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Libâneo, José, C. et al.

Educação escolar:
políticas, estrutura e organização. (Coleção
docência em formação: saberes pedagógicos).
Disponível em: Minha Biblioteca, Cortez, 2017.
Capítulo I

A estrutura do ensino: federal,


estadual e municipal
 

A estrutura do ensino: federal, estadual e municipal

O Brasil tem ou não um sistema nacional de educação ou ensino? Quando se


faz referência a sistema de ensino, a tendência é considerá-lo como o conjunto
das escolas das entidades federativas, ou seja, as que compõem os sistemas
de ensino estadual, municipal e federal. Sistema, então, seria o conjunto de
escolas sob a responsabilidade do município ou do estado, por exemplo.

No entanto, o significado de sistema extrapola o conjunto de escolas e o órgão


administrador que as comanda.

No dicionário, a palavra sistema tem várias acepções: “conjunto de elementos,


materiais ou ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma
relação”; “disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados
entre si, e que funcionam como estrutura organizada”; “conjunto das
instituições políticas e/ou sociais, e dos métodos por elas adotados, encarados
quer do ponto de vista teórico, quer do de sua aplicação prática, tal como o
sistema de ensino” (Ferreira, 1999).
Essas definições possuem pontos em comum, a saber:

a) conjunto de elementos de um todo;

b) elementos coordenados entre si, relacionados;

c) elementos materiais e ideais;

d) instituições e métodos adotados.

Um sistema supõe, então, um conjunto de elementos ou partes relacionadas e


coordenadas entre si, constituindo um todo. Por comporem uma reunião
intencional de aspectos materiais e não materiais, esses elementos não
perdem sua especificidade, sua individualidade, apesar de integrarem um todo.
Por exemplo, as escolas não perdem sua especificidade de estabelecimentos
que possuem determinadas características singulares e se inserem em
determinadas regiões. Do mesmo modo, o conjunto de normas e leis que
regulam a organização e o funcionamento de uma rede de escolas não perde
sua identidade de normas e leis. Todavia, ao se organizarem em um sistema,
esses elementos materiais (conjunto das instituições de ensino) e ideais
(conjunto das leis e normas que regem as instituições educacionais) passam a
formar uma unidade, no caso, um sistema de ensino. Esse todo coerente é
formado de elementos funcionalmente interdependentes que constituem uma
unidade, sem que isso signifique ausência de tensões e conflitos entre os
elementos integrantes. Outras relações, no entanto, ocorrem com esses
elementos e os transformam em um sistema.

1.Relações entre sistema de ensino e outros sistemas sociais


Os elementos de um mesmo sistema articulam-se entre si e, ao mesmo tempo,
com outros sistemas, setores ou campos sociais, tais como o político, o
econômico, o cultural, o religioso, o jurídico etc. Há, portanto, ações e reações
decorrentes de interações entre o sistema de ensino e outros sistemas.
Quando instituições escolares recebem recursos do Estado para serem gastos
nas escolas, ocorrem ações entre o sistema de ensino, o sistema político e o
sistema econômico. Se há críticas positivas ou não de cada um desses
sistemas sobre o envio de recursos, diz-se que há reações entre os vários
sistemas ou, até mesmo, reações internas em cada um deles.

As formas de ação e o enfrentamento das reações alteram-se em razão de


outro componente presente nos sistemas, a saber, a maneira de lidar com as
diferenças entre os elementos de um sistema e entre os vários sistemas em
geral.

Os vários sistemas existentes na sociedade articulam-se e relacionam-se com


o sistema educacional. Sofrem influência dele e influenciam-no. Os vários tipos
de contatos, de inter-relações, de conflitos entre os vários sistemas são fruto
das condições históricas, ideológicas, econômicas e políticas existentes na
sociedade – o que significa que, em certos momentos, um ou outro sistema
passa a ter influência maior sobre os demais. Por exemplo, no período da
ditadura militar, o sistema militar exercia maior poder sobre os outros.
Atualmente, o sistema econômico interfere mais nos vários sistemas e em seus
respectivos elementos, sobretudo porque se reforça cada vez mais a
vinculação entre educação e desenvolvimento econômico e entre educação e
desenvolvimento de competências para o mundo do trabalho.

No tocante aos elementos internos de um sistema, os quais estabelecem a


relação com outros sistemas e com seus elementos constituintes, há, em
algumas circunstâncias e momentos, a necessidade e a possibilidade de
ajustes e alterações de sua situação. Os ajustes e alterações desses
elementos podem dar-se de forma dinâmica ou de forma adaptativa, o que
remete a formas fundamentais de apreensão, organização e desenvolvimento
dos sistemas.
2.Formas de organização dos sistemas
Há duas formas fundamentais de construção, organização e desenvolvimento
de um sistema. Numa são realçados os aspectos estáveis e harmoniosos da
organização; noutra, o caráter dinâmico, ou seja, as possibilidades de
mudanças existentes nos sistemas. Como observa Gadotti (1994), a primeira
tem seus fundamentos na teoria funcionalista, segundo a qual a estabilidade é
assegurada pela adaptação, pela ordem, pelo equilíbrio, regulando os conflitos.
A segunda baseia-se na teoria dialética ou do conflito, segundo a qual os
sistemas são permeados por contradições, que devem ser trabalhadas
mediante a participação coletiva, a fim de obter as mudanças necessárias.

As relações dinâmicas ou adaptativas, abertas ou fechadas ocorrem não só


internamente aos sistemas, como também externamente, entre os sistemas. As
formas de os sistemas relacionarem-se interna e externamente caracterizam
com maior clareza a forma de governar dos administradores da sociedade,
porque, por meio da inter-relação entre os sistemas, serão alcançados
determinados fins. Exemplo disso é o fato de a Constituição Federal e a LDB
trazerem como finalidade precípua da educação escolar a formação para o
trabalho, indicando que um dos papéis fundamentais da educação é qualificar a
força de trabalho para o sistema produtivo. Tais observações evidenciam a
relação entre sistema e política, entre educação e política, revelando outra
característica do sistema: seu caráter histórico e intencional.

Após a identificação das características dos sistemas, pode-se perguntar: o


Brasil possui um sistema nacional de educação ou ensino?

Saviani (1987) apresenta quatro hipóteses explicativas da ausência de sistema


nacional de educação no Brasil. A primeira é que a estrutura da sociedade de
classes dificulta uma práxis intencional coletiva. A segunda consiste na
existência de diferentes grupos em conflito, os quais obstaculizam a definição
de objetivos – tais como o dos partidários da escola pública e o dos privatistas.
A terceira hipótese refere-se ao transplante cultural de outros países, sem levar
em conta a realidade da sociedade brasileira. A quarta é a insuficiente
produção teórica dos educadores, necessária à busca dos fundamentos do
sistema de ensino, pois apenas adequada fundamentação teórica poderá
impedir flutuações pedagógicas, ou seja, os modismos que inibem a formação
de verdadeiro espírito crítico. Em relação a esta última hipótese, é necessário
assinalar que desde a década de 1980 vem crescendo a produção intelectual
voltada para a construção de um pensamento pedagógico brasileiro, para o
que teve contribuição significativa a criação dos cursos de mestrado e
doutorado e a ampliação das revistas científicas da área.

A crescente organização dos educadores em associações científicas e outras


(Anped, Anfope, Anpae, CNTE, etc.) possibilitou, desde os anos 1980, um
empenho significativo, no campo intelectual e político, pela criação de um
sistema nacional articulado de educação. Essa atuação havia sido sentida já na
elaboração do Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o PL
nº 101, de Cid Saboia, que buscou a criação de um sistema nacional. Apesar
de a composição política desfavorável no Congresso Nacional ter provocado
recuos nessa construção, algumas experiências educacionais levadas a efeito
em administrações democráticas vêm sinalizando o acerto e a necessidade de
práticas que se contraponham ao que as hipóteses de Saviani buscam explicar.

A criação de um sistema nacional articulado de educação, de forma que o


Estado, a sociedade e as diferentes esferas administrativas atuem de maneira
organizada, autônoma, permanente, democrática e participativa, tem sido uma
das principais pautas dos movimentos organizados de educadores, cujas
conquistas têm sido marcadas por avanços e recuos.

Durante os oito anos do governo Lula, isso não foi conseguido. No entanto, em
2009 iniciou-se o debate sobre a necessidade de, a partir da Conferência
Nacional de Educação (Conae), essa proposta ser feita e incluída no novo
Plano Nacional de Educação (2011-2020).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, ao tratar da


organização da educação nacional, estabelece em seu art. 8º:
Art. 8º. A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios organizarão, em
regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.

§ 1º Caberá à União a coordenação da política nacional de educação,


articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa,
redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais.

Observa-se nesse artigo menção explícita à articulação entre os sistemas de


ensino, mas ainda não é possível afirmar que o país tem um sistema nacional
articulado de educação. As expectativas nesse sentido estão voltadas para o
próximo Plano Nacional de Educação (2011-2020).

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