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Emergências Pediátricas - Acidentes Ofídicos

Sistema de Protocolos

Emergências Pediátricas - Acidentes Ofídicos


Todas Áreas

Objetivos:
• Descrever as características clínico-laboratoriais dos acidentes ofídicos
• Delinear os tratamentos dos acidentes ofídicos

Data da última alteração: quinta, 02 de dezembro de 2021

Data de validade da versão: sábado, 02 de dezembro de 2023

Autores e Afiliação:
Palmira Cupo 1
Viviane do Carmo Custódio 2

1 Professora Doutora do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de


Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
2 Médica Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo

Definição / Quadro Clínico:


As serpentes venenosas de importância médica são as dos gêneros Bothrops (jararacas),
Crotalus (cascavéis), Lachesis (surucucu) e Micrurus (corais). Com exceção das serpentes
do gênero Micrurus, todas as demais serpentes peçonhentas possuem, entre o olho e a
narina, a fosseta loreal, órgão sensível termorreceptor, através do qual as serpentes se
orientam. As serpentes peçonhentas apresentam duas presas móveis maiores para a
inoculação de veneno, exceto as serpentes do gênero Micrurus, que possuem duas presas
anteriores pequenas e fixas. O sinal das duas presas é característico das cobras
peçonhentas, mas ocasionalmente pode ocorrer única perfuração ou simples arranhadura.
Geralmente, nas cobras não venenosas, a cauda é longa e vai afilando-se gradualmente,
ao contrário das venenosas que possuem cauda curta que afina bruscamente (Figura 1).

Diagnóstico:
O diagnóstico do envenenamento é feito pelas manifestações clinicas, que variam de
acordo com o gênero das diferentes serpentes existentes no país (Quadro 1). Ressalta-se
que o paciente pode ter sido picado e apresentar a marca das presas, mas não ter
sintomatologia alguma (picada seca ou “dry bite”).

Acidentes Botrópicos

Manifestações clínicas
• Locais: Dor e edema endurado local, de intensidade variável, em geral de instalação
precoce e progressivo. Pode haver sangramento nos pontos de inoculação do veneno,
equimoses e bolhas no local e à distância, acompanhados ou não de necrose.
• Sistêmicas: Pode ocorrer hemorragia à distância, como gengivorragia, epistaxe,
hematêmese, hematúria, sangramentos em ferimentos cutâneos pré-existentes e em
sistema nervoso central.

Alterações laboratoriais

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Alteração de TP, TTPA e fibrinogênio. Hemograma com leucocitose e neutrofilia, podendo


ocorrer plaquetopenia e anemia. Urina I com proteinúria e hematúria. Monitorar eletrólitos,
ureia e creatinina (pode ocorrer lesão renal aguda).

Classificação clínica quanto à gravidade


Os acidentes botrópicos são classificados em leve, moderado e grave, sempre levando em
conta o tempo entre o acidente e o início e a intensidade das manifestações. Quanto mais
rápido aparecerem os sinais e sintomas, maior a gravidade. Manifestações locais intensas
(edema de vários segmentos, bolhas, necroses) podem ser o único critério de gravidade
(Quadro 2).

Complicações
• Locais: abscesso, necrose, síndrome de compartimento, amputação.
• Sistêmicas: sangramentos ou hemorragias em regiões nobres (cérebro, pulmão) lesão
renal aguda.

Acidente Laquético

A fisiopatologia, as manifestações clínicas e as complicações do acidente laquético são


semelhantes às do acidente botrópico, acrescidas da ação neurotóxica, que é descrita
como ação do tipo estimulação vagal que promove bradicardia, cólicas abdominais,
diarreia, hipotensão arterial, tonturas e escurecimento visual.

Acidente Crotálico

Manifestações clínicas
• Locais: Dor de pequena intensidade, parestesia local ou regional, edema ou eritema
discretos ou ausentes nos pontos de inoculação das presas.
• Sistêmicas: mal estar, prostração, sudorese, náuseas, vômitos, secura da boca,
sonolência.
• Neurológicas: ptose palpebral, flacidez da musculatura da face (facies miastênica),
midriase, visão turva, diplopia e, menos frequentemente, paralisia velopalatina, com
dificuldade à deglutição, alterações do paladar e do olfato.
• Musculares: mialgia, rabdomiólise, mioglobinúria, pode evoluir para lesão renal aguda.
Insuficiência respiratória aguda, fasciculações e paralisias de grupos musculares têm sido
relatadas ocasionalmente e podem decorrer das atividades miotóxica e/ou neurotóxica do
veneno.
• Hemorrágicas: pode ocorrer incoagulabilidade sanguínea com alteração do TP, TTPA e
fibrinogênio, podendo haver discreto sangramento, restrito aos locais de traumatismo
prévio.

Alterações laboratoriais
Alteração de TP, TTPA e fibrinogênio. Hemograma com leucocitose e neutrofilia. Urina I
com heme pigmento (mioglobinúria). Aumento das concentrações de creatinoquinase
(CPK) e sua fração CK-MB (indicando lesão muscular e não cardíaca), desidrogenase lática
(LDH), transaminase glutâmico-oxalacética (TGO), transaminase glutâmico-pirúvica (TGP),
e aldolase, que se elevam nos dias subsequentes.

Classificação quanto à gravidade


Os acidentes crotálicos são classificados em leves, moderados e graves (Quadro 3).

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Complicações
Lesão renal aguda hipercatabólica, muitas vezes necessitando de métodos dialíticos e,
mais raramente, insuficiência respiratória aguda.

Acidente Elapídico

Manifestações clínicas
• Locais: dor local discreta ou moderada, geralmente acompanhada de parestesia local ou
regional, de intensidade variável. A marca das presas pode ou não ser encontrada, devido
à pequena abertura da boca da serpente, às vezes, só aparece uma arranhadura.
• Neurotóxicas: fraqueza muscular progressiva, com ptose palpebral, oftalmoplegia,
diplopia, turvação visual e presença de fácies miastênica (semelhante ao acidente
crotálico). Pode surgir dificuldade para manutenção da posição ereta, por diminuição da
força muscular, mialgia local ou generalizada e dificuldade para deglutir, devido à paralisia
do véu palatino, com aumento da salivação. A paralisia flácida de musculatura respiratória
compromete a ventilação e pode evoluir para insuficiência respiratória aguda.

Alterações laboratoriais
• Pode ocorrer aumento discreto ou moderado da CPK. Nos pacientes com dificuldade
respiratória monitorar oximetria de pulso (SpO2) e gasometria arterial.

Classificação quanto à gravidade


• Os acidentes elapídicos são classificados em leves, moderados e graves (Quadro 4).

Exames Complementares:
Ver em "Diagnóstico".

Tratamento:
Atendimento inicial às vítimas de acidentes ofídicos

O que não se deve fazer


• Não usar torniquete (garrote).
• Não cortar, não aspirar, não provocar qualquer ferimento no local da picada.
• Não colocar substâncias de qualquer natureza sobre o local (fumo, folhas, cinzas, pinga,
etc.).
• Não romper bolhas.
• Não dar bebidas alcoólicas ou qualquer outra bebida ao paciente, exceto água.
• Não dar sedativos ao paciente.

Conduta inicial
• Limpar o local da picada com água e sabão.
• Manter o paciente calmo e deitado, evitando andar.
• Sempre acionar o Centro de Informações Toxicológicas para orientação (levar o paciente
o mais rápido possível para hospital de referência, onde exista soro antiveneno; procurar o
mais próximo).
• Manter o paciente hidratado.

Soroterapia antiveneno (SAV)


• Quando indicada, deve ser instituída o mais rapidamente possível.

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• Deve ser específica e em dose única.


• Dose igual para crianças e adultos.
• Deve ser sempre feita por via intravenosa.
• Não fazer teste de sensibilidade.
• Vinte minutos antes da administração do soro antiveneno, administrar a pré-medicação,
por via intravenosa:
o Bloqueadores dos receptores H1: de preferência, difenidramina (1,25 mg /kg).
o Corticosteroides: Hidrocortisona (10 mg/kg, até 300 mg).
• Deixar preparado material de urgência para possíveis reações de hipersensibilidade - Se
isto acontecer, suspender a soroterapia, administrar epinefrina (s/n), anti-histamínico e
corticosteroide e, depois, continuar a infusão mais lentamente.
• Avaliar a situação vacinal do paciente; atualizar a vacina antitetânica, s/n.

Acidentes Botrópicos
Tratamento
Geral
• Limpeza do local picado, hidratação, analgésicos para alívio da dor. Manter o segmento
acometido elevado e estendido, evitando angulação, sem desconforto para o paciente.
Não garrotear, não fazer cortes, não romper bolhas.
• Hidratação endovenosa adequada, atenção para lesão renal aguda.
• Não está indicada antibioticoprofilaxia. Administrar antibioticoterapia, se necessário (p.
ex., formação de abscesso), com amoxacilina/clavulanato, cefalosporina ou ciprofloxacina.
• Monitorar a coagulação a cada 24 horas, ou antes, se houver evidências de
sangramentos graves. Geralmente os exames começam a melhorar após 24 horas e se
estiverem em curva ascendente ou então ainda com valores baixos, mas como paciente
estável, não administrar mais soro antibotrópico (SAB).
• Verificar imunização contra tétano.

Específico (Quadro 2)

Acidente Laquético
O tratamento é feito com soro antilaquético (SAL) ou soro antilaquético-botrópico (SALB):
10 ampolas para casos moderados e 20 ampolas para casos graves.

Acidente Crotálico

Tratamento
Geral
• Hidratação adequada para prevenção da lesão renal aguda, até que haja clareamento da
urina, indicando diminuição da excreção de mioglobina, que é potencialmente tóxica para
o rim.
Específico (Quadro 3)

Acidente Elapídico
Tratamento
Geral
• Suporte ventilatório para os pacientes com insuficiência respiratória aguda.

Específico (Quadro 4)
Se não houver soro antielapídico (SAEla) disponível, pode ser feito teste terapêutico com

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droga anticolinesterásica, descrito a seguir:


• Pode ser realizado com a neostigmina (metilsulfato de neostigmina; solução injetável, 1
ml = 0,5 mg) na dose de 1-2 mg IV (crianças 0,01-0,04 mg/kg/IV). Em determinados casos,
apenas uma dose é suficiente para a reversão completa dos sintomas. Havendo
recorrência dos sintomas paralíticos, pode-se repetir a mesma dose, a cada 2-4 horas ou
em intervalos menores.
• A atropina deve ser sempre empregada antes da administração da neostigimina, tendo
como objetivo antagonizar os efeitos muscarínicos da acetilcolina, principalmente a
broncorreia e a bradicardia. A dose recomendada pode ser na razão de 0,25 mg de
atropina (0,01-0,02 mg/kg/IV para crianças) para cada 0,5 mg de neostigmina.

Metas e Indicadores:
N/A

Referências Bibliográficas Externas:


1. BRASIL. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos.
Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde. Brasília. 1998. 131p.
2. FRANÇA, F.O.S.; MEDEIROS, C.R.; MÁLAQUE, C.M.S., et al. Acidentes por Animais
Peçonhentos. In: MARTINS, M.A., et al., (Eds.). Clínica Médica, Volume 7: Alergia e
Imunologia Clínica, Doenças de Pele, Doenças Infecciosas. Barueri, SP: Manole, 2009. p.
553-613.
3. AZEVEDO–MARQUES, M.M.; HERING, S.E.; CUPO, P. Acidente Crotálico. In: CARDOSO,
J.L.C., et al., (Eds.). Animais Peçonhentos no Brasil – Biologia Clínica e Terapêutica dos
Acidentes. São Paulo: Sarvier, 2003. p. 91-98.
4. CUPO, P.; AZEVEDO-MARQUES, M.M.; HERING, S.E. .Acidente Crotálico na Infância:
Aspectos Clínicos, Laboratoriais, Epidemiológicos e Abordagem Terapêutica. Rev. Soc.
Bras. Med. Trop.1991; 24(2):87-96.

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Anexos:
Tabela 1: Quadro 1
Quadro 1. Principais atividades dos venenos ofídicos e manifestações clínicas iniciais nos
pacientes vítimas de envenenamento por serpentes

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Tabela 2: Quadro 2
Quadro 2. Tratamento dos acidentes causados por serpentes do gênero Bothrops de
acordo com a classificação clínica de gravidade

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Tabela 3: Quadro 3
Quadro 3. Tratamento dos acidentes causados por serpentes do gênero Crotalus de
acordo com a classificação clínica de gravidade

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Tabela 4: Quadro 4
Quadro 4. Tratamento dos acidentes causados por serpentes do gênero Micrurus de
acordo com a classificação clínica de gravidade

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Figura 1: Figura 1
Figura 1. Dentição e cauda das serpentes. 1. Serpentes não peçonhentas: ausência de
fosseta loreal e de presas (com exceção de algumas, que

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