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SEGURANÇA NO TRABALHO
ABORDAGENS SOCIOANTROPOLÓGICAS
NAS ORGANIZAÇÕES
ABORDAGENS
SOCIOANTROPOLÓGICAS
NAS ORGANIZAÇÕES
IMES
Instituto Mantenedor de Ensino Superior Metropolitano S/C Ltda.
FTC - EAD
Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância
♦ PRODUÇÃO ACADÊMICA ♦
Gerente de Ensino ♦ Jane Freire
Supervisão ♦ Jean Carlo Bacelar, Leonardo Santos Suzart,
Wanderley Costa dos Santos e Fábio Viana Sales
Coordenação de Curso ♦ Ana Paula A. Matos Moreira
Autor (a) ♦ Eliete da Silva Barros
♦ PRODUÇÃO TÉCNICA ♦
Revisão Final ♦ Carlos Magno Brito Almeida Santos
Márcio Magno Ribeiro de Melo
Equipe ♦ André Pimenta, Antonio França Filho, Amanda
Rodrigues, Bruno Benn, Cefas Gomes, Cláuder Frederico,
Francisco França Júnior, Herminio Filho, Israel Dantas,
Ives Araújo, John Casais, Márcio Serafim,
Mariucha Silveira Ponte e Ruberval da Fonseca.
Editoração ♦ John Maurício Casais de Mello
Ilustração ♦ John Maurício Casais de Mello
Imagens ♦ Corbis/Image100/Imagemsource
CAPITALISMO E A GLOBALIZAÇÃO 29
BRONISŁAW MALINOWSKI 34
CLAUDE LÉVI-STRAUSS 36
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Apresentação da Disciplina
Caro (a) Aluno (a)
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SOCIOLOGIA E A
CONTRIBUIÇÃO PARA AS
ORGANIZAÇÕES
Você sabia?
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Sociologia é uma ciência que estuda o comportamento humano em função
do meio e os processos que interligam o indivíduo em associações, grupos e
instituições. Enquanto o indivíduo, na sua singularidade, é estudado pela Psicologia,
a Sociologia estuda os fenômenos que ocorrem quando vários indivíduos se
Abordagens
Socioantropológicas
encontram em grupos de tamanhos diversos e interagem no seu interior.
nas Organizações O termo Sociologia foi criado pelo filosofo francês Auguste Comte,
que esperava unificar todos os estudos relativos ao homem — inclusive a
história, a Psicologia e a Economia. Seu esquema sociológico era tipicamente positivista,
(corrente que teve grande força no século XIX), e ele acreditava que toda a vida humana tinha
atravessado as mesmas fases históricas distintas e que, se a pessoa pudesse compreender
este progresso, poderia prescrever os remédios para os problemas de ordem social.
A multiplicidade de visões sociológicas sobre a sociedade persiste ainda hoje, esta,
preocupa-se em compreender o homem e o seu mundo social. Afinal, os tempos mudam, mas
a Sociologia acompanha o homem, ao longo do tempo. Homens tentando explicar os próprios
homens em sociedade; talvez aí esteja a fascinação que a Sociologia exerce sobre nós.
No século XVIII, Giambatista Vico dizia, em sua obra “A Nova Ciência”, que a sociedade
se subordina a leis definidas que podem ser perfeitamente estudadas. Ele estava trazendo para a
sociedade européia, dita civilizada, uma metodologia de estudo que os evolucionistas já usavam
para estudar outros povos desde o incremento da colonização de outros continentes.
A idéia de se dedicar ao estudo da sociedade européia não era nova, mas tampouco era
uma ciência estabelecida. Vários filósofos e economistas inclinavam-se cada vez mais ao estudo
dos fenômenos sociais como determinantes em suas pesquisas. Entretanto, foi somente no
século XIX que esta tendência se tornou reconhecida como uma condição para o Conhecimento.
Auguste Comte criou o termo Sociologia para denominar o estudo da sociedade que dava ênfase
aos fenômenos sociais, suas instituições e suas regras. Contudo, sua obra não era Sociologia,
era mais uma ciência sociológica, feita de muita inspiração e pouco rigor metodológico.
Foi somente na segunda metade do século XIX, com Émile Durkheim, que a Sociologia
realmente passou a existir, com objeto, métodos e objetivos claros e definidos. Mesmo que
de lá para cá estes tenham mudado bastante. Podemos dizer que se Durkheim não foi o
“pai” da idéia, com certeza ele foi o “pai” da ciência.
A partir do final do séc. XVII e início do séc. XVIII é grande o número de pessoas,
principalmente entre os mais pobres, que são forçadas a deixar seus lares no campo e
rumarem para as cidades a fim de encontrar novas formas de sobrevivência. Durante estes
dois séculos o número de indústrias localizadas dentro e na periferia das cidades aumenta
assustadoramente, modificando a paisagem urbana, bem como seu estilo de vida.
A cidade ganhou uma nova feição, caracterizada pelo modo de produção capitalista
e pelo trabalho assalariado, refletindo as suas contradições. A arrancada industrial não
beneficiou os assalariados, pois, enquanto o custo de vida nas cidades subiu em torno de
62% durante o séc. XVIII, o salário médio cresceu apenas em torno dos 26% no mesmo
período, o que implica no aumento da miséria e de todos os males que ela traz.
O crescimento rápido e desordenado das cidades e a introdução das máquinas
pioraram as condições de trabalho e de vida dos operários, gerando a chamada “questão
social”. Ou seja, o problema de ter de lidar com uma camada da população que é um enorme
contingente de trabalhadores mal pagos ou desempregados que se encontram em situação
de extrema desvantagem no sistema capitalista.
O séc. XIX é, ao mesmo tempo, o apogeu e a crise da sociedade burguesa, o
proletariado avança ameaçando a ordem do sistema, que tem de se proteger ao mesmo
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tempo que tenta se legitimar. Contudo, vale a pena atentar para a questão de que nascia
um novo estilo de vida, baseado na vida urbana e na sociedade de consumo, que tornava
a sobrevivência de cada um totalmente dependente da produção dos outros, obrigando
progressivamente ao consumo para esta sobrevivência. Mesmo assim, deixava este consumo
fora do alcance da maioria da população trabalhadora.
Não é de se estranhar que no meio deste contexto aparecessem homens dispostos a
discutir sobre o que estava acontecendo, dispostos a tentar entender as mudanças sociais e
individuais, a tentar estabelecer ordem e regras para um mundo que se modificava rapidamente
e outros que quisessem acelerar ainda mais estas mudanças. Homens que não podiam mais
se contentar com dogmas, com explicações religiosas. Todos eles herdeiros do pensamento
Iluminista, críticos racionais e laicos, muitos levados pelo pensamento positivista, fiéis depositários
de suas esperanças na possibilidade ilimitada da ciência. Entre eles Émile Durkheim.
Émile Durkheim era formado em Direito e Economia, porém sua obra inteira é dedicada
à Sociologia. Seu trabalho principia na reflexão e no reconhecimento da existência de uma
“Consciência Coletiva”. Ele parte do princípio que o homem seria apenas um animal selvagem
que só se tornou humano porque se tornou sociável, ou seja, foi capaz de aprender hábitos
e costumes característicos de seu grupo social para poder conviver no meio deste.
A este processo de aprendizagem Durkheim chamou de “Socialização”. A consciência
coletiva seria então formada durante a nossa socialização e seria composta por tudo aquilo
que habita nossas mentes e que serve para nos orientar como devemos ser, sentir e nos
comportar. A esse “tudo” ele chamou de “Fatos Sociais” e disse que esses eram os verdadeiros
objetos de estudo da Sociologia.
Nem tudo que uma pessoa faz é um fato social, para ser um fato social tem de atender
a três características: generalidade, exterioridade e coercitividade. Isto é, o que as pessoas
sentem, pensam ou fazem, independente de suas vontades individuais, é um comportamento
estabelecido pela sociedade. Não é algo que seja imposto especificamente a alguém, é algo
que já estava lá antes e que continua depois e que não dá margem a escolhas.
O mérito de Durkheim aumenta ainda mais quando publica seu livro “As regras do
método sociológico”, no qual define uma metodologia de estudo que embora sendo em boa
parte extraída das ciências naturais, dá seriedade à nova ciência. Era necessário revelar as
leis que regem o comportamento social, ou seja, o que comanda os fatos sociais.
Em seus estudos, ele concluiu que os fatos sociais atingem toda a sociedade, o que
só é possível se admitirmos que a sociedade é um todo integrado. Se tudo na sociedade
está interligado, qualquer alteração afeta toda a sociedade, o que quer dizer que se algo não
vai bem em algum setor da sociedade toda ela sentirá o efeito. Partindo deste raciocínio ele
desenvolve dois dos seus principais conceitos: Instituição Social e Anomia.
A instituição social é um mecanismo de proteção da sociedade, é o conjunto de
regras e procedimentos padronizados socialmente, reconhecidos, aceitos e sancionados
pela sociedade cuja importância estratégica é manter a organização do grupo e satisfazer as
necessidades dos indivíduos que dele participam. As instituições são, portanto, conservadoras
por essência, quer seja família, escola, governo, polícia ou qualquer outra, elas agem fazendo
força contra as mudanças, pela manutenção da ordem.
Durkheim deixa bem claro em sua obra o quanto acredita que essas instituições são
valorosas e parte em sua defesa, o que o deixou com uma certa reputação de conservador,
que durante muitos anos causou antipatia à sua obra. Mas Durkheim não pode ser meramente
tachado de conservador, sua defesa das instituições se baseia num ponto fundamental: o ser
humano necessita se sentir seguro, protegido e respaldado. Uma sociedade sem regras claras,
sem valores, sem limites leva o ser humano ao desespero. Preocupado com esse desespero,
Durkheim se dedicou ao estudo da criminalidade, do suicídio e da religião. O homem que inovou
construindo uma nova ciência, inovava novamente, se preocupando com fatores psicológicos,
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antes da existência da Psicologia. Seus estudos foram fundamentais para o
desenvolvimento da obra de outro grande homem: Freud.
Basta uma rápida observação do contexto histórico do século XIX
para se perceber que as instituições sociais se encontravam enfraquecidas.
Abordagens
Socioantropológicas
Havia muito questionamento, valores tradicionais eram rompidos e novos
nas Organizações surgiam, muita gente vivendo em condições miseráveis, desempregados,
doentes e marginalizados. Ora, numa sociedade integrada essa gente
não podia ser ignorada, porque de uma forma ou de outra toda a sociedade estava ou iria
sofrer as conseqüências. Aos problemas que ele observou ele considerou como patologias
sociais, e chamou aquela sociedade doente de “Anomana”. A anomia era a grande inimiga
da sociedade, algo que devia ser vencido, e a Sociologia era o meio para isso. O papel do
sociólogo seria, portanto, estudar, entender e ajudar a sociedade.
Na tentativa de “curar” a sociedade da anomia, Durkheim escreve “A divisão do trabalho
social”, em que ele descreve a necessidade de se estabelecer uma solidariedade orgânica entre
os membros da sociedade. A solução estaria em seguir o exemplo de um organismo biológico,
no qual cada orgão tem uma função e depende dos outros para sobreviver. Se cada membro
da sociedade exercer uma função na divisão do trabalho, ele será obrigado, através de um
sistema de direitos e deveres, e também sentirá a necessidade de se manter coeso e solidário
aos outros. O importante para ele é que o indivíduo realmente se sinta parte de um todo, que
realmente precise da sociedade de forma orgânica, interiorizada e não meramente mecânica.
Refletindo sobre a importância da dependência entre os membros da sociedade,
inúmeros estudiosos que se seguiram a Durkheim desenvolveram o que ficou conhecido
como “Funcionalismo”. Creio que não é possível chegar a esse ponto sem lembrar de Marx
conclamando a “união” dos trabalhadores. Uma união consciente dos indivíduos ou uma união
dependente. De um jeito ou de outro, ambos se opõe ao individualismo possessivo, o que nos
remete à dificuldade de convivência entre os homens. Mais de um século depois o conflito
ainda não está resolvido. Durkheim, se visse nossa sociedade, ficaria chocado com seu grau
de “anomia” e talvez ficasse decepcionado ao saber que os sociólogos já não querem mais
“salvar o mundo”. Contudo, a História está cheia de “durkheims” e continuará estando.
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O Positivismo pregava a cientifização do pensamento e do estudo humano, visando
a obtenção de resultados claros, objetivos e completamente corretos. Os seguidores desse
movimento acreditavam num ideal de neutralidade, isto é, na separação entre o pesquisador/
autor e sua obra: esta, em vez de mostrar as opiniões e julgamentos de seu criador, retrataria
de forma neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos, mas sem os analisar.
Os positivistas crêem que o conhecimento se explica por si mesmo, necessitando
apenas seu estudioso recuperá-lo e colocá-lo à mostra. Não foram poucos os que seguiram
a corrente positivista: Auguste Comte, na Filosofia; Émile Durkheim, na Sociologia; Fustel de
Coulanges, na História, entre outros, contribuíram para fazer do Positivismo e da cientifização
do saber um posicionamento poderoso no século XIX.
Pode-se, inclusive, dizer que o Positivismo reduz o papel do homem enquanto ser
pensante, crítico, para um mero coletor de informações e fatos presentes nos documentos,
capazes de fazer-se entender por sua conta. “Os fatos históricos falam por si mesmos”, dizia
Coulanges, historiador francês. Assim, para os positivistas que estudaram a História, esta
assume o caráter de ciência pura: é formada pelos fatos cronológicos e o que realmente
significam em si. São objetivos à medida que possuem uma verdade única em sua formação
(que é o seu sentido e sua única possibilidade de compreensão) e não requerem a ação
do historiador para serem entendidos: como já dito, o papel deste é coletá-los e ajeitá-los,
constatando pela análise minuciosa e liberta de julgamentos pessoais sua validade ou não.
O saber histórico, dessa forma, provém do que os fatos contêm e assume um valor tal qual
uma lei da Física ou da Química, ciência exatas.
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Impedido de seguir uma carreira acadêmica, tornou-se, em 1842,
redator-chefe da Gazeta Renana. Com o fechamento do jornal pelos censores
do governo prussiano, em 1843, Marx emigra para a França. Naquele mesmo
ano, casou-se com Jenny Von Westphalen. Desse casamento, Marx teve
Abordagens
Socioantropológicas
cinco filhos: Franziska, Edgar, Eleanor, Laura e Guido. Franziska, Edgar
nas Organizações e Guido morreram na infância, provavelmente pelas péssimas condições
financeiras a que a família estava submetida. Marx já havia sido privado
da oportunidade de seguir uma carreira acadêmica na Alemanha pelo recrudescimento do
absolutismo prussiano, que tornava suas posições como hegeliano de esquerda inaceitáveis,
e, com a Revolução de 1848 e o exílio que se seguiu a ela, foi obrigado a abandonar o
jornalismo na Alemanha e tentar ganhar a vida na Inglaterra como um intelectual estrangeiro
desconhecido com meios de subsistência precários, sofrendo, assim, a sorte comum
destinada pela época às pessoas destituídas de “meios independentes de subsistência” (isto
é, viver de rendas), e sua incapacidade de ter uma existência financeiramente desafogada
não parece ter sido maior do que a dos seus contemporâneos Balzac e Dostoievsky.
Durante a maior parte de sua vida adulta sustentou-se com artigos que publicava
ocasionalmente em jornais alemães e estadunidenses, bem como por diversos auxílios
financeiros vindos de seu amigo e colaborador Friedrich Engels. Tentava angariar rendas
publicando livros que analisassem fatos da história recente, tais como “O 18 Brumário de
Luís Bonaparte “, mas obteve pouco retorno com essas empreitadas.
Marx foi herdeiro da filosofia alemã, considerado, ao lado de Kant e Hegel, um de seus
grandes representantes. Foi um dos maiores pensadores de todos os tempos, tendo uma
produção teórica com a extensão e densidade de um Aristóteles, de quem era admirador.
Dentro das duas ordens de pensamento existente na Alemanha, o racionalismo (idealismo
lógico) e o romantismo (idealismo sensível), e como evolução e crítica do “materialismo
contemplativo” de Ludwig Feuerbach, Marx defendia a “práxis” (ou prática) ou um materialismo
ativo. Seu materialismo não pode se definir como meramente empirista, primeiro porque julga
Marx que o empirismo é ainda muito abstrato, e segundo porque seu materialismo é dialético.
Ou seja, matéria e idéia são categorias que, de forma oposta, se interelacionam, ou, em
termo tradicional, trata-se de uma “unidade de opostos”. Tendo por a priori a própria matéria
(realidade), o princípio é materialista, mas não é um materialismo absoluto.
Seu pensamento político criticou todas as correntes socialistas por não ter um caráter
decididamente transformador, mas somente reformador.
Criticou também o anarquismo por sua visão ingênua do fim do Estado, por querer acabar
com o Estado “por decreto”, ao invés de acabar com as condições que fazem do Estado uma
necessidade e realidade. Criticou o blanquismo com sua visão elitista de partido (muito parecida
com a teoria de partido de Lenin), a vanguarda proletária, por ter uma tendência autoritária e
superada. Se posicionou a favor do liberalismo, não como solução para o proletariado, mas como
premissa para maturação das condições positivas e negativas da emancipação proletária, como a
da homogenização da condição proletária internacional gerada pela “globalização” do capital. Sua
visão política era profundamente marcada pelas condições que o desenvolvimento econômico
ofereceria para a emancipação proletária, tanto em sentido negativo (desemprego), como em
sentido positivo (em que o próprio capital centralizaria a economia, exemplo: multinacionais).
Você sabia?
A grande obra de Marx é O Capital, que é predominantemente um livro de
Economia Política, mas não só. Nesta obra monumental, Marx discorre desde a
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economia até a sociedade, cultura, política, filosofia. É uma obra analítica, sintética,
crítica, descritiva, científica, filosófica, etc. Uma obra de difícil leitura, ainda que suas
categorias não tenha a ambigüidade especulativa própria da obra de Hegel. No entanto,
uma linguagem pouco atraente e nem um pouco fácil. O Capital não é apenas uma
grande obra por ser a obra que Marx se dedicou com mais profundidade e extensão,
ela uma extensa análise da sociedade capitalista.
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Você sabia?
A União Soviética, maior potência militar do planeta, exauriu seus recursos na corrida
armamentista, mergulhou num irrecuperável atraso tecnológico e finalmente se dissolveu em
1991. A Iugoslávia socialista se fragmentou em sangrentas lutas étnicas e a China abriu-se,
cautelosa e progressivamente, para a economia de mercado.
Para Marx os trabalhadores estariam dominados pela ideologia da classe dominante,
ou seja, as idéias que eles têm do mundo e da sociedade seriam as mesmas idéias que a
burguesia espalha. O capitalismo seria atingido por crises econômicas porque ele se tornou
o impedimento para o desenvolvimento das forças produtivas. Seria um absurdo que a
humanidade inteira se dedicasse a trabalhar e a produzir subordinada a um punhado de
grandes empresários. A economia do futuro, que associaria todos os homens e povos do
planeta, só poderia ser uma produção controlada por todos os homens e povos. Para Marx,
quanto mais o mundo se unifica economicamente mais ele necessita de socialismo.
Não basta existir uma crise econômica para que haja uma revolução. O que é decisivo
são as ações das classes sociais pois, para Marx e Engels, em todas as sociedades em
que a propriedade é privada existem lutas de classes (senhores x escravos, nobres feudais
x servos, burgueses x proletariados). A luta do proletariado do capitalismo não deveria se
limitar à luta dos sindicatos por melhores salários e condições de vida. Ela deveria também
ser a luta ideológica para que o socialismo fosse conhecido pelos trabalhadores e assumido
como luta política pela tomada do poder. Neste campo, o proletariado deveria contar com
uma arma fundamental, o partido político, o partido político revolucionário que tivesse uma
estrutura democrática e que buscasse educar os trabalhadores e levá-los a se organizar
para tomar o poder por meio de uma revolução socialista.
A força vendida pelo operário ao patrão vai ser utilizada não durante 6 horas, mas
durante 8, 10, 12 ou mais horas. A mais-valia é constituída pela diferença entre o preço
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pelo qual o empresário compra a força de trabalho (6 horas) e o preço pelo qual ele vende
o resultado (10 horas, por exemplo). Desse modo, quanto menor o preço pago ao operário
e quanto maior a duração da jornada de trabalho, tanto maior o lucro empresarial.
No capitalismo moderno, com a redução progressiva da jornada de trabalho, o lucro
empresarial seria sustentado através do que se denomina mais-valia relativa (em oposição à
primeira forma, chamada mais-valia absoluta), que consiste em aumentar a produtividade do
trabalho através da racionalização e aperfeiçoamento tecnológico. Mas ainda assim não deixa
de ser o sistema semi-escravista, pois “o operário cada vez se empobrece mais quando produz
mais riquezas”, o que faz com que ele “se torne uma mercadoria mais vil do que as mercadorias
por ele criadas”. Assim, quanto mais o mundo das coisas aumenta de valor, mais o mundo dos
homens se desvaloriza. Ocorre, então, a alienação, já que todo trabalho é alienado na medida
em que se manifesta como produção de um objeto que é alheio ao sujeito criador. O raciocínio de
Marx é muito simples: ao criar algo fora de si, o operário se nega no objeto criado. É o processo
de objetificação. Por isso, o trabalho que é alienado (porque cria algo alheio ao sujeito criador)
permanece alienado até que o valor nele incorporado pela força de trabalho seja apropriado
integralmente pelo trabalhador. Em outras palavras, a produção representa uma negação, já que
o objeto se opõe ao sujeito e o nega na medida em que o pressupõe e até o define. A apropriação
do valor incorporado ao objeto, graças à força de trabalho do sujeito-produtor, promove a negação
da negação. Ora, se a negação é alienação, a negação da negação é a desalienação. Ou seja, a
partir do momento que o sujeito-produtor dá valor ao que produziu, ele já não está mais alienado.
Saiba mais!
O principal objetivo de Weber era compreender o sentido que cada pessoa dá a
sua conduta e perceber, assim, a sua estrutura inteligível e não a análise das instituições
sociais, como dizia Durkheim.
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Com este pensamento, não possuía a idéia de negar a existência ou a
importância dos fenômenos sociais, dando importância à necessidade de entender
as intenções e motivações dos indivíduos que vivenciam essas situações sociais.
Ou seja, a sua idéia é que no domínio dos fenômenos naturais só se podem
Abordagens
Socioantropológicas
aprender as regularidades observadas por meio de proposições de forma e
nas Organizações natureza matemática. É preciso explicar os fenômenos por meio de proposições
confirmadas pela experiência, para poder ter o sentimento e compreendê-las.
Saiba mais!
Na concepção dos autores Weber e Durkheim, há uma separação entre ciência
e ideologia. Para Weber também há uma separação entre política e ciência, pois
a esfera da política é irracional, influenciada pela paixão, e a esfera da ciência é
racional, imparcial e neutra. O homem político apaixona-se, luta, tem um princípio de
responsabilidade, de pensar as conseqüências dos atos. O político entende por direção
do Estado, correlação de força, capacidade de impor sua vontade a demais pessoas
e grupos políticos. É luta pelo poder dentro do Estado. Já o cientista deve ser neutro,
amante da verdade e do conhecimento científicos, não deve emitir opiniões e sim
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pensar segundo os padrões científicos, deve fazer ciência por vocação. Se o cientista
apaixonar-se pelo objeto de sua investigação não será nem imparcial nem objetivo.
Para Durkheim política é a relação entre governantes e governados.
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estudo se estende até os dias de hoje, considerando que os indivíduos
são seres humanos com infinitas possibilidades. Logo, as relações dos
indivíduos são transformadas a todo momento, abrindo, então novas
Abordagens possibilidades de estudos.
Socioantropológicas
nas Organizações
http://www.culturabrasil.pro.br/durkheim.htm
http://www.mundodosfilosofos.com.br/comte.htm
http://www.administradores.com.br/noticias/a_sociologia_das_organizacoes/6142/
Atividades
Complementares
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4. Freqüentemente burocracia é entendida como um entrave à dinâmica organizacional:
Explique o conceito de burocracia na perspectiva weberiana.
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A Experiência de Hawthorne tinha por objetivo inicial estudar a
fadiga, os acidentes, a rotação do pessoal (turnover) e o efeito das
condições físicas de trabalho sobre a produtividade dos empregados.
Essa experiência também foi motivada por um fenômeno apresentado
Abordagens
Socioantropológicas
de forma severa à época na fábrica: conflitos entre empregados e
nas Organizações empregadores, apatia, tédio, alcoolismo, dentre outros.
Na primeira fase se pretendia confirmar a influência da iluminação
sobre o desempenho dos operários. Os observadores não encontraram correlação direta
entre as variáveis, não havendo comprovação do objetivo inicial, e sim a preponderância do
fator psicológico sobre o fisiológico.
Na segunda fase ocorreu o desenvolvimento dos seguintes campos: social, gerado
pelo trabalho em equipe; e de liderança, gerado pelos objetivos comuns. As condições da sala
experimental permitiam que se trabalhasse com liberdade e menor ansiedade: supervisão
branda (sem temor ao supervisor, desempenhando um papel mais para orientador), ambiente
amistoso e sem pressões, proporcionando um desenvolvimento social e a integração do
grupo entre si. Seguiu-se a terceira fase, na qual foi verificada, por meio do programa de
entrevistas que compreendia entrevistas com os empregados para conhecer suas opiniões
e sentimentos, onde foi constatada a existência de uma organização informal de operários
em que existia lealdade e liderança de certos funcionários em relação ao grupo.
A punição não era formalizada, mas aplicada pelo grupo ao membro. Houve
grande aprovação e, em conseqüência disso, criou-se a Divisão de Pesquisas Industriais.
Conseqüentemente veio à quarta fase, tendo como foco de observação a igualdade de
sentimentos entre os membros do grupo e a relação de organização formal e informal, que
tinha por finalidade a proteção contra o que o grupo considerava ameaças da Administração.
As conclusões da experiência foram:
- Nível de produção é resultante de Integração Social: é a capacidade social do
trabalhador que estabelece o seu nível de competência e eficiência; quanto mais integrado
socialmente no grupo de trabalho, tanto maior será a disposição de produzir;
- Comportamento Social dos empregados: verifica-se que o comportamento do indivíduo
se apóia totalmente no grupo. Os trabalhadores não agem ou reagem individualmente, mas
como membros de um grupo. Amizade e agrupamento social devem ser considerados
aspectos relevantes para a Administração;
- Recompensas e Sanções sociais: são simbólicas e não-materiais, porém influenciam
decisivamente a motivação e a felicidade do trabalhador. As pessoas são motivadas pela
necessidade de “reconhecimento”, de “aprovação social” e “participação”.
- A motivação econômica é secundária na determinação da produção do empregado;
- Grupos Informais: definem suas regras de comportamento, suas formas de
recompensas ou sanções sociais, punições, seus objetivos, sua escala de valores sociais,
suas crenças e expectativas, que cada participante vai assimilando e integrando em suas
atitudes e comportamento;
- As Relações Humanas: são as ações e atitudes desenvolvidas pelos contatos entre
as pessoas e o grupo, permitindo uma atmosfera em que onde cada pessoa é encorajada a
exprimir-se livre e sadiamente. Cada pessoa procurar se ajustar às demais pessoas do grupo
para que seja compreendida e tenha participação ativa, a fim de atender seus interesses e
aspirações;
- A Importância do Conteúdo do Cargo: o conteúdo e a natureza do trabalho têm enorme
influência sobre o moral do trabalhador, tornando-o produtivo ou desmotivado. Trabalhos
repetitivos tendem a se tornar monótonos e maçantes afetando negativamente as atitudes
do trabalhador e reduzindo sua eficiência;
- Ênfase nos aspectos emocionais: é a preocupação com as emoções e sentimentos
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dos funcionários. Elementos emocionais não-planejados e até mesmo irracionais do
comportamento humano devem ser considerados dentro da organização.
Após esse estudo, a empresa passou a ser visada também como um conjunto de
indivíduos e de relações de interdependências que estes mantêm entre si, em função de normas,
valores, crenças e objetivos comuns e de uma estrutura tecnológica subjacente. O homem
social é um ser complexo, que ao mesmo tempo é condicionado pelos sistemas sociais em
que se insere e motivado a agir por necessidade de ordem biológica, de ordem psicosocial.
Os valores que orientam o comportamento de cada indivíduo são, de um lado, derivados
das necessidades que constituem a fonte de valores sociais; de outro, transmitidos ao indivíduo
pelos sistemas sociais de que participa. Motivado pela organização, mediante a satisfação de
suas necessidades, o indivíduo não focaliza o “salário ou benefícios financeiros” como ponto
central, mas a remuneração no ciclo motivacional é um componente integrante.
Para Elton Mayo: “O conflito é uma chaga social, a cooperação é o bem-estar social”
. Conclui-se que: comprovada a existência de uma organização informal, a Experiência de
Hawthorne contrapõe o comportamento social do empregado ao comportamento do tipo
máquina, proposto pela Teoria Clássica, abrindo, assim, portas para um novo campo de
abordagem da Administração: as Relações Humanas.
Saiba mais!
Normalmente, grafa-se o vocábulo com letra maiúscula, a fim de diferenciá-lo de
seus homônimos. Há, entretanto, uma corrente de filólogos que defende sua escrita com
minúscula, como em cidadania ou civil. Não com o objetivo de ferir a definição tradicional
de Estado, mas a fim de equiparar a grafia a outros termos não menos importantes.
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O conceito parece ter origem nas antigas cidades-estados que
se desenvolveram na Antiguidade, em várias regiões do mundo, como a
Suméria, a América Central e no Extremo Oriente. Em muitos casos, estas
cidades-estados foram, a certa altura da História, colocadas sob a tutela do
Abordagens
Socioantropológicas
governo de um reino ou império, seja por interesses econômicos mútuos,
nas Organizações seja por dominação pela força. O Estado, como unidade política básica no
mundo tem, em parte, evoluído no sentido de um supranacionalismo, na
forma de organizações regionais, como é o caso da União Européia.
Os agrupamentos sucessivos e cada vez maiores de seres humanos procedem de tal
forma a chegarem à idéia de Estado, cujas bases foram determinadas na história mundial
com a Ordem de Wetsfalia (Paz de Vestfália), em 1648. A instituição estatal, que possui uma
base de prescrições jurídicas e sociais a serem seguidas, evidencia-se como “casa forte”
das leis que devem regimentar e regulamentar a vida em sociedade.
Desse modo, o Estado representa a forma máxima de organização humana, somente
transcendendo a ele a concepção de Comunidade Internacional.
Você sabia?
A palavra Estado foi empregada pela primeira vez, em sentido próximo ao moderno,
por Maquiavel, que a define como a sociedade política organizada, o que implica a
existência de uma autoridade própria e de regras definidas para a convivência de seus
membros. O pensamento político de Maquiavel rompe com o tradicionalismo e seculariza
o Estado, ou seja, torna-o laico. Assume a independência estatal em relação à religião.
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Evolução histórica
Saiba mais!
CONCEITO: O Estado é uma organização destinada a manter, pela aplicação do
Direito, as condições universais de ordem social. E o Direito é o conjunto das condições
existenciais da sociedade que ao Estado cumpre assegurar.
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Poder
Você sabia?
Abuso de poder é o ato ou efeito de impor a vontade de um sobre a de outro,
tendo por base o exercício do poder, sem considerar as leis vigentes. A democracia
direta é um sistema que se opõe a este tipo de atitude. O abuso de poder pode se dar
em diversos níveis de poder, desde o doméstico entre os membros de uma mesma
família, até aos níveis mais abrangentes. O poder exercido pode ser o econômico,
político ou qualquer outra forma a partir da qual um indivíduo ou coletividade tem
influência direta sobre outros. O abuso caracteriza-se pelo uso ilegal ou coercivo deste
poder para atingir um determinado fim. O expoente máximo do abuso do poder é a
submissão de outrem às diversas formas de escravidão.
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Poder associado à Autoridade
Este é o poder associado à ocupação de um dado status social, tal como o exercido por
pais sobre filhos, oficiais sobre soldados ou professores sobre estudantes. Trata-se de uma
forma de poder definida socialmente como legítima, o que significa que tende a ser apoiada
pelos que a ela estão sujeitos. Em contraste, o poder de coerção carece de legitimidade
social e se baseia, em vez disso, no medo e no uso da força. É o poder exercido por nações
conquistadoras sobre as conquistadas ou pelo valentão da escola sobre os colegas mais
fracos. Ao contrário da autoridade, o poder de coerção é muito instável, motivo pelo qual
até o governo mais autoritário não pode perdurar sem algum tipo de legitimidade aos olhos
daqueles que governa.
Você sabia?
• Econômico: Quando o indivíduo ou coletividade tira vantagem ilícita do dinheiro
ou bens materiais em detrimento de outrem.
• Político: O uso da autoridade legítima ou da influência para sobrepujar o mais
fraco de modo ilegítimo.
• No domínio da informação: Recurso utilizado por quem detém o conhecimento
ou a informação e o nega aos demais como forma de proteger-se ou de tirar vantagem.
• Ideológico: Quando se utiliza ilicitamente da ideologia socialmente aceita como
forma de tirar vantagens ou de vencer opositores.
• Apadrinhamento (nepotismo): Uso de notoriedade, conhecimentos ou autoridade
para favorecer outrem de forma ilícita.
25
tanto como recurso quanto como recompensa, que desempenha um papel
relevante na desigualdade e no conflito.
Uma segunda maneira de pensar em poder surgiu mais recentemente
com o feminismo. O conceito de poder-de (power-to) considera-o como
Abordagens
Socioantropológicas
algo baseado não em hierarquia ou dominação e subordinação, mas na
nas Organizações capacidade de fazer coisas, de atingir metas, especialmente em colaboração
com outras pessoas. Enquanto que a tese do poder-sobre tende a focalizar
a atenção na competição pelo poder e dominação, o poder-de destaca o potencial de
cooperação, consenso e igualdade. Quando fazendeiros se reúnem para construir um celeiro
para o vizinho, por exemplo, a colaboração entre eles gera um grande volume de poder
(como é comprovado pelo resultado), sem que ninguém domine ninguém. Ao contrário o
poder-sobre, um aumento do poder-de não requer que alguém o perca. Em teoria, o poder-
de é infinitamente expansível, o que não acontece com o poder-sobre.
O conceito de poder é controvertido, não só porque pode assumir diferentes
formas, mas porque a maneira como o encaramos afeta profundamente o modo como
pensamos em sistemas sociais e a forma como eles funcionam. A predominância do
poder-sobre na maior parte do pensamento contemporâneo sobre poder torna difícil
trabalhar no desenvolvimento de alternativas.
O Estado parece ser produzido como uma síntese que emana da própria articulação dos
elementos do todo social. Se o poder, antes do Estado, existia difuso, distribuído mais ou menos
eqüitativamente entre os membros da sociedade, depois ele se concentra numa única “agência”
que adquire o monopólio desse poder. Portanto, o Estado surge da concentração de um poder
já existente. Quer dizer, para que transitem e se realizem socialmente determinadas práticas de
subordinação e exploração é preciso que a distribuição das possibilidades de implementá-las
tenha antes sido alterada, isto é, tenha se concentrado nas mãos de uma parcela da sociedade.
A grande questão é como e por que isso aconteceu. Pelo que indicam as pesquisas etnográficas,
alguns fenômenos sociais parecem intimamente ligados ao surgimento do Estado ou, pelo menos,
são quase sempre paralelos ao seu aparecimento: o crescimento demográfico, o desenvolvimento
das forças produtivas, o aumento da divisão do trabalho e da especialização de certas funções,
o processo de redistribuição da produção a partir de um centro e, inevitavelmente, o nascimento
das diferenciações sociais, da opressão e da exploração.
A maior dificuldade é que o Estado parece ser, tanto lógica como historicamente um
resultado, e ao mesmo tempo um pressuposto do dilaceramento sofrido pela sociedade.
26
E nada mais sensato, portanto, que obedecer-lhe as leis e os mandamentos
básicos, naturais...
Você é feliz vivendo no Estado, com o Estado? Vamos analisar rapidamente dois
filmes, Nell e Matrix, e então conheceremos o “Estado” em que vivemos (http://www.
culturabrasil.org/nellematriz.htm#matrix#matrix)
27
uma linguagem própria e estava em idade estimada entre 26 e 30 anos. O
interesse em caso tão pitoresco por parte da comunidade acadêmica obriga
o médico humanista a – judicial e judiciosamente – conseguir o direito de
fazer uma tentativa na direção de aprender-lhe o idioma e buscar saber se
Abordagens ela deseja sair da condição em que se encontra ou não.
Socioantropológicas Impregnado de momentos de raríssima beleza, com mensagens
nas Organizações filosóficas tremendamente profundas, dentro do processo de ensino/
aprendizagem em que se envolvem uma médica da comunidade acadêmica, o
médico humanista da cidadezinha e a “mulher selvagem”, como alguns a chamam, percebemos
pérolas como: “Você está certa, Nell, viver entre as pessoas é desvantajoso: primeiro elas te
confundem, depois te abandonam...”
Este é o resultado final da trama no julgamento em que se vai decidir o futuro de Nell:
viver em sociedade, “aprendendo as coisas grandiosas que lhe foram negadas pela mãe” ou
optar por seguir reclusa, como o foi desde o nascimento.
Outro que mexe com a cabeça da gente é “Matrix”: este mundo não é real, é “virtual”.
As máquinas tomaram conta do mundo e todos seguem os esquemas por elas montado no
sentido de uma vida “suave e feliz”, mas sem liberdade.
A busca da liberdade é o cerne da trama. Poucos heróis anti-aparato-estatal tomam a si
a dificultosa incumbência de reencaminhar o mundo do caos em que se encontra na direção
da verdadeira ordem em paz, felicidade e muita liberdade. As dificuldades de praxe no lidar
com as coisas do Estado autoritário são aqui recolocadas, mas num patamar e segundo uma
perspectiva totalmente diferente.
Se em “Nell” há a eterna discussão da luta por um lugar ao sol longe e à revelia do
Estado, em “Matrix” vemos uma guerra declarada ao Leviatã estatal...
Este mundo não é real, é virtual. As máquinas, basicamente computadores de ponta, que
atingiram “inteligência artificial”, tomam conta do planeta e tudo o que acontece é monitorado
para que seja satisfatório à máquina, não ao humano.
Poucos têm acesso à realidade em computadores não submissos ao sistema. Um
tremendo jogo de espelhos que tende a dificultar a mera compreensão do filme, que se precisa
assistir pelo menos duas vezes para captar-lhe a essência. O mundo real somente é acessível a
poucos que detêm a tecnologia necessária a simulá-lo em computadores. Fora desta realidade
é o virtual eivado de realidade existente no mundo prático-pragmático.
Um jovem programador passa noites a fio procurando alguma coisa, sentindo que há
algo de muito errado com o mundo (a empatia com o jovem, rebelde por definição, é imediata).
Quem chega a intuir que há algo de muito errado com o mundo sente-se imediatamente em casa
neste trabalho primoroso. Tanto busca que acaba sendo encontrado pelo grupo de guerrilheiros
anti-estatais comandados por um ativista cognominado “Morfeu”. Alcunha perfeita, pois em
sua luta, estão todos adormecendo nos braços dos computadores que resistem ao sistema
para que toda a espécie humana possa despertar do sono em que se encontra.
“Sião” é novamente a terra prometida, a única cidade que resiste à nova ordem
impessoal das máquinas que tomam conta do mundo. Cidadelas isoladas, distantes e livres
de qualquer possibilidade de acesso a não humanos ao longo do filme. Ponto de chegada e
de partida de quantos ainda são humanos neste mundo.
O jovem programador é convidado a conhecer mais (conhecer é poder, controle, domínio)
e lutar pela libertação do mundo. Fica sabendo que ele, “Neo”, é O Escolhido, aquele que, por
ser capaz de atuar operacionalmente contra a ordem é capaz de lutar e mostrar aos homens
o caminho da libertação. Morfeu é o seu mestre, que o reconhece e que logo será superado.
Como lutar contra a escravidão se, há séculos, o homem nasce escravizado? Esta
questão, é antiga como o Estado, foi excepcionalmente trabalhada pelo Renascentista Etienne
de La Boétie. A sede pela liberdade já assombrava os sonhos de Espártaco no Império Romano.
A atualidade desta inquietação no mundo globalizado, neoliberal e todo em rede desassossega.
Neste filme, há a reflexão em torno da luta do homem pela sua emancipação em face
de um poder massacrante contra o qual não há acordo possível.
Contra toda a evidência – e até porque a alternativa para aquele que despertou é a insuportável
“Servidão Voluntária” – a luta do humano para emancipar-se segue plena e eficaz. Não importa
28
tanto ter sucesso na luta. Importa não capitular, pois capitular é transformar-se no próprio algoz.
A atividade humana desapegada tem um potencial revolucionário raramente tão bem explicitada.
O aprendiz tem de “morrer” e “ressuscitar”, precisa dominar técnicas novas, precisa
dominar, acima de tudo, o seu próprio medo e conformismo. Precisa viver e deixar viver em
permanente luta contra os algozes da vida plena e real.
“Matrix” é o nome do Estado, da nova ordem mecânica a que os seres humanos devem
submeter-se. Trata-se de um conjunto de máquinas capazes de fazer crer em qualquer coisa,
atuando diretamente no nível neuronal das pessoas. Contra esta, somente uma outra máquina,
a serviço do humano, não mais servindo-se dele.
O embate final, entre o humano imaginativo, criador, de um lado e, de outro os
representantes da “ordem”, os agentes da máquina, é um primor de alegorias. Faz-nos recordar
de todos os momentos históricos em que a nossa espécie avançou na direção certa, sempre
sob a orientação de um líder carismático a serviço de um poder superior que por vezes nem
ele entende, a princípio. Feita a harmonização entre o guerrilheiro da inovação e o poder
superior a que pertence e o mundo inteiro pode ser reconduzido à paz, à verdadeira ordem e
harmonia, a partir de preceitos humanos.
“Matrix” é o Capital. “Neo”, “Morfeu” e os lutadores pela emancipação são os libertadores
humanos, são os guerrilheiros humanistas que restauram a ordem, a harmonia universal. Uns
poucos seres humanos idealistas lutando pelo que é bom, justo, correto dobram, jugulam a
autocracia dominante. Tal não tem sido assim na história da humana espécie?
CAPITALISMO E A GLOBALIZAÇÃO
UM POUCO DE HISTÓRIA...
O capitalismo teve seu início na Europa. Suas características aparecem desde a Baixa
Idade Média (do século XI ao XV), com a transferência do centro da vida econômica, social
e política dos feudos para a cidade. Depois de uma profunda estagnação o comércio saiu
da inanição com o aparecimento de excedentes oriundos das descobertas de novas terras.
As Cruzadas (do século XI ao XII) também contribuíram muito para o reativamento
comercial. Ainda no século XIV o feudalismo passava por uma grave crise decorrente da
catástrofe demográfica causada pela Peste Negra, que dizimou 40% da população européia
e pela fome que assolava o povo. Com a união de todos esses fatores a Europa passou
por um intenso desenvolvimento urbano e comercial e, conseqüentemente, as relações de
produção capitalistas se multiplicaram, minando, aos poucos, as bases do Feudalismo.
Os lucros dos senhores feudais reduziram-se e eles “tiveram” de aumentar os impostos
sobre os servos. Estes começaram a rebelar-se e enfraqueceram o poder dos nobres. Os reis,
para manterem-se no poder, apegaram-se ainda mais à idéia de que eram designados por Deus.
O Absolutismo teve defensores ideológicos, como os filósofos Jean Bodin (“os reis
tinham o direito de impor leis aos súditos sem o consentimento deles”), Jacques Bossuet (“o
29
rei está no trono por vontade de Deus”) e Niccòlo Machiavelli (“a unidade
política é fundamental para a grandeza de uma nação”).
Com o Absolutismo e com o Mercantilismo o Estado passava a
controlar a economia e a buscar colônias para adquirir metais através da
Abordagens
Socioantropológicas
exploração (metalismo). Isso para garantir o enriquecimento da metrópole.
nas Organizações Esse enriquecimento favorece a burguesia - classe que detém
os meios de produção – e passa a contestar o poder do rei, resultando
na crise do sistema absolutista.
Com as revoluções burguesas, como a Revolução Francesa e a Revolução Inglesa,
estava-se garantido o triunfo do capitalismo. A partir da segunda metade do século XVIII, com
a Revolução Industrial, inicia-se um processo ininterrupto de produção coletiva em massa,
geração de lucro e acúmulo de capital. Na Europa Ocidental, a burguesia assume o controle
econômico e político. As sociedades vão superando os tradicionais critérios da aristocracia
(principalmente a do privilégio de nascimento) e a força do capital se impõe. Surgem as
primeiras teorias econômicas: a fisiocracia e o liberalismo. Na Inglaterra, o escocês Adam
Smith (1723-1790), precurssor do liberalismo econômico, publica Uma Investigação sobre
Naturezas e Causas da Riqueza das Nações, em que defende a livre-iniciativa e a não-
interferência do Estado na economia.
Saiba mais!
O capitalismo é traduzido num sistema de mercado baseado na iniciativa privada,
monopolização dos meios de produção e exploração de oportunidades de mercado para
efeito de lucro. Exatamente no lucro concentra-se toda a crueldade e irracionalidade do
capitalismo, que destina o sacrifício do trabalho de todos para o enriquecimento de uma
minoria. A burguesia provoca guerras e destrói éticas para seu enriquecimento material.
GLOBALIZAÇÃO O QUE É?
30
se ao comércio e ao capital internacional. Esse processo tem sido acompanhado de uma
intensa revolução nas tecnologias de informação - telefones, computadores e televisão.
RESUMINDO...
31
das funções produtivas não se encontra mais concentrada num único
país, mas espalhada por vários países e continentes (por exemplo, um
país fabrica um componente do produto, um segundo fabrica outro,
Abordagens um terceiro faz a montagem, enquanto o centro financeiro e contábil
Socioantropológicas da empresa está sediado num quarto país);
nas Organizações
Atividades
Complementares
32
2. O capitalismo e, posteriormente, o neoliberalismo têm como uma de suas premissas
a diminuição do papel do Estado na economia. Neste sentido explique qual o papel do Estado
na economia do século XXI.
http://catatau.informal.com.br/artigos/a01072002_001.htm
http://www.bresserpereira.org.br/papers/1998/84PublicoNaoEstataRefEst.p.pg.pdf
http://globalization.sites.uol.com.br/as22.htm
33
A ANÁLISE
ANTROPOLÓGICA DAS
Abordagens
Socioantropológicas
nas Organizações
ORGANIZAÇÕES
BRONISŁAW MALINOWSKI
34
tentativas de explicar os fenômenos naturais. Dentro dessa escola havia divergências,
admitindo certos pesquisadores que a Lua seria o principal motivo estimulador dos mitos;
entre eles se contaria Paul Ehrenreich (que no século passado esteve no alto Xingu, na ilha
de Bananal e no rio Purus). Outros, entre os quais o africanista Leo Frobenius, tinham o
Sol como foco da atenção dos mitos. E havia ainda os estudiosos que associavam os mitos
a fenômenos meteorológicos. Esses pequisadores faziam parte da Sociedade de Estudos
Comparados do Mito, fundada em Berlim em 1906.
Havia também uma escola histórica, presente na Alemanha e nos Estados Unidos, da
qual Rivers seria o representante na Inglaterra, que tomava o mito como um relato sagrado
equivalente a um repositório verídico do passado.
Malinowski se coloca num terceiro conjunto de pesquisadores, que faz uma íntima
associação entre mito e ritual, entre a tradição sagrada e as normas da estrutura social, ao
qual também pertenceriam o psicólogo Wundt, o sociólogo Durkheim, o antropólogo Mauss, o
historiador Hubert, todos, de algum modo, influenciados por James Frazer. Porém, Malinowski
quer mais, quer trazer a atenção do leitor para as contribuições do trabalho de campo, no
caso o seu, nas ilhas Trobiand, para o cotidiano da vida dos nativos que contam os mitos.
Um dos trechos de grande interesse do ensaio de Malinowski é a apresentação de
uma classificação das narrativas feita pelos próprios trobiandeses. Elas se distribuem
em três categorias:
Kukwanebu — São contos populares (folk tales) que devem ser narrados por seus próprios
“donos”, geralmente por volta de novembro, no começo da estação das chuvas. Além de servirem
para entretenimento, acreditam os trobiandeses que o ato de narrá-los tem influxo benéfico sobre
o desenvolvimento das plantas recentemente semeadas; por isso, a narrativa deve terminar com
uma cantilena que faz alusão a certas plantas silvestres muito férteis. Apreciam os narradores que
demonstram habilidade para contá-los, sabendo comover, fazer rir, entoar as partes que devem ser
cantadas, mudar a voz na reprodução dos diálogos. Para Malinowski não basta reproduzir apenas
o conto; o etnólogo precisa estudar todos esses outros elementos que cercam a sua narração.
Libwogwo — Incluem o relato histórico, isto é, presenciado pelo narrador ou assegurado
por alguém que merece fé por sua boa memória; a lenda, que, apesar da falta de testemunho,
cai dentro dos acontecimentos que normalmente integram a experiência dos nativos; e o
ouvir dizer, referente a lugares distantes e a acontecimentos antigos fora do âmbito da cultura
atual. Não têm estação apropriada e nem modo estereotipado de narração, a qual também
não produz efeitos mágicos. Geralmente acompanham as informações proporcionadas
pelos mais velhos, quando solicitados pelos mais jovens nas expedições, diante de novas
paisagens e costumes de comunidades estranhas.
Liliu — São os relatos sagrados ou mitos. O mito é narrado quando uma cerimônia,
uma regra moral reclama a confirmação de sua antiguidade e veracidade. Seu conhecimento
fundamenta os atos morais e rituais e assinala como se deve praticá-los.
Você sabia?
A principal contribuição de Malinowski à
Antropologia foi o desenvolvimento de um novo
método de investigação de campo, cuja origem
remonta à sua intensa experiência de pesquisa
na Austrália, inicialmente com o povo Mailu (1915)
e, posteriormente, com os nativos das Ilhas
Trobriand (1915-16, 1917-18).
35
CLAUDE LÉVI-STRAUSS
Abordagens
Socioantropológicas
nas Organizações “Estruturalismo”, diz Lévi-Strauss,
“é a procura por harmonias inovadoras”
Você sabia?
Lévi-Strauss é o introdutor do método estruturalista em Antropologia, no qual
busca basicamente descobrir as relações mais profundas entre os elementos da cultura,
ou seja, desvendar as estruturas que sustentam os valores e costumes e que explicam
as semelhanças e diferenças entre as culturas.
36
Apesar de aposentado, Lévi-Strauss continua a publicar ocasionalmente volumes de
meditações sobre artes, música e poesia, bem como reminiscências de seu passado.
Estudioso, jamais aceitou a visão histórica da civilização ocidental como privilegiada
e única, sempre enfatizou que a mente selvagem é igual à civilizada. Sua crença de que as
características humanas são as mesmas em toda parte surgiu nas incontáveis viagens que
fez ao Brasil e nas visitas a tribos de indígenas das Américas do Sul e do Norte.
O antropólogo passou mais da metade de sua vida estudando o comportamento dos índios
americanos e o método usado por ele para estudar a organização social dessas tribos chama-
se estruturalismo. “Estruturalismo”, diz Lévi-Strauss, “é a procura por harmonias inovadoras”.
Suas pesquisas, iniciadas a partir de premissas lingüísticas, deram à ciência contemporânea
a teoria de como a mente humana trabalha. O indivíduo passa do estado natural ao cultural
enquanto usa a linguagem, aprende a cozinhar, produz objetos, etc. Nessa passagem, o homem
obedece a leis que ele não criou: elas pertencem a um mecanismo do cérebro.
Escreveu, em “O Pensamento Selvagem”, que a língua é uma razão que tem suas
razões - e estas são desconhecidas pelo ser humano.
Lévi não vê o ser humano como um habitante privilegiado do universo, mas como uma
espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta.
Membro da Academia de Ciências Francesa (1973), integra também muitas academias
científicas, em especial européias e norte-americanas. Também é doutor honoris causa das
universidades de Bruxelas, Oxford, Chicago, Stirling, Upsala, Montreal, México, Québec,
Zaire, Visva Bharati, Yale, Harvard, Johns Hopkins e Columbia, entre outras.
Aos 97 anos, em 2005, recebeu o 17º Prêmio Internacional Catalunha, na Espanha.
Declarou na ocasião: “Fico emocionado, porque estou na idade em que não se recebem nem se
dão prêmios, pois sou muito velho para fazer parte de um corpo de jurados. Meu único desejo
é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar
sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente”. Atualmente mora em Paris.
37
recursos de uma narrativa da história tribal, como expressões legitimas de
manifestações de desejos e projeções ocultas, todas elas merecedoras de
serem admitidas no papel de matéria-prima antropológica. Como é o caso
do seus estudos sobre o mito (Mythologiques), cuja narrativa oral corria da
Abordagens
Socioantropológicas
esquerda para a direita num eixo diacrônico, num tempo não-reversível,
nas Organizações enquanto que a estrutura do mito (por exemplo o que trata do nascimento
ou da morte de um herói) sobe e desce num eixo sincrônico, num tempo que
é reversível. Se bem que eles, os mitos, nada revelavam sobre a ordem do mundo, serviam
muito para entender-se o funcionamento da cultura que o gerou e perpetuou. A mesma coisa
aplica-se ao o totemismo, poderoso instrumento simbólico do clã para reger o sistema de
parentesco, regulando os matrimônios com a intenção de preservar o tabu do incesto (cada
totem está associado a um grupo social determinado, a uma tribo ou clã, e todo o sistema
de casamentos é estabelecido pelo entrecruzar dos que filiam-se a totens diferentes). O
objetivo dele era provar que a estrutura dos mitos era idêntica em qualquer canto da Terra,
confirmando, assim, que a estrutura mental da humanidade é a mesma, independentemente
da raça, clima ou religião adotada ou praticada. Contrapondo o mito à história ele separou
as sociedades humanas em “frias” e “quentes”, formando, então, o seguinte quadro delas:
38
Domenico Di Masi nasceu em Rotello, na província de Campobasso, no sul da
Itália, no dia 1º de fevereiro de 1938. Residiu em três cidades italianas: Nápoles, Milão
e Roma. Aos dezenove anos já escrevia para a revista Nord e Sud artigos de Sociologia
Urbana e do Trabalho. Aos vinte e dois anos lecionava na Universidade de Nápoles. Mais
recentemente assumiu o posto de professor de Sociologia do Trabalho na Universidade
La Sapienza, de Roma, além de ser diretor da S3 Studium, escola de especialização em
ciências organizacionais que fundou. Escreveu diversos livros, alguns deles tidos como
revolucionários, entre os quais se destacam: Desenvolvimento Sem Trabalho, A Emoção e
a Regra, O Ócio Criativo e O Futuro do Trabalho.
Na sociedade pós-industrial, em que a riqueza provém da arte e da ciência (mais
rentáveis e menos poluentes que os bens materiais), o sociólogo italiano preconiza um estilo
de vida que inclui estudo e lazer. “Esta é a única forma de produzir idéias geniais”.
Estamos falando do sociólogo italiano Domenico Di Masi, um dos mais conceituados e
polêmicos teóricos das modernas relações entre o homem e o trabalho, autor de best-sellers
sobre o assunto (veja quadro) e que, no Brasil, já foi chamado de “guru do ócio” por uma
famosa revista, graças à interpretação geralmente equivocada que se faz das suas idéias.
Do alto de seus 63 anos de idade, quarenta dos quais dedicados ao ensino universitário,
o sociólogo apregoa um tipo de ócio diferente do clichê que a palavra inspira - muita sombra,
água fresca e nenhuma ocupação para o resto da vida. O ócio que defende é o “ócio criativo”,
uma forma inteligente e construtiva de utilizar o tempo.
A lógica é simples: a média de vida da população, hoje, é mais do que o dobro da média
de nossos avós, ao passo que o progresso tecnológico e o desenvolvimento organizacional,
característicos da sociedade pós-industrial surgida na metade do século 20, permitem produzir
mais com menos esforço.
“Um homem que vive 60 anos viverá cerca de 530 mil horas. Se trabalhar 40
anos, trabalhará 80 mil horas. Outras 220 mil horas serão dedicadas aos chamados
cuidados com o corpo (dormir, alimentar-se, tomar banho, etc). O que fazer com as
restantes 230 mil horas? Temos todo esse tempo para descansar e viver”.
Domenico Di Masi
39
cem anos para se difundirem por toda a América e o mundo. Eu não acho
que as minhas idéias serão aceitas rapidamente, mas isso deverá ocorrer.
Revista do IMAPES - O que o leva a acreditar nisso?
Di Masi - Se observarmos bem, vemos que existe um interesse muito
Abordagens
Socioantropológicas
forte em todo o mundo. Meu livro “O Futuro do Trabalho” foi muito vendido na
nas Organizações Itália e no Brasil. Aqui no Brasil foram seis edições em trinta dias. Já o livro
“O Ócio Criativo” vendeu até agora sessenta mil cópias. Então, eu acredito
que existe esse interesse em muitas partes do mundo.
Revista do IMAPES - Qual a principal razão desse interesse?
Di Masi - Os managers que trabalham muito estão começando a compreender que não
vale a pena trabalhar tanto e deixar de lado aspectos da vida que são tão ou mais importantes.
Revista do IMAPES - A conquista do ócio criativo deve ser do funcionário ou pode-se
esperar que as empresas o adotem?
Di Masi - A empresa se interessa apenas pela riqueza. Eu acredito que com o ócio criativo
os funcionários teriam mais idéias e a empresa poderia ganhar mais. Mas o que é a empresa? São
outros funcionários. E estes funcionários têm a mentalidade industrial. Por isso, não compreendem
que para termos mais idéias temos que ter mais liberdade. Acreditam que temos que fazer como
quando queremos produzir mais parafusos: estabelecendo mais horários e controles.
Atividades
Complementares
40
3. O teórico contemporâneo Di Masi profetiza mudanças radicais nas relações de
trabalho. Discorra sobre algumas dessas posições das relações de trabalho do século XXI.
4. Que elementos podemos identificar na obra de Lévi Strauss. que nos possibilitem
maior compreensão da cultura organizacional?
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v11n33/a09v1133.pdf
http://kov.eti.br/ciencias-sociais/cienciassociais/artigos/antropologia/estruturalismo-
funcionalismo.pdf
41
ANTROPOLOGIA E
ANTROPOLOGIA CULTURAL
Abordagens
Socioantropológicas
nas Organizações
Cultura
42
de uma abordagem que contemple as diferenças e fazer disso um diferencial competitivo? Em
linhas gerais os estudos seguiram a linha de como ter dentro ou incutir na organização uma
cultura controlável que faça com que os funcionários desempenhem entusiasticamente seu
trabalho de forma a tornar a empresa competitiva também no processo produtivo.
Assim, quando hoje falamos de cultura organizacional, referimo-nos às características,
aos conjuntos de valores que a equipe de gestão desta organização considera ideal para o
desempenho do trabalho de forma competitiva, e não exclusivamente daquelas características
e conjunto de valores que afloram do grupo de forma instintiva. A cultura, neste sentido, passa
a ter um papel instrumentalista e intervencionista. Por isso, o mais aplicável, na visão de Lívia
Barbosa, em “Igualdade e Meritocracia”, é chamá-la de cultura administrativa ligada diretamente
à necessidade de ter “administrabilidade” frente as relações de trabalho considerando, para
isso, conjuntos de lógicas e fatores pré-contextualizados em diferentes organizações.
A cultura organizacional de uma empresa, por sua vez, manifesta-se através da
resistência a mudanças, resistência conseqüente dos valores, crenças, mitos e tabus que
encontram-se enraizados nessa empresa; manifesta-se, também, através de padrões
de comportamento ou estilo de uma organização assumido pelos funcionários, os quais
incentivam os novos colegas a seguirem.
Determinados assuntos acadêmicos marcaram épocas. A Teoria das Organizações
contribui para o surgimento da discussão em cima da cultura organizacional, na década de
80; a Administração Estratégica, abordada na década de 70; a Estrutura Organizacional,
enfocada nos anos 60; a Administração por Objetivos, nos anos 50; e assim por diante.
No Brasil, o tema cultura organizacional é ainda tratado de maneira secundária, sem muito
enfoque. O material teórico disponível em bibliotecas se restringe a publicações estrangeiras,
além de as escolas de Administração enfatizarem temas que estão sendo desenvolvidos em
países avançados, do Primeiro Mundo, e que não são compatíveis com a nossa realidade.
43
Após compreensão da cultura organizacional, estuda-se o clima
organizacional que refere-se ao ambiente interno que existe entre os
participantes da empresa. Está intimamente relacionado com o grau
Abordagens de motivação de seus participantes. Em termos mais práticos, o clima
Socioantropológicas organizacional depende das condições econômicas da empresa, do
nas Organizações
estilo de liderança utilizada, das políticas e valores existentes, da
TEXTO COMPLEMENTAR
44
7. Organizações como fluxo e transformação: compreensão da lógica de mudança
que dá forma à vida social (sistemas autoprodutores, causalidade mútua, lógica dialética);
8. Organizações como instrumentos de dominação: aspectos potencialmente
exploradores das organizações; sua essência repousa sobre um processo de dominação
em que certas pessoas impõem seus desejos sobre as outras.
A seguir, apresentamos o texto “Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho”, de
autoria anônima. É recomendável a leitura pedindo a atenção do leitor para as partes
grifadas para posterior análise.
Por meio deste conto será abordado o conceito de cultura e as formas que se apresentam
nas organizações. Enfatizaremos também o papel do agente de mudanças, delineando algumas
visões sobre a mudança organizacional e os fatores-chaves que nela intervêm.
– “Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?” Optou pela mudança.
45
com as novas paisagens, ricas de flores e sol, que o defrontavam, e seguiu
embriagado de esperança...
Em breve, alcançou grande rio e fez inúmeros conhecimentos.
Encontrou peixes de muitas famílias diferentes que com
Abordagens
Socioantropológicas
ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços da marcha e
nas Organizações descortinando-lhe mais fácil roteiro.
Embevecido, contemplou nas margens homens e animais,
embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo.
Habituado com pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza
e agilidade naturais.
Conseguiu, desse modo, atingir o oceano (5), ébrio de novidade e sedento de estudo.
De início, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia (7)
para quem toda água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado
com o espetáculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe
constituíam a primeira refeição diária.
Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos peixes, rogando proteção no bojo do
monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque
o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o às correntes marinhas.
O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpáticas e aprendeu
a evitar os perigos e tentações.
Plenamente transformado sem suas concepções do mundo, passou a reparar as
infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas móveis
e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos peixinhos,
estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.
Vivia, agora, sorridente e calmo, no palácio de coral (9) que elegera, com centenas
de amigos, para residência ditosa, quando, aos se referir ao seu começo laborioso, veio a
saber que somente no mar as criaturas aquáticas dispunham de mais sólida garantia de
vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as águas de outra altitude continuariam
a correr para o oceano.
O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixão daqueles com quem
convivera na infância, deliberou consagrar-se à obra do progresso e salvação deles.
Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? Não seria nobre ampará-los,
prestando-lhes a tempo valiosas informações? não hesitou.
Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeitores que com ele viviam no palácio
de coral, empreendeu comprida viagem de volta.
Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os
canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.
Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço a que se devotava,
varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros. Estimulado pela proeza de
amor que efetuava, supôs que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo,
a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou que ninguém se mexia.
Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos
lodacentos, protegidos por flores de lótus, de onde saíam apenas para disputar larvas,
moscas ou minhocas desprezíveis.
Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção, porquanto
ninguém, ali, havia dado pela ausência dele. Ridicularizado, procurou, então, o Rei de guelras
enormes (3) e comunicou-lhe a reveladora aventura.
O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que
o mensageiro se explicasse.
O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que havia outro
46
mundo líquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era uma insignificância que podia desaparecer
de momento para outro. Além do escoadouro próximo desdobravam-se outra vida e outra
experiência. Lá fora, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres
diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente.
Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqualos. Deu notícias do peixe-lua,
do peixe-coelho e do galo-do-mar.
Contou que vira o céu repleto de astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas,
barcos imensos, cidades praieiras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do
oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao palácio do coral, onde viveriam todos, prósperos
e tranqüilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha igualmente
seu preço. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se de devorar tanta
larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era
necessário à aventurosa jornada.
Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleção. Ninguém
acreditou nele. Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram solenes, que o peixinho
vermelho delirava, que outra vida além do poço era francamente impossível, que aquela
história de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram
a declarar que falavam em nome do Deus dos peixes, que trazia os olhos voltados para eles
unicamente.
O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia
dele até à grade de escoamento e, tentando, de longe, a travessia, exclamou, borbulhante:
– “Não vês que não cabe aqui nem uma só das minhas barbatanas? Grande tolo!
Vai-te daqui! Não nos perturbe o bem-estar... Nosso lago é o centro do universo... Ninguém
possui vida igual a nossa!...”
(1) Um grande lago e (2) uma Comunidade de Peixes: A Organização e sua Cultura
47
desemprego e a mais bem-remunerada e saudável população trabalhadora
do mundo. Assim, entender a cultura desse povo tornou-se importante para
compreender a sua ascensão na economia mundial.
Segundo Fleury (1991), há vários caminhos para se desvendar a
Abordagens
Socioantropológicas
cultura de uma organização. Dentre eles destacam-se:
nas Organizações
1. O Histórico das Organizações: o momento de criação de uma
organização e sua inserção no contexto político e econômico da época propiciam o pano
de fundo necessário para compreensão da natureza da organização, suas metas, seus
objetivos. O fundador, neste contexto, tem um papel fundamental, pois ele detém a concepção
global sobre o projeto da organização e tem o poder para estruturá-la, desenvolvê-la e tecer
elementos simbólicos consistentes com esta visão.
2. Os incidentes críticos por que passou a organização, tais como crises, expansões,
pontos de inflexão, de fracassos ou sucessos também são formadores de sua história. Nestes
momentos, o tecido simbólico se revela mais facilmente ao pesquisador, pois certos valores
importantes de serem preservados ou, pelo contrário, questionados, emergem com maior nitidez;
3. O Processo de Socialização de Novos Membros: o momento de socialização é crucial
para a reprodução do universo simbólico. É através das estratégias de integração do indivíduo
à organização que os valores e comportamento vão sendo transmitidos e incorporados pelos
novos membros. As estratégias mais usuais são os programas de treinamento e integração
de novos funcionários. Os rituais de socialização desempenham ao mesmo tempo o papel
de inclusão do indivíduo ao grupo e delimitação do processo de exclusão dos demais;
4. As Políticas de Recursos Humanos: as políticas de recursos humanos têm papel
relevante no processo de construção de identidade da organização por serem as mediadoras
da relação entre capital e trabalho. Analisando as políticas explícitas e principalmente as
políticas implícitas de recursos humanos de uma organização, é possível decifrar e interpretar
os padrões culturais desta organização;
5. O Processo de Comunicação: a comunicação é um dos elementos essenciais no processo
de criação, transmissão e cristalização do universo simbólico de uma organização. É preciso
identificar os meios formais orais (contatos diretos, reuniões, telefonemas) e escritos (jornais,
circulares, “memos”) e os meios informais, como, por exemplo, a “rádio-peão”. O mapeamento
dos meios permite o desvendar das relações entre categorias, grupos e áreas da organização;
6. A Organização do Processo de Trabalho: a análise da organização do processo
de trabalho em sua componente tecnológica e em sua componente social, como forma de
gestão da força de trabalho, possibilita a identificação das categorias presentes na relação
de trabalho. Assim, ela é importante para desvendar aspectos formadores da identidade
organizacional, além de fornecer o referencial para se decifrar a dimensão político-construtiva
do elemento simbólico. Ou seja, para se questionar como elementos simbólicos ocultam ou
instrumentalizam relações de poder é preciso rebater a análise para o plano concreto das
relações entre os agentes no processo de trabalho;
7. As Técnicas de Investigação: derivam das propostas teórico-metodológicas
desenvolvidas pelos autores. Na ênfase quantitativa utiliza-se levantamento de opinião, através
de questionários, escalas, entrevistas, etc. Na ênfase qualitativa utilizam-se dados secundários
da própria organização (documentos, relatórios manuais de pessoal, organogramas, jornais,
etc.). As técnicas mais utilizadas para coleta de dados primários são entrevistas, observação
participante e não participante e dinâmicas de grupo, com uso de jogos e simulações.
Cultura, usualmente, é tida como o padrão de desenvolvimento refletido nos sistemas
sociais de conhecimento, ideologia, valores, leis e rituais cotidianos. Também é vista como
o grau de refinamento e evidente em tais sistemas de crenças e práticas.
A antropologia serve de base para o estudo da cultura organizacional. Requer uma
48
ruptura radical com a crença de que existe um centro do mundo e de que algumas culturas
são mais avançadas ou evoluídas que outras. O antropólogo social ou organizacional deve ter
elevado grau de relativismo cultural, de modo a neutralizar eventuais distorções provocadas
por seu contexto cultural de origem. A experiência da alteridade leva a se perceber a própria
cultura, através do reconhecimento de que ela nada tem de natural e sim é essencialmente
formada de construções sociais, e a cultura do outro.
A cultura pode ser entendida como um sistema simbólico, tal como a arte, o mito, a
linguagem, em sua qualidade de instrumento de comunicação entre as pessoas e os grupos
sociais, que permite a elaboração de um conhecimento consensual sobre o significado do
mundo; e também como um instrumento de poder e legitimação da ordem vigente.
Na perspectiva da Antropologia, a dimensão simbólica é concebida como capaz de
integrar todos os aspectos da prática social. Segundo Durhan (Fleury, 1987), os antropólogos
tenderam sempre a conceber os padrões culturais não como um molde que produziria condutas
estritamente idênticas, mas antes como as regras de um jogo, isto é, uma estrutura que permite
atribuir significado a certas ações e em função da qual se jogam infinitas partidas. Não existe
também a preocupação em estabelecer relações entre as representações e o poder.
Entre os sociólogos uma corrente importante para a análise da cultura é o interacionismo
simbólico (Fleury, 1987), no qual toda atividade está sujeita ao hábito. Qualquer ação
freqüentemente repetida torna-se um padrão que pode ser reproduzido, com economia
de esforço e tempo. Os fenômenos estão pré-arranjados em padrões que parecem ser
independentes da apreensão que cada pessoa faz deles individualmente. A realidade se
impõe como objetivada, isto é, constituída por uma série de objetivos que foram designados
como objetos antes da “minha” aparição (como indivíduo) em cena. Existe o compartilhar de
um senso comum sobre a realidade, produzindo signos (sinais que têm significação). Nas
organizações, observa-se como certos símbolos são criados e os procedimentos implícitos
e explícitos para legitimá-los.
Discutem-se também os processos de socialização vivenciados pelo indivíduo,
quais sejam:
1. Socialização Primária: em que o indivíduo se toma membro de uma sociedade.
O cunho da realidade do conhecimento é internalizado quase que automaticamente pelo
indivíduo, através, principalmente, da linguagem;
2. Socialização Secundária: introduz um indivíduo já socializado a novos setores do
mundo objetivo. A identificação acontece somente na medida necessária para a comunicação
entre seres humanos. Sua extensão e seu caráter são determinados pela complexidade
da divisão do trabalho e pela distribuição social do conhecimento de uma dada sociedade.
1. A cultura como uma variável, como alguma coisa que a organização tem: ligada ao
modelo sistêmico de organização, tem um objetivo normativo – realizar diagnósticos com
análises comparativas que subsidiem a elaboração de estratégias de ação das empresas.
Por sua vez, esta linha de pesquisa considera dois tipos de variáveis:
• como variável independente, externa à organização (a cultura da sociedade em que
se insere a organização e que é trazida para dentro por seus membros);
• como variável interna à organização (as organizações produzem bens, serviços
e produtos culturais como lendas, ritos, símbolos); é resultado do desempenho e de
representações dos indivíduos nas organizações;
(2) A cultura como raiz da própria organização, algo que a organização é: esta segunda
abordagem procura ir além da visão instrumental da organização para pensá-la como um
fenômeno social derivado do conceito antropológico de cultura.
49
Dentro dessa abordagem, a autora coloca três correntes antropológicas
que embasariam as pesquisas sobre cultura organizacional:
• Cognitivista: cultura é definida como um sistema de conhecimento e
crenças compartilhados. É importante determinar quais as regras existentes
Abordagens
Socioantropológicas
em uma determinada cultura e como seus membros vêem o mundo;
nas Organizações • Estruturalista: a cultura se constitui de signos e símbolos. É
convencional, arbitrária e estruturada. É constitutiva da ação social sendo,
portanto, indissociável desta;
• Simbólica: define cultura como um sistema de símbolos e significados compartilhados
que necessita ser decifrado e interpretado. As pessoas procuram decifrar a organização em
termos de pautar e adequar o seu próprio comportamento.
Nesta última corrente, Van Maanem (Fleury, 1991) identifica vários tipos de estratégias
de socialização, que podem ser combinados em função de se adequar o mais eficientemente
possível o indivíduo aos objetivos e natureza daquela organização (tem a ver com a
socialização secundária, de Berger).
Para Schein, também desta última corrente, cultura organizacional é o conjunto de
pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como
lidar com os problemas de adaptação externa ou integração interna e que funcionaram bem
o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma
correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas. Ainda, a cultura de uma
organização pode ser apreendida em vários níveis (Fleury, 1991):
1. Nível dos artefatos visíveis: fáceis de obter, mas difíceis de interpretar. É o ambiente
construído da organização, arquitetura, layout, a maneira de as pessoas se vestirem, padrões
de comportamento visíveis, documentos públicos;
2. Nível dos valores que governam o comportamento das pessoas: valores manifestos
na cultura, ou seja, expressam o que as pessoas reportam ser a razão do seu comportamento,
o que na maioria das vezes são idealizações ou racionalizações;
3. Nível dos pressupostos inconscientes: são aqueles pressupostos que determinam
como os membros de um grupo percebem, pensam e sentem. À medida que um pressuposto
vai se tornando cada vez mais taken for granted, vai passando para o nível do inconsciente.
O mesmo autor diz que se a organização como um todo vivenciou experiências comuns
pode existir uma forte cultura organizacional que prevaleça sobre várias subculturas das
unidades (cultura dos gerentes, do sindicato, etc.). Schein coloca como de maior importância
o papel dos fundadores da organização no processo e moldar seus padrões culturais, que
imprimem sua visão de mundo aos demais e também sua visão do papel que a organização
deve desempenhar no mundo.
Schein propõe ainda categorias para se investigar o universo cultural de uma
organização:
1. Analisar o teor e o processo de socialização dos novos membros;
2. Analisar as respostas a incidentes críticos da história da organização;
3. Analisar as crenças, valores e convicções dos criadores ou portadores da cultura;
4. Explorar e analisar junto a pessoas de dentro da organização as observações
surpreendentes descobertas durante as entrevistas.
Esta linha de estudos assume os sistemas culturais apenas em sua capacidade de
comunicação e de expressão de uma visão consensual sobre a própria organização. Entretanto,
a dimensão do poder está ausente destes estudos. Para ir além da proposta clássica, que
define cultura como representações simbólicas que expressam formas comuns de apreender
o mundo, é necessário “politizar” o conceito de cultura, investigando como o universo simbólico
expressa relações de poder, oculta-as e instrumentaliza o pólo dominante da relação.
50
(3) O Rei de Guelras Enormes: O Poder nas Organizações
O Rei representa, na lenda, o poder. Percebe-se na figura do rei um líder de
comportamento autoritário, sem a devida responsabilidade para com seus seguidores
(comunidade de peixes). Nas organizações, essa faculdade de um homem determinar o
comportamento de outro homem pode se dar através da manipulação, da persuasão, da
ameaça de punição e até pela promessa de benefícios e vantagens.
Nesta perspectiva, Max Pagès, estudando o fenômeno do poder e suas articulações
na vida de uma organização, trabalha de forma analítica (e não-antropológica) o fenômeno
do poder sob diferentes matizes, aliando o referencial marxista à psicanálise freudiana
(postura “sistêmico-dialética”):
1. Como fenômeno de alienação econômica (perspectiva marxista);
2. Como fenômeno político de imposição e controle sobre as decisões e
organização do trabalho;
3. No nível ideológico, como um fenômeno de apropriação de significados e valores;
4. No nível psicológico, como um fenômeno de alienação psicológica.
Fleury (1987) coloca a introdução do conceito de mediação como um processo
que transforma a contradição básica entre capital e trabalho em uma contradição interna
às políticas da organização. A organização hipermoderna tem esta característica,
identificada em quatro categorias:
1. Mediações de ordem econômica (salários, carreira, etc.);
2. Mediações de ordem política (sistema decisório);
3. Mediações de ordem ideológica (quer tornar-se um lugar de produção de
significado e valor);
4. Mediações de ordem psicológica (de vantagens / restrições para prazer / agonia,
mecanismo de reforço circular, que assegura a manutenção do sistema psicológico em
consonância com a estrutura da organização e os reproduz).
O conceito de ideologia desenvolvido pelos autores aproxima-se do conceito de cultura
organizacional. Para o autor, a ideologia não reside apenas no discurso dos dirigentes,
mas é elaborada pelo conjunto dos empregados. A função essencial da ideologia não é
apenas mascarar as relações sociais de produção, mas reforçar a dominação e conseguir
a exploração dos trabalhadores. Utiliza a metáfora da “religião”, que na empresa é colocada
em prática nos dispositivos da política de pessoal. Em sua pesquisa, analisa os dogmas,
mandamentos da empresa, ritos (confissão: entrevista de avaliação; missa: reuniões; batismo:
programa de treinamento, etc.).
Fleury (1989) define cultura a partir da concepção de Schein, mas incorpora a dimensão
política inerente a este fenômeno. Assim, cultura organizacional é concebida como: “...um
conjunto de valores e pressupostos básicos expressos em elementos simbólicos, que em
sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional,
tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam
as relações de dominação” (Fleury, 1989:22).
Há, ainda, o mito da “grande família”, que revela as duas faces presentes nas
relações de trabalho: a face visível da solidariedade, de cooperação, e a face oculta
da dominação e submissão.
(4) O Peixinho Vermelho: O Agente de Mudanças
Na lenda, o peixinho vermelho representa o agente promotor de mudança. É
considerado um líder democrático, cooperativo, aberto à mudança e, sobretudo, humano.
Buscava conhecimento através do estudo e também conhecia bem a realidade em que vivia,
ou seja, os problemas, a estrutura, as bases do grande lago.
Nas organizações, esse agente de mudanças é conhecido como empreendedor. Estes,
por sua vez, são elementos dispostos a inovar e criar produtos, estratégias e situações que
promovem o desenvolvimento organizacional.
51
Até meados da década de 70, falar em mudança organizacional era
predominantemente falar em projeto ou desenho organizacional. A idéia de
mudança estava centrada no conceito de alteração de organogramas, na
criação, modificação ou extinção de cargos e funções. É somente nos anos
Abordagens
Socioantropológicas
80 que esta abordagem vai ganhar forma. Grande parte do interesse pelo
nas Organizações tema deve-se ao fato de que, após operar todo tipo de mudança em suas
empresas, muitos administradores perceberam que ainda era necessário
mudar os valores comuns e as crenças dos grupos para que os resultados surgissem.
Para Herzog (citado por Wood, 1992), mudança no contexto organizacional engloba
alterações fundamentais no comportamento humano nos padrões de trabalho e nos valores em
resposta a modificações ou antecipando alterações estratégicas, de recursos ou de tecnologia.
Ele considera também que a chave para enfrentar com sucesso o processo de mudança é o
gerenciamento das pessoas, mantendo o alto nível de motivação e evitando desapontamentos.
Para ele, grande desafio não é a mudança tecnológica, mas mudar as pessoas e a cultura
organizacional, renovando os valores para ganhar vantagem competitiva.
Deal e Kennedy (citados por Wood 1992) acreditam que a mudança é necessária quando
ocorrem perturbações ambientais e mudar torna-se uma questão de sobrevivência. Delisi, Linder e
Koch e Steinhauser (Wood, 1992) exploram a relação entre tecnologia de informação e mudança
cultural e o potencial de impacto que a variável tecnológica tem sobre as organizações.
Para Morgan (1996), o processo de mudança tradicionalmente tem sido dado como
um problema de mudança das tecnologias, estruturas, habilidades e motivações dos
empregados. Embora seja correto, a mudança efetiva depende das mudanças de imagens
que deve guiar as ações.
O’Toole (Wood, 1992) considera que os fatores-chaves em uma mudança cultural são:
• Que a mudança seja construída sobre as forças e os valores da organização;
• Que haja participação em todos os níveis;
• Que a mudança se dê de forma holística, relacionando-se com a estrutura, estratégia,
sistemas de recompensa, sistemas de controle;
• Que a alta gerência lhe dê todo apoio e que se torne um processo contínuo;
• Que seja planejada no longo prazo e executada em etapas.
Segundo Pettigrew (Fleury, 1991), a cultura é pensada como um conjunto complexo
de valores, crenças e pressupostos que definem os modos pelos quais uma empresa conduz
seus negócios. Esse núcleo de crenças e pressupostos são manifestos nas estruturas,
sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensas dentro da organização. Seria muito
mais fácil ajustar as manifestações de cultura do que modificar o núcleo de crenças e
pressupostos básicos de uma organização. No entanto, qualquer estratégia para modificar
a cultura organizacional terá de envolver pensamentos e ação tanto no nível das crenças
básicas como no de suas manifestações.
O ponto de partida para esta análise da mudança estratégica é a noção de que
a formulação do conteúdo de qualquer nova estratégia supõe controlar ambiente social,
econômico, político e competitivo. O contexto interno é a própria cultura organizacional,
através da qual as idéias de mudança devem fluir. O processo de mudança refere-se às
ações, reações e interações das várias partes interessadas.
Segundo Morgan (1996), aprende-se a encarar sistemas vivos como entidades distintas
caracterizadas por inúmeros padrões de interdependência, tanto internos como em relação aos
seus ambientes. Caso nos coloquemos “dentro” desses sistemas percebemos que estamos
dentro de um sistema fechado de interação e que o ambiente é parte da organização do sistema.
O padrão do sistema deve ser entendido como um todo. Por isso não faz sentido dizer
que um sistema interage com seu ambiente, são transações dentro de si mesmas. Se as
relações com o ambiente são internamente determinadas, então os sistemas só podem evoluir
52
e mudar através de mudanças autogeradas na identidade. Quando uma organização deseja
entender o seu ambiente, deve então entender-se a si mesma, uma vez que a compreensão
do ambiente é sempre uma projeção de si própria. Muitas organizações encontram sérios
problemas em lidar com o mundo exterior por não reconhecerem que são uma parte dos
seus respectivos ambientes.
(5) O Oceano: o Universo de Inserção das Organizações
O oceano significa o universo de inserção das organizações que sobreviverão e se
adaptarão aos impactos das transformações exigidas pela dinâmica do mundo globalizado
da Era da Informação. De acordo com Toledo (1997), a mutabilidade é o cenário que as
pessoas e organizações vão encontrar neste fim de milênio e no começo do próximo. Diante
disso, coloca-se a necessidade de as empresas se adequarem aos novos paradigmas para
que permaneçam no mercado. Muitas organizações se vêem como centros, olhando apenas
para o seu próprio umbigo, fechadas ao ambiente, em si mesmas, às mudanças. Não querem
se comprometer, pois tal ação exige risco.
Um novo modelo de gestão deve, então, ser criado neste cenário de competitividade
crescente, tanto no nível das relações externas quanto internas. À medida que os cenários
mudam os seres humanos são instados a mudar, a oferecer soluções criativas e a mobilizar
novos recursos. E a transformação desse fluxo de mudanças se encontra na sinergia, parceria
e na globalização que são formas de união.
(6) A Grade de Escoadouro: Os Obstáculos à Mudança
Na lenda, o escoadouro representa o caminho para a mudança, a ponte. Toda mudança
implica algum sacrifício e é sempre cercada por incertezas. É esta passagem estreitíssima
que levaria a outro mundo (oceano, rios, riachos, plantas). Mas para se chegar ao outro
lado através desse escoadouro era preciso que os peixes emagrecessem, renunciassem a
muitos hábitos, atitudes, crenças, valores. Desse modo, não atravessar esse escoadouro
significa negar a necessidade de mudanças e dizer não às novas oportunidades, enfim,
significa uma resistência à mudança.
As organizações, por estarem inseridas num contexto de mudanças constantes,
precisam se adaptar às novas realidades com as quais se defrontam. Por exemplo,
tais realidades poderiam ser a necessidade de uma nova política de recursos humanos
ou uma nova forma de gestão e planejamento; ou, ainda, mudanças nas estruturas,
sistemas e processos ou urgência de informatização; ou até mudanças políticas e novas
tecnologias. A despeito de tais pressões, muitas organizações não procedem às atitudes
necessárias para instaurarem o processo que as levaria a modificar o seu status quo.
Talvez o maior foco de resistência seja o fato de que a questão não é somente mudar,
e sim gerenciar a mudança, o que implica na tarefa extremamente difícil de gerenciar
a própria cultura da organização.
Segundo Pettigrew (Fleury, 1991), as dificuldades de se gerenciar a cultura de uma
organização são devidas aos seguintes problemas:
1. Problema dos níveis: a cultura existe em uma variedade de níveis diferentes na
empresa. Refere-se às crenças e pressupostos das pessoas dentro da organização. É muito
mais difícil modificar manifestações de cultura;
2. Problema da infiltração: a cultura refere-se também aos produtos da empresa, às
estruturas, aos sistemas, à missão da empresa, recompensas, socialização;
3. Problema do implícito: é difícil modificar coisas que são implícitas no pensamento
e no comportamento das pessoas;
4. Problema do impresso: a história tem grande peso na administração presente e
futura na maioria das organizações;
5. Problema do político: refere-se às conexões entre a cultura organizacional e a distribuição
do poder na empresa. Esses grupos de poder não estão dispostos a abandonar tais crenças;
53
6. Problema da pluralidade: a maioria das empresas não possui uma
única cultura organizacional, podendo apresentar uma série de subculturas;
7. Problema da interdependência: a cultura está interconectada não
apenas com a política da empresa, mas com a estrutura, os sistemas, as
Abordagens
Socioantropológicas
pessoas e as prioridades da empresa.
nas Organizações Para criar e manter a cultura, a rede de concepções, normas e valores
devem ser afirmados e comunicados aos membros da organização de uma
forma tangível (Fleury, 1991), que são as formas culturais, ou seja, os ritos, rituais, mitos,
histórias, gestos e artefatos.
O rito se configura como uma categoria analítica privilegiada para desvendar a cultura
das organizações. Ao desempenhar um rito, as pessoas se expressam através de diversos
símbolos: certos gestos, linguagem, comportamentos ritualizados, artefatos para salientar
uma visão consensual apropriada à ocasião. Comparando os relatos antropológicos dos ritos
das sociedades tribais com os da vida das organizações modernas, Beyer e Trice (Fleury,
1991) identificaram seis tipos de ritos:
1. Ritos de passagem: o processo de introdução e treinamento básico no Exército
americano;
2. Ritos de degradação: o processo de despedir e substituir um alto executivo;
3. Ritos de confirmação: seminários para reforçar a identidade social e seu poder de
coesão;
4. Ritos de reprodução: atividades de desenvolvimento organizacional;
5. Ritos para redução de conflito: processos de negociação coletiva;
6. Ritos de integração: festas de Natal nas organizações.
Para os autores, os ritos organizacionais são facilmente identificáveis, porém
dificilmente interpretáveis. Pode-se, então, identificar duas posturas teóricas básicas ao se
trabalhar o conceito de cultura, que não são excludentes:
a. aqueles que consideram a cultura como a interação/comunicação entre as pessoas
e grupos e elaboração de um conhecimento consensual sobre significado do mundo (arte,
mito, linguagem => sistema simbólico);
b. aqueles que consideram a cultura como um instrumento de poder e legitimação
da ordem vigente (ideologia).
(7) A Baleia: O Perigo da Precipitação
Na nossa história, o encontro com a baleia representa exatamente o extremo da
organização que resiste às mudanças: é aquela que se deixa levar inconseqüentemente por
qualquer “onda” que lhe acene com a promessa de solução de seus problemas, aceitando
o modismo da mudança sem uma avaliação adequada de suas reais necessidades e um
planejamento sério para levar a termo tais tentativas de transformação.
Podemos incluir aqui as chamadas “maquiagens”: muda-se a forma, mas o conteúdo
permanece o mesmo. Ou então são os “desvios” da mudança, em que a empresa, por
ignorância, falta de orientação ou por má interpretação dos fatos, não procedeu de forma a
viabilizar aquilo que pretendia e acaba faceando situações danosas para as quais não tem
defesa, e que podem inclusive vir a causar-lhe a extinção. A baleia também pode representar
o reconhecimento do erro, quando os desvios mencionados são detectados em sua fase
inicial e ainda são passíveis de serem corrigidos.
(8) A Seca: O Destino das Organizações Estanques
A Seca representa o futuro para aquelas organizações que não aceitarem os novos
paradigmas. Aquelas que não acompanharem o influxo dos requisitos para a sobrevivência
no mercado globalizado estão destinadas a desaparecer. As mudanças globais na economia
delineiam um novo cenário que traz, para as empresas, drásticas mudanças nas relações
de troca: exigência dos consumidores e necessidades de qualidade de vida do trabalho. Por
54
isso, é necessário que as mudanças se façam nos processos sociais internos, para que se
modifiquem também as pessoas a fim de que este modelo de gestão funcione.
Diante disso, torna-se necessário superar as barreiras dos antigos comportamentos. Em
primeiro lugar, através da quebra dos paradigmas construídos sobre a realidade passada, para que
um novo paradigma possa fazer emergir uma nova realidade sobre ele construída. As organizações
devem se preparar para os possíveis desafios, através de um processo contínuo de aprendizagem,
mobilização de recursos adicionais para atenderem às novas demandas e adaptação ao novo
ambiente; caso contrário, as organizações estão fadadas à morte (falência).
(9) O Palácio de Coral: O Futuro das Organizações
Em nossa história, o palácio de coral representa o novo estado possível da
organização, ou, dito de outra forma, como serão as arquiteturas organizacionais para o
século 21. Desde meados dos anos 80 têm aumentado as pressões sobre as empresas que
desejam continuar no mercado com êxito. As transformações por que passa a nossa época
são bastante diferenciadas daquelas trazidas no bojo da Revolução Industrial que motivou
a reorganização das relações mundiais de produção e trabalho. Várias foram as forças que
delinearam este novo cenário organizacional, dentre as quais pode-se citar a tecnologia, a
competição, o excesso de oferta, a globalização, as expectativas do cliente, a participação
governamental, as relações de propriedade e a dinâmica das forças de trabalho.
Neste contexto, é fácil perceber que as organizações para sobreviverem devem
enfrentar todos estes desafios, o que pressupõe uma capacidade de prever mudanças e
administrá-las, privilegiando a adaptabilidade, a flexibilidade, a sensibilidade, a decisão e
a rapidez; daí a crucial importância do desenvolvimento antecipado de estratégias, ou, dito
de outra forma, o que faz a diferença fundamental entre as empresas no mundo moderno é
a qualidade do seu planejamento estratégico.
Assim, podemos inferir que no futuro as organizações provavelmente terão, entre
outras, as seguintes características: organizações em redes de fornecedores, concorrentes
e clientes cooperando para sobreviver, limites organizacionais imprecisos (várias lealdades);
sistemas de trabalho de alto desempenho (processos e qualidade total); equipes serão
a norma; subunidades serão autônomas; normas e valores dão coesão para direção e
coordenação ativas; formas organizacionais fluidas e transitórias; ênfase do aprendizado
quanto ao sistema; desenvolvimento da visão estratégica e visão específica; e menor ênfase
no desempenho financeiro de curto prazo.
As características próprias de cada organização nascem das estratégias adotadas
por seus dirigentes a fim de manter a empresa. As pessoas têm que estar de acordo com
estas características, e estes pressupostos vão se internalizando, formando uma posição a
respeito de “como as coisas são”.
A partir de exigências para mudanças no ajustamento externo estas podem impulsionar
desdobramentos internos de alteração nos sistemas de integração e coordenação. As culturas
mudam pelos mesmos processos pelos quais se formam, transformam sua interpretação em
ação visível, através do exemplo vivido e inteligível para o grupo como um todo, permitindo
uma orientação no agir e interagir do cotidiano da empresa.
O grande dilema que parece estar no bojo de toda esta transformação é a questão
do gerenciamento das contradições entre cultura e mudança organizacional. Enquanto a
primeira enseja uma sedimentação lenta, mais definida pela passagem do tempo, a segunda
pede a adaptabilidade instantânea para responder aos desafios que este mesmo tempo lhe
impõe. Faz-se mister, portanto, aprender a mudar, o que significa aprender e apreender o
que pode e deve ser feito com os instrumentos e técnicas disponíveis do planejamento e do
controle do processo, pois, embora não possamos realmente prever o futuro, parece claro
que este mesmo futuro não será alcançado a menos que tentemos ir até ele.
55
Alguns quesitos terão maior relevância sobre outros ao longo
deste caminho que estamos percorrendo no sentido de aprenderemos
a mudar. Um outro aspecto que merece atenção é o caráter episódico
que parece estar erroneamente associado ao processo de mudança.
Abordagens
Socioantropológicas
Mudar é um processo contínuo, que deve ser incorporado ao modus
nas Organizações operandi da empresa de forma a permitir a sua inserção na dinâmica
das transformações que caracterizam o atual estágio de transformações
aceleradas do mundo moderno. Mudar é estar em sintonia com este processo social por
que passa a humanidade, filtrando o melhor e aprendendo com o erro.
56
terceiros seriam frutos da má sorte, com capacidade insuficiente para conquistar seu espaço
no contexto social e que cairiam na indigência e, por isso, optariam (ou seriam forçados
pelas circunstâncias) pelo isolamento.
O indivíduo é uma pequena porção da sociedade organizada, em que a socialização
é feita através dos outros indivíduos que o rodeiam, e a sua identidade é moldada segundo
os critérios do grupo cultural onde este se encontra inserido.
A vida em sociedade, no entanto (e pensamos numa que seja ideal, justa e solidária,
e não na real, nesta que aí está), inibe, quando não sufoca, a individualidade. Os interesses
coletivos, que teoricamente ganham prevalência, não raro se chocam com os individuais.
Apesar dos grupos haverem instituído regras, preceitos e leis reguladoras, a tão apregoada
(e pouco praticada) igualdade de direitos e deveres, constante em todas as Constituições
do mundo, é meramente retórica e há muito não passa de utopia.
Somos frutos da educação que recebemos, cujas diretrizes são determinadas pelos
detentores do poder. Infelizmente, quer no lar, quer na escola, quer na sociedade, não somos
educados para desenvolver e exercer plenamente nossas potencialidades físicas, mentais
e espirituais, mas meramente “adestrados” para determinadas tarefas que uma entidade
abstrata, chamada Estado, nos determina.
Mesmo que não venhamos a nos dar conta, somos despersonalizados. Poucos
se importam com nossas sensações e emoções pessoais, com nossas carências ou
necessidades, e muito menos se sentimos fome, sede, dor, saudade, alegria, tristezas,
iras, etc. Somos tratados como ferramentas utilitárias de produção de bens e serviços, que
podem ser descartadas a qualquer momento, tão logo percam a utilidade ou reduzam a
produtividade ou quando os poderosos de plantão assim decidam.
Adam Smith alertou, no livro “A Riqueza das Nações”, que “nenhuma sociedade
pode ser florescente e feliz se a grande maioria de seus membros for pobre ou miserável”.
Poucas, todavia, pouquíssimas (diria, nenhuma) atingem esse grau de excelência. E mesmo
as que conseguem se aproximar desse estágio ideal contam com imensos contingentes de
miseráveis, sem lugar para morar, sem roupa adequada para se aquecer, sem alimentos
fartos e nutritivos para assegurar a saúde e a força, etc.
Embora informalmente, os homens se dividem em castas. Há uma minoria que nada
faz e tudo tem, em detrimento de uma imensa maioria, que tudo produz e, contudo, tem
que se contentar com meras migalhas do produto do seu trabalho. Impera, na verdade, no
mundo a lei da selva, a do mais forte (e não necessariamente no aspecto físico).
Teoricamente, ao nascermos todos firmamos um pacto tácito, tendo por procuradores
os nossos pais, em que abrimos mão de parcela de nossos direitos individuais em favor do
coletivo. Na teoria isso até que soa bem. Mas na prática...Funciona? Claro que não!
Urge, caso se queira, de fato, fazer justiça (e esse suposto desejo, por
enquanto, se limita só a palavras) que a maioria dos pretensos “sócios” (todos nós,
sem exceção nem distinção de sexo, raça, religião, posição social ou crença política)
57
seja, de fato e de direito, integrada à “sociedade” e tratada como tal,
conquistando cidadania plena, pois este é o único caminho real para o
desenvolvimento e até para a sobrevivência do que se convencionou
chamar de civilização. Colocar isso em prática, todavia, é que são elas.
Abordagens
Socioantropológicas
Será que um dia o homem conseguirá?
nas Organizações
58
Com isto, percebemos que qualquer idéia relacionada com o tema é tida como
uma tomada de posição para um dos lados, isto é, ou se fala que o indivíduo é mais
importante que a sociedade ou que a sociedade é mais importante que o indivíduo. Os
conflitos, portanto, são inevitáveis.
Há, então, o surgimento da dicotomia indivíduo e sociedade. Esquece-se que a
questão não é saber quem é o mais importante, mas sim saber que nem o indivíduo, nem
a sociedade existem um sem o outro.
A vida social dos seres humanos não é nada harmoniosa: ela é repleta de contradições,
tensões e explosões. As pessoas também estão num movimento mais ou menos perceptível;
os indivíduos também não se unem com cimento: a maioria das pessoas vão e vêm como
lhes apraz. Porém, embora exista a liberdade individual de movimento, há também uma
ordem oculta e aparentemente imperceptível. Cada pessoa nesse turbilhão, em algum lugar,
em algum momento, tem uma função, um trabalho específico, ou mesmo alguma tarefa para
os outros, ou, ainda, um emprego perdido.
Com isso, como resultado de sua função, cada pessoa tem ou teve uma renda da qual
sobrevive ou sobreviveu. Não é possível a qualquer uma delas pular fora disso de uma hora
para outra. Cada um está preso aos “formalismos” de cada ocasião – seja do trabalho ou de
desemprego, de uma festa ou de um velório. A ordem invisível dessa forma de vida em comum
oferece ao indivíduo uma gama mais ou menos restrita de funções e de comportamentos
possíveis. Na verdade, o indivíduo está confinado à situação em que nasce, às funções e à
situação de seus pais e à escolarização que recebe. Embora possa não conhecer ninguém
no meio desse burbúrio, ele possui, em algum lugar, um círculo de relações a que pertence,
mesmo que esteja só, tem conhecido perdidos ou mortos que vivem apenas em sua memória.
Cada pessoa, mesmo o monarca absolutista mais poderoso, representa uma função
que só é formada e mantida em relação a outras funções, as quais somente podem ser
compreendidas em termos da estrutura específica e do contexto em que estão.
Mas essa rede de funções existente nas associações humanas não surgiu à soma de
vontades, isto é, da decisão comum das pessoas individuais. E, no entanto, esse contexto
funcional é algo que existe fora dos indivíduos. Cada função é exercida de uma pessoa para
outras. E cada uma destas funções está relacionada com terceiros: cada uma depende das
outras. Portanto, a essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação
às outras, a ela e nada mais, chamamos sociedade.
O hábito de analisarmos unidades compostas a partir de unidades menores e das
suas inter-relações, quando aplicado aos diferentes tipos de experiências que temos de nós
mesmos, das pessoas e das sociedades, originam anomalias específicas.
Esses hábitos mentais originam, de um lado, os grupos que sustentam a idéia de que
a sociedade é algo supra-individual (surgem os conceitos de mentalidade coletiva, organismo
coletivo). Opondo-se a isto, há os grupos que concentram as idéias nos indivíduos humanos.
Embora estes vejam que as estruturas e leis sociais nada mais são que estruturas e leis de
relação entre as pessoas, são incapazes de perceber que as próprias relações possuem
estruturas e regularidades próprias. Ambos os grupos, no entanto, enxergam o indivíduo
isoladamente, gerando, com isto, um abismo entre os fenômenos sociais e individuais.
A relação indivíduo-sociedade é algo singular: não existe comparação em nenhuma
outra esfera da existência. Para compreendê-la, é necessário começar a pensar em termos
de relação e funções, e não em termos isolados um do outro.
Embora muitas pessoas, ao pensarem em sua origem, imaginem que descenderam de
um único ser humano já adulto, sabemos que todo indivíduo nasce num grupo de pessoas
que já existem antes dele e das quais ele depende.
Independentemente de sua constituição natural ao nascer, é somente no convívio
com outros seres humanos que a criança se transforma num ser mais complexo. E, é claro,
jamais duas histórias individuais são idênticas.
59
A constituição psíquica que cada ser humano traz ao mundo dá
margem a uma grande profusão de individualidades possíveis. As relações
desse indivíduo com as outras pessoas, porém, terão muito mais influência
sobre ele que sua própria constituição.
Abordagens
Socioantropológicas
A relação entre as pessoas é tão imprevisível que, numa conversa,
nas Organizações cada um dos interlocutores forma idéias que não existiam antes ou, até
mesmo, leva adiante idéias que já estavam presentes. Não há como prever,
rigorosamente falando, o desfecho de uma conversa, nem tampouco a relação entre as
pessoas, pois estas estão continuamente moldando-se e remoldando-se umas às outras.
Cada indivíduo traz consigo a marca de uma sociedade específica, de uma nação
e de uma classe específica. E está é a chave para compreendermos o que é sociedade:
analisar a historicidade do indivíduo e o fenômeno do seu crescimento até a idade adulta.
O atual isolamento das pessoas revela uma profunda conformação do indivíduo com
relação às situações de refreamento de instintos, controle afetivo e mutação da própria
personalidade. Isso tudo gera um profundo conflito no interior do indivíduo, que passa
a achar que “dentro” de si ele é algo que existe inteiramente só, e que só “depois” se
relaciona com os outros “do lado de fora”. Esta é uma expressão sumamente inadequada
da verdadeira relação entre os seres humanos.
Quanto mais intenso e abrangente é o controle dos instintos, quanto mais domínio
o indivíduo deve ter sobre o desempenho de suas funções maior se torna a distância entre
o comportamento do adulto e da criança; com isso, quanto mais difícil se torna o processo
civilizador individual, mais demorado é o tempo de preparação das crianças para estas
desempenharem as funções adultas.
Logo, os jovens são afastados da esfera dos adultos por um período longo de
“treinamento” em institutos, escolas e universidades, antes de começarem a desempenhar
suas funções propriamente ditas. E esse período tende a aumentar.
A especialização cada vez maior do trabalho em nossas sociedades restringe cada
vez mais as faculdades e inclinações do indivíduo.
O jovem é, então, iludido com as promessas de uma vida adulta cheia de sonhos e
de alegrias. O contraste com a realidade da vida adulta, com as limitações impostas pelos
empregos, a intensidade das competições e as tensões tornam muito difícil o condicionamento
do indivíduo. A probabilidade de que ele venha a sucumbir perante o rompimento de suas
inclinações pessoais e as tarefas sociais impostas torna-se extremamente aguda.
Várias escolas de pensamento tentam explicar a questão da influência da sociedade
“externa” na formação do indivíduo. Subjacente a todas elas, a concepção da antítese entre o
“eu puro” e a sociedade revela-se insuficiente. Similarmente a uma rede de tecido, os indivíduos
entrelaçam-se entre si conservando sua individualidade. E essa rede está em constante movimento,
como um tecer e destecer ininterrupto de ligações. É assim que cresce o indivíduo: partindo de
uma rede de pessoas que existam antes dele para uma rede que ele ajuda a formar.
Imaginamos constantemente o ser humano dividido em compartimentos psíquicos, tais
como: “mente” e “alma”, “razão” e “sentimento”, “consciência” e “instinto”. Mas essa diferenciação
só ocorre no ser humano quando ele cresce – criança – numa sociedade de pessoas.
Esses compartimentos psíquicos são termos que dão a impressão de substâncias,
em vez de funções, de algo estanque e não em movimento. São, porém, funções que se
dirigem constantemente para outras pessoas e coisas.
Há no organismo humano duas áreas de funções diferentes (porém interdependentes):
existem órgãos e funções destinados a manter e reproduzir constantemente o próprio
organismo, e há órgãos e funções que servem às relações do organismo com outras partes
do mundo e a sua auto-regulação nessas relações. Estas últimas são funções relacionais,
cuja expressão e maleabilidade determinam a demora na preparação do ser humano no
60
tocante à molda da sua auto-regulação por outras pessoas, que o fará assumir uma forma
especificamente humana. Portanto, deve-se partir da estrutura das relações entre os
indivíduos para compreender a “psique” da pessoa singular.
Os seres humanos são parte de uma ordem natural e de uma ordem social. E esta
se deve à peculiaridade da natureza humana, que consiste na mobilidade e maleabilidade
especiais pelos quais o controle comportamental humano é diferente do animal. Graças a
essas qualidades há ação de regularidades e processos automáticos sociais que permitem
o acontecimento de processos e transformações não pré-programados na natureza humana.
Com isso, os indivíduos têm uma história que não é a história natural.
A divisão das funções sociais existe até nas sociedades mais simples e, quanto maior
é essa divisão, mais se acentua a dependência de uma pessoa para com as outras.
Há, então, por parte de alguns, a apropriação e uso da violência que se destina a negar aos
outros aquilo de que estes precisam para garantir e efetivar sua existência social, ou até subjugá-los
e explorá-los constantemente. Ocorrem, então, tensões entre os grupos e há também a geração de
impulsos por mudanças estruturais na sociedade. Essas tensões não foram planejadas ou criadas
por indivíduos isolados, mas alteraram a forma e a qualidade do comportamento humano, além
de toda a regulação psíquica do comportamento, que impeliu os homens à civilização. Portanto, a
história é sempre história de uma sociedade, de uma sociedade de indivíduos.
Elimina-se, assim, o pensamento de que as mudanças são externas ao ser humano, quando,
na verdade, a única coisa que mudou foi a forma da vida comunitária, a estrutura da sociedade e,
com ela, a influência social sobre o indivíduo e sobre a forma de suas funções psíquicas.
Quando eliminamos os desejos imediatos e as simpatias pessoais do nosso
pensamento, percebemos que a história nada mais é que um sistema de pressões exercidas
por pessoas vivas sobre pessoas vivas.
As características principais da sociedade são a fixidez e a elasticidade. Ocorrem,
constantemente, espaços para decisões individuais, das quais dependem os destinos
pessoais e imediatos do indivíduo, ou o de uma família inteira, ou até de nações inteiras.
Mas estas oportunidades, entre as quais aqueles que devem tomar as decisões se vêem
forçados, não são, em si mesmas, criadas por eles. São prescritas e limitadas pela estrutura
específica de sua sociedade e pela natureza das funções que as pessoas exercem dentro
dela. Independente da atitude tomada, esta originará outra seqüência de ações, cuja direção
e resultado provisório dependerá da distribuição de poder e da estrutura das tensões em
toda a rede humana móvel, mas não dependerá do indivíduo.
O que caracteriza o lugar do indivíduo em sua sociedade é a extensão da margem de
decisão que lhe é conferida pela estrutura e pela constelação histórica da sociedade em que ele
vive e age. E aquilo que denominamos “poder” não passa da amplitude dessa margem de decisão.
Debate-se atualmente se a história é feita por grandes homens isolados ou se todas as
pessoas têm igual importância para o curso da história. Ambas as opiniões são infrutíferas,
pois, no primeiro caso, por mais influente que seja a pessoa, maior ainda foram as influências
exercidas sobre ela pela sociedade em que ela atua. No segundo caso, a importância de
certos indivíduos para o curso dos acontecimentos históricos é indiscutida. A atividade
individual de uns é a limitação social de outros.
O modo como um indivíduo decide e age desenvolve-se sempre nas relações com
outras pessoas, tendo uma modificação de sua natureza pela sociedade. Porém, não há
passividade nisso, isto é, ao contrário, o centro ativo do indivíduo. Aquele que é transformado
pela sociedade também a transforma.
O problema está em que o indivíduo enxerga as pessoas que o rodeiam como seres que
não possuem nenhuma ligação ou influência sobre sua personalidade. Somente quando esta
atitude for superada, e só então, é que se eliminará o seu sentimento de ser uma coisa isolada.
61
Existe muito fortemente arraigada em nossa autoconsciência a idéia
de que somos os únicos transformadores de nossos pensamentos e ações.
Imaginar a presença de “outros” – alheios a mim – intervindo na formação
da minha individualidade é quase uma transgressão dos meus direitos. Ou
Abordagens
Socioantropológicas
ainda: parece uma desvalorização que priva de sentido minha existência.
nas Organizações É, portanto, mais seguro creditar minha existência a Deus.
O que denominamos “individualidade” de uma pessoa é uma
expressão que se refere a uma qualidade estrutural de sua auto-regulação em relação a
outras pessoas e coisas. Essa diferença específica não seria possível se a auto-regulação
das estruturas psíquicas das pessoas e coisas fosse determinada por estruturas herdadas,
da mesma forma e na mesma medida em que o é a auto-regulação do organismo humano,
por exemplo, na reprodução de órgãos e membros.
A “individualização” das pessoas só é possível porque o primeiro controle é mais
maleável que o segundo. Mas, muitas vezes, não se leva em conta esta diferenciação, pois,
pensa-se, intui-se e até deseja-se que a individualidade de uma pessoa exista de forma
independente e isolada de todas as relações, em outras palavras, o ser humano nada teve,
originalmente, a ver com o restante da natureza ou dos demais seres humanos.
Isto tudo é tão equivoco que somente se pode conceber a idéia de uma individualidade
humana se este ser humano, com muito esforço, moldar suas maleáveis funções psíquicas
na interação com outras pessoas.
62
(grande especialista na etnia Xavante), a quem auxiliou durante seus estudos na Universidade
de Harvard, entre as décadas de 60 e 70. Desde 1971 reside nos Estados Unidos.
Em 1974, Oswaldo Caldeira realizou para o Ministério da Educação e Cultura, com
finalidades didáticas, o documentário de média metragem Aukê. O filme é uma aula de
Antropologia baseada no estudo de Roberto DaMatta de 1970 chamado Mito e anti-mito entre
os Timbira, que conta o surgimento do homem branco do ponto de vista indígena. O próprio
Roberto DaMatta apresenta e explica seu trabalho ao longo do filme, que foi selecionado e
exibido no Festival de Brasília de 1975.
Profissional de múltiplas atividades – conferencista, professor, consultor, colunista de
jornal, produtor de TV – Roberto DaMatta é, acima de tudo, antropólogo.
Estudioso do Brasil, de seus dilemas e de suas contradições, mas também de seu
potencial e de suas soluções, DaMatta não se afasta de seu país mesmo quando desenvolve
outros temas. A comparação com o Brasil é inevitável.
DaMatta revela o Brasil, os brasileiros e sua cultura através de suas festas populares,
manifestações religiosas, literatura e arte, desfiles carnavalescos e paradas militares, leis e
regras (quando respeitadas e quando desobedecidas), costumes e esportes.
Daí surge um Brasil complexo, que não se submete a uma fórmula ou esquema único.
Para DaMatta, o Brasil é tão diversificado como diversificados são os rituais, conjunto de
práticas consagradas pelo uso ou pelas normas, a que os brasileiros se entregam.
Todos esses temas são abordados em sua relação com duas espécies de sujeito, o
indivíduo e a pessoa, e situados em dois tipos de espaço social, a casa e a rua.
A distinção entre indivíduo e pessoa é bem demarcada em seu original trabalho sobre
a conhecida e ameaçadora pergunta: Você sabe com quem está falando? Os seres humanos
que se sentem autorizados a se dirigir dessa forma aos outros colocam-se na posição de
pessoas: são titulares de direito, são alguém no contexto social. Os seres humanos a quem tal
pergunta é dirigida são, para as pessoas, meros indivíduos, mais um na multidão, um número.
A rua é o espaço público. Como é de todos, não é de ninguém, logo tem-se ali um
espaço hostil onde não valem as leis e os princípios éticos, a não ser sob a vigilância da
autoridade. A convivência na rua depende de uma negociação constante, entre iguais e
desiguais. A casa, considerada num sentido amplo, é o espaço privado por excelência,
onde estão “os nossos”, que devem ser protegidos e favorecidos, e aqui DaMatta retoma e
atualiza o conceito de homem cordial de Sérgio Buarque de Hollanda.
O Jeitinho brasileiro
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Diversos personagens do imaginário popular brasileiro trazem esta
característica. Um dos mais conhecidos é o Pedro Malasartes, de origem
portuguesa, profundamente enraizado no folclore popular brasileiro através
do livro “Malasaventuras”, escrito pelo paulistano Pedro Bandeira. João
Abordagens
Socioantropológicas
Grilo, personagem de Ariano Suassuna em o Auto da Compadecida,
nas Organizações também carrega em si o jeitinho.
No livro Dando um jeito no jeitinho, o prof. Lourenço Stelio Rega define
jeitinho como uma saída para situações sem saída ou mesmo para uma situação que não se
quer enfrentar. Além disso, indica que o jeitinho não é só negativo (corrupção, levar vantagem,
etc.), ele também tem um lado positivo. O autor demonstra isto indicando três características
do jeitinho: inventividade/criatividade, função solidária e o lado conciliador do jeitinho.
Em sua obra “O Que Faz o Brasil, Brasil?”, o antropólogo Roberto DaMatta compara
a postura dos norte-americanos e a dos brasileiros em relação às leis. Explica que a atitude
formalista, respeitadora e zelosa dos norte-americanos causa admiração e espanto nos
brasileiros, acostumados a violar e a ver violada as próprias instituições; no entanto, afirma
que é ingênuo creditar a postura brasileira apenas à ausência de educação adequada. Pode-
se creditar à pouca-vergonha do brasileiro.
Roberto DaMatta prossegue explicando que, diferente das norte-americanas, as
instituições brasileiras foram desenhadas para coagir e desarticular o indivíduo. A natureza
do Estado é naturalmente coercitiva; porém, no caso brasileiro, é inadequada à realidade
individual. Um curioso termo – Belíndia – define precisamente esta situação: leis e impostos
da Bélgica, realidade social da Índia. Ora, incapacitado pelas leis, descaracterizado por uma
realidade opressora, o brasileiro deverá utilizar recursos que vençam a dureza da formalidade,
se quiser obter o que muitas vezes será necessário à sua mera sobrevivência. Diante de
uma autoridade, utilizará termos emocionais. Tentará descobrir alguma coisa que possuam
em comum – um conhecido, uma cidade da qual gostam, a “terrinha” natal onde passaram
a infância. Apelará para um discurso emocional, com a certeza de que a autoridade, sendo
exercida por um brasileiro, poderá muito bem se sentir tocada por esse discurso. E muitas
vezes conseguirá o que precisa.
Nos Estados Unidos da América as leis não admitem permissividade alguma e possuem
franca influência na esfera dos costumes e da vida privada. Em termos mais populares, diz-se
que, lá, ou “pode” ou “não pode”. No Brasil, descobre-se que é possível um “pode-e-não-
pode”. É uma contradição simples: a exceção a ser aberta em nome da cordialidade não
constitui pretexto para que novas exceções sejam abertas. O jeitinho jamais gera formalidade,
e esta jamais sairá ferida após o uso do jeitinho.
Ainda de acordo com Roberto DaMatta, a informalidade é também exercida por
esferas de influência superiores. Quando uma autoridade “maior” vê-se coagida por uma
“menor”, imediatamente ameaça fazer uso de sua influência; dessa forma, buscará dissuadir
a autoridade “menor” e aplicar-lhe uma sanção.
A fórmula típica de tal atitude está contida na célebre frase “você sabe com quem está
falando?”. Num exemplo clássico, um promotor público que vê o carro sendo multado por
uma autoridade de trânsito imediatamente fará uso (no caso, abusivo) de sua autoridade:
“Você sabe com quem está falando? Eu sou o promotor público!”. Como esclarece Roberto
DaMatta, de qualquer forma um “jeito” foi dado.
No entanto, é apenas no ensaio “Você sabe com quem está falando?” que encontramos
uma condensação de todos os aspectos desenvolvidos na interpretação “damattiana” da
realidade brasileira. O ritual autoritário do “você sabe...”, ao contrário dos anteriores, é um
ritual cotidiano, do cotidiano hostil da rua, bem entendido, e no qual qualquer brasileiro,
mesmo aquele que não brinca Carnaval, não assiste a paradas militares ou acompanha
procissões religiosas, se reconhece facilmente.
64
Para DaMatta, o “você sabe...” põe a nu, revela à luz do dia um traço que o brasileiro
não gosta e prefere esconder. Afinal, o que viria à tona aqui não seria mais a nossa celebrada
e carnavalizada cordialidade, mas, ao contrário, o verdadeiro e profundo “esqueleto
hierarquizante” de nossa sociedade. Esse ponto é absolutamente fundamental tanto para o
argumento do autor quanto para a crítica que iremos fazer mais adiante. É que, ao contrário
da análise dos outros rituais extracotidianos, os quais permitem um tratamento que enseja
uma assepsia classificatória (entre casa, rua e outro mundo ou Estado, povo e Igreja) que
parece algo arbitrária no seu esforço de fazer corresponder práticas a espaços sociais
delimitados, o “você sabe...” condensa e unifica todos esses aspectos e lança a questão
central da articulação e hierarquização específica de todos esses elementos.
No drama do “você sabe com quem está falando?” somos punidos pela tentativa de
fazer cumprir a lei ou pela nossa idéia de que vivemos num universo realmente igualitário.
Pois a identidade que surge do conflito é que vai permitir hierarquizar. Logo, é interessante
confiar sempre em pessoas e em relações (como nos contos de fadas), nunca em regras
gerais ou em leis universais. Sendo assim, tememos (e com justa razão) esbarrar a todo
momento com o filho do rei, senão com o próprio rei.
De acordo com essa ótica, a lei geral e abstrata teria uma validade de primeira
instância. Afinal, ela pressupõe uma igualdade de “partida” que bem pode ser confirmada
como verdadeira no ponto de “chegada”, ou seja, nos casos concretos do dia-a-dia e do
cotidiano de todos nós. No entanto, em caso de conflito, o caso concreto obedeceria a
outros imperativos que não àquele da lei geral. Precisamente aqui entraria o componente
das relações pessoais, do “capital” que se acumula em termos de contato e influência. Seria
como se as relações pessoais entre nós desempenhassem o papel do Judiciário nos países
individualistas e igualitários. Como cabe ao Poder Judiciário dirimir conflitos a partir dos casos
concretos, teríamos, no nosso caso específico, uma resolução “informal”, sem burocracia e
rápida: através da “carteirada”, do jeitinho, da ameaça velada e do “você sabe...”.
Esse tipo de solução é extremamente problemático sob o ponto de vista da
fundamentação teórica do dualismo proposto por DaMatta. Afinal, levada às suas últimas
conseqüências, essa solução implica afirmar que os brasileiros se comportam de um modo
inverso aos estímulos das instituições sociais fundamentais, como Estado e mercado.
Esse nó conceitual não é de fácil solução, já que DaMatta vincula habilmente a auto-
imagem folclórica do brasileiro com análises concretas de rituais facilmente observáveis na
realidade cotidiana. A evidência e eficácia desse tipo de discurso são enormes.
http://www.urutagua.uem.br//03magalhaes.htm
http://www.coladaweb.com/admmaterial/orga.htm
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092001000100003
65
Atividades
Complementares
Abordagens
Socioantropológicas
nas Organizações
4. Do ponto de vista cultural o Brasil é um país com características muitos particulares. Quais
as contribuições que a obra de DaMatta pode dar à posição do Brasil frente a economia global?
5. Que analise podemos fazer do ‘jeitinho brasileiro’ identificada por DaMatta como
característica da nossa cultura, frente à nova dinâmica organizacional que prima por
comportamentos técnicos/racionais?
66
Glossário
CONTRADIÇÃO: s. f. Incoerência.
ETNOGRAFIA: s. f. Estudo e descrição dos povos, sua língua, raça, religião, etc., e
manifestações materiais de sua antividade; parte ou disciplina integrante da etnologia.
POLÍTICA: s. f. Ciência do governo dos povos; arte de dirigir as relações entre os Estados;
princípios políticos; astúcia; artifício; civilidade; maneira hábil de agir.
67
RACIONALISMO: s. m. Maneira de ver só pela razão, independentemente
de autoridade; pura atividade especulativa do espírito; concepção filosófica
segundo a qual as idéias universais não resultam das percepções.
Abordagens
Socioantropológicas
nas Organizações
68
Referências
Bibliográficas
BUENO, Silveira. Dicionário. São Paulo: Didática Paulista
OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Sociologia das organizações: Uma análise do homem e
das empresas no ambiente competitivo. São Paulo: Pioneira, 1999.
SITES:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092001000100003
http://www.latec.uff.br/mestrado/A%20sociologia%20diante%20da%20globalizacao.doc
http://www.duplipensar.net/lit/francesa/2004-02-durkheim.html
http://www.klepsidra.net/klepsidra7/annales.html
http://www.dci.ufscar.br/infodoc/grupo10/oque.htm
http://colegioweb.uol.com.br/geografia/a-globalizacao-mundializacao-do-capitalismo
69
Anotações
Abordagens
Socioantropológicas
nas Organizações
70
FTC - EAD
Faculdade de Tecnologia e Ciências - Educação a Distância
Democratizando a Educação.
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