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KANDEL, E.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Princípios da Neurociência. 4ª ed.

São Paulo: Manole, 2003

O objetivo das neurociências é a compreensão de como o fluxo de sinais elétricos


através de circuitos neurais origina a mente – como percebemos, agimos, pensamos,
aprendemos e lembramos. Embora ainda estejamos muitas décadas distantes de alcançar
tal nível de compreensão, os neurocientistas têm feito progressos significativos na
obtenção de informações acerca dos mecanismos subjacentes ao comportamento, os
sinais de saída que podem ser observados em relação ao sistema nervoso de seres
humanos e outros organismos [...] (KANDEL et al, 2003, p.15).

As funções motoras e sensoriais ocupam menos da metade do córtex cerebral em seres


humanos. O resto do córtex é ocupado pelas áreas de associação, que coordenam
eventos que surgem nos centros sensórios e motores. Três áreas de associação – pré-
frontal, parietal-temporal-occipital e límbica – estão envolvidas no comportamento
cognitivo: fala, pensamento, sentimento, percepção, planejamento, aprendizagem,
memória e movimentos habilidosos (KANDEL et al, 2003, p. 1177).

Muito da ciência neural de hoje está ligado à ciência neural cognitiva, uma junção de
neurofisiologia, anatomia, biologia do desenvolvimento, biologia celular e molecular e
psicologia cognitiva – uma fusão que deu origem a uma nova ciência da mente. Até
duas décadas atrás, o estudo das funções mentais superiores era abordado de duas
maneiras complementares: pela observação psicológica e pela fisiologia experimental
invasiva. Na primeira metade do século XX, para evitar conceitos e hipóteses não
comprováveis, a psicologia passou a se preocupar de modo minucioso com
comportamentos definidos estritamente em termos de estímulos e respostas possíveis de
serem observados. Behavioristas ortodoxos consideravam improdutivo lidar com a
consciência, sentimento, atenção ou mesmo motivação (KANDEL et al, 2003, p. 1177).

O esforço moderno para compreender os mecanismos neurais das funções mentais


superiores iniciou no final do século XVIII, quando Franz Joseph Gall, um
neuroanatomista alemão, propôs que certas funções mentais estão localizadas em locais
específicos no encéfalo. Em meados do século XIX, neurologistas clínicos, que
consideravam seus pacientes como “experimentos naturais” sobre a função encefálica,
estudaram as lesões encefálicas na necropsia para investigar onde certas funções
encefálicas estavam localizadas. Em 1868, Pierre Paul Broca, usando como evidência os
encéfalos lesionados de pacientes afásicos, convenceu a comunidade científica que a
fala é controlada por uma área específica do lobo frontal esquerdo [...] (KANDEL et al,
2003, p. 1177-1178).
[...] O aprendizado refere-se a uma mudança no comportamento que resulta da aquisição
de conhecimento acerca do mundo, e a memória é o processo pelo qual esse
conhecimento é codificado, armazenado e posteriormente evocado [...]. O aprendizado e
a memória são essenciais para o pleno funcionamento e a sobrevivência independente
de pessoas e animais. (KANDEL et al, 2003, p. 1256).
Ao contrário da visão prevalente de que as funções cognitivas possuem localizações
específicas no encéfalo, muitos estudiosos duvidavam que a memória fosse uma
entidade localizada. De fato, até meados do século XX, muitos psicólogos duvidavam
que a memória fosse uma função com áreas delimitadas no encéfalo, independente da
percepção, da linguagem ou do movimento. Uma razão para essa dúvida persistente é
que o armazenamento da memória envolve muitas partes diferentes do encéfalo. Agora,
porém, sabe-se que tais regiões não são igualmente importantes. Há diversos tipos
fundamentalmente distintos de memória, e certas regiões do encéfalo são muito mais
importantes para alguns tipos de armazentamento que para outros. (KENDAL, 2003, p.
1256-1257).

[...] três ideias estão em foco. Primeiro, a de que há diversas formas de aprendizado e
memória, cada qual com suas próprias e distintas propriedades cognitivas, mediadas por
sistemas encefálicos específicos. Segundo, a de que a memória pode ser dividida em
processos separados: codificação, armazenamento, consolidação e evocação. Por fim, a
de que imperfeições e erros na evocação são dicas da natureza e da função do
aprendizado e da memória (KENDAL, 2003, p. 1257)

A memória pode ser classificada conforme duas dimensões: (1) o curso temporal do
armazenamento e (2) a natureza da informação armazenada. É considerado inicialmente
o curso temporal (KENDAL, 2003, p. 1257).

Quando se reflete acerca da natureza da memória, geralmente pensa-se na memória de


longa duração, que William James chamou de “memória propriamente dita” ou “
memória secundária”. Ou seja, pensa-se na memória como “o conhecimento de um
estado prévio da mente após já ter sido uma vez removido da consciência”. Esse
conhecimento depende da formação de um traço de memória que é durável, no qual a
representação persiste, mesmo quando seu conteúdo ficar fora da percepção consciente
por um longo período (KENDAL, 2003, p. 1257).
[...] a capacidade de armazenar informação depende da memória de curto prazo,
chamada de memória de trabalho, que mantém representações atuais, embora
transitórias, de conhecimentos relevantes para certos objetivos. Nos seres humanos, a
memória de trabalho consiste em pelo menos dois subsistemas – um para a informação
verbal e outro para a informação visuoespacial. O funcionamento desses dois
subsistemas é coordenado por um terceiro sistema, denominado processos de controle
executivo. Acredita-se que os processos de controle executivo aloquem recursos de
atenção para os subsistemas verbal e visuoespacial, além de monitorar, manipular e
atualizar as representações armazenadas (KENDAL, 2003, p. 1257).
[...] Embora os neurônios relacionados com a memória de trabalho de objetos tendam a
se situar no córtex pré-frontal ventrolateral, e aqueles relacionados com o conhecimento
espacial tendam a se situar no córtex pré-frontal dorsolateral, todas as três classes de
neurônios estão presentes em ambas a sub-regiões pré-frontais (KENDAL et al, 2003, p.
1257).

O primeiro tipo é uma forma inconsciente de memória observada durante o desempenho


de uma tarefa e que é conhecida como memória implícita (também chamada de
memória não declarativa ou de procedimentos). A memória implícita manifesta-se
geralmente de forma automática, com pouco processamento consciente por parte do
indivíduo. Diferentes tipos de experiência podem produzir memórias implícitas, como o
priming, o aprendizado de habilidades motoras, a memória de hábitos e os
condicionamentos (KENDAL et al, 2003, p. 1261).
O outro tipo é a evocação deliberada, ou consciente, de experiências prévias, bem como
a evocação consciente do conhecimento de fatos acerca de pessoas, lugares e coisas.
Esse tipo é conhecido como memória explícita (ou memória declarativa). A memória
explícita é altamente flexível, permitindo a associação de múltiplos fragmentos de
informação sob diferentes circunstâncias. A memória implícita, por outro lado,
permanece fortemente dependente das condições originais sob as quais se deu o
aprendizado. (KENDAL, 2003, p. 1261).

[memória explicita] A memória episódica é utilizada para recordar que se viu ontem as
primeiras flores da primavera, ou que se ouviu a “Sonata ao Luar”, de Beethoven vários
meses atrás. A memória semântica é utilizada para se apreender o significado de novas
palavras ou conceitos. O lobo temporal medial desempenha um papel crítico em ambos
os tipos de memória, episódica e semântica (KENDAL et al, 2003, p. 1261).
[processamento da memória explícita]
A codificação é o processo pelo qual novas informações são observadas e conectadas
com informações preexistentes na memória. A intensidade desse processo é
criticamente importante para determinar quão bem o material apreendido será lembrada
[...] KENDAL et al, 2003, p. 1261)
O armazenamento refere-se aos mecanismos e sítios neurais que permitam a retenção da
memória ao longo do tempo. Umas das características notáveis do armazenamento de
longa duração é que ele parece ter uma capacidade quase ilimitada; não existe limite
conhecido para a quantidade de informação possível de ser armazenada a longo prazo.
Em contraste, o armazenamento na memória de trabalho é muito limitado; psicólogos
acreditam que a memória de trabalho em seres humanos possa reter apenas poucos
fragmentos de informação em um dado momento. (KENDAL et al, 2003, p. 1261).
A consolidação é o processo que faz a informação ainda lábil e armazenada
temporariamente ficar mais estável. [....] a consolidação envolve a expressão de genes e
a síntese proteica que produzem alterações estruturais nas sinapses (KENDAL et al,
2003, p. 1261)
[...] a evocação é o processo pelo qual a informação armazenada é evocada. Envolve
trazer novamente à mente diferentes tipos de informação, armazenados em diferentes
lugares no encéfalo. A evocação da memória é bastante semelhante à percepção na
medida em que se trata de um processo construtivo e, portanto, está sujeita a distorções,
da mesma forma que a percepção está sujeita a ilusões. (KENDAL et al, 2003, p. 1261)

A evocação da informação é mais eficiente quando alguma “dica” lembra o indivíduo


de coo ele inicialmente codificara uma experiência [...]. A evocação, em especial de
memórias explícitas, também depende parcialmente da memória de trabalho. (KENDAL
et al, 2003, p. 1261-1262)

PURVES, Dale et al. Neurociências. [Neuroscience]. 4.ed. Porto Alegre: ArtMed, 2010

Aprendizado é o nome dado ao processo pelo qual uma nova informação é adquirida
pelo sistema nervoso e pode ser observado por meio de mudanças no comportamento.
Memória é o nome dado ao
mecanismo de codificação, armazenamento e evocação dessa informação. Igualmente
fascinante (e importante) é a capacidade – normal – que temos de esquecer informações.
(PURVES et al, 2010, p. 791).

Humanos possuem pelo menos dois sistemas qualitativamente diferentes de


armazenamento de informação, que são normalmente designados como memória
declarativa e memória não declarativa
A memória declarativa* é o armazenamento (e a evocação) do material que está
disponível para a consciência e pode, em princípio, ser expresso mediante a linguagem
(por isso, é “declarativa”). Exemplos de memória declarativa são a capacidade de se
recordar de um número de telefone, de uma canção ou das imagens de algum evento
passado. A memória não declarativa (algumas vezes chamada de memória de
procedimentos**), por sua vez, não está disponível à percepção consciente, pelo menos
não de forma detalhada. Essas memórias envolvem habilidades e associações que são,
em geral, adquiridas e evocadas em um nível inconsciente. Lembrar como discar o
telefone, como cantar a canção, como inspecionar eficientemente uma cena ou fazer
toda a miríade de associações
que ocorre continuamente são, todos, exemplos de memórias que pertencem a essa
categoria. É difícil, ou mesmo impossível, dizer como fazemos essas coisas, e não
estamos conscientes de qualquer memória em particular enquanto executamos essas
tarefas. (PURVES et al, 2010, p. 791-792)

A primeira delas é a memória imediata, por definição a capacidade rotineira de manter


na consciência, durante frações de segundo, experiências em andamento. A capacidade
desse registro é muito ampla, e todas as modalidades sensoriais (visual, verbal, tátil e
assim por diante) parecem ter seu próprio registro de memória.(PURVES et al, 2010, p.
792-793).

A memória de trabalho, a segunda categoria temporal, é a capacidade de manter e


manipular informações na consciência durante segundos a minutos, enquanto ela é
utilizada para atingir um determinado objetivo comportamental. (PURVES et al, 2010,
p. 793).

A terceira categoria temporal de memória é a memória de longa duração e


compreende a retenção de informação de forma mais permanente, durante dias, semanas
ou mesmo durante toda a vida. Acredita-se que parte da informação armazenada na
memória imediata ou na memória de trabalho seja armazenada como memória de longa
duração, embora a maior parte desses registros seja evidentemente esquecida.(PURVES
et al, 2010, p. 794).

Assim, a capacidade da memória de trabalho de pende muito daquilo que a informação


em questão significa para o indivíduo e com que facilidade ela pode ser associada à
informação que já tenha sido
armazenada. (PURVES et al, 2010, p. 795-796)

A memória humana compreende diversas estratégias biológicas e diversos substratos


anatômicos. Importantes entre esses são um sistema para memórias que podem ser
expressas por meio da linguagem e podem tornar-se disponíveis para a consciência
(memória declarativa) e um sistema separado que envolve habilidades e associações
essencialmente pré-linguísticas, operando em um nível basicamente inconsciente
(memória não declarativa ou de procedimentos). Com base em evidências obtidas de
pacientes amnésicos e do conhecimento acerca dos padrões normais de conexões
neurais no encéfalo humano, o hipocampo e estruturas relacionadas do diencéfalo
mediano e do lobo temporal medial são extremamente importantes para o
estabelecimento de novas memórias declarativas, embora não o sejam para o seu
armazenamento (um processo que ocorre
principalmente nos córtices associativos). Por outro lado, memórias não declarativas
para habilidades motoras e para outras habilidades inconscientes dependem da
integridade do córtex pré-motor, dos núcleos da base e do cerebelo e não são afetadas
por lesões que prejudiquem o sistema da memória declarativa. Acredita-se, geralmente,
que o denominador comum entre essas categorias de
armazenamento de informação sejam alterações na eficácia e no número de conexões
sinápticas nos córtices cerebrais que medeiam as associações entre estímulos e as
respostas comportamentais a eles. (PURVES et al, 2010, p. 810).
IZQUIERDO, A. I. et al. Memória: tipos e mecanismos - achados recentes. Revista USP, v.98,
p.9-16, 2013. Disponível em: . Acesso em: 16/07/2021.

Com relação ao conteúdo, as memórias podem ser divididas em dois grandes


grupos: as declarativas (eventos, fatos, conhecimentos) e as de procedimentosou
hábitos, que adquirimos e evocamos de maneira mais ou menos automática (andar
de bicicleta, usar um teclado). Na memória declarativa participam o hipocampo(uma
região cortical filogeneticamente antiga), a amígdala, ambos localizados no lobo
temporal, e várias regiões corticais (pré-frontal, entorrinal, parietal, etc.), enquanto,
nas memórias de procedimentos ou hábitos, o hipocampo parece estar envolvido
apenas nos primeiros momentos após o aprendizado, sendo elas dependentes
basicamente de circuitos subcorticais que incluem o núcleo caudato e circuitos
cerebelares (IZQUERDO et al, 2013, p. 11)

Denominam-se sinapses as junções entre neurônios, geralmente entre as terminações


de seus prolongamentos. Chamam-se axônios os prolongamentos que se dirigem a
ou tros neurônios, e dendritos aqueles sobre os quais terminam os axônios. A
maioria das sinapses funciona através da liberação de substâncias denominadas
neurotransmissores, os quais se ligam a proteínas específicas denominadas de
receptores, e sua ativação desencadeia sequências complexas de processos
moleculares. (IZQUERDO et al, 2013, p. 11-12)

Todas as memórias são associativas: se adquirem através da ligação entre um grupo


de estímulos (um livro, uma sala de aula) e outro grupo de estímulos (o material
lido, aquilo que se aprende; algo que causa prazer ou penúria). O do segundo grupo,
que é de maiores consequências biológicas, chama-se estímulo condicionado ou
reforço. Em algumas formas de aprendizado, associa-se um grupo de estímulos com
a ausência do outro ou de qualquer outro. A forma mais simples dessas formas de
“aprendizado negativo” associa um estímulo repetido (um som, uma cena) com a
falta de qualquer consequência; esse tipo de aprendizado se chama habituação.
Permite que seja possível trabalhar em ambientes cheios de ruídos, ou dormir em
ambientes iluminados, por exemplo. Alguns autores consideram a habituação uma
memória não associativa. (IZQUERDO et al, 2013, p. 12)

Do ponto de vista da função, há um tipo de memória que é crucial tanto no momento


da aquisição como no momento da evocação de toda e qualquer outra memória,
declarativa ou não: a memória de trabalho. Operacionalmente, representa aquilo que
a memória RAM representa nos computadores: mantém a informação “viva” durante
segundos ou poucos minutos, enquanto ela está sendo percebida ou processada. Essa
forma de memória é sustentada pela atividade elétrica de neurônios do córtex pré-
frontal, em rede via córtex entorrinal com o hipocampo e a amígdala, durante a
percepção, a aquisição ou a evocação. A memória de trabalho dura segundos e não
deixa traços: depende exclusivamente da atividade neuronal on line. (IZQUERDO et
al, 2013, p. 12)

As memórias que persistem além de segundos denominam-se memória de curta


duração e memória de longa duração. A primeira dura 0,5-6 horas e utiliza processos
bioquímicos breves no hipocampo e córtex entorrinal, largamente estudados em
nosso laboratório. A memória de longa duração perdura muitas horas, dias ou anos.
Quando dura anos, denomina-se remota. Sua formação requer uma sequência de
passos moleculares que dura de 3 a 6 horas, no hipocampo, nos núcleos amigdalinos,
e em outras áreas, durante as quais é suscetível a numerosas influências. A memória
de curta duração mantém a cognição funcionando durante as horas que a memória
de longa duração leva até adquirir sua forma definitiva. Equivale a “morar num hotel
enquanto constroem sua casa”. (IZQUERDO et al, 2013, p. 12)

Cosenza, Ramon M. Neurociência e educação : como o cérebro aprende / Ramon M. Cosenza,


Leonor B. Guerra. - Porto Alegre : Artmed, 2011.

Uma característica marcante do sistema nervoso é então a sua permanente plasticidade. E o


que entendemos por plasticidade é sua capacidade de fazer e desfazer ligações entre os
neurônios como consequência das interações constantes com o ambiente externo e interno do
corpo (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 36)

a aprendizagem pode levar não só ao aumento da complexidade das ligações em um circuito


neuronal, mas também à associação de circuitos até então independentes. É 0 que acontece
quando aprendemos novos conceitos a partir de conhecimentos já existentes. A inatividade,
ou uma doença, podem ter efeitos inversos, levando ao empobrecimento das ligações entre os
mesmos circuitos. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 36)

A aprendizagem é consequência de uma facilitação da passagem da informação ao longo das


sinapses. Mecanismos bioquímicos entram em ação, fazendo com que os neurotransmissores
sejam liberados em maior quantidade ou tenham uma ação mais eficiente na membrana pós-
sináptica. Mesmo sem a formação de uma nova ligação, as já existentes passam a ser mais
eficientes, ocorrendo o que já podemos chamar de aprendizagem. Para que ela seja mais
eficiente e duradoura, novas ligações sinápticas serão construídas, sendo necessário, então, a
formação de proteínas e de outras substâncias. Portanto, trata-se de um processo que só será
completado depois de algum tempo. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 38)

Resumindo, do ponto de vista neurobiológico a aprendizagem se traduz pela formação e


consolidação das ligações entre as células nervosas. É fruto de modificações químicas e
estruturais no sistema nervoso de cada um, que exigem energia e tempo para se manifestar.
Professores podem facilitar o processo, mas, em última análise, a aprendizagem é um
fenômeno individual e privado e vai obedecer às circunstâncias históricas de cada um de nós
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 38)

Uma forma tradicional de classificar a memória leva em conta a sua duração. Por essa
classificação, haveria uma memória de curto prazo, ou de curta duração, encarregada de
armazenar acontecimentos recentes, e uma memória de longo prazo, ou de longa duração,
responsável pelo registro de nossas lembranças permanentes, Hoje, o avanço das pesquisas no
campo da psicologia cognitiva e das neurociências permitiu traçar um quadro bem mais
complexo, resultando no aparecimento de outras classificações que explicam melhor o
funcionamento de nossa memória. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 51)

Uma distinção importante é reconhecer que existem conhecimentos adquiridos, lembrados e


utilizados conscientemente, e outros em que a memória se manifesta sem esforço ou intenção
consciente, sem que tenhamos consciência de que estamos nos lembrando de alguma coisa.
Os do primeiro tipo vão constituir o que chamamos de memória explícita, enquanto os do
segundo constituem a memória implícita. Como exemplo da primeira poderíamos citar a
lembrança do que comemos no almoço ou de nosso número de telefone. São exemplos de
memória implícita a habilidade de escovar os dentes ou de andar de bicicleta. (COSENZA;
GUERRA, 2011, p. 51-52)

Em relação à memória explícita, podemos distinguir uma forma de armazenamento que é


transitória, e uma outra que é permanente. Começaremos nosso estudo por essa memória
transitória, que é extremamente importante para a regulação cotidiana do nosso
comportamento, que antes era conhecida como memória de curta duração e á agora
denominada memória operacional ou memória de trabalho. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 38)
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 52)

Já sabemos que uma informação relevante, para se tornar consciente, tem que ultrapassar
inicialmente o filtro da atenção. Admite-se que a primeira impressão em nossa consciência se
faz por meio de uma memória sensorial, ou memória imediata, que tem a duração de alguns
segundos e corresponde apenas à ativação dos sistemas sensoriais relacionados a ela. Se a
informação for considerada relevante, poderá ser mantida; do contrário, será descartada.
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 52)

A memória de trabalho dispõe contudo de um processo adicional que vai permitir a


conservação da informação por mais tempo. Isso é feito por meio da ativação de registros já
armazenados no cérebro, tornando-os acessíveis à consciência para o uso na ocasião. Se uma
informação for reativada um número suficiente de vezes, ou se puder ser associada a sinais e
pistas que levam a registros já disponíveis, a memória operacional poderá conservá-la em
disponibilidade por um período bem maior, que pode chegar a horas ou mesmo dias.
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 54)

É bom deixar claro que não existe um “centro" responsável pela memória operacional, cujo
funcionamento é, na verdade, distribuído por vários circuitos ou sistemas cerebrais. O córtex
da região pré-frontal coordena e integra ações desenvolvidas em várias áreas corticais e
subcorticais, da mesma forma, não existem homúnculos, ainda que sob a forma de neurônio
que cuidam de nossas atividades mentais. Os neurônios, como sabemos, exercem suas funções
conduzindo a informação, sob a forma de atividade elétrica, ao Longo de seus prolongamentos
e repassando-a para outras células com a ajuda de neurotransmissores
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 56-57)

A educação tem por finalidade o desenvolvimento de novos conhecimentos ou


comportamentos, sendo mediada por um processo que envolve a aprendizagem. Comumente,
diz-se que alguém aprende quando adquire competência para resolver problemas e realizar
tarefas, utilizando-se de atitudes, habilidades e conhecimentos que foram adquiridos ao longo
de um processo de ensino-aprendizagem. Ou seja, aprendemos quando somos capazes de
exibir, de expressar novos comportamentos que nos permitem transformar nossa prática e o
mundo em que vivemos, realizando-nos como pessoas vivendo em sociedade.
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 141)

Se os comportamentos dependem do cérebro, a aquisição de novos comportamentos,


importante objetivo da educação, também resulta de processos que ocorrem no cérebro do
aprendiz. As estratégias pedagógicas promovidas pelo processo ensino-aprendizagem, aliadas
às experiências de vida às quais o indivíduo é exposto, desencadeiam processos como a
neuroplasticidade, modificando a estrutura cerebral de quem aprende. Tais modificações
possibilitam o aparecimento dos novos comportamentos, adquiridos pelo processo da
aprendizagem.
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 141-142)

As neurociências estudam os neurônios e suas moléculas constituintes, os órgãos do sistema


nervoso e suas funções específicas, e também as funções cognitivas e o comportamento que
são resultantes da atividade dessas estruturas. O conhecimento neurocientífico cresceu muito
nos últimos anos, principalmente a partir da chamada “Década do Cérebro", proposta pelo
Congresso dos Estados Unidos para os anos de 1990 a 1999- O desenvolvimento e o
aperfeiçoamento de técnicas de neuroimagem, de eletrofisiologia, da neurobiologia molecular,
bem como os achados no campo da genética e da neurociência cognitiva possibilitaram um
avanço do conhecimento em ritmo até então nunca observado. Embora os processos
cognitivos ainda não sejam integralmente compreendidos devido às limitações técnicas e
éticas que o estudo do comportamento humano impõe, grande progresso já foi alcançado.
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 142)

Embora muitas vezes se observe certa euforia em relação às contribuições das neurociências
para a educação, é importante esclarecer que elas não propõem uma nova pedagogia nem
prometem soluções definitivas para as dificuldades da aprendizagem. Podem, contudo,
colaborar para fundamentar práticas pedagógicas que já se realizam com sucesso e sugerir
idéias para intervenções, demonstrando que as estratégias pedagógicas que respeitam a forma
como o cérebro funciona tendem a ser as mais eficientes. Os avanços das neurociências
possibilitam uma abordagem mais científica do processo ensino-aprendizagem, fundamentada
na compreensão dos processos cognitivos envolvidos. Devemos ser cautelosos, ainda que
otimistas em relação às contribuições recíprocas entre neurociências e educação.
(COSENZA; GUERRA, 2011, p. 142-143)

0 trabalho do educador pode ser mais significativo e eficiente quando ele conhece o
funcionamento cerebral. Conhecer a organização e as funções do cérebro, os períodos
receptivos, os mecanismos da linguagem, da atenção e da memória, as relações entre
cognição, emoção, motivação e desempenho, as dificuldades de aprendizagem e as
intervenções a elas relacionadas contribui para o cotidiano do educador na escola, junto ao
aprendiz e à sua família. Mas saber como o cérebro aprende não é suficiente para a realização
da “mágica do ensinar e aprender", assim como o conhecimento dos princípios biológicos
básicos não é suficiente para que o médico exerça uma boa medicina. (COSENZA; GUERRA,
2011, p. 143)

Afirma-se que o progresso do conhecimento neste milênio só será possível a partir de uma
perspectiva transdisciplinar. Por meio dessa perspectiva, as diversas áreas do conhecimento
utilizarão seus pressupostos para avançar em direção a um conhecimento novo. Nesse
enfoque, acreditamos que a educação poderia se beneficiar dos conhecimentos
neurocientíficos para a abordagem das dificuldades escolares e suas intervenções corretivas.
Isso permitiria explorar as potencialidades do sistema nervoso de forma criativa e autônoma e
ainda sugerir intervenções significativas para a melhoria do aprendizado escolar e da qualidade
de vida. (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 145)

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