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Em primeiro lugar, é impossível defender a

agressão contra inocentes sem cair numa


autocontradição, dado que o próprio ato de
argumentar já pressupõe respeito ao corpo do
interlocutor. De todo jeito, quais seriam as
alternativas ao modelo da autopropriedade?

1. Escravidão: uma das alternativas à regra


segundo a qual cada um é dono somente de si
mesmo é a regra segundo a qual uns podem
possuir outros, o que levaria à escravidão. Essa
regra, além de claramente esdrúxula, não passa
pelo teste da universalização, dizendo que um
grupo é superior a outro. É a regra predileta do
Estado.

2. Comunismo universal: a segunda


alternativa é o comunismo universal, em que
todos possuem os corpos de todos, o que passa
pelo teste da universalização, embora ainda não
respeite o axioma da autopropriedade. Ao
contrário da escravidão, essa regra é impossível
de ser posta em prática, porque a ação de
qualquer pessoa demandaria a autorização de
todos os outros, que possuem seu corpo. Mas a
autorização também não poderia ser efetivada,
pois, para falar, as pessoas deveriam ter
autorização prévia, e assim a humanidade inteira
se colocaria em estado de imobilidade e morreria.

A única regra razoável é, então, a da


autopropriedade.

Sobre a questão da ordem social, que


envolve o problema da alocação de títulos de
propriedade (o que é de quem), há as seguintes
alternativas:

1. Apropriação original (primeiro usuário,


primeiro dono): é a regra correta e compatível
com a Ética, pois não implica agressão a
inocentes. Conforme o princípio da apropriação
original, o primeiro sujeito a "misturar seu
trabalho" (Locke) com uma terra sem dono
torna-se o dono dessa terra. Sua negação leva a
uma autocontradição, uma vez que, para que
qualquer ação seja realizada, uma apropriação
original anterior é necessária. Portanto, o
indivíduo que negar tal regra precisa concordar
implicitamente com sua validade antes.

2. O segundo (ou terceiro, ou quarto...) a


chegar a uma terra torna-se o dono dela: essa
regra, além de estabelecer um critério arbitrário
(por que o segundo e não o terceiro ou o décimo
ou o primeiro?), geraria conflitos ao invés de
evitá-los: quem chegou primeiro não precisou
expulsar ninguém, mas quem chegar depois
precisará iniciar agressão contra indivíduos
pacíficos para pôr a regra pervertida em prática.
Uma regra que gera conflitos deve ser descartada,
porquanto está servindo ao propósito contrário
ao de uma regra.

3. Declaração verbal: qualquer coisa é


possuída através de uma mera declaração verbal.
Assim se poderia possuir um pedaço de terra
apenas ao dizer "essa porção de terra é minha".
Como as pessoas não iriam concordar umas com
as declarações das outras, tal norma levaria ao
caos e, portanto, deve ser rejeitada. Essa é a regra
usada pelo Estado para adquirir terra e qualquer
outra coisa.

Um critério de apropriação deve ser


objetivo, ou intersubjetivamente verificável, e
respeitar a Ética. O único que cumpre esses
requisitos é o princípio da apropriação original.

Ao serem postas em práticas, tais normas


criariam uma sociedade baseada no
reconhecimento da propriedade privada e do
contratualismo, e logicamente sem Estado.

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