atos necessários à sua efetivação no mundo empírico (CPC, art. 297,
caput).
A fungibilidade é outra marca característica das tutelas provisórias de urgência. Só entre elas
existe a possibilidade de uma ser recebida pela outra. O artigo 305, parágrafo único deixa isso bem
claro quando autoriza o magistrado a receber e ordenar o processamento da petição inicial da ação
que visa à prestação de tutela cautelar antecedente como se fosse um pedido de tutela antecipada
antecedente. A recíproca, por óbvio, é verdadeira, devendo o juiz, tanto em um quanto em outro caso,
esclarecer as partes a respeito dos respectivos regimes processuais a serem observados (Enunciado n.
45 da I JDPC/CJF).
Na prática isso pode representar um significativo avanço frente ao sistema anterior. Muitos
devem se lembrar do verdadeiro terror que se instaurava sob a vigência do CPC/73, quando o juiz
entendia que o requerimento liminar de separação de corpos eventualmente formulado em uma ação
cautelar autônoma (CPC/73, art. 888, VI) deveria ser deduzido sob a forma de antecipação de tutela
(CPC/73, art. 273). A emenda à inicial era determinação certa e, infelizmente acabava levando a outra
cena ainda mais aterrorizante: o magistrado anterior era substituído por outro que, por seu turno, se
3
Na legislação, por exemplo, a Lei n. 10.259/01, que regula o funcionamento dos Juizados Especiais Cíveis e Federais no âmbito da Justiça Federal,
estabelece em seu art. 4º que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar
dano de difícil reparação”. Na jurisprudência do STJ, conferir a título exemplificativo: AgInt no AREsp 975.206/BA, DJe de 27.04.17; REsp 507.167/SC,
DJe de 05.12.05
posicionava de forma contrária a seu antecessor no sentido de que a separação de corpos realmente
seria uma medida cautelar e não uma medida satisfativa que pudesse ser eventualmente antecipada.
Nova emenda era ordenada e um mini caos tomava conta do ambiente, de forma absolutamente
contraproducente a tudo que se espera de um ecossistema de justiça.
Situações tão desconfortáveis quanto essa podiam ser enxergadas também em requerimentos
liminares de alimentos provisórios, quando se entendia que eles seriam alimentos provisionais, e em
buscas e apreensões de menores, quando eram propostas de forma satisfativa.
Inevitavelmente, o jurisdicionado, que não tinha nada a ver com isso, é que acabava pagando
o preço.
Não que o Código revogado não autorizasse a fungibilidade. Absolutamente, não! A redação
de seu artigo 273, §7º era até parecida, de certa forma, com a do artigo 305, parágrafo único do CPC,
não deixando dúvida sobre a aplicabilidade prática dessa alternativa4. Mas, o novo sistema conferido
pelo Código de 2015 a todas as tutelas provisórias tornou seu emprego muito mais simples, lógico e
facilmente compreensível, praticamente impossibilitando que o jurisdicionado sofra qualquer tipo de
prejuízo pelo uso de uma espécie de tutela de urgência no lugar da outra.
Traçado esse lineamento sobre os aspectos gerais das tutelas provisórias de urgência, pode ter
início a análise de suas espécies, a iniciar pela tutela de urgência meramente acautelatória.
A tutela provisória de urgência cautelar (conservativa)
Por mais intuitivo que isso seja não custa relembrar que a finalidade da tutela cautelar é
meramente assegurar a eficácia de algum direito a ser acautelado.
Ela pode ter por objetivo alguma providência voltada a evitar o próprio fracasso do processo,
assegurando seu resultado útil, mas pode ter também o intuito de preservar a situação jurídica de
direito material nele discutida, eliminando, com isso, o perigo de dano. Medidas voltadas a evitar a
adulteração ou perecimento de provas a serem utilizadas na demanda principal, exemplificariam a
primeira hipótese; já atos destinados a preservar a incolumidade física das pessoas envolvidas nesse
litígio representariam a segunda.
Como diria Humberto Theodoro Júnior,5 “a sua finalidade é conservar bens, pessoas ou provas,
que possam sofrer alguma lesão ou perigo de lesão em razão da longa duração da marcha processual”.
Daí, inclusive, a opção pela nomenclatura “tutela de urgência conservativa”.
Portanto, não importa o quê. Seu propósito é sempre servir ao processo principal, seja ele de
conhecimento ou de execução. Por isso costuma‐se dizer que sua marca característica é possibilitar a
4
AgInt no AREsp 669.906/SP, DJe de 10.11.16; REsp 1.150.334/MG, DJe de 11.11.10.
5
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento
comum. v. I. 59. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
convivência simultânea de dois direitos: um direito à cautela – como o direito ao arresto, ao sequestro,
ao arrolamento constritivo ‐ e um direito a ser acautelado – como o de ter uma quantia paga, o de ter
uma obrigação de entregar coisa cumprida e o de ter uma universalidade jurídica dissolvida,
respectivamente.6
Graficamente, essa relação de referibilidade poderia ser assim representada:
direito à cautela
(direito ao arresto, ao arrolamento, à separação de corpos etc)
direito a ser acautelado
(direito de crédito, direito de dissolver uma universalidade jurídica, integridade física etc)
Sem essa situação de dependência, não há que se falar em tutela cautelar, mas sim em tutela
satisfativa.
Nos conflitos familiares, a tutela de urgência cautelar assume papel de expressiva importância.
Quem nunca se deparou com pedidos de arrolamento constritivo de bens, de sequestro, de bloqueio
de bens ou de separação de corpos, não é mesmo?
Aliás, no campo dos direitos pessoais de família, onde as notas da indisponibilidade e da
ingerência estatal são mais acentuadas, o bom uso dessa técnica pode trazer incontáveis benefícios ao
usuário. A bem da verdade, pode ser fundamental para sua vitória no litígio. Veja, por exemplo, como
a medida de separação de corpos poderia ser útil não só para preservar incolumidade física e psíquica
de um consorte, ao promover seu afastamento do outro, como também para facilitar a obtenção de
sua meação, ao deixar claro que, a partir daquele momento, o afeto entre o casal teria sido rompido e,
por conseguinte, apenas os bens que tivessem sido adquiridos até ali se comunicariam.
Obviamente, a pessoa dos filhos incapazes seria colocada a salvo de eventuais problemas
enfrentados por seus pais, pois o artigo 1.585 do Código Civil estabelece que, em sede de medida
cautelar de separação de corpos, “a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será
proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos
interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte, aplicando‐se as
disposições do art. 1.584.”
Observe, também, como seria importante uma medida inominada voltada à contenção da
assim chamada “revenge porn”, usualmente colocada em prática por meio de vazamentos de fotos
íntimas do casal (nudes).
6
Por todos, conferir: MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.
Incontáveis vantagens poderiam ser percebidas, ainda, em casos envolvendo violência
doméstica no ambiente familiar, com o objetivo de que fossem aplicadas ao agressor medidas
assemelhadas às protetivas de urgência de natureza civil (elencadas nos artigos 18 e seguintes da Lei n.
11.340/06), mas de natureza meramente acautelatória.
No campo patrimonial, marcado por bem menos interferência estatal e por bem mais
disponibilidade, o aproveitamento da medida cautelar não é menos perceptível. Aquele que tiver
interesse em se antecipar à partilha, para não correr riscos de dilapidação patrimonial, por exemplo,
pode deduzir requerimento de tutela de urgência acautelatória objetivando arrolar e inserir constrição
sobre os bens comuns que tenham sido adquiridos até a data da separação de fato, para que não
pairem dúvidas sobre o momento final da comunicabilidade, logo, da verificação do acervo a ser
futuramente partilhado. Se o caso envolver suspeita de fraude à meação, ordens de bloqueio de ativos
financeiros, de averbação da certidão premonitória em órgãos públicos (CPC, art. 822) e de
transferências de cotas societárias, assim como o sequestro ou a inserção de indisponibilidade em
matrículas de bens móveis ou imóveis acentuam a suficiência e necessidade da técnica sob estudo,
bastando que se comprovem a existência de litigiosidade entre os demandantes e o fundado receio de
desvio ou dilapidação dos bens comuns. Em ações onde se discutem e postulam nulidades de doações,
pelos mais variados motivos, é bastante comum o requerimento de averbação de protesto contra a
alienação de imóveis à margem do registro,7 não com o propósito de obstar o respectivo negócio,
tampouco de anulá‐lo ou impedir o registro,8 mas apenas de servir como fator de publicidade acerca
dos direitos que o promovente alega ter sobre a coisa e para inibir o terceiro adquirente de alegar boa‐
fé em eventual demanda voltada a anular a venda.9
Finalmente, mas sem qualquer pretensão de esgotar os exemplos possíveis, sabe‐se ser
extremamente útil em fases de cumprimento ou em ações executivas, a consulta à situação
patrimonial de devedores, realizada por intermédio de sistemas informatizados como Sisbajud,
Infojud, Infoseg, Renajud e CCS‐Bacen, sobretudo porque o STJ possui entendimento sólido no sentido
de que o recurso a tais ferramentas independe do prévio esgotamento das buscas por outros bens,
justamente por entender que elas são colocados à disposição dos credores para agilizar a satisfação de
seu crédito.10
Enfim, o Direito das Famílias é campo fértil para a utilização da tutela cautelar.11
É preciso, entretanto, observar‐se o seguinte: durante a vigência do CPC/73, a parte que
objetivava meramente resguardar o exercício de um direito futuro, provocava a atuação do Estado‐juiz
7
STJ, AgInt no AResp 975.206/BA, DJe de 04.05.17.
8
O fato de se tratar de medida revestida de caráter meramente documental não impede o registro da alienação pelo Oficial do CRI, tampouco justifica
o ajuizamento de embargos de terceiro pelo suposto prejudicado. Assim: STJ, REsp 1.758.858/SP, DJe de 25.5.20.
9
STJ, AgInt no REsp 1.777.412/SP, DJe de 26.6.20.
10
Dentre vários: REsp 1.944.161/RS, DJe de 03.12.20; AgInt no AREsp 1.398.071/RJ, DJe de 15.3.19; AREsp 1.376.209/RJ, DJe de 13.12.18; ‐REsp
1.723.898/ES, DJe de 23.11.18; AgInt no AREsp 1.293.757/ES, DJe de 14.8.18. Especificamente sobre o CCS‐Bacen: REsp 1.938.665/SP, DJe de 03.11.21;
REsp 1.464.714/PR, DJe de 1º.4.19.
11
Embora tenha sido escrito sob a égide do sistema revogado, é imprescindível a leitura do excelente o texto de: MARQUES, Wilson. As ações
cautelares no direito de família. Revista da Emerj, v. 3, n. 11, 2000.
por meio de duas técnicas: a das medidas genuinamente cautelares e a das “medidas cautelares
satisfativas”.
Em qualquer caso, o pedido correspondente poderia ser deduzido tanto de forma preparatória
a alguma ação principal (CPC/73, art. 800), quanto diretamente no interior de alguma demanda onde
também eram deduzidos pedidos direcionados à resolução definitiva de alguma situação jurídica, a
exemplo do divórcio, da declaração de paternidade e da guarda de filhos (CPC/73, art. 801).
Para além dessa forma legítima e tecnicamente adequada de tutela dos direitos, as partes
usualmente lançavam mão de um expediente tecnicamente inapropriado, mas que comportava larga
aceitação no cotidiano forense: as assim chamadas “medidas cautelares satisfativas”. Nelas, embora o
interessado pretendesse obter providência de cunho satisfativo, recorria ao método e ao
procedimento estabelecidos para as ações cautelares, fazendo com que o processo perdesse seu
objeto tão logo a medida liminar fosse concedida, em atitude que beirava o contrassenso. Talvez o
mais representativo exemplo dessa prática fosse encontrado na ação voltada à busca e apreensão de
filhos que já possuíam guardiões definidos na pessoa de algum ascendente, mas que não voltavam aos
seus respectivos lares depois das férias escolares ou de finais de semana prolongados, em razão de
óbices criados pelo não guardião. Por meio dela a pessoa que tinha a guarda a seu favor pretendia
única e exclusivamente fazer com que o filho voltasse ao seu convívio, sem depender do acertamento
de qualquer outra questão relacionada à fixação da guarda ou à regulamentação da convivência, até
porque tais questões já haviam sido resolvidas em demandas precedentes.
Na teoria, bastaria a elaboração de mero requerimento de cumprimento de sentença para que
o não guardião fosse compelido, inclusive liminarmente, a cumprir a obrigação de fazer à qual havia
sido obrigado: restituir o filho ao convívio do guardião, tão logo escoado o período assinalado para o
exercício de seu direito à convivência (CPC/73, art. 461, §§ 3º a 6º). Na prática, era confeccionada uma
petição inicial de “ação de busca e apreensão satisfativa”, que acabava sendo distribuída por
dependência e autuada em apenso aos autos do processo onde a guarda havia sido deliberada.
Deferida a liminar, não havia o que mais ser acertado. Como resultado, a ação costumava ser extinta
na sequência, tornando desnecessária a propositura de qualquer outra demanda que a ela pudesse ser
considerada “principal”, quando não acontecia algo ainda pior: a propositura de uma “ação principal
vazia”, cuja petição inicial era franca repetição daquela utilizada na cautelar preparatória, com
mínimas alterações pontuais.
Tal conduta não era exatamente ilegal, mas claramente sugeria profundos questionamentos
de índole técnico‐jurídica, dada a absoluta distinção entre as naturezas e finalidades de uma e outra
medidas.
Definitivamente, essa não era a melhor solução.
Da conservação à satisfação
De certo modo, pode‐se afirmar que a aceitação das “cautelares satisfativas” devia‐se a razões
de ordem pragmática e casuística, pois é de conhecimento geral que o que “acautela não satisfaz” e
que “satisfatividade é pressuposto negativo de cautelaridade”.12
Não se trata de apego ao formalismo, tampouco de questionamento desprovido de
repercussão prática. Pelo contrário. Existem graves e sérias consequências na adoção de um ou outro
regime, justamente porque o legislador estruturou o procedimento cautelar e a própria tutela cautelar
com o único e exclusivo propósito de garantir e resguardar a eficácia de algum provimento a ser
proferido em uma demanda principal, na qual serão garantidos o contraditório e a mais ampla defesa
às partes.
Por isso é que simplesmente não pode haver satisfação por meio dessa técnica.
A propósito, não faz muito tempo que o Superior Tribunal de Justiça teve oportunidade de
apreciar Recurso Especial em que se discutia exatamente esse ponto. Em razão da precisão da análise,
faço questão de transcrever toda a ementa, que foi publicada da seguinte forma:
12
Dentre vários, p. ex.: SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. v. 3. São Paulo: RT, 2000, p. 9‐23; ZAVASCKI, Teori Albino. Medidas
cautelares e medidas antecipatórias: técnicas diferentes, função constitucional semelhante. RePro 82/56.
Com a entrada em vigor do novo Código, parece que não haverá mais espaço para a
propositura de ações cautelares satisfativas.13 Além de ter suprimido completamente o Livro
anteriormente destinado ao tratamento do Processo Cautelar, o legislador de 2015 unificou os
requisitos necessários para a concessão de toda e qualquer tutela provisória de urgência, bem como
estabeleceu um único procedimento para a concessão da tutela cautelar requerida de forma
antecedente, enunciando genérica e sucintamente que ela pode ser efetivada mediante arresto,
sequestro, arrolamento constritivo de bens, registro de protesto contra alienação de bem, assim como
sob a forma de qualquer outra medida idônea para asseguração do direito (CPC, art. 301).
Não se pode deixar de registrar, contudo, um inusitado fato: o mesmo Código que nomina pelo
menos quatro procedimentos cautelares tipicamente contemplados pelo CPC/73, não traz os
requisitos necessários para a concessão de nenhum deles, podendo levar o aplicador a ter sérias e
fundadas dúvidas a respeito de quando o arresto tem lugar, de quais hipóteses possibilitam a
concessão do sequestro ou do que se exigiria para o deferimento do arrolamento constritivo, por
exemplo.
Como houve a unificação dos requisitos, quer mesmo parecer que todas as cautelares
dependam apenas da comprovação da probabilidade do direito alegado e do perigo na demora.14
Especial atenção deve ser dedicada ao arrolamento de bens, contudo. Isso porque o Código,
em um primeiro momento, o considera medida cautelar (CPC, art. 301), mas em outro como prova a
ser realizada por meio da ação de produção antecipada de provas (CPC, art. 381, §1º). Não se trata de
confusão do legislador, como poderia parecer em uma leitura desatenta, mas sim de técnicas
diferenciadas propositalmente. Tanto é assim que, para ser considerado medida cautelar e, via de
consequência, ser processado sob o rito ora estudado, o arrolamento deverá se destinar, a promover
atos de apreensão ou bloqueio de bens, sendo esta a razão pela qual está sendo denominado neste
livro de “arrolamento constritivo”. Já para que possa ser classificado como prova, deve ter por
finalidade unicamente a documentação de fatos ou relações jurídicas, sendo por isso aqui chamado de
“arrolamento conservativo”, o qual será estudado com mais profundidade, no capítulo destinado à
produção antecipada de provas.
Como este tópico se destina ao estudo da tutela cautelar, as menções feitas ao arrolamento
considerarão apenas o constritivo.
Seja como for, o procedimento a ser adotado para qualquer requerimento antecedente de
medida cautelar será o mesmo, abordado detalhadamente no tópico seguinte.
13
Exatamente assim: STJ, REsp 1.802.171/SC, J. em 21.5.19.
14
Exatamente nesse sentido: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. V. 2. São Paulo:
RT, 2015, p. 200.
O procedimento da tutela cautelar antecedente nas ações de família
Dentre as novidades trazidas pelo novo sistema, encontra‐se o já mencionado fim da
autonomia procedimental das antes chamadas “cautelares preparatórias”.
Mas, preste bastante atenção! O que foi eliminado é a autonomia procedimental ‐ isto é, a
previsão de uma ação específica para a concessão da tutela cautelar ‐, mas não a autonomia inerente à
tutela cautelar.
Memorize: o processo cautelar teve fim; não a tutela cautelar.
Esta não poderia ser abolida do ordenamento por uma lei ordinária, pois encontra assento em
uma cláusula pétrea, que assegura que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
“ameaça a direito” (CR/88, art. 5º, XXXV).
O CPC disciplina normativamente apenas o procedimento da tutela cautelar requerida em
caráter antecedente, pois o requerimento formulado incidentalmente ao processo não terá que seguir
qualquer esquema ritual predefinido. Bastará haver a dedução de requerimento cautelar na petição
inicial ou em petição simples, durante o curso do processo, demonstrando o preenchimento dos
requisitos do perigo e da probabilidade do direito, como dito.
Justamente por isso, não serão tecidas maiores considerações a seu respeito.
De agora em diante, as atenções se projetarão mesmo sobre a tutela cautelar requerida em
caráter antecedente.
Embora tenha primado por utilizar redação um pouco mais apegada ao preciosismo conceitual
e à sistematização entre seus diversos institutos, o legislador de 2015 cometeu seríssimos erros de
organização e de posicionamento topográfico de determinados assuntos, transferindo ao aplicador a
difícil tarefa de interpretá‐los adequadamente.
Com a tutela provisória de urgência isso aconteceu com mais frequência do que se desejava,
pois tanto a disciplina do procedimento da tutela cautelar antecedente quanto o tratamento da tutela
antecipada antecedente foram tão mal organizados que se o intérprete não recorrer a técnicas
hermenêuticas seguras e a um bocado de criatividade, chegará a conclusões simplesmente
insatisfatórias quando não completamente contraditórias.
Veja. De acordo com os artigos 305 a 310 do CPC:
Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter
antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva
assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada,
o juiz observará o disposto no artigo 303.
Art. 306. O réu será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido e indicar as
provas que pretende produzir.
Art. 307. Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo autor presumir‐se‐ão aceitos
pelo réu como ocorridos, caso em que o juiz decidirá dentro de 5 (cinco) dias.
Parágrafo único. Contestado o pedido no prazo legal, observar‐se‐á o procedimento comum.
Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no
prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o
pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.
o
§ 1 O pedido principal pode ser formulado conjuntamente com o pedido de tutela cautelar.
§ 2o A causa de pedir poderá ser aditada no momento de formulação do pedido principal.
o
§ 3 Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas para a audiência de conciliação
ou de mediação, na forma do artigo 334, por seus advogados ou pessoalmente, sem
necessidade de nova citação do réu.
o
§ 4 Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do artigo
335.
Art. 309. Cessa a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se:
I ‐ o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal;
II ‐ não for efetivada dentro de 30 (trinta) dias;
III ‐ o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o processo
sem resolução de mérito.
Parágrafo único. Se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte
renovar o pedido, salvo sob novo fundamento.
Art. 310. O indeferimento da tutela cautelar não obsta a que a parte formule o pedido
principal, nem influi no julgamento desse, salvo se o motivo do indeferimento for o
reconhecimento de decadência ou de prescrição.
Portanto, se antes da entrada em vigor do CPC/15 havia necessidade de que a parte
ingressasse com uma ação cautelar preparatória para depois ajuizar uma ação principal, agora ela só
precisa promover uma demanda. Esta demanda será iniciada por uma petição contendo a alegação e
comprovação da probabilidade do direito e do perigo da demora, bem como a mera indicação de qual
será o pedido principal a ser oportunamente deduzido no mesmo processo (e não em outra ação). Na
sequência, o juiz se pronunciará sobre o requerimento liminar, ordenando a citação do réu para que
apresente resposta ao pleito cautelar, se isso for de seu interesse. Se a liminar for deferida, o autor
terá o prazo de 30 dias para deduzir o pedido principal ao qual ele terá feito mera menção, não sendo
necessária a propositura de uma nova ação, já que o pleito será feito no mesmo processo, para que o
procedimento tenha continuidade.
Vejamos de forma mais detalhada como isso acontece.
A dedução do pedido cautelar antecedente (CPC, art. 305)
Leitura atenta do texto do artigo 305 do CPC revela que a parte que pretender deduzir
requerimento de natureza cautelar antecedente deverá fazê‐lo por meio de petição inicial que
contenha, no mínimo, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar, as alegações
respeitantes ao perigo de dano ou ao risco ao resultado útil do processo e a indicação da lide principal
e de seu fundamento.
Ao exigir a exposição sumária do direito, pretende‐se que a parte apresente a probabilidade de
seu direito, ou seja, o fumus boni iuris. Já ao impor as alegações respeitantes ao perigo de dano ou ao
risco ao resultado útil do processo, requer‐se, é claro, que o interessado exponha o perigo que a
demora na tramitação do processo poderá lhe causar, isto é, o periculum in mora. Finalmente, quando
o legislador permite que se faça a mera indicação da lide principal e de seu fundamento, tem em
mente que seja declinado qual será o pedido principal e sua causa de pedir, demonstrando, assim, a
referibilidade.
Apesar de não haver previsão expressa nesse sentido, é claro que o valor da causa deve
constar dessa inicial, como, aliás, já foi mencionado no capítulo deste livro dedicado ao valor da
causa.15 Ele deve se basear, sempre, naquilo que for pretendido a título principal. Portanto, se o
pedido cautelar for a concessão de mera ordem de bloqueio para impedir a alienação de uma
motocicleta componente de um grande acervo patrimonial do casal, cuja partilha se pleiteia a título de
pedido principal, o valor da causa deverá ser aquele que seria atribuído à ação de partilha,
correspondendo, portanto, a 50% da totalidade desse acervo, pois isso corresponderia à meação
pleiteada.
O mesmo ocorrerá se houver cumulação de pedidos ou a dedução de pedido condenatório na
lide principal: devem ser obedecidos os comandos dos artigos pertinentes ao valor da causa (CPC, arts.
291 a 293).
Caso o juiz não fique convencido dos argumentos apresentados pelo requerente, poderá ouvir
a parte contrária, inclusive designando audiência de justificação destinada à sua comprovação, se isso
for necessário. Persistindo a dúvida, deverá indeferir a liminar e ordenar a citação do réu, por meio de
decisão interlocutória contra a qual caberá agravo de instrumento.16
Mas, é bom que se saiba que o indeferimento da tutela cautelar não obsta a que a parte
formule o pedido principal, nem influi no julgamento deste, salvo se o motivo do indeferimento for o
reconhecimento de decadência ou de prescrição (CPC, art. 310).
Em qualquer hipótese, caso entenda que o requerimento ostenta natureza satisfativa, deverá
aplicar a fungibilidade, na forma permitida pelo artigo 305, parágrafo único, ordenando que o
procedimento passe a correr sob a forma prevista pelos artigos 303 e 304, a serem tratados no tópico
seguinte.
Por outro lado, caso se convença do que o autor alega e requer na inicial, proferirá juízo
positivo de admissibilidade, deferindo a liminar. Nesse momento, o juiz deve se limitar a deferir a
medida de urgência e a ordenar a citação e intimação do réu para apresentar resposta em 05 dias, sem
determinar de ofício quaisquer medidas subsequentes destinadas à sua concretização.
15
Enunciado n. 44 da I JDPC/CJF: É requisito da petição inicial da tutela cautelar requerida em caráter antecedente a indicação do valor da causa.
16
Nesse sentido, é o Enunciado n. 70 da I JDPC/CJF, segundo o qual “é agravável o pronunciamento judicial que postergar a análise de pedido de tutela
provisória ou condicioná‐la a qualquer exigência.”
A efetivação de toda e qualquer tutela provisória é coisa da parte interessada, como frisado
oportunamente.17
No que toca à citação/intimação, não se esqueça que ela deve ser na pessoa do requerido, por
força do que determina o artigo 695, §3º do CPC, aplicável a toda ação de família. E, como somente
haverá uma citação, ela é que projetará os efeitos mencionados pelo artigo 240 do mesmo diploma.18
É preciso que se esteja atento a um episódio que acontece com bastante frequência no
cotidiano das Varas de Família: o fato de o réu peticionar nos autos informando o cumprimento de
tutela de urgência ou de evidência eventualmente deferida em caráter liminar não representa
comparecimento espontâneo, para fins de configuração de citação.19
Em sendo a medida efetivada nos 30 dias úteis previstos pelo artigo 309, II, o autor terá que
formular o pedido principal em idênticos 30 dias úteis, nos mesmos autos e independentemente de
nova intimação e do pagamento de novas custas, ocasião em que também poderá aditar a causa de
pedir (CPC, arts. 305 e 308).
Recapitulando: a partir da intimação da liminar, o réu terá 05 dias para contestar o pedido
cautelar e o autor 30 dias para adotar medidas voltadas à efetivação da decisão. Depois que ela for
efetivada, o autor terá mais 30 dias para formular o pedido principal.
De acordo com o entendimento do STJ, somente depois que a medida cautelar for total e
completamente efetivada, isto é, integralmente satisfeita, é que se inicia a contagem desse novo prazo
de 30 (trinta) dias, para formulação do pedido principal (CPC, art. 308), o que impede que ele tenha
curso quando houver sua satisfação meramente parcial.20 Mas, esteja atento ao fato de que não é a
intimação da efetivação que dá início à contagem do prazo, mas a própria efetivação da liminar ou
cautelar concedida em procedimento preparatório, independentemente da intimação a respeito.21
Perceba que os prazos correm ora da intimação, ora da efetivação, observando‐se, sempre, as
regras de contagem expostas oportunamente neste Livro.22
É preciso que se esteja atento a esse detalhe.
Se o autor não deduzir o pedido principal no prazo a que se refere o artigo 308, caput, a tutela
cautelar concedida liminarmente perderá sua eficácia e o processo será sem resolução de mérito (STJ,
17
Reforçando esse entendimento, o Enunciado n. 46 da I JDPC/CJF estabelece que “a cessação da eficácia da tutela cautelar, antecedente ou
incidental, pela não efetivação no prazo de 30 dias, só ocorre se caracterizada omissão do requerente.”
18
STJ, AgInt no AREsp 882.919/SP, DJe de 28.6.16; EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 48.918/SP, DJe de 25.5.12.
19
STJ, REsp 1.904.530/PE, DJe de 11.03.22.
20
REsp 1.954.457/GO, DJe de 11.11.21; EDcl no AgInt no AREsp 1.281.096/SP, DJe de 20.4.21; REsp 687.208/RJ, DJ de 16.10.06. Havendo, entretanto, a
concessão de múltiplas medidas cautelares em que, pelo menos, uma delas seja cumprida de forma integral (p. ex.: arresto de um automóvel
simultaneamente ao bloqueio da matrícula de um apartamento), o termo inicial do prazo de 30 (trinta) dias recai na data da efetivação da primeira
delas (AgInt nos EDcl no REsp 1.801.977/MS, DJe de 20.11.20; REsp 1.115.370/SP, DJe de 30.3.10; REsp 757.625/SC, DJ de 13.11.06).
21
AgInt nos EDcl no REsp 1.801.977/MS, DJe de 20.11.20; AgInt no REsp 1.367.829/MG, DJe de 22.03.17, AgRg no REsp 1.410.830/PR, DJe de 02.06.15.
22
Na jurisprudência anterior do STJ era possível encontrar posicionamentos defendendo tanto que o prazo para dedução do pedido de tutela
definitiva deveria ser contado da efetivação da medida, como se sustenta neste livro (REsp 327.380/RS, DJ de 04.05.05; REsp 278.477/PR, DJ de
12.03.01), quanto da intimação a respeito dessa efetivação (REsp 123.659/PR, DJ de 21.09.98; REsp 72.646/RS, DJ de 18.12.95).
Súm. 482), ficando esta parte impedida de renovar o pedido, salvo por novo fundamento (CPC, art.
309, I e par. ún.).
Se, no entanto, for deduzido o pedido, o feito terá prosseguimento na forma abaixo explicada.
A dedução do pedido principal (CPC, art. 308)
Antes de se analisarem as questões procedimentais, valem ser feitas algumas observações de
ordem genérica.
Durante muito tempo, predominou o entendimento de que o trintídio referido pelo atual
artigo 308, caput (CPC/73, art. 806) somente seria aplicável se a medida deferida a título de cautelar
antecedente ostentasse índole restritiva ou constritiva de direitos, como no caso do arrolamento e
bloqueio de bens, por exemplo, que obrigariam o autor a deduzir pedido voltado à promoção da
partilha nesse prazo, por causa dos potenciais prejuízos gerados à parte contrária23. Já as medidas de
natureza meramente conservativa eram tidas como praticamente imunes a esse prazo,24 o que
permitiria que o autor deduzisse o pedido principal mesmo depois dos 30 dias da efetivação.
Isso não pode mais ser assim. O entendimento de que o caráter não restritivo de uma medida
cautelar pode imunizar seu beneficiário de um ônus contra si imposto merece ser relido e
reinterpretado a partir da nova ordem de coisas implantada pelo CPC/15, para que não haja abuso de
direito (CC, art. 187). Afinal, mesmo sem ostentarem força prejudicial imediata à parte contrária,
jamais se pode descuidar do binômio necessidade‐adequação que recai sobre todas as providências
jurisdicionais, sob pena de medidas cautelares perdurarem indefinidamente apenas pelo fato de
serem “meramente conservativas de direitos”, transfigurando‐se em flagrante e desarrazoado
constrangimento contra sua pessoa.
Não se esqueça que, contrariamente ao que ocorria no sistema revogado – em que ambas as
partes podiam ajuizar a “ação principal”25 ‐, agora, apenas a própria parte que deduziu o pedido
cautelar possui legitimidade e interesse para tanto. O texto do artigo 308, caput é bastante claro a
esse respeito, quando enuncia que “efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser
formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos
em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas
processuais”.
É preciso que isso fique claro na mente do leitor.
23
Exatamente assim: REsp 401.531/RJ, DJe de 08.03.10.
24
STJ, REsp 436.763/SP, J. em 27.11.07; EREsp 327.438/DF, DJ de 14.08.06; REsp 278.477/PR, DJ de 12.03.01.
25
Sob a vigência do CPC/73, o STJ possuía entendimento no sentido de que, se o autor deixasse de ajuizar a ação principal de partilha no prazo de 30
dias contados da efetivação de medidas cautelares não constritivas, sua inércia não seria sancionada com a revogação da medida e consequente
extinção do processo se a outra parte também tivesse legitimidade e interesse para propô‐la. Neste sentido, p. ex.: REsp 1.553.137 /RJ, DJe de
11.4.18. No entanto, isso se devia ao fato de o art. 806 daquele Código enunciar que “cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias,
contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório”, o que não foi repetido pelo atual
art. 308 do CPC/15 que atribui tal tarefa exclusivamente ao autor.
Outra consideração a ser feita envolve o ônus imposto à parte requerente pelo artigo 308, §2º.
Isto porque tal norma a onera a realizar o aditamento objetivo da demanda ‐ isto é, dos fatos e dos
fundamentos jurídicos que compõem a causa de pedir – no prazo de 30 dias contados da efetivação da
medida cautelar, sem nada dispor sobre a possibilidade de ele promover o aditamento subjetivo da
demanda – isto é, a inclusão de litisconsortes em quaisquer de seus polos.
Diante da omissão legislativa, alguns poderiam ser levados a crer que o sistema estaria
autorizando que o requerente trouxesse ao processo parte não originariamente arrolada na inicial,
pois, como restou esclarecido quando se estudou o pedido nas ações de família, a estabilização
subjetiva da demanda deve seguir, em regra, o mesmo regime prescrito para a estabilização objetiva.
No entanto, essa talvez não seja a melhor conclusão a ser chegada. Com a eliminação da
autonomia procedimental das antes denominadas “cautelares preparatórias”, o procedimento, como
um todo (ou seja, tanto para a tutela cautelar, quanto para a tutela definitiva), tem início com a
petição inicial referida pelo artigo 305, a qual, embora possa ser redigida de modo simples, será a
verdadeira responsável por instaurar a relação jurídico‐processual entre autor, réu e Estado, razão
pela qual deverá conter, desde logo, os nomes de todos os sujeitos ocupantes dos polos ativo e
passivo, nos mesmos moldes de qualquer petição inicial.
Como resultado, a eventual inclusão subsequente de litisconsorte não deverá seguir o
regramento especial trazido pelo artigo 308, §2º do CPC, mas sim o regramento tradicional
disciplinado pelo artigo 329 do mesmo Código, segundo o qual o autor poderá livremente promover
qualquer modificação na demanda, tanto de cunho objetivo, quanto subjetivo, apenas até a citação,
tornando‐se dependente da anuência do réu a partir de então.26
Feitas essas considerações de ordem formal, vejamos como deve ser deduzido o pedido
principal, e como ele será processado.
De acordo com o texto do artigo 308, caput, o pedido principal “será apresentado nos mesmos
autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas
custas processuais”. Nessa mesma ocasião, a causa de pedir poderá ser aditada (CPC, art. 308, §2º).
Isso sendo feito, bastará que o requerente e o requerido sejam intimados, por seus advogados
ou pessoalmente, para a audiência de conciliação ou de mediação a que se refere o artigo 334,
oportunidade em que, inexistindo acordo, será aberta oportunidade para apresentação da segunda
contestação por este (desta vez, voltada à impugnação do pedido principal).
26
Esse regramento, por óbvio, não se aplica à desconsideração inversa da personalidade jurídica, que pode ser deduzido a qualquer momento (CPC,
art. 134).
Interessante é que não haverá necessidade de que o réu seja citado para tomar ciência desse
pedido principal, pois a relação jurídica processual é uma só, e já teve início com a dedução do pedido
cautelar. Bastará, portanto, que ele seja intimado.
Essa etapa é absolutamente obrigatória, no entanto. Aditado o pedido, o réu terá que ser
intimado na forma acima, sob pena de nulidade do processo.27
As opções abertas ao réu no procedimento da tutela cautelar antecedente
Paralelamente aos atos praticados pelo autor – que receberam comentários acima ‐, o réu,
quando for citado sobre o pedido cautelar, terá o prazo de 05 (cinco) dias para contestá‐lo e para
indicar as provas que pretende produzir, como dito (CPC, art. 306).
Um primeiro problema relacionado à compreensão desse instituto pode surgir quando o
aplicador perceber que o Código prevê a possibilidade de o réu apresentar duas contestações: uma no
prazo de 05 dias úteis contados de sua citação (acima referida – art. 306) e outra no prazo de 15 dias
úteis a ser contado a partir da tentativa inexitosa de conciliação ou mediação (CPC, art. 308, § 4º c/c
art. 335).
Na verdade, essa hipótese revela um falso problema porque, o réu tem mesmo o ônus de
apresentar duas contestações: uma impugnando o pedido cautelar, outra impugnando o pedido
principal. Não se esqueça que existirão duas demandas tramitando simultânea e conglobadamente em
um só processo: a demanda cautelar, cujo objetivo é assegurar algum direito a ser acautelado (ex.: o
de ter uma universalidade jurídica dissolvida) por meio de alguma medida cautelar (ex.: o arrolamento
constritivo de bens), e a demanda principal, que tem por objetivo promover o acertamento desse
direito a ser acautelado pela primeira.
Portanto, quando impõe que o réu deva ser citado para contestar em 05 dias úteis, o artigo
306 do Código se refere à oportunidade dessa parte apresentar resposta ao pedido deduzido na
demanda cautelar (ex.: ao pedido de que determinados bens sejam arrolados).
Nessa oportunidade, ele poderá controverter os fatos alegados juntamente ao requerimento
liminar, ao argumento, por exemplo, de que o autor não teria interesse na conservação dos bens ou
que não haveria receio de extravio ou de sua dissipação, pois estes são os requisitos para a obtenção
do arrolamento constritivo.
Enfim, o que ele controverterá nesta peça são os requisitos para a obtenção da tutela cautelar,
ou seja, a probabilidade do direito e o perigo da demora, sem prejuízo, é claro, de arguir questões
preliminares, como a incapacidade do autor ou a ausência de interesse processual, por exemplo.
27
Ao julgar o Resp n. 1.802.171/SC (DJe de 29.05.19), o STJ anulou a sentença de primeiro grau porque o juiz, em vez de ordenar a intimação do
demandado para a audiência e eventual contestação sobre o pedido principal, julgou antecipadamente a lide, condenando o réu ao pagamento da
quantia nele pleiteada.
Já quando o artigo 308, §4º prevê que esse mesmo réu terá o prazo para contestação contado
na forma do artigo 335, isto é, a partir do encerramento infrutífero da audiência de conciliação ou
mediação, quis se referir à resposta destinada a contradizer o pedido principal deduzido pelo autor.
Por isso, o prazo assinado pela lei será de 15 dias úteis e não haverá necessidade de nova citação. Esta
peça sim é destinada à instauração de controvérsia sobre as alegações relativas ao direito a ser
acautelado. No caso hipotético aqui tratado, o requerido poderia impugnar a própria propriedade ou
posse alegados, ao argumento de que o autor não teria direito sobre os bens em vias de serem
arrolados ou expor qualquer outro motivo que o leve a crer que o autor não tem razão ou não
apresenta provas suficientes para a obtenção de decisão de mérito favorável a seus interesses.
Muito bem.
Segundo a literalidade do artigo 307, se o réu deixar de contestar o pedido cautelar e os
efeitos da revelia lhe forem aplicados, a demanda será decidida. A demanda cautelar, registre‐se, isto
é, o arresto, o sequestro, o arrolamento constritivo etc. E, obviamente, esta decisão não
necessariamente será favorável ao autor, pois revelia não implica necessariamente em julgamento de
procedência.
Nesse ponto, é importante observar que o processo prosseguirá normalmente, pois o pedido
principal embutido nos mesmos autos terá que ser apreciado. Isso deixa claro que a decisão acima
referida será interlocutória, logo, desafiável por agravo de instrumento (art. 1.015, I).28
Se, por outro lado, o réu efetivamente a contestar nesse quinquídio, o feito passará a tramitar
pelo rito das ações de família (o CPC se refere ao rito comum), isto é, será oportunizada a réplica,29 e,
em seguida, saneado o processo para eventualmente possibilitar o início da fase probatória (CPC, art.
357).
Ocorrendo esse cenário, a conversão do rito para o das ações de família é absolutamente
obrigatória, sob pena de nulidade do processo.30
A continuidade do procedimento (CPC, art. 307, par. ún.)
Continuando o procedimento, o desenrolar dos acontecimentos renderá ensejo a que ocorra
uma de duas situações: a) a extinção do conflito (e do processo) pela autocomposição, se a audiência
de conciliação ou mediação lograr êxito (art. 334, §11 c/c artigo 487, III, b), ou b) o saneamento do
processo na hipótese de essa audiência resultar infrutífera e o procedimento tiver que continuar rumo
à sentença (CPC, art. 357).
28
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento
comum. v. I. 59. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 859.
29
O Enunciado n. 381 do FPPC dispõe que “é cabível réplica no procedimento de tutela cautelar requerida em caráter antecedente.”
30
STJ, REsp 1.802.171/SC, J. de 21.5.19
Nada haveria de especial se essa demanda fosse a única a tramitar na ocasião. O problema é
que não é assim. Lembre‐se que, paralelamente a esses fatos ocorridos na demanda principal, o juiz
terá que dar continuidade à análise da demanda cautelar que, a essa altura, certamente já terá sido
saneada, quando não definitivamente julgada (CPC, art. 307).
Aí aparece a tal situação curiosa: se a demanda principal contempla atos vocacionados a
resolver integralmente o conflito ou a sanar todas as irregularidades eventualmente existentes, por
que então não se suspender o curso da demanda cautelar imediatamente após o réu contestá‐la, até
que esses atos sejam praticados? Será que a designação de uma só audiência de conciliação ou
mediação no processo principal não pouparia tempo, atos processuais e dinheiro dos envolvidos? Será
que por meio de uma só decisão proferida neste processo o juiz não poderia sanear tanto a demanda
cautelar quanto a demanda principal? Será que não seria melhor instruir e julgar as duas demandas
simultaneamente?
Afinal, a situação emergencial relatada na inicial estaria salvaguardada pela liminar.
Isso não infirmaria a autonomia da tutela cautelar. Antes, conferiria maior efetividade à tutela
do direito, na medida em que diversos atos poderiam ser poupados.
De fato, a ideia pareceria perfeita, não fosse a circunstância dessa suspensão não ser
contemplada expressamente pelo Código. A boa notícia é que ela também não é proibida.
Diante desse quadro, talvez a alternativa legitimamente aberta ao magistrado fosse
interpretar extensivamente a hipótese prevista no artigo 313, V, b,31 para ordenar a suspensão do
curso do procedimento cautelar após a apresentação de contestação ao pedido principal, para que as
demandas pudessem ser saneadas em conjunto. Seria preciso adaptar mais uma vez o procedimento,
com base no princípio da adequação tantas vezes mencionado ao longo de todo este livro.
Essa suspensão, contudo, não poderia ultrapassar o período de um ano, por vedação expressa
do artigo 313, §4º, primeira frase, do CPC.
Sendo isso feito ou não, o fato é que ambas as demandas deverão ser saneadas, instruídas e
julgadas por sentença que, ainda que formalmente una, tutelará dois direitos: a) o direito à cautela,
aqui representado figurativamente pelo direito ao arrolamento constritivo dos bens, e b) o direito
acautelado, aqui representado hipoteticamente pelo direito de ter a universalidade jurídica dissolvida.
O curioso é que, embora o CPC/15 tenha eliminado a autonomia procedimental da tutela
cautelar, não eliminou a autonomia da tutela cautelar para com a tutela definitiva.
31
Art. 313. Suspende‐se o processo: [...]. V ‐ quando a sentença de mérito: b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato
[...].
Nas palavras de Humberto Theorodo Júnior, “a tutela cautelar, como visto, é autônoma em
relação à tutela satisfativa, contendo mérito próprio (pedido e causa de pedir). Essa autonomia
também se destaca quando se percebe que o resultado do julgamento da demanda cautelar não
influencia no resultado do julgamento da demanda satisfativa. Aquele que venceu a cautelar pode sair
vencido no pedido principal e vice‐versa. A cautelar é procedente ou improcedente pelos seus próprios
fundamenots e não em função do mérito da demanda principal e satisfativa”.32
Isso torna possível que a sentença reconheça que não estão presentes os requisitos
necessários para a obtenção da tutela cautelar (o perigo da demora em um arresto constritivo, por
exemplo), mas que estão comprovados os fatos necessários para o acolhimento do pedido principal (o
direito à dissolução da universalidade jurídica, pela partilha, por exemplo), julgando improcedente o
pedido de tutela cautelar, mas procedente o pedido de tutela definitiva.
Há, por assim dizer, um capítulo da sentença versando sobre a pretensão cautelar e um
capítulo versando sobre a pretensão principal.33
Além da hipótese acima mencionada, poderia acontecer, em tese, que: “i) exista a pretensão à
segurança e não exista a pretensão a ser assegurada [= sentença cautelar de procedência + sentença
principal de improcedência]; ii) a pretensão à segurança e a pretensão a ser assegurada não existam [=
sentença cautelar de improcedência + sentença principal de improcedência]; iii) a pretensão à
segurança e a pretensão a ser assegurada existam [= sentença cautelar de procedência + sentença
principal de procedência].”34
Em qualquer caso, a sentença estipulará honorários sucumbenciais, é claro.35
Sob o aspecto recursal, vale lembrar que eventual apelação interposta será desprovida de
efeito suspensivo toda vez que a tutela provisória for concedida ou confirmada em sentença (CPC, art.
1.012, §1º, V).
A cessação da eficácia da medida cautelar (CPC, art. 309)
Por razões variadas, a medida cautelar oportunamente deferida pode perder a sua eficácia. É o
artigo 309 do Código quem contempla as hipóteses em que isso pode ocorrer.
De acordo com seu inciso I, cessa a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se o
autor não deduzir o pedido principal no prazo legal, pois, como dito, não seria justo que um indivíduo
obtivesse uma medida meramente conservativa e simplesmente se recusasse a torna‐la definitiva, em
evidente prejuízo à outra parte, ao próprio sistema de justiça e até à própria coisa ou pessoa colocada
em estado de conservação processual, que permaneceria em situação de incerteza perene, sendo
32
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 22. ed. São Paulo: Leud, 2005, pp. 56 e 59
33
ARAÚJO, Luciano Vianna. Comentários ao código de processo civil. STRECK, Lenio Luiz [e col.] (Orgs.). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 560.
34
Idem, p. 559
35
STJ, REsp 11.260/SP, DJ de 13.9.99.
meramente preservada. Já nos termos do inciso II, a eficácia da medida cessa se sua efetivação não
ocorrer dentro de 30 (trinta) dias de seu deferimento, por culpa do requerente, como aconteceria se
ele não fornecesse os elementos necessários para identificar precisamente ou para que o bem a ser
arrestado pudesse ser localizado, por exemplo.Finalmente, o inciso III enuncia que a medida cessará
toda vez que o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o
processo sem resolução de mérito, pois, como insistente dito, a tutela definitiva substitui a tutela
provisória.
Importante saber que, se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à
parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento (CPC, art. 309, par. ún.).
Essas eram as principais observações respeitantes ao procedimento da tutela cautelar
requerida antecedentemente.
Para facilitar a compreensão, confira o seguinte mapa mental:
Mapa Mental da Tutela Cautelar Antecedente
Liminar Autor pode deduzir pedido
Indeferida principal se quiser.
Exceto se ocorrer
Prescrição ou decadência
(art. 310)
Pedido cautelar
(ex.: arrolamento
constritivo)
Não deduziu: processo é
extinto
(art. 309)
Efetivação da Autor deve deduzir o pedido
medida principal em 30 dias
(30 dias) (ex.: partilha)
(art. 308)
Celebração de acordo
(extinção global do
processo
Cautelar + principal)
Liminar Contestação ao Deduziu:
deferida pedido cautelar em Intimação de todos para a
05 dias audiência de conciliação
(ex.: contestação ao e mediação
pedido de (art. 308, §3º)
arrolamento)
(arts. 306 e 307, §ún.)
Citação e
intimação do
réu
(pessoal)
Não celebração de réu fica Réplica
acordo intimado para +
(continuação do apresentar Produção
processo pelo rito contestação ao de provas
comum) pedido +
principal (ex.: Sentença
partilha) final
(decidindo
o pedido
cautelar e o
pedido
principal)
Não contestação ao Pedido cautelar decidido por
pedido cautelar em decisão interlocutória
05 dias (ex.: torna definitivo o
(revelia) arrolamento constritivo)
(art. 307)
A tutela de urgência antecipada (satisfativa)
Existem situações que não adiantam ser meramente acauteladas, preservadas, conservadas.
Para elas, é exigido algo muito mais robusto: a satisfação imediata.
Daí, inclusive, a opção pela nomenclatura “tutela de urgência satisfativa”.
Mas, essa satisfação não se dá pela entrega definitiva do bem da vida, isto é, ado conteúdo, já
que, como dito, ele só pode ser concedido depois de exaurida a atividade instrutória, pois, apenas
nesse momento, o juiz poderá decidir com base em cognição plena e exauriente (tutela definitiva).
Quando se refere à “satisfação” por aqui, se está a referir à entrega apenas de um ou alguns dos
efeitos da tutela definitiva que sejam suficientes para satisfazer provisoriamente o interessado (tutela
provisória), até que sobrevenha a tutela definitiva.
Satisfazer, portanto, significa entregar provisoriamente efeitos, não conteúdo. No contexto em
que inserida, a palavra “satisfação” representa apenas a permissão de que o beneficiário desfrute,
goze, frua desde já desses efeitos, mesmo sem ter tido o conteúdo atribuído a seu favor.
É exatamente essa a percepção do Superior Tribunal de Justiça a respeito do fenômeno. Tanto
é assim que, há tempos, seu posicionamento foi firmado no sentido de que “o objeto de antecipação
não é o próprio provimento jurisdicional, mas os efeitos desse provimento”.36
E, se só se pode antecipar efeitos que seriam naturalmente produzidos pela tutela definitiva, é
claro que na tutela antecipada inexiste a mesma liberdade que permeia a tutela cautelar, onde vigora
o assim chamado “poder geral de cautela”. Deve haver, portanto, “coincidência, ainda que parcial,
entre os efeitos antecipados e aqueles que devem ser produzidos pela tutela a ser concedida ao
final”.37
Na vigência do CPC/73, quando a intenção da parte não se limitava ao acautelamento de
determinada situação, mas sim à obtenção de alguma medida liminar que efetivamente satisfizesse o
direito alegado – a exemplo dos alimentos ‐, o interessado não tinha outra escolha: era obrigado a
requerer tal providência no interior de alguma demanda que contivesse pedidos voltados ao
verdadeiro acertamento da questão principal.
Era comum, por exemplo, que em uma ação de guarda, a parte requeresse liminarmente a
antecipação da tutela para obter a assim chamada “guarda provisória”, objetivando que a sentença
confirmasse essa liminar, lhe atribuindo a “guarda definitiva”. Também era bastante corriqueiro que,
em uma ação de divórcio, fossem liminarmente pleiteados “alimentos provisórios” exclusivamente
36
REsp 737.047/SC, J. em 16.2.06.
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GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Comentários ao art. 294. Em: GAJARDONI, Fernando da Fonseca [e col.] (coord.). Teoria Geral do Processo:
comentários ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015.
para os filhos incapazes, com o propósito de que a sentença decretasse o fim do casamento e
estabelecesse os “alimentos definitivos”, enfim.
Nesses casos, o artigo 273 do Código revogado conferia o necessário suporte normativo.
Agora, entretanto, medidas de cunho nitidamente satisfativo poderão ser requeridas,
também, autonomamente, isto é, sem que a parte interessada em sua obtenção tenha que
obrigatoriamente promover demanda de forma concomitante ou subsequente, com vistas ao
acertamento de qualquer direito por meio de uma sentença de mérito.
Mas, observe: não é que a parte esteja impedida de deduzir requerimento de tutela de
urgência satisfativa (antecipada) diretamente na petição inicial da demanda, como se fazia no passado.
Ela podia e continua podendo fazer isso. Basta que, à semelhança do que foi dito a respeito da tutela
de urgência conservativa (cautelar), ela formule tal postulação sob a forma de requerimento, faça a
comprovação dos requisitos exigidos por lei (probabilidade do direito e perigo causado pela demora
ou risco de ocorrência de violação de um direito) e peça a confirmação da tutela provisória por tutela
definitiva, como aconteceria em uma ação de divórcio cumulada com alimentos e guarda de filhos em
que a parte autora formulasse, juntamente aos pedidos de decretação de divórcio, de condenação ao
pagamento de alimentos e de fixação da guarda, o requerimento de concessão de tutela provisória de
urgência voltado ao arbitramento de alimentos provisórios e de guarda provisória.38
A importância dada ao novo método é tamanha que, tal como fez ao tratar da tutela cautelar,
o CPC disciplina normativamente apenas o procedimento da tutela antecipada requerida em caráter
antecedente em seus arts. 303 e 304, que serão detalhadamente estudados pouco mais adiante.
Portanto, o que se está chamando atenção aqui não é para o fato de que a parte pode
requerer a tutela provisória de forma incidental, mas sim para a circunstância de que, a partir da
entrada em vigor do CPC/15, ela passou a poder deduzir o requerimento de tutela de urgência
satisfativa (antecipada) de forma autônoma.
Para tanto, não será nem mesmo necessário que ela redija uma petição inicial revestida de
todas as formalidades prescritas pelo artigo 319 do estatuto processual. O quadro emergencial
possibilitará que o requerimento correspondente seja feito em uma peça elaborada de forma
extremamente simples e direta, vazada em texto que contenha, no mínimo, a exposição da lide, do
direito que se busca realizar e do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, assim como
a mera indicação do pedido de tutela final, com base no qual deverá ser atribuído valor à causa.
Isso fica bem claro quando se lê o texto do artigo 303, caput do Código.
38
Importante anotar que o eventual cumprimento da decisão concessiva da tutela provisória pelo réu não implica perda superveniente do objeto do
processo, o que significa que o procedimento deve ter continuidade regular, até sentença, que, se for de procedência, a confirmará. Neste sentido,
dentre vários: REsp 1.670.267/SP, DJe de 19.5.22; AgRg no REsp 1.353.998/RS, DJe de 13.3.15; EDcl no AgRg no REsp 1.310.876/DF, DJe de 19.4.17.
Mais do que meramente atribuir autonomia ao requerimento de tutela satisfativa, o sistema
passa a permitir que os efeitos da decisão que eventualmente venha a conceder a medida postulada
sob esse método se estabilizem39 na hipótese de o réu deixar de se insurgir contra ela por meio do
recurso de agravo de instrumento (CPC, art. 304, caput e §1º).40
Se transformará, então, em algo imutável, passível de execução definitiva, e não provisória.41
Depois de estabilizada, a tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não for revista,
reformada ou invalidada por outra demanda que pode ser proposta por qualquer das partes no prazo
decadencial de dois anos contados da ciência da decisão que extinguir o processo. Decorrido tal prazo
sem que tal ação seja proposta, a estabilização não poderá mais ser questionada. Se tornará
indiscutível (CPC, art. 304, §§ 2º a 6º).42
Perceba: a estabilização imutabiliza; o decurso do biênio subsequente indiscutibiliza.
Sim, o método é consideravelmente inovador e seu procedimento absolutamente inédito no
Brasil.
Ao que tudo indica a inspiração para que o legislador nacional adotasse essa técnica foi
buscada nos ordenamentos francês e italiano, pelo fato deles possibilitarem que, comprovadas
determinadas exigências, algumas medidas judiciais concedidas antecipadamente conservem sua
eficácia de forma autônoma e independente da necessidade de virem a ser confirmadas por decisão
de mérito.43
Por isso seu estudo deve ser feito de forma um pouco mais atenta, para que se consiga
entender, ao menos, as razões que levaram o legislador brasileiro a incorporá‐lo ao nosso Sistema de
Direito Positivo e os objetivos passíveis de serem alcançados com ele. Em se obtendo sucesso nessa
primeira empreitada, como se espera, será tentada uma maior aproximação entre a técnica da
estabilização da tutela antecipada antecedente e as questões usualmente debatidas nas ações de
família, no intuito de se aferir sua utilidade e possível campo de aplicação nessa seara.
A isso se destinam os tópicos seguintes.
39
Lembrando que a “estabilização da tutela antecipada antecedente”, aqui tratada, não se confunde com a “estabilização objetiva da demanda”,
estudada em tópico específico deste livro.
40
Exatamente assim: STJ, REsp 1.766.376/TO, DJe de 28.8.20. Em sentido contrário, admitindo que a contestação também impeça a estabilização: STJ,
REsp n. 1.760.966/SP, DJe de 07.12.18.
41
Assim também: GRECO, Leonardo. Desafios à coisa julgada no novo Código de Processo Civil. Disponível em
https://www.academia.edu/38020262/desafios_%c3%80_coisa_julgada_no_novo_c%c3%93digo_de_processo_civil.
42
Mas, ainda assim, não se poderia afirmar que a decisão seria acobertada pela coisa julgada, pois não teria havido instrução probatória e cognição
judicial em nível suficiente para que isso pudesse ocorrer.
43
Na França, conferir os arts. 484 a 498 e 808 e 809; na Itália, os arts. 669‐octies e 669‐novies de seus respectivos Códigos de Processo Civil. Embora
não tenha diretamente inspirado o legislador brasileiro – ao menos não de forma declarada na exposição de motivos do novo CPC ‐, o direito
argentino possivelmente o tenha feito, pois já convive com semelhante fenômeno há algum tempo: as medidas autosatisfactivas, como aquelas
previstas no art. 305 do Codigo Procesal Civil Y Comercial de La Provincia de La Pampa ou no art. 232‐bis do Codigo de la Provincia del Chaco.
A estabilização da tutela antecipada antecedente como técnica de estrutura
monitória
Para que se possa compreender adequadamente o inteiramente novo instituto, é necessário
que se tenha em mente que o legislador pretendeu introduzir mais uma técnica de estrutura monitória
ao sistema jurídico brasileiro, isto é, uma técnica capaz de tornar consolidados os efeitos de uma
decisão fundada em cognição não exauriente, proferida antes de o réu ser ouvido, na hipótese dele
deixar de se insurgir por meio do instrumento legalmente previsto, em determinado período de
tempo.44
Explico o porquê da comparação entre os institutos: o objetivo principal da ação monitória é a
obtenção de uma ordem judicial liminarmente, sem oitiva da parte contrária, compelindo‐a a praticar
alguma conduta omissiva ou comissiva constante do mandado monitório (CPC, art. 701). Caso essa
parte permaneça silente, deixando de apresentar os embargos monitórios a que se refere o artigo 702
do Código, os efeitos da decisão concedida se consolidarão e o módulo processual inicial será extinto,
fazendo com que o pronunciamento judicial correspondente projete consequências processuais
relevantíssimas, das quais a principal é a constituição de pleno direito do título executivo judicial a que
se refere o artigo 701, §2º do mesmo diploma.
Veja o que enunciam os dispositivos abaixo, transcritos apenas no que interessa:
Art. 701. Sendo evidente o direito do autor, o juiz deferirá a expedição de mandado de
pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer,
concedendo ao réu prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento e o pagamento de
honorários advocatícios de cinco por cento do valor atribuído à causa.
§ 1º O réu será isento do pagamento de custas processuais se cumprir o mandado no prazo.
§ 2º Constituir‐se‐á de pleno direito o título executivo judicial, independentemente de
qualquer formalidade, se não realizado o pagamento e não apresentados os embargos
previstos no artigo 702 , observando‐se, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial.
§§ 3º a 5º [...].
Art. 702. Independentemente de prévia segurança do juízo, o réu poderá opor, nos próprios
autos, no prazo previsto no artigo 701 , embargos à ação monitória.
§§ 1º a 3º [...].
§ 4º A oposição dos embargos suspende a eficácia da decisão referida no caput do artigo 701
até o julgamento em primeiro grau.
§§ 5º a 7º [...].
§ 8º Rejeitados os embargos, constituir‐se‐á de pleno direito o título executivo judicial,
prosseguindo‐se o processo em observância ao disposto no Título II do Livro I da Parte
Especial, no que for cabível.
Perceba: a preocupação de quem propõe uma ação monitória não é a certificação, o
acertamento de seu direito a qualquer das vantagens previstas pelo artigo 700 do CPC (adimplemento
de obrigação de fazer ou de não fazer ou recebimento de quantia em dinheiro, de coisa fungível ou
infungível ou de bem móvel ou imóvel). Não. O que ele pretende é apenas que o réu cumpra a
obrigação assumida de imediato. Somente na hipótese desta parte apresentar a defesa adequada
44
Por todos: GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela Jurisdicional Diferenciada: a antecipação e sua estabilização. Revista de Processo, n. 121/16.
(embargos ao mandado monitório), é que se abrirão os debates e terá início a atividade probatória,
com vistas à certificação do direito (CPC, art. 702).
Por isso, as semelhanças para com o que acontece na estabilização da antecipação da tutela
não são mera coincidência. Basta ser feito o cotejo entre os dois institutos para se perceber que as
áreas de identificação são realmente muito grandes. Veja, por exemplo, que tanto lá quanto cá uma
decisão judicial é proferida liminarmente, mesmo sem oitiva da parte contrária, instando‐a a cumprir
determinada obrigação inicial – na monitória, aquela indicada no mandado monitório a que se refere o
artigo 701; na tutela antecipada antecedente, a decisão liminar a que se refere o artigo 303, §1º. Na
hipótese de esta parte descumprir a obrigação e também deixar de apresentar a resposta adequada –
na monitória, os embargos monitórios a que se refere o artigo 702; na tutela antecipada, o recurso de
agravo de instrumento a que se refere o artigo 30445 –, os efeitos daquela decisão acarretarão
consequências importantíssimas ‐ na monitória, a constituição de pleno direito do título executivo
judicial a que se refere o artigo 701, §2º, seguida da extinção da primeira fase; na tutela antecipada, a
estabilização dos efeitos da liminar a que alude o artigo 304 caput, seguida da extinção do processo.
Portanto, tal como lá, a parte que requer a estabilização da tutela antecipada não está
preocupada com o mérito da causa, isto é, com a certificação de seu direito. Ela pretende apenas a
obtenção de um provimento liminar que possa socorrer instantaneamente o direito violado ou em vias
de o ser.
Tecnicamente falando, ela não busca o conteúdo, mas apenas usufruir dos efeitos da decisão.46
Somente na hipótese de o réu apresentar a defesa adequada, sob a forma de agravo de instrumento, é
que o feito poderá prosseguir com vistas à certificação do direito por uma sentença de mérito.
Essa conclusão não passaria despercebida pelo Superior Tribunal de Justiça, que teve
oportunidade de esclarecer que “o propósito da previsão dos arts. 303 e 304 do CPC é,
especificamente, proporcionar oportunidade à estabilização da medida provisória satisfativa,
valorizando a economia processual por evitar o desenvolvimento de um processo de cognição plena e
exauriente, quando as partes se contentarem com o provimento sumário para solucionar a lide”.47
Obviamente, tamanha celeridade e imensa limitação cognitiva impediriam que houvesse coisa
julgada recobrindo o conteúdo do pronunciamento concessivo dessa liminar. Por isso é que apenas os
efeitos da decisão antecipada são estabilizados, isto é, tornados indiscutíveis, como, aliás, parece
deixar claro o texto do artigo 304, §6º.48 Os efeitos práticos, para ser mais preciso.
45
Exatamente assim: STJ, REsp 1.766.376/TO, DJe de 28.8.20. Em sentido contrário, admitindo que a contestação também impeça a estabilização: STJ,
REsp n. 1.760.966/SP, DJe de 07.12.18.
46
Assim também: CABRAL, Antonio do Passo. As estabilidades processuais como categoria incorporada ao sistema do CPC. Em, DIDIER JR., Fredie.
CABRAL, Antonio do Passo (coords.). Coisa julgada e outras estabilidades processuais. Salvador: Juspodivm. 2018, pp. 35‐37.
47
REsp 1.766.376/TO, DJe de 28.8.20.
48
Art. 304 [...]. §6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que
a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do §2º deste art..
Com isso, rompe‐se definitivamente com a tradição do sistema até então vigente no nosso
país, que permitia apenas que a tutela cautelar pudesse ser deferida em procedimento autônomo e
antecedente, de forma preparatória (CPC/73, art. 800), e vedava terminantemente que a tutela
antecipada pudesse ser concedida da mesma forma, independentemente de processos em curso e da
confirmação subsequente por sentença de mérito (CPC/73, art. 273).
Prestigia‐se, assim, a celeridade e efetividade, em detrimento da segurança jurídica.
Muitos questionam o porquê da adoção dessa técnica pelo sistema brasileiro. Em minha
opinião, o legislador finalmente percebeu que o interesse das partes pode, em algumas circunstâncias,
se limitar exclusivamente à obtenção de provimento judicial que solucione o problema que
imediatamente lhes aflija, sem qualquer outra intenção de promover maiores discussões envolvendo a
certificação do direito e a prolação de uma sentença de mérito.
Por isso, o Código permite a estabilização desse provimento apenas na hipótese de o réu não
interpor o recurso de agravo de instrumento no prazo legal (art. 1.015, I).49 Por isso, também, o
sistema impede que haja estabilização em todos os casos em que houver necessidade de ser nomeado
curador especial ao réu, na forma do artigo 72 do CPC. Afinal, não haveria nenhum sentido em se
obrigar este profissional a interpor recurso, quando seu dever funcional lhe autoriza até mesmo a
apresentar contestação genérica (CPC, art. 341, par. ún.).
De todo modo, é preciso ficar claro que o autor não precisa pedir, ou melhor, requerer a
estabilização da tutela provisória antecipada, concedida em caráter antecedente. O que o sistema
impede é que o juiz conceda tutelas provisórias de ofício, mas, desde que elas tenham sido
requeridadas, o impulso oficial se encarregará do resto. Logo, a estabilização decorrerá da mera
incidência da norma, prescindindo de qualquer solicitação da parte nesse sentido.
Apesar da significativa operabilidade que a técnica é capaz de trazer ao procedimento, existem
alguns problemas, porém: conforme mencionado nos capítulos iniciais deste livro, embora a iniciativa
legislativa seja digna de aplausos, a forma pela qual o instituto foi estruturado topograficamente no
Código não foi das melhores e por isso a leitura dos textos normativos dos arts. 303 e 304, assim como
sua aplicação prática devem ser precedidas de grande e cuidadoso esforço hermenêutico.
Esta é, inclusive, a maior preocupação do tópico seguinte.
49
Exatamente assim: STJ, TP 3417/MG, DJe de 25.5.21; REsp 1.766.376/TO, DJe de 28.8.20. Em sentido contrário, admitindo que a contestação
também impeça a estabilização: REsp n. 1.760.966/SP, DJe de 07.12.18.
A difícil interpretação dos textos dos arts. 303 e 304 do CPC: uma proposta de aplicação
Não é o que a leitura pura e simples dos artigos 303 e 304 do CPC leva a concluir, mas a
estabilização somente terá lugar se determinados fatores forem obrigatoriamente ocorrendo em
ordem sucessiva.50
Assim, é preciso, em primeiro lugar, que o autor requeira a tutela provisória de natureza
satisfativa em caráter antecedente, deixando claro para o juiz que pretende não só se valer do
simplificado método de peticionamento previsto no artigo 303, caput, mas também que se contentará
com a estabilização dos efeitos da decisão liminar, na hipótese de ela não ser atacada por agravo de
instrumento (CPC, art. 304, caput).
Além de servir de alerta ao órgão julgador – que, então, adotará o procedimento específico,
em vez do comum ‐, funcionará como aviso ao réu, evitando‐se surpresas e permitindo que ele
desenvolva a estratégia processual que entenda mais adequada, que pode, até mesmo, incluir a
desnecessidade de interposição do agravo.
Em segundo lugar, é absolutamente necessário que essa liminar seja deferida, por óbvio. A
decisão que a indeferir jamais se estabilizará, até porque isso não faria nenhum sentido.
Em terceiro, mostra‐se imprescindível que o autor se abstenha de adotar posturas
incondizentes com a estabilização, após o deferimento da liminar ‐ a exemplo da desistência da ação e
da protocolização de petição aditando a inicial ou requerendo a conversão do rito para o comum. Isso,
é claro, se o réu não agravar. Afinal, se o autor quisesse buscar a resolução do mérito, teria deduzido o
verdadeiro pedido na inicial, já que lhe seria lícito fazê‐lo (art. 294, par. único); optando por formular
apenas o requerimento liminar com a mera indicação do pedido de tutela final, deixa claro que se
contentaria com a estabilização, não podendo, agora, ir contra seus próprios passos para surpreender
o réu a esse nível.
Em quarto e último, é absolutamente necessário que o réu não agrave dessa decisão.51 Para
tanto, é imprescindível que ele seja cientificado precisamente a respeito, tornando obrigatória a
advertência correspondente no mandado/carta, inclusive (CPC, art. 250, III). Caso contrário, os efeitos
não se estabilizarão. Daí porque o instituto sob estudo não se concilia com as hipóteses de réus que se
encontrem em juízo por meio de curador especial (CPC, art. 72).52
50
Em sentido próximo: SICA, Heitor Vitor Mendonça. Doze problemas e onze soluções quanto à chamada “estabilização da tutela antecipada”. Revista
do Ministério Público do Rio de Janeiro, nº 55, pp. 85‐102.
51
Exatamente assim: STJ, REsp 1.766.376/TO, DJe de 28.8.20. Em sentido contrário, admitindo que a contestação também impeça a estabilização: STJ,
REsp n. 1.760.966/SP (DJe de 07.12.18).
52
Também nesse sentido: DIDIER JR., Fredie [et.al.]. Curso de Direito Processual Civil. V. 2. 10 ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 609; TALAMINI,
Eduardo. Tutela de urgência no Projeto de novo Código de Processo Civil: a estabilização da medida urgente e a monitorização do processo
brasileiro. Revista de Processo. v. 209, p. 29.
É preciso que se esteja atento apenas ao que já foi dito por ocasião do estudo da tutela
cautelar: o fato de o réu peticionar nos autos informando o cumprimento de tutela de urgência ou de
evidência eventualmente deferida em caráter liminar não representa comparecimento espontâneo,
para fins de configuração de citação.53 Tampouco acarreta a perda superveniente do objeto do
processo, como entende de forma pacífica o STJ, o que impede que o juiz extinga o processo por este
motivo.54
Na eventualidade de esses passos não serem seguidos, a estabilização não terá lugar.
Portanto, se o autor não disser expressamente que pretende se valer da técnica sob estudo, a decisão
liminar eventualmente concedida não poderá se estabilizar, pois o réu será citado normalmente para o
rito das ações de família, sem a cientificação a respeito da necessidade de agravar para evitar a
estabilização. Como resultado, o processo será seu fluxo normal, rumo à certificação do direito.
Justamente por isso é que o autor terá obrigatoriamente que se abster de adotar condutas
incompatíveis com a estabilização, após obter a liminar. Logo, petições objetivando o aditamento da
inicial, por exemplo, não poderão ser formuladas, sob pena de ele dar mostras que pretenderia
instaurar discussão voltada à certificação do direito, ou seja, à obtenção de sentença de mérito, em
atitude absolutamente incondizente com a estabilização.
Por fim, é claro que os efeitos da decisão não se estabilizarão se o réu agravar de instrumento
tempestivamente, pois é justamente essa a conduta que ele terá que adotar se quiser ver a questão
resolvida pelo mérito (CPC, art. 304, caput). Caso o agravo seja interposto, aí sim o autor deverá aditar
a inicial, pois a petição destinada à obtenção meramente da liminar não conterá todos os requisitos
exigidos pelo artigo 319.
Não é isso, contudo, que se extrai da mera leitura dos artsigos 303 e 304 do Código. A intenção
do legislador é clara e merecedora de aplausos, mas os textos desses dispositivos foram elaborados e
estruturados de forma um tanto confusa, aparentemente desorganizada sob a perspectiva sistêmica.
Veja. De acordo com o artigo 303:
Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição
inicial pode limitar‐se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela
final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco
ao resultado útil do processo.
§1º Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo:
I ‐ o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a
juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias
ou em outro prazo maior que o juiz fixar;
II ‐ o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do
artigo 334;
III ‐ não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do artigo
335.
53
STJ, REsp 1.904.530/PE, DJe de 11.03.22.
54
REsp 1.670.267/SP, DJe de 19.5.22; AgRg no REsp 1.353.998/RS, DJe de 13.3.15; EDcl no AgRg no REsp 1.310.876/DF, DJe de 19.4.17.
§2º Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do §1º deste artigo, o processo será
extinto sem resolução do mérito.
§3º O aditamento a que se refere o inciso I do §1º deste artigo dar‐se‐á nos mesmos autos,
sem incidência de novas custas processuais.
§4º Na petição inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da
causa, que deve levar em consideração o pedido de tutela final.
§5º O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer‐se do benefício previsto no
caput deste artigo.
§6º Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão
jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser
indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito.
Por seu turno, diz o artigo 304:
Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do artigo 303, torna‐se estável se da
decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.
§1º No caso previsto no caput, o processo será extinto.
§2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou
invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.
§3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou
invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o §2º.
§4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida
a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o §2º, prevento o juízo em que
a tutela antecipada foi concedida.
§5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2o deste artigo,
extingue‐se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos
termos do §1º.
§6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos
efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação
ajuizada por uma das partes, nos termos do §2º deste artigo.
Pois bem.
Se uma das características da técnica de estrutura monitória é a transferência ao réu da
responsabilidade e iniciativa pela instauração do contraditório, a técnica de estabilização tem que se
guiar por essa mesma trilha. Por isso é que, apesar de os incisos I e II do artigo 303, §1º
aparentemente imporem que o autor tenha que aditar a inicial logo após o deferimento da liminar, e
que o réu tenha que ser subsequentemente citado e intimado para comparecer à audiência de
conciliação ou mediação, isso não necessariamente acontecerá, pois o processo pode ser extinto antes
de tudo isso acontecer. Basta que o réu deixe de agravar no prazo legal para que os efeitos da liminar
se estabilizem e o processo seja automática e imediatamente extinto, sem que haja qualquer
possibilidade de aditamento e de continuidade do processo (CPC, art. 304, §1º).
Então, é melhor se aguardar o decurso do prazo recursal aberto ao réu, para que as próximas
medidas sejam adotadas. E, para que isso ocorra, os prazos previstos pelo artigo 303, §1º, incisos I e II
devem ser sucessivos, jamais concomitantes, como dá a entender o texto normativo.
Em sendo interposto o recurso – e apenas nessa hipótese55 – aí sim o requerente deverá ser
intimado para aditar a inicial na forma e prazo estabelecidos no artigo 303, §1º, I, para que haja o
prosseguimento da demanda rumo à possível obtenção de uma sentença de mérito. Por isso é que
logo depois de ser feito o aditamento, o réu deverá ser intimado para audiência de conciliação ou
mediação (CPC, art. 303, §1º, II e III), prosseguindo‐se o procedimento sob o rito das ações de família
(CPC, arts. 693/699). Nesse caso, não haverá espaço para se falar em estabilização dos efeitos da
liminar, mas sim em coisa julgada a recobrir oportunamente o conteúdo da sentença. Por outro lado,
se o autor não aditar a inicial, sofrerá duas graves consequências: a liminar será revogada e o processo
extinto sem resolução do mérito (CPC, art. 303, §2º), pois não haverá como ter prosseguimento uma
ação iniciada por uma petição simples, elaborada em desconformidade com os requisitos do artigo 319
do CPC.
Em meu sentir, esse é a melhor interpretação a ser dada aos textos dos artigos 303 e 304 do
CPC. Caso contrário, o sistema seria levado a colapso. Isso porque, se o juiz deferir a liminar e seguir à
risca o que enunciam os incisos I a III do artigo 303, §1º, ele determinaria, na mesma ocasião, que a
inicial fosse aditada e que o réu fosse citado e intimado para comparecer à audiência de conciliação ou
de mediação. Como o autor deveria ser intimado desta decisão na pessoa de seu advogado (pelo DJ –
art. 272), muito provavelmente seu prazo para aditar a inicial teria início antes mesmo de o réu ser
intimado/citado, pois o Código impõe que a citação seja obrigatoriamente feita em sua própria pessoa
e não na de seu advogado, que a esta altura pode ainda nem ter sido constituído (CPC, art. 695, §3º).
Como a consequência pelo não aditamento da inicial é por demais severa ‐ revogação da
liminar e extinção do processo (CPC, art. 303, §2º) ‐, o autor se encontraria em uma difícil situação: a
aditaria, abrindo mão da estabilização, ou não a aditaria, mas suportaria a revogação da liminar e a
correspectiva extinção do processo.
Isso conturbaria todo o procedimento, fadando a inovadora técnica ao mais absoluto
insucesso.
Portanto, a correta e adequada interpretação desses textos impõe que o primeiro ato
processual a ser empreendido logo após a concessão da liminar seja a citação e intimação do réu com
o propósito exclusivo de torna‐lo ciente de que deverá agravar de instrumento caso queira impedir a
estabilização dos efeitos da tutela e a subsequente extinção do processo (art. 304, caput e §1º).
Apenas na hipótese desse recurso ser interposto tempestivamente é que o autor deverá ser intimado
55
A mera interposição do agravo já implica na imediata conversão do rito, não havendo necessidade de que tal recurso seja provido. Nesse sentido, é
o Enunciado n. 28 da ENFAM, segundo o qual “admitido o recurso interposto na forma do art. 304 do CPC/2015, converte‐se o rito antecedente em
principal para apreciação definitiva do mérito da causa, independentemente do provimento ou não do referido recurso.”
para promover o aditamento a que se refere o artigo 303, §1º, I, ciente de que sua inatividade levará à
revogação da liminar e à automática extinção do processo (CPC, art. 303, §2º).56
É preciso que isso fique absolutamente claro na mente do aplicador, e por isso a insistência: a
intimação precisa ser específica, com a indicação precisa da necessidade da emenda da inicial,
conforme prevê o artigo 321 do Código.
Felizmente, este parece ser o caminho que vem sendo trilhado pelo Superior Tribunal de
Justiça, como se vê da ementa abaixo transcrita no que interessa:
56
Enunciado n. 28 da ENFAM: “Admitido o recurso interposto na forma do art. 304 do CPC/2015, converte‐se o rito antecedente em principal para
apreciação definitiva do mérito da causa, independentemente do provimento ou não do referido recurso.”
Este mesmo entendimento foi aplicado em julgado superveniente,57 demonstrando que a
jurisprudência dominante do STJ parece caminhar em um só sentido.
Uma possível solução para o problema
Para que esse rearranjo normativo possa ser adequadamente aplicado ao caso concreto,
entretanto, o juiz terá que promover a adaptação do procedimento, deslocando o termo inicial do
prazo destinado ao aditamento referido no artigo 303, §1º, I para momento posterior ao termo final
estipulado para o réu interpor o agravo a que alude o artigo 304, caput, como sugerido nos capítulos
iniciais deste livro.
Dito de outro modo, o magistrado deverá ordenar a citação e intimação do réu para agravar da
decisão liminar no prazo de 15 dias úteis e, nesse mesmo pronunciamento, deslocar
fundamentadamente o termo inicial do aditamento para dia posterior ao fim dessa quinzena ou
determinar que os autos aguardem o decurso do prazo em Secretaria, para que possa saber qual será
o próximo passo a ser dado.58
Sim, o novo sistema traz também essa possibilidade. E, com o máximo respeito aos que assim
não pensam, existe fundamento normativo mais do que suficiente para essa adequação formal, pois o
artigo 139, VI, admite que o magistrado dilate os prazos processuais, adequando‐os às necessidades
do conflito, para conferir maior efetividade à tutela do direito. Se essa adaptação do procedimento é
permitida para que se possa “conferir maior efetividade à tutela do direito”, com muito mais razão
deve ser admitida quando for a única saída para se conferir aplicabilidade e coerência ao instituto,
pois, em última análise, apenas assim se conferirá alguma efetividade à tutela dos direitos.
Essa sugestão, inclusive, foi acatada na I JDPC/CJF. Por provocação deste autor, foi aprovado
por unanimidade o Enunciado n. 13, cujo teor é o seguinte: "O artigo 139, VI, do CPC autoriza o
deslocamento para o futuro do termo inicial do prazo".
Lembre‐se das duas observações tantas vezes feitas ao longo de todo este livro: a) norma
jurídica é produto da interpretação humana. O texto normativo que a veicula é apenas um dos
veículos por meio dos quais ela é introduzida no ordenamento jurídico;59 b) o Código de Processo Civil
de 2015 precisa ser pensado e aplicado sob a percepção de que ele se trata de um inteiramente novo
Código e não de um Código velho reformado.
Portanto, se houver a interposição do agravo, a juntada da petição correspondente no 1º grau
de jurisdição, em cumprimento ao que determina o artigo 1.018 do CPC, terá uma função adicional:
57
Também assim: TP 3417/MG, DJe de 25.05.21. Em sentido contrário: REsp n. 1.760.966/SP, DJe de 07.12.18.
58
Nesse sentido é o Enunciado nº 581 do FPPC: “O poder de dilação do prazo, previsto no inciso VI do art. 139 e no inciso I do §1º do art. 303, abrange
a fixação do termo final para aditar o pedido inicial posteriormente ao prazo para recorrer da tutela antecipada antecedente”.
59
Daí Humberto Ávila, por exemplo, afirmar com razão “que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado”.
Em, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 54.
noticiar que a estabilização da tutela antecipada não mais poderia ocorrer, o que obrigará o autor a
promover a emenda da inicial, caso não queira que a ação seja extinta.60
Compreendida a função e estrutura dessa nova técnica, será tentada uma maior aproximação
entre ela e as demandas de família, com o objetivo de demonstrar seu enorme potencial de resolver
questões familiares complexas de forma um tanto célere e econômica.
O procedimento da tutela antecipada antecedente, sua estabilização e aplicação às ações
e relações de família
Imagine a situação de uma criança que já tenha tido sua guarda unilateral atribuída à mãe em
demanda precedente. Imagine, agora, que seu pai a tenha retirado deste lar para passar férias ou
feriados prolongados consigo, mas se recusado a restitui‐la no momento estabelecido para tanto, em
flagrante descumprimento ao que ficara acertado anteriormente.
A grande possibilidade de que esta criança falte às aulas na escola em que se encontra
matriculada ou simplesmente deixe de retornar ao lar de sua guardiã atribuiria caráter emergencial à
situação, fornecendo o panorama ideal para que fosse elaborada rapidamente uma petição simples,
desprovida de maiores requintes técnicos, mas que fosse suficiente a apresentar ao magistrado um
resumo desses fatos e do direito assegurado pela sentença proferida na demanda precedente, assim
como um quadro a respeito da urgência e da gravidade da situação que, se não socorrida
imediatamente pelo Judiciário, poderia causar sérios prejuízos a todos os envolvidos. A título de
complemento, bastaria haver a indicação do pedido de tutela final, a atribuição de valor à causa em
consideração ao proveito econômico por este proporcionado e, por óbvio, o requerimento de
concessão da tutela de urgência de busca e apreensão, deixando‐se claro que se estaria valendo da
prerrogativa de peticionamento simplificado (CPC, art. 303) e que a mera estabilização dos efeitos
dessa tutela satisfaria os interesses da autora (CPC, art. 304, caput e §1º), poupando‐se tempo e
possivelmente dinheiro com isso.61
Caso seja deferida a liminar e não apresentado agravo pela parte contrária, o processo seria
extinto e os efeitos da decisão se estabilizariam.
O procedimento sob enfoque poderia ser aplicado, ainda, à seguinte situação hipotética: o
casal se separa de corpos e o consorte que continua habitando sozinho o imóvel comum se recusa a
permitir o acesso do outro a seus próprios documentos pessoais e a diversos bens particulares que
ainda se encontram no local. O fato de inexistir controvérsia a respeito da titularidade exclusiva sobre
tais coisas atribuiria probabilidade suficiente às alegações desta parte. Já a circunstância de se
tratarem de documentos pessoais ou então de bens prometidos à venda ou em risco de sofrerem
60
STJ, REsp 1.766.376/TO, DJe de 28.8.20.
61
Também com este pensamento: FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: famílias. v. 6. 12. ed. Salvador: Juspodivm,
2020, p. 669.
deterioração naquele lugar emprestaria considerável urgência à situação, possibilitando a elaboração
de um requerimento de busca e apreensão desses papéis e objetos.
Semelhante episódio poderia ocorrer quando uma das partes retivesse em seu poder
contratos assinados por ambos ou quaisquer documentos que, por seu conteúdo, fossem comuns ao
casal, ou tivessem sido mencionados por ela em processo judicial ou administrativo em que os dois
figurem como parte, com o objetivo de constituir prova. Neste caso, a exibição desses papéis poderia
ser perfeitamente pleiteada por meio do procedimento aqui estudado, com base nas mesmas razões
utilizadas para fundamentar a hipótese anteriormente mencionada.
Pense, ainda, como esse método poderia ser útil quando o ascendente responsável pela
inclusão do nome do filho como dependente de seu plano de saúde se recusasse a assim proceder, em
franco descumprimento à obrigação imposta em sentença transitada em julgado. A urgência da
situação talvez até pudesse ser considerada presumida nesse caso, em razão da importância da
prestação.
Observe, igualmente, a conveniência da utilização da técnica diante de um episódio em que
um dos consortes, movido por nítido sentimento de vingança, hackeasse os perfis de redes sociais do
outro, apagando dados importantes ou efetuando postagens ofensivas ou de fotos intimas do casal
(nudes), naquela terrível prática que ficou conhecida como “revenge porn”. Nesse caso, os riscos à
honra e imagem seriam tão grandes que a vítima conseguiria facilmente comprovar a urgência e
necessidade da medida, que poderia ser utilizada em face da empresa administradora da rede com a
finalidade exclusiva de que ela resetasse a senha antiga, permitindo a criação de uma nova pelo
verdadeiro titular da conta, sem prejuízo de efetuar a imediata retirada das postagens desautorizadas.
Cogite também o quadro de um dos consortes necessitar urgentemente de alimentos para
manter seu sustento, depois de ter sido subitamente expulso do lar comum sem qualquer motivo
aparente. A gravidade e surpresa com que acontecimentos desse tipo costumam vir à tona
possivelmente impediriam que essa parte tivesse tempo hábil para reunir documentos necessários à
comprovação de suas necessidades e da capacidade contributiva do outro. Daí ela poder se escorar
apenas nas provas que possuísse para deduzir requerimento voltado à obtenção pura e simples de
alguma medida liminar que lhe assegurasse prestação alimentícia.
No exemplo exposto imediatamente acima, a situação ainda se agravaria, toda vez que a
pessoa afastada do lar fosse mulher gestante necessitando de “valores suficientes para cobrir as
despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto,
inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames
complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas
indispensáveis, a juízo do médico”.
Caso a liminar fosse deferida nesse caso também, e o réu não recorresse, os efeitos dessas
decisões também se estabilizariam e o processo simples e rápido seria extinto, sem maiores discussões
a respeito do direito à percepção desses alimentos.62
A técnica sob estudo também poderia ser bastante útil como forma de aceleração das Medidas
Protetivas de Urgência requeridas por mulheres inseridas em situação de violência doméstica, nos
termos da Lei Maria da Penha. Isto porque, como será visto em capítulo específico deste livro, essas
Medidas Protetivas representam, na verdade, uma demanda de natureza cível,63 em cujo âmbito
podem ser requeridas diversas providências de caráter provisório, inclusive liminarmente, como o
afastamento do ofensor do lar comum, a proibição de que ele pratique certas condutas, a restrição ou
suspensão de visitas aos dependentes menores e a prestação de alimentos provisórios à ofendida,
apenas para citar algumas (LMP, arts. 22, II, IV e V).64
Já que diversas dessas providências representam meros efeitos projetados pelo conteúdo
postulado a título de tutela definitiva, tudo recomenda que elas sejam postuladas e deferidas a título
de tutela antecipada antecedente, contando com o grande atrativo de que a mulher sequer precisará
contratar advogado para tanto, pois a Lei Maria da Penha lhe atribui capacidade postulatória para
requerer a aplicação de medidas protetivas de urgência a seu favor (LMP, art. 19, parte final).
O tema voltará a ser abordado no capítulo destinado ao estudo dessas medidas.
Imagine, por fim, como a técnica sob estudo poderia ser útil até mesmo aos pais que
pretendessem obter a guarda ou regulamentar a convivência com seus filhos sem adentrarem a fundo
nas discussões a respeito. Enfim. Mais e mais situações poderiam ser conjeturadas envolvendo os mais
diversos conflitos familiares, se os exemplos acima não fossem suficientemente representativos do
aflitivo panorama em que as partes usualmente se encontram e dos benefícios da utilização da
técnica.
Em todas elas o que se verifica em comum é um quadro de extrema e contemporânea
urgência que o interessado pretende ver remediado pelo Judiciário através da concessão de uma
medida que faça cessar a violação ou ameaça a seus direitos – enfim, que satisfaça e não meramente
os acautele ‐, pouco importando que ela seja fundamentada em cognição sumária, que venha
involucrada por um pronunciamento denominado “sentença” ou que tenha aptidão para fazer coisa
julgada material.
É a verificação prática da satisfação preponderando sobre a segurança jurídica.
62
Nesse sentido é, inclusive, o Enunciado n. 500 do FPPC, segundo o qual: “O regime da estabilização da tutela antecipada antecedente aplica‐se aos
alimentos provisórios previstos no art. 4º da Lei 5.478/1968, observado o §1º do art. 13 da mesma lei”.
63
STJ, REsp 1.550.166/DF, DJe de 18.12.17; AgRg no REsp 1.441.022/MS, DJe de 02.02.15; REsp 1.419.421/GO, DJe de 07.04.14.
64
O STJ já reconheceu o caráter satisfativo da medida protetiva de urgência “alimentos” (RHC 100.446/MG, DJe de 05.12.18).
Felizmente, para que isso aconteça não existe mais necessidade de propositura das demoradas
e cansativas ações de guarda, de alimentos, de regulamentação de regime de convivência, enfim.
Basta o uso do método sob estudo.
Deferida a liminar em qualquer das hipóteses antes tratadas, seria expedido o mandado
correspondente, no qual também constaria a ordem de citação e intimação do réu para interposição
do agravo de instrumento no prazo de 15 dias úteis (CPC, art. 1.003, §5º). Cumprida a ordem e
escoado em branco este prazo, os efeitos da liminar se estabilizariam, o que equivaleria a dizer que a
busca e apreensão, a inclusão do nome do filho no plano de saúde, os alimentos para ex‐consorte ou
gravídicos65 e a atribuição da guarda se tornariam estáveis sob aquelas circunstâncias, somente
podendo vir a ser modificados por meio de ação autônoma, ajuizável dentro do biênio decadencial de
02 anos a que se refere o artigo 304 do Código.
E nem se alegue, sob equivocada premissa, que a estabilização seria incompatível com a
indisponibilidade de alguns direitos ou com as relações jurídicas continuativas, tão comuns nas
situações jurídicas de direito de família. Em primeiro lugar, porque não é apenas pelo fato de o direito
ser indisponível que se impedirá a estabilização, pois mesmo direitos indisponíveis geram efeitos
passíveis de disposição, sobretudo relacionados à forma de seu exercício. Que o digam o valor e a
periodicidade dos alimentos. Tanto é assim que existe entendimento doutrinário pacífico no sentido
de que cabe estabilização da tutela antecipada antecedente até mesmo contra a Fazenda Pública;66 em
segundo, porque o que se estabilizam são os meros efeitos e não o conteúdo das decisões concessivas
da liminar, como dito.
E as situações envolvendo direitos indisponíveis, por óbvio, projetam efeitos fáticos
perfeitamente possíveis de serem antecipados e estabilizados. Aliás, a indisponibilidade talvez torne
até mais importante e urgente a concessão da liminar, como acontece com os casos de fornecimento
de medicamentos diversos com o objetivo de tutelar o direito à saúde de crianças ou pessoas em
estado de vulnerabilidade,67 por exemplo; em terceiro, porque essa estabilização envolve e diz
respeito apenas à situação fática existente no momento em que a liminar é deferida, não alcançando
situações futuras. Ou seja, acoberta determinada causa de pedir e não outra; em quarto e último,
porque a alteração de qualquer quadro fático‐jurídico sempre possibilitará a revisão do julgado
proferido com base na situação alterada, pois não existe no ordenamento jurídico algo que seja
absolutamente indiferente a essa mutação. Eventualmente modificando‐se o cenário fático‐jurídico,
65
O Enunciado n. 522 da V JDC/CJF dispõe que: “Cabe prisão civil do devedor nos casos de não prestação de alimentos gravídicos estabelecidos com
base na Lei n. 11.804/2008, inclusive deferidos em qualquer caso de tutela de urgência”.
66
O Enunciado n. 582 do FPPC dispõe que: “Cabe estabilização da tutela antecipada antecedente contra a Fazenda Pública”. Por sua vez, o Enunciado
n. 135 da JPSEL/CJF é no sentido de que: “Recomenda‐se à Administração Pública permitir a estabilização de tutela antecipada, evitando a
interposição de agravo de instrumento, em casos cuja concessão se deu conforme entendimento pacificado de normas legais e constitucionais pelo
Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente do julgamento em caso de recursos repetitivos ou repercussão
geral ou edição de súmula vinculante.”
67
STJ, REsp 931.513/RS, J. em 25.11.09; AgRg no REsp 1.016.847/SC, DJe de 07.10.13; REsp 963.939/RS, DJe de 06.06.08.
alteram‐se os elementos da ação (causa de pedir), formando‐se uma nova demanda apta a ensejar
nova decisão, completamente diferente da anterior (CPC, art. 505, I).68
De mais a mais, se nem mesmo a coisa julgada impediria a reabertura do debate a respeito das
situações de cunho continuativo, a estabilização jamais poderia representar óbice a que a questão
fosse novamente discutida e rediscutida tantas vezes quantas ocorressem alteração na relação
jurídico‐material base, abrindo‐se oportunidade, inclusive, a que as partes refletissem melhor a
respeito da necessidade de agirem e do melhor momento para tanto.
Portanto, não é pelo fato de ser direito indisponível ou referente a relações de trato sucessivo
que a técnica ficará impedida de ser aplicada.
Nem mesmo a eventual participação do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica nas
ações que versem sobre direitos de incapazes69 ou a respeito de interesse público parece impedir a
estabilização. Muito pelo contrário. Pode até reforçar a necessidade de que ela ocorra no caso
concreto.
Mas, para que se possa chegar a essa conclusão, é preciso que o leitor entenda que tal as
funções desse órgão sofreram intensa e profunda reconfiguração a partir da promulgação da
Constituição Federal e de diversas leis que a seguiram, as quais se tornaram ainda mais perceptíveis
com a entrada em vigor do CPC de 2015.
Basta ver que tal Código não mais impõe a participação obrigatória do órgão nas demandas
concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, curatela, interdição, casamento, declaração de
ausência e disposições de última vontade, como fazia o artigo 82, II do CPC/73, mas sim positiva uma
regra muito mais elástica, estabelecendo que o órgão será intimado para, no prazo de 30 dias, intervir
como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos
processos que envolvam interesse público ou social, interesse de incapaz e litígios coletivos pela posse
de terra rural ou urbana (CPC, art. 178).
Nas ações de família, em particular, o Ministério Público somente intervirá quando houver
interesse de incapaz e quando figurar como parte vítima de violência doméstica e familiar, nos termos
da Lei Maria da Penha (L. 11.340/06), devendo, em qualquer caso, ser ouvido previamente à
homologação de acordo, diz o artigo 698, caput e parágrafo único do Código.
68
Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I ‐ se, tratando‐se de relação jurídica de trato
continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença.
69
Lembrando que as alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (L. 13.146/15) no regime das incapacidades traçado pelo Código
Civil (arts. 3º e 4º), impossibilitam que se considere como absolutamente incapaz a pessoa adulta que, por causa permanente, encontra‐se inapta
para gerir sua pessoa e administrar seus bens de modo voluntário e consciente. Logo, a incapacidade absoluta para exercer pessoalmente os atos da
vida civil é algo que se restringe aos menores de 16 (dezesseis) anos, pois o critério passou a ser exclusivamente etário, tendo sido eliminadas as
hipóteses de deficiência mental ou intelectual anteriormente previstas no Código Civil. (STJ, REsp 1.927.423/SP, J. em de 27.4.21).
Acontece que nenhuma dessas intervenções será obrigatória. Não. O que se mostra
absolutamente necessário é que haja sua intimação pessoal, na forma imposta pelos arts. 178 e 179
do CPC, para que seu membro proceda à identificação do interesse público no processo ao seu
exclusivo juízo, pautando‐se de acordo com essa convicção (Recomendação CNMP nº 34/16).70 Tanto é
assim que os atos praticados pelo juízo sem a efetiva participação do órgão ministerial, serão válidos a
princípio, pois a nulidade só poderá ser decretada após a intimação da instituição, que se manifestará
sobre a existência ou a inexistência de prejuízo, conforme dispõe o artigo 279, §2º do Código e o que
já foi longamente explicado em Capítulo específico deste livro, dedicado ao estudo do procedimento
especial das ações de família.71
Portanto, além de o Ministério Público não necessariamente intervir em todas as ações de
família, naquelas em que se mostrar necessária sua intimação, seu representante terá vista pessoal
dos autos somente depois do decurso do prazo aberto ao réu para interposição do agravo de
instrumento (CPC, art. 179), o que, longe de representar qualquer obstáculo à adoção da técnica,
muito provavelmente reforçaria a necessidade de estabilização, em razão de ela favorecer o incapaz.
Talvez um único retoque devesse ser feito ao subsistema de consectários da sucumbência nas
sentenças que extinguem os procedimentos pela não interposição de agravo pelo réu, para que o
instituto sob estudo fosse aprimorado. É que, embora o novo método pretenda desestimular o réu a
se defender justamente para que os efeitos da tutela se estabilizem logo no início do curso do
processo, a não interposição de recurso no prazo legal não lhe imporá apenas um mero ônus
imperfeito, mas sim um ônus perfeito, decorrente da estabilização obrigatória e automática dos efeitos
práticos da tutela antecipada e da correspectiva extinção do processo, sem que nada possa ser feito a
respeito naquele mesmo procedimento e grau de jurisdição.72
Por isso é que o regramento dos custos financeiros inerentes à sucumbência talvez merecesse
seguir o modelo da ação monitória, que prevê a isenção do pagamento de custas processuais e
redução do percentual de honorários advocatícios para 5% do valor atribuído à causa, na hipótese de o
réu cumprir a liminar ou deixar de apresentar o recurso de agravo de instrumento, como vem
defendendo respeitável parcela da literatura,73 o que, ao menos em tese, pode encontrar permissão
na regra do artigo 327, §2º do CPC – que autoriza a aplicação de “técnicas processuais diferenciadas”
previstas nos procedimentos especiais a outros ritos.
Ao fim e ao cabo, percebe‐se que a autonomização da tutela antecipada concedida sob essa
modalidade realmente tem tudo para agilizar e incrementar o procedimento. Afinal de contas, tanto
70
ADI 1.936/PE (Informativo nº 278/STF).
71
Dentre vários: STJ, REsp 1.795.395/MT, J. em 04.05.21; REsp 1.831.660/MA, DJe de 13.12.19.
72
A outra possibilidade aberta ao réu (e ao autor também) é a promoção de demanda autônoma do art. 304.
73
Nesse sentido, p. ex.: CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 313. O enunciado n. 18 da
ENFAM dispõe que: “Na estabilização da tutela antecipada, o réu ficará isento do pagamento das custas e os honorários deverão ser fixados no
percentual de 5% sobre o valor da causa (art. 304, caput, c/c o art. 701, caput, do CPC/2015).”
aquele guardião que veja o filho retornar a seu lar, quanto o consorte expulso do lar comum que
consiga receber pensão alimentícia ou o ascendente que logre êxito na inclusão do filho no plano de
saúde, podem se contentar com as medidas concedidas em seu benefício pelo Poder Judiciário,
abrindo mão provisória ou definitivamente de continuarem litigando em busca da certificação de seus
direitos, por meio de uma decisão de mérito a respeito. Por outro lado, os réus desses processos,
cientes de que a estabilização não impedirá a rediscussão futura ‐ logo, jamais dará azo à formação de
precedentes obrigatórios (CPC, art. 927) ‐, e de que o agravo possui altos custos para sua interposição
(CPC, art. 1.017, §1º), que incluem a contratação de advogado, talvez reflitam melhor sobre a
desnecessidade de oporem resistência a determinadas postulações e se deem por satisfeitos com a
estabilização, notadamente se o Judiciário tiver a sensibilidade e coerência de lhes conceder a “sanção
premial” referente aos consectários da sucumbência, na forma antes sugerida.
Não sendo essa a intenção, a via litigiosa inerente ao rito das ações de família lhes estará
sempre aberta.
Particularmente, não tenho dúvida de que o sistema, como um todo, sairá lucrando com a
adoção desse método, pois uma enorme quantidade de processos e recursos poderá deixar de ser
apresentada de modo a contribuir significativamente para a redução das taxas de congestionamento
do Poder Judiciário.
Para facilitar a assimilação do que foi dito, confira o seguinte mapa mental:
Mapa Mental da Tutela Antecipada Antecedente
Não aditamento Processo extinto sem
resolução do mérito
Liminar Autor pode aditar, sem
Indeferida possibilidade de estabilização
Aditamento
Requerimento Celebração de
de Tutela acordo
Antecipada (Processo extinto
(ex.: entrega de com resolução do
chaves de mérito)
veículo)
Aditamento do Audiência de conciliação
pedido e mediação
(art. 303, §1º, I c/c 334)
Não celebração de
acordo
(continuação do
processo pelo rito
comum)
(art. 303, §1º, III)
Autor deve ser intimado para aditar
o pedido em 15 dias
(art. 303, §1º, I)
Processo extinto sem
Não aditamento resolução do mérito
do pedido +
Revogação da liminar
(art. 303, §2º)
Agrava de instrumento
(art. 304, caput)
Liminar Citação e
deferida intimação do réu
(pessoal)
(art. 303, §1º, II)
Não agrava de
instrumento
(liminar estabilizada
+
processo extinto sem
resolução do mérito)
(art. 304, caput e §1º)
A tutela provisória da evidência
Devido ao fato de a tutela da evidência ser uma espécie de tutela provisória, mais
precisamente uma subespécie de tutela satisfativa, muito do que foi dito anteriormente pode lhe ser
aplicado. Logo, sua concessão dependerá, em regra, de requerimento da parte interessada, a decisão
que eventualmente vier a deferi‐la será caracterizada pela precariedade, sua efetivação será
processada na forma prevista para a tramitação do cumprimento provisório de sentença etc.
No entanto, uma característica em especial a diferencia sobremaneira da tutela de urgência: o
fato de ela independer da comprovação de situação de urgência e de qualquer perigo para sua
concessão, justamente em razão da altíssima probabilidade de o direito e dos fatos alegados estarem
suficientemente comprovados no processo.
Não por acaso ela é denominada tutela “da evidência”.
Mas, se a parte não precisa comprovar o “perigo da demora”, é claro que necessita
demonstrar a “probabilidade de seu direito” para que a tutela possa ser concedida. Afinal, não custa
repetir: a tutela da evidência é uma espécie do gênero tutela provisória.
A “evidência”, portanto, é uma situação processual. Uma situação processual resultante do
somatório da probabilidade do direito alegado pela parte com alguma outra exigência expressamente
imposta pelo legislador, que não seja a urgência.
Essa “exigência” é algo bastante variável e fica sempre ao alvedrio do legislador. Em certos
casos, ela pode ser um comportamento da parte contrária, como o abuso do processo. Em outros,
pode ser a robustez da prova apresentada pelo demandante.
Não existe, contudo, rigidez a respeito. O legislador é livre para criar hipóteses de cabimento
da tutela da evidência.
Devido ao fato de ela exigir probabilidade do direito, mas não exigir urgência, muitos dizem
que ela representa “uma tutela provisória sem o requisito da urgência”, sendo bastante comum,
também, escutar por aí que ela permite uma “liminar sem demonstração de urgência”.
Embora sejam expressões coletadas do dia‐a‐dia forense, e não conceitos elaborados pela
academia, ambas possuem um fundo de verdade.
A partir do momento em que se tem essa compreensão, torna‐se mais fácil identificar as
diversas hipóteses de cabimento de tutela da evidência espalhados pelo texto do Código de Processo
Civil e da legislação extravagante. Alguns são verdadeiros clássicos, como a liminar das ações
possessórias, a liminar dos embargos de terceiro e a liminar da ação monitória.
No entanto, o legislador de 2015 pretendeu traçar um regime geral a seu respeito no artigo
311 do CPC, da seguinte forma:
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de
perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I ‐ ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da
parte;
II ‐ as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese
firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III ‐ se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato
de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob
cominação de multa;
IV ‐ a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do
direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
Lendo‐se este texto normativo com o auxílio do que foi dito há pouco, pode‐se traçar o
seguinte esquema para auxiliar a compreensão da tutela da evidência:
ou
comprovação documental das alegações de fato e existência
EVIDÊNCIA = PROBABILIDADE DO DIREITO + de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em
súmula vinculante
ou
haver pedido reipersecutório fundado em prova documental
adequada do contrato de depósito
ou
Perceba que nessas e em outras situações trazidas pelo ordenamento, o direito se mostra tão
evidente que não faria sentido privar o autor de obter imediatamente a tutela provisória, ainda que o
estado de coisas não apresentasse qualquer urgência. É uma questão de justiça. Como diria Fernando
da Fonseca Gajardoni,74 “com a concessão da tutela da evidência, o tempo do processo é distribuído
com mais Justiça entre as partes, fazendo com que aquele que aparenta não ter razão acabe por
suportá‐lo (e não o autor, como é a regra)".
Além do mais, não custa repetir que ela só pode ser requerida e concedida em processo em
curso, pois apenas sob esse cenário é que se poderia verificar tamanha clareza. Não existe, assim, algo
como uma tutela da evidência antecedente.
Convém deixar claro, no entanto, que o dispositivo acima transcrito não encerra todas as
situações que autorizam a concessão da tutela da evidência. Isto é, ele não contempla um rol taxativo.
74
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Comentários ao art. 311. Em: GAJARDONI, Fernando da Fonseca [e col.] (coord.). Teoria Geral do Processo:
comentários ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p. 459.
Muito pelo contrário. Como dito linhas acima, o ordenamento jurídico contempla diversas outras,
tanto no CPC, quanto em leis extravagantes. A decisão liminar das ações possessórias (art. 562) e dos
embargos de terceiro (art. 678), bem como o pronunciamento do juiz, no âmbito da partilha
sucessória, que concede a qualquer dos herdeiros o uso e fruição de determinado bem,
antecipadamente, sob condição de oportunamente leva‐lo à colação (art. 647, par. ún.), ou, ainda, a
decisão inicial da ação monitória (art. 701), representam exemplos da primeira hipótese. Já a liminar
de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente (DL n. 911/69), a liminar de despejo para uso
próprio (L. 8.245/91, art. 47, III) e a decretação da indisponibilidade de bens em ações de improbidade
administrativa (Lei n. 8.429/92, art. 7º), assim como todas aquelas hipóteses em que o legislador
autorizar a concessão de tutelas provisórias fundadas em cognição sumária sem exigência da
demonstração de urgência, representam casos de tutela provisória da evidência previstos na legislação
extravagante.
No Direito das Famílias, talvez a mais significativa hipótese de tutela da evidência advenha dos
alimentos provisórios previstos pela Lei 5.478/68, já que o legislador deixa absolutamente claro a
desnecessidade de haver urgência na situação tutelanda, ao enunciar que “ao despachar o pedido, o
juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor
expressamente declarar que deles não necessita” (art. 4º, caput). Isso não obsta, é claro, que eles
sejam fixados a título de tutela de urgência, naqueles casos em que inexistir “evidência”, a exemplo do
que acontece quando não há prova pré‐constituída do parentesco ou da obrigação alimentar do
devedor (L. 5.478/68, artigo 2º, caput, interpretado em sentido contrário), como costuma acontecer
nas ações dissolutórias de união estável cumuladas com alimentos.
Nesse caso, será indispensável a demonstração tanto da probabilidade do direito, quanto do
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 300).
Neste livro, porém, serão tratadas apenas as hipóteses referidas no artigo 311, pois elas
consagram o regramento geral, aplicável a todo e qualquer processo.
Apesar de, normalmente, ser concedida no curso do procedimento, isto é, antes da prolação
da sentença, nada impede que o juiz conceda a tutela da evidência em sentença, entregando
provisoriamente ao autor uma ou mais providências concedidas antecipadamente. Essa prática possui
o grande atrativo de retirar o efeito suspensivo de apelação eventualmente interposta pela parte
vencida, contribuindo significativamente para a efetivação do direito conferido ao vencedor (CPC, art.
1.012, §1º, V c/c artigo 1.013, §5º).
As hipóteses genéricas de cabimento da tutela da evidência
Analisando‐se detidamente o caput do artigo 311, nota‐se que ele enuncia que a tutela da
evidência será concedida independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao
resultado útil do processo. Mas é claro que o autor tem que demonstrar também a plausibilidade
inicial de seu direito, já que o assim chamado fumus boni iuris é um requisito inerente a toda e
qualquer tutela provisória.75
A “evidência”, como dito, é uma situação jurídica processual, uma consequência decorrente de
um somatório de fatores, e não uma decorrência automática da aplicação das regras previstas nos
incisos do artigo 311, às situações fáticas que atraírem sua incidência. Não seria sequer sensato que a
mera protelação de uma parte gerasse automaticamente a aplicação da tutela da evidência, se a outra
parte não demonstrasse, pelo menos, a probabilidade de seu direito, até porque não seria de se
desconsiderar por completo que o litigante protelatório, e até de má‐fé, merecesse tutela favorável a
seu direito no caso concreto, ainda que viesse a sofrer sanções processuais por sua conduta.
Por isso é que o aplicador deve ter redobrada atenção na análise, sempre e em qualquer caso,
da probabilidade do direito colocado em debate.
De acordo com o disposto no inciso I do dispositivo em questão, a tutela da evidência pode ser
concedida toda vez que restar caracterizado nos autos o abuso do direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório da parte. Portanto, sempre que o réu se opuser injustificadamente à pretensão
autoral tanto praticando atos postulatórios – como a apresentação de peças defensivas vazias ou
simplesmente repetitivas, a dedução de requerimentos unilaterais de suspensão do curso do
procedimento, por exemplo – quanto adotando comportamento omissivos ou comissivos
contraditórios – como o não comparecimento à audiência de conciliação/mediação designada a
requerimento dele mesmo ou o não fornecimento de meios necessários para a produção da prova por
ele mesmo requerida, por exemplo ‐, ou, ainda, praticando atos extraprocessuais – como a retenção
indevida de autos ou a retirada de autos da secretaria com seguidos pedidos de carga, por exemplo ‐, o
autor poderá requerer ao juiz que antecipe alguns efeitos da tutela definitiva, não com base em
alguma situação de urgência ou de qualquer perigo de dano ou do risco ao resultado útil ao processo,
mas sim com fundamento no fato de o réu estar se comportando de modo processualmente
inadequado ao deixar de controverter seriamente suas alegações para, em vez disso, apresentar
manifestações desprovidas de qualquer base legítima com o nítido propósito de atrasar a entrega da
prestação jurisdicional definitiva.
Nesse caso, não haverá necessidade de ser deduzido pedido a respeito. Bastará mero
requerimento nesse sentido, a ser formulado em contestação ou reconvenção, podendo o juiz até
mesmo concedê‐la de ofício em situações excepcionais que envolvam sujeitos vulneráveis, por
75
Enunciado n. 47 da I JDPC/CJF: “A probabilidade do direito constitui requisito para concessão da tutela da evidência fundada em abuso do direito de
defesa ou em manifesto propósito protelatório da parte contrária.”
exemplo. Afinal, a tutela da evidência, por ser subtipo de tutela provisória, não entregará o conteúdo
ao interessado – ou seja, uma condenação, uma declaração ou uma constituição ‐, mas meros efeitos
deste conteúdo, como a fruição prática de algum benefício que, a rigor, somente seria concedido pela
sentença de procedência.
Perceba: não existe urgência, porém o que era mera probabilidade do direito alegado passa a
constituir uma “quase certeza”, uma evidência, portanto, justamente em razão do comportamento
displicente da parte. Por isso enxerga‐se nessa hipótese algo punitivo ou sancionatório, ainda que a
averiguação do elemento subjetivo por detrás dessa conduta seja absolutamente desnecessária.76
Sim, o elemento subjetivo é necessário para o reconhecimento da litigância de má‐fé pela
prática de condutas assemelhadas (CPC, art. 80, III, IV e VI, p. ex.), mas não para a aplicação da técnica
sob estudo.
Como existe necessidade de participação do réu para que a evidência surja nesse caso, o artigo
9º, parágrafo único, II proíbe a concessão da medida liminarmente.
No inciso II, o legislador prevê a possibilidade de a tutela da evidência ser concedida quando as
alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em
julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Nesse caso a evidência do direito decorre
de um duplo acontecimento: o fato de já existirem nos autos provas documentais suficientes para a
comprovação dos fatos alegados pela parte e o fato de haver tese jurídica firmada em precedente
obrigatório no mesmo sentido daquilo que é sustentado por essa parte.
Apesar de o enunciado desse inciso exigir que a tese tenha sido firmada apenas “em
julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”, a razão parece estar com a parcela da
literatura que sugere que tal trecho do texto seja interpretado extensiva e sistematicamente para
admitir que teses firmada em qualquer precedente obrigatório previsto pelo art. 927 do CPC possam
levar a idêntica conclusão.
Nesse sentido, inclusive, foi aprovado o Enunciado n. 48 na I JDPC/CJF, dispondo que “é
admissível a tutela provisória da evidência, prevista no art. 311, II, do CPC, também em casos de tese
firmada em repercussão geral ou em súmulas dos tribunais superiores”, cuja redação se assemelha à
do Enunciado n. 30 da ENFAM.
Afinal, o que a norma parece requerer é que exista tese jurídica consolidada na
jurisprudência.77
Mas, assim como na hipótese anterior, não existe urgência nem risco.
76
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. v. 2. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p.
633.
77
Nesse sentido: BODART. Bruno V. da Rós. Tutela de Evidência: teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o
novo CPC. São Paulo: RT, 2015. p. 124.
Bem vistas as coisas, nota‐se que este inciso exerce uma verdadeira função de reforço ao
sistema de precedentes instituído pelo CPC/15.
O inciso III autoriza a concessão da medida naqueles casos em que a parte deduzir pedido
reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, de pouco ou
nenhum interesse para as ações de família.
Por fim, o inciso IV trata da hipótese em que a petição inicial venha instruída com prova
documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz
de gerar dúvida razoável. Perceba que essa situação também prescinde de urgência ou risco e é
bastante assemelhada àquela autorizativa de julgamento antecipado da lide (CPC, art. 355, I e II),
justamente pelo fato de ambas tornarem desnecessária a produção de outras provas.
Como existe necessidade de participação do réu para que a evidência surja nesse caso, o artigo
9º, parágrafo único, II proíbe a concessão da medida liminarmente.
Apesar de se referir à prova documental, é claro que este inciso também admite a concessão
de tutela provisória da evidência se a parte interessada fizer a comprovação necessária por meio de
“prova documentada”, ou seja, por aquela prova de natureza diversa da documental, mas que tenha
sido documentada em algum suporte físico, como a ata notarial (CPC, art. 384), a oitiva de
testemunhas e o depoimento pessoal coletados em outros processos, sob contraditório (CPC, art.
372), por exemplo.
O grande atrativo deste tipo de prova é o fato de ela manter a natureza daquela que por ele
tenha sido documentada, o que faz com que um depoimento pessoal ou uma perícia realizadas em
outro processo, por exemplo, continuem sendo prova oral e pericial, respectivamente, mesmo em
outro processo, no qual ingressarão como prova emprestada (CPC, art. 372).
Fechando o sistema, o parágrafo único do artigo 311, lido conjuntamente com o artigo 9º,
parágrafo único, II do Código, deixa claro que apenas as hipóteses versadas nos incisos II e III
autorizarão o juiz a decidir liminarmente, mesmo sem prévia oitiva do réu, o que chega a ser intuitivo
em razão de as demais hipóteses previstas nos incisos I e IV dependerem de comportamento a ser
adotado por esta parte, após sua citação.
A tutela da evidência nas ações de família
Nas ações de família, em que a litigiosidade é, por vezes, bastante intensa, a técnica sob
estudo encontra grande campo de aplicação.
Para além dos alimentos provisórios, quem nunca se deparou com um caso concreto em que
uma das partes fazia de tudo para atravancar a marcha do processo, requerendo dilatação de prazos,
opondo sucessivos embargos declaratórios, arrolando testemunhas residentes nos recantos mais
distantes da federação, solicitando designação de audiências às quais não comparece etc? Quem
nunca vivenciou situações de carga de autos físicos (retirada do processo físico da Secretaria da Vara)
que pareciam não ter fim, porque o profissional simplesmente se recusava a restituí‐los ou se deparou
com casos em que a parte se recusava a fornecer informações ou apresentar documentos requisitados
pelo juízo? Quem nunca teve que replicar contestações que não controvertiam seriamente os fatos,
nem continham qualquer documento capaz de causar dúvida razoável na mente do julgador, quando
não se limitavam à negativa geral dos fatos fora das hipóteses autorizativas a que isso acontecesse?
Esses e diversos outros cenários atrairiam, em tese, a aplicação das regras prescritas pelos
incisos I e IV do artigo 311, possibilitando a aplicação da técnica desde que, é claro, haja comprovação
da probabilidade do direito alegado.
É muito comum, também, que as alegações de fato consigam ser comprovadas apenas
documentalmente, demonstrando a probabilidade do direito, e ainda exista tese firmada em
julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Seria exemplificar com o caso de uma
questão envolvendo a incidência da pensão alimentícia sobre o décimo terceiro salário e o terço
constitucional de férias (gratificação natalina e gratificação de férias),78 ou, ainda, a penhora de imóvel
no qual se localiza o estabelecimento da empresa, quando inexistentes outros bens passíveis de
penhora e desde que não seja servil à residência da família,79 já que ambas são teses firmadas em
Recursos Especiais repetitivos.
Incontáveis outros panoramas poderiam ser imaginados no cotidiano das Varas de Família,
desfiando a criatividade e o senso inovador do profissional.
Ao contrário do que se poderia imaginar em um primeiro momento, a tutela da evidência não
se confunde com o julgamento antecipado da lide. Apesar de se assemelharem em alguns pontos, se
distinguem basicamente pelo fato deste permitir a concessão da tutela definitiva baseada em cognição
completa (CPC, arts. 355 e 356) e não meramente uma tutela de natureza provisória.
Veja o que enunciam tais dispositivos:
Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de
mérito, quando:
I ‐ não houver necessidade de produção de outras provas;
II ‐ o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no artigo 344 e não houver requerimento de
prova, na forma do artigo 349.
78
STJ, Súm. 301: “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter‐se ao exame de dna induz presunção juris tantum de paternidade”.
79
STJ, Súm. 451 e REsp 1.114.767/RS, DJe de 02.12.09 (Tema 287).
Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados
ou parcela deles:
I ‐ mostrar‐se incontroverso;
II ‐ estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do artigo 355.
Eles tratam de situações absolutamente distintas, que não podem receber tratamento
assemelhado ao da tutela provisória.
Lembre‐se que a tutela provisória, por todos os motivos e características já mencionados neste
livro, não se presta a conceder o conteúdo do ato jurídico, mas apenas a antecipar alguns de seus
efeitos fáticos ou jurídicos. Todavia, não se pode desconsiderar que, em algumas situações, como
aquelas já mencionadas, os requisitos necessários para o julgamento antecipado do mérito (CPC, art.
355, I) e para a concessão da tutela da evidência (CPC, art. 311, II e IV) meio que se assemelham,
permitindo que o juiz tanto julgue a causa de forma definitiva, entregando seu conteúdo, quanto
meramente defira a tutela provisória, entregando meros efeitos às partes.
O quadro abaixo bem demonstra a semelhança acima referida:
DA TUTELA DA EVIDÊNCIA DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO
MÉRITO
Art. 311. A tutela da evidência será Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o
concedida, independentemente da pedido, proferindo sentença com resolução
demonstração de perigo de dano ou de de mérito, quando:
risco ao resultado útil do processo,
quando:
[...]
II ‐ as alegações de fato puderem ser I ‐ não houver necessidade de produção de
comprovadas apenas documentalmente e outras provas;
houver tese firmada em julgamento de
casos repetitivos ou em súmula vinculante;
[...]
IV ‐ a petição inicial for instruída com prova II ‐ o réu for revel, ocorrer o efeito
documental suficiente dos fatos previsto no artigo 344 e não houver
constitutivos do direito do autor, a que o requerimento de prova, na forma do
réu não oponha prova capaz de gerar artigo 349.
dúvida razoável.
Veja que, se o pedido deduzido na demanda se fundamentar em tese firmada em precedente
vinculante, e as alegações de fato dependerem de comprovação meramente documental já realizada
nos autos, o juiz se encontrará autorizado tanto a conceder a tutela provisória com fundamento no
artigo 311, II, quanto a julgar antecipadamente o mérito com lastro no artigo 355, I, pois o processo
estará maduro para julgamento, tornando desnecessário o prolongamento da instrução.
O mesmo ocorrerá quando a petição inicial já vier acompanhada de prova documental
suficientemente segura a respeito dos fatos e o réu, depois de ouvido, não opuser prova capaz de
gerar dúvida razoável na convicção do juiz, pois a evidência daí resultante tornará os fatos
incontroversos, autorizando tanto a concessão da tutela provisória com base no artigo 311, IV, quanto
o julgamento do mérito fundamentado no artigo 355, I.
Comparando‐se as possibilidades, constata‐se que a diferença reside apenas na consequência
que essa desnecessidade [de urgência] projetará sobre a convicção do juiz. Se, após a oportunidade
aberta ao réu de contrapor a prova documental apresentada na inicial, o magistrado estiver
plenamente convencido da desnecessidade de produção de qualquer outra prova para comprovação
dos fatos alegados pelo autor, poderá prestar a tutela definitiva baseado em cognição plena e
exauriente. Nesse caso, julgará antecipadamente o pedido por meio de sentença de mérito (CPC, art.
355, I) dotada de aptidão para ser acobertada pela coisa julgada (CPC, art. 502), entregando o
verdadeiro conteúdo do ato. Por outro lado, se a prova documental apresentada pelo autor e
precariamente controvertida pelo réu não for suficiente para formar sua convicção de forma plena e
exauriente, mas servir apenas para reforçar a probabilidade acerca do direito em que se funda a
pretensão autoral, poderá ser concedida a tutela provisória da evidência a que se refere o dispositivo
em questão, por meio de decisão interlocutória inapta a formar coisa julgada, já que concederá
meramente alguns efeitos do ato.
No primeiro caso, estaria concedendo a própria tutela em si, como faria ao decretar a partilha
de determinado bem, por exemplo; no segundo, apenas adiantaria provisoriamente algum(ns) do(s)
efeito(s) dessa tutela, como ocorreria se ordenasse a mera a indisponibilidade de tal bem, sem,
contudo, determinar seu efetivo partilhamento.
Isso conduz à conclusão de que “é o grau de convencimento do juiz, pautado na maior ou
menor completude da instrução, que penderá o fiel da balança para uma ou outra direção”.80
E nem se argumente, sob equivocada premissa, que o julgador dependeria de provocação para
fazer isso. Afinal, a técnica em estudo seria aplicada aqui como um mero método de atuação judicial,
pois o requerimento pertinente já teria sido externado pela parte por ocasião da dedução do próprio
pedido e os elementos existentes nos autos já o teriam conduzido, a essa altura, a um juízo de certeza
proporcionado pela evidência, restando‐lhe meramente julgar a causa.
Considerando‐se tudo o que foi dito, percebe‐se que a tutela da evidência é daquelas técnicas
que, aplicadas adequadamente, podem contribuir de forma significativa para que o procedimento das
80
Nesse sentido: RODRIGUES, Marco Antonio dos Santos; RANGEL, Rafael Calmon. A tutela da evidência como técnica de atuação judicial. Revista de
Processo n. 271, 2017, pp. 210‐234.
ações de família tenha maior rendimento, dado seu enorme potencial de penalizar o réu desidioso e,
de certo modo, inverter o estado agônico que normalmente aflige o autor que se encontra em busca
de uma tutela célere e eficiente, mas que vem sendo resistida imotivadamente.