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Neuroaprendizagem

Conteudista: Prof.ª Ma. Mara Sampaio


Revisão Textual: Thaís Teixeira Tardivo Stringaci

Material Teórico

Material Complementar

Referências
1/3

Material Teórico

 Objetivo da Unidade:

Entender a maneira como o sistema nervoso central desenvolve os


aspectos relacionados à aprendizagem.

Plasticidade Neural
Plasticidade é uma palavra que, entre outros sentidos, é usada para se referir à capacidade de
mudança de forma de um determinado material que sofre intervenção e passa a ter um novo
formato. Essa é uma propriedade do plástico – material que, quando aquecido, deforma-se e
não volta mais à forma original. Nas neurociências, segundo Lent (2008, p. 112),
neuroplasticidade é “a propriedade do sistema nervoso de alterar a sua função ou a sua
estrutura em resposta às in uências ambientais que o atingem”.

No caso do sistema nervoso, os neurônios podem alterar a sua função e sua forma de modo
mais ou menos prolongado. É a plasticidade que faz com que cérebro esteja em constante
mudança, remodelando-se a cada experiência de vida. A neuroplasticidade ocorre em três
estágios:
Durante o desenvolvimento (os ciclos de vida): desde a fase embrionária, quando
as células indiferenciadas passam a ser neurônios, até a maturação do Sistema
Nervoso Central (SNC), sofrendo in uência genética e do ambiente.

Durante um aprendizado (ocorre pela vida toda): o comportamento gera


modi cações na representação do mapa cortical quando algo novo é aprendido. 

Por algum dano (fraturas ou lesões): os mecanismos de reparação e reorganização


da rede neural próxima ou distante surgem logo após a lesão e podem durar muito
tempo.

É a plasticidade neural que dá ao cérebro humano a capacidade dinâmica e adaptativa de se


reestruturar de acordo com novos desa os do ambiente. Em cada fase da vida, a plasticidade
se expressa de uma forma. É mais intensa na infância e adolescência, mas é expressiva na
fase adulta. A neuroplasticidade acontece a partir da atividade e do tipo de estimulação
recebida do ambiente.

Figura 1
Fonte: Getty Images

Em todo o sistema nervoso, a rede neural pode ser modi cada em função das experiências
individuais. A neuroplasticidade se manifesta de três maneiras distintas durante todo o ciclo
de vida de uma pessoa, e elas podem também ser simultâneas. São elas: 

Morfológica: aumento ou redução do número de células ou alteração do trajeto, ou


seja, mediante modi cações de estruturas (axônios, dendritos e sinapses) de uma
região cerebral.

Funcional: mediante alterações na siologia neuronal e sináptica, por exemplo,


com maior liberação de neurotransmissores.

Comportamental: relacionada aos fenômenos de aprendizagem e de memória.

Neurogênese
Trata-se da plasticidade cerebral que se dá pelo nascimento maciço de novas células, ou seja,
pela capacidade de proliferação neuronal e glial. Por muito tempo, a neurogênese foi
identi cada como uma ocorrência ativa apenas do período embrionário até as fases iniciais do
desenvolvimento na infância. Considerava-se que, com poucos meses de vida, essas células
paravam de nascer para que os mecanismos de posicionamento e diferenciação das células
neurais acontecessem depois. 

Desconhecia-se até bem pouco tempo que algumas regiões do sistema nervoso pudessem
produzir novos neurônios até a vida adulta. Foi na década de 1990 que um grupo de
neurocientistas suecos e americanos encontrou evidências sobre o aparecimento de novos
neurônios no hipocampo de indivíduos adultos. 

Novos neurônios são produzidos tanto no cérebro em desenvolvimento quanto no maduro,


em uma região conhecida como giro denteado do hipocampo. Conhecidas como células-
tronco, elas também surgem na zona subependimária dos ventrículos laterais do telencéfalo e
numa terceira região, no hipotálamo. 
Segundo Lent (2008), as células-tronco são capazes de autorregeneração e
multipotencialidade. Supõe-se que a células situadas no encéfalo são capazes de gerar
neurônios e gliócitos de vários tipos e são aptas a proliferar continuamente em indivíduos
adultos. A plasticidade nas sinapses se mostra mais característica em adultos, sendo
considerada a base funcional da memória. (LENT, 2008).

A neurogênese no cérebro adulto produz uma pequena quantidade de neurônios em proporção


à já existente. Exercícios físicos e novos aprendizados podem estimular a neurogênese, assim
como o cuidado com o sono e com a alimentação contribuem para gerar novos neurônios.

Neuroplasticidade Morfológica
A capacidade plástica dos neurônios pode acontecer em diferentes localidades:

Corpo do neurônio: a plasticidade somática está relacionada ao nascimento de


novos neurônios. Esse fenômeno corresponde à neurogênese e ocorre geralmente
no giro denteado do hipocampo.

Dendritos: a plasticidade ocorre durante a diferenciação, o crescimento e a


arborização do dendrito. Ela é controlada por neurotro nas, especialmente o
BDNF (crescimento, diferenciação e reparo dos neurônios), que são relacionadas à
memória e à aprendizagem.

Axônios: a plasticidade axônica é a capacidade de essas células e seus terminais


reorganizarem a sua estrutura em resposta às in uências do ambiente. Os axônios
respondentes são íntegros e, em determinadas circunstâncias siológicas, podem
modi car-se mesmo sem a ocorrência de lesões. 

Sinapses: a plasticidade sináptica é a forma de plasticidade prevalente no cérebro


adulto normal. É considerada a base para a memória de longa duração. Nessa
forma de plasticidade, a principal questão a ser observada é a e cácia da
transmissão sináptica, e ela ocorre tanto estrutural quanto funcionalmente.
Figura 2
Fonte: Getty Images

Regeneração
A regeneração é um outro tipo de plasticidade e ocorre frequentemente no sistema nervoso
periférico. Pode ser bem-sucedida ou malsucedida.
Bem-sucedida: acontece toda vez que um nervo da perna ou do braço é esmagado
ou rompido por um corte ou outro tipo de trauma. Há boa recuperação funcional
dos nervos, mesmo que seja necessário fazer cirurgia para reaproximar as
extremidades e reativar suas funções. Esse processo de reconstrução de axônios
traumatizados acontece por meio das células de Schwann. 

Malsucedida: ela é inexistente ou bloqueada por algum fator no sistema nervoso


central. A incapacidade de regeneração dos axônios centrais torna permanente o
efeito das lesões. Em alguns sistemas, a regeneração é mais difícil. Lesão no nervo
óptico (neurônios da retina) pode gerar cegueira irreversível.

Neuroplasticidade Funcional
É a capacidade de modi car sua estrutura e função como consequência de uma lesão ou
experiência.

Pesquisas desenvolvidas nos últimos anos têm contribuído para o conhecimento sobre a
neuroplasticidade funcional. Uma delas, feita com músicos e não músicos, indicou que
pessoas que treinam desde a infância a tocar violino e violoncelo possuem uma área cerebral
maior para o comando dos dedos da mão esquerda em relação aos não músicos.

A síndrome do membro fantasma é um exemplo, um fenômeno sempre reportado por pessoas


que tiveram algum membro amputado. Essas pessoas continuam a apresentar as sensações
provenientes do membro perdido, como se ele ainda estivesse intacto. Essa sensação foi
considerada um processo de plasticidade axônica pelo neuropsicólogo Vilayanur S.
Ramachandran, pesquisador da Universidade da Califórnia (EUA), que atribuiu a percepção do
“membro fantasma” à possibilidade de brotamento colateral nos axônios. 

No ano 2000, pesquisadores ingleses descobriram que os taxistas de Londres tinham o


hipocampo mais desenvolvido, pois o exercitavam mais para memorizar ruas e rotas da
cidade. Outro exemplo ocorre com o córtex visual que passa a processar informações táteis;
ele assume essa função em pessoas que cam cegas.
As neurociências têm descoberto cada vez mais o potencial de criação de novos neurônios e a
sua capacidade de migrar e ocupar outras áreas do cérebro. Os estudos da plasticidade
bené ca podem, no futuro, ajudar na preservação de funções cognitivas e na recuperação de
muitos traumas e doenças degenerativas para as quais ainda não existem tratamentos
e cazes. 

Como o Cérebro Aprende


Vamos relembrar que, ao falarmos do cérebro, quase sempre estamos nos referindo ao
encéfalo, que é o conjunto do cérebro, cerebelo e tronco encefálico. Eles constituem um único
sistema dentro da caixa craniana. No entendimento da relação do cérebro com a
aprendizagem, consideraremos as dimensões físicas e funcionais, mas é importante não
esquecer da contribuição das emoções e da intencionalidade de nossas ações para tornar
completo o processo de aprendizado.

Aprender signi ca obter um conhecimento ou adquirir uma habilidade. É um processo que


modi ca o estado atual para dar lugar a algo novo. Sendo assim, para aprender, o cérebro deve
estar em constante reordenamento de suas funções, que possibilitam, por meio de múltiplas
interações, o surgimento de novas rotas neurais e a eliminação daquelas que não terão mais
utilidade. A neuroplasticidade cerebral está intimamente relacionada ao processo de
aprendizagem. É por meio da liberação de neurotransmissores que se cria novas sinapses e se
modi ca o campo neurológico química, anatômica e siologicamente quando ocorre a
aquisição de informações. Isso acontece a todo momento em que se aprende algo novo. É
assim que se processa a aprendizagem no cérebro.
Figura 3  
Fonte: Getty Images

Segundo Rotta, Bridi Filho e Bridi (2018), a aprendizagem ocorre por modi cação das forças
sinápticas, dos processos de fortalecimento ou do enfraquecimento de sinapses. Isso signi ca
que o sistema, ao mesmo tempo que mantém uma informação anterior, modi ca sua
estrutura de forma permanente para apreender a nova informação. Todo novo aprendizado
depende de uma experiência anterior como base. Novos circuitos neurais são criados sem
eliminar os elementos já construídos nas interações anteriores com o ambiente. 

Essas informações cam armazenadas na memória e são evocadas por algum estímulo
externo, pela aprendizagem de um novo comportamento que se traduz numa recomposição
nova dessas informações. Segundo Lent (2001), a aprendizagem se diferencia no processo de
aquisição e armazenamento das informações e não é o mesmo que memorização.
“O processo de aquisição de novas informações que vão ser retidas na memória é chamado
aprendizagem. Através dele nos tornamos capazes de orientar o comportamento e o
pensamento. Memória, diferentemente, é o processo de arquivamento seletivo dessas
informações, pelo qual podemos evocá-las sempre que desejarmos, consciente ou
inconscientemente ”

- LENT, 2001, p. 594

A interação com o ambiente que nos cerca e o modo como usamos nosso sistema perceptivo e
físico-motor é o que produzirá a aprendizagem. Interagir, experimentar e modi car o
ambiente induzirá à formação de conexões nervosas e à aquisição de novos comportamentos.
Embora nosso cérebro seja programado para desenvolver certas capacidades, como andar,
falar e se relacionar, nós necessitamos de um processo de aprendizado para adquiri-las.
Nascemos com muito pouco conhecimento ou comportamentos instalados. Na grande
maioria, nossos comportamentos são aprendidos na relação com o ambiente (COSENZA;
GUERRA, 2011).

As conexões neurais são ampliadas de forma permanente pela intencionalidade de nossa ação,
somada às experiências físicas e perceptivas que temos com o ambiente. Toda nova interação,
desde as mais simples às complexas, exigem uma crescente renovação de células e dos
percursos sinápticos. Pode-se dizer que o desenvolvimento neuronal (ou seja, a renovação
celular constante) é uma resposta às necessidades do organismo de se manter em equilíbrio
na interação com o ambiente, bem como pela necessidade progressiva que temos de
conhecimento. 

O aumento da conectividade entre os neurônios do córtex cerebral, que é maior e crescente


durante a infância, diminui durante a adolescência e se estabiliza na fase adulta. A
aprendizagem de novas informação diminui nos adultos, porém, aumenta a capacidade de
utilizar o que já foi aprendido. Mesmo com diferença de intensidade nas diversas fases, a
capacidade de aprendizagem no ser humano permanece pela vida inteira (COSENZA; GUERRA,
2011).

O aprendizado é uma condição constante de propostas de interação com o ambiente, que


desa am ou afastam o indivíduo conforme as percepções de cada um. O afastamento, a
inatividade consciente ou inconsciente, leva ao empobrecimento das conexões e diminui as
chances de desenvolvimento de novos caminhos neurais. 

A plasticidade que ocorre no processo de fazer e no de desfazer as conexões existentes entre


as células nervosas é a base do aprendizado. A aprendizagem permanente só ocorrerá com a
formação de novas associações sinápticas, e isso requer intencionalidade e empenho pessoal
para se expor a novas experiências (ROTTA; BRIDI FILHO; BRIDI, 2018; COSENZA; GUERRA,
2011).

Segundo Cosenza e Guerra (2011), a aprendizagem do ponto de vista neurobiológico é um


fenômeno individual que se dá pela consolidação das diversas conexões entre as células
nervosas formadas durante as novas experiências pessoais de cada um, pela repetição do uso
do circuito criado pela nova experiência. Por ter in uência da interação com o ambiente, é
possível criar situações de aprendizagem em ambientes desa adores que possam promover
intencionalmente a ativação de novas sinapses e tornar as experiências enriquecedoras.

Lateralidade Cerebral
Quem nunca ouviu alguém tentar dividir a responsabilidade por suas habilidades e capacidades
entre os dois lados de nosso cérebro? “Não me saio bem na matemática porque sou canhoto”.
Ou, então, “ z o curso de engenharia porque o lado esquerdo do meu cérebro é melhor”.

Essas referências, é claro, têm explicações anatômicas. Quando olhamos o cérebro de cima,
notamos uma certa semelhança com uma noz. Para se acomodar dentro da caixa craniana, ele
se mostra enrugado, com sulcos e giros. Também é dividido ao meio pelo corpo caloso, a
estrutura que conecta os lados que chamamos de hemisférios cerebrais: o direito (HD) e o
esquerdo (HE).
Por muito tempo se acreditou que havia uma dominância de um dos lados sobre o outro no
comportamento humano. Essa visão, que está ultrapassada, se referia aos aspectos
morfológicos do cérebro e simpli cava as funções cerebrais ao atribuir, por exemplo, a razão
ao HE e a emoção ao HD. Com o avanço das tecnologias de imagens funcionais e seu uso
como base para os estudos na Neurociência, tornou-se possível identi car com mais precisão
as áreas dos dois hemisférios envolvidas nas diversas tarefas cerebrais. 

O que existe não é uma divisão de tarefas, mas a especialização funcional de cada um dos
hemisférios. Essa característica, que chamamos de lateralidade hemisférica, é o grau de
controle do hemisfério esquerdo ou do direito sobre várias funções cognitivas e
comportamentais. Cada um dos lados é especializado em processar diferentes funções
cognitivas.
Figura 4
Fonte: Adaptada de Getty Images
O hemisfério esquerdo lida com o processamento verbal (língua, fala, leitura e escrita). Ele é
mais especializado na motricidade e controla os movimentos do lado direito do corpo (95%
dos humanos são destros). É mais pragmático. Responde pelos cálculos matemáticos, pelas
habilidades analíticas e lógico-sequenciais. Identi ca relações espaciais qualitativas (dentro,
fora) e a atenção. 

O hemisfério direto, por sua vez, controla o processamento não verbal e o lado esquerdo do
corpo. Ele permite a percepção holística do mundo, a compreensão da linguagem gurada e as
nuances afetivas da fala. A percepção de sons musicais, o reconhecimento espacial e visual (da
face humana) e a identi cação de objetos e animais. É, também, responsável pela habilidade
para o desenho e pela identi cação de emoções.

Existem funções que, para serem realizadas, valem-se das duas lateralidades. É o caso da
prosódia, parte da fala responsável pela entonação e acentuação. A criatividade, outro exemplo
interessante, sempre foi identi cada com o HE, principalmente o momento do insight, que se
refere ao surgimento de uma nova ideia. Porém, uma parte importante, o processo que leva a
essa solução de um problema depende de uma rede cortical bem ampla, que inclui o HD.

Isso signi ca que não se pode falar em dominância cerebral numa pessoa ou considerar o
“cérebro direito” e o “cérebro esquerdo” como se fossem separados. Por mais que exista uma
especialidade funcional, a maior parte das tarefas complexas tem o envolvimento de ambos os
hemisférios, e é um só cérebro.

O corpo caloso, além da ligação estrutural entre os hemisférios, também é responsável pela
comunicação e conexão entre eles. Tudo que percebemos e aprendemos na interação com o
meio ambiente depende das lateralidades cerebrais, do funcionamento integrado entre os dois
hemisféricos. 

Quando se fala que as escolas deveriam dar mais ênfase ao lado direito do cérebro, como se
um dos lados fosse melhor ou superior ao outro, as pesquisas já comprovaram que não. O
incentivo a esse tipo de preocupação por parte das escolas só faz sentido se for para que
enfatizar a educação integral ou para desenvolver holisticamente as habilidades de ambos os
hemisférios.
Desa os da Aprendizagem
Alguns desa os tradicionais, que sempre instigaram a Educação, tornaram-se mais fáceis de
serem enfrentados a partir do avanço das neurociências. É, por exemplo, o caso da de nição
da inteligência e da maneira de lidar com ela. O que é, a nal, um estudante inteligente? Como
medir, como desenvolver, como diferenciar quem é mais de quem é menos inteligente? E o
que, a nal, signi ca inteligência? 

A esses desa os históricos somaram-se outros, que surgiram com a evolução e a


complexidade da sociedade e com o avanço e o domínio de novas tecnologias. O que é ser um
educador nesse novo ambiente? Como ensinar ou como se preparar para esse papel? O que
signi ca ensinar para uma geração que já nasceu na era digital, que se sente livre e
desmotivada a aprender – e, ao mesmo tempo, ávida por recompensas imediatas?

A esses desa os somam-se outros, não menos importantes. Um deles é o de atender à


diversidade e à inclusão. O mundo está desejoso por eliminar as barreiras do preconceito e
advoga pela ausência de discriminação na escola, com a defesa da ideia de que todos os
estudantes, por maiores que sejam as diferenças cognitivas, emocionais, sociais e culturais,
possam aprender juntos. Entre muitos outros desa os que transitam no domínio entre a
Neurociência e a Educação, vamos falar um pouco mais sobre os três que se seguem.
Figura 5
Fonte: Getty Images

Teste de Inteligência
O conceito de inteligência tem grande variação, mas pode ser visto como a capacidade ampla e
profunda que cada pessoa tem para compreender o ambiente: apreender o contexto, dar
sentido às coisas e antecipar o melhor curso de uma determinada ação.

Ainda que alguns deles sejam controversos, há uma grande variedade de modelos e pesquisas
destinados a medir a inteligência humana. O teste de Quociente de Inteligência (QI) foi o
primeiro teste de avaliação da inteligência, desenvolvido por Alfred Binet a pedido do governo
francês, no início do século XX. Ele avaliava vários aspectos da cognição a partir de tarefas
como a cópia de um desenho, a memorização de uma série de algarismos, a reprodução de
uma história e algumas outras atividades. Difundido mundialmente, o QI se tornou sinônimo
de inteligência humana.

A psicometria é bem estabelecida como campo cientí co, sua área de atuação é a medição e
avalição das funções cognitivas como a sensação, a percepção e a memória. As principais
vertentes datam do início de século XX. Uma vertente britânica importante é a teoria
trifatorial, composta pelo fator geral (G), por fatores especí cos (E) e pelo de grupo,
desenvolvida pelo pesquisador britânico Charles Spearman na década de 1920.

O fator G seria a inteligência geral relacionada à apreensão da experiência. O segundo fator é a


educação das relações, ou seja, a capacidade do indivíduo em detectar relações entre duas ou
mais ideias. Já o terceiro processo refere-se à capacidade de formular novas ideias. 

A abordagem americana na década de 1930, com a Teoria das Aptidões Primárias, fez uma
contraposição à abordagem britânica. O foco passou a ser fatores como a compreensão e a
uência verbal, o raciocínio indutivo, numérico, aritmético e dedutivo, a visualização espacial,
a memorização e a rapidez perceptiva (NASCIMENTO; RUEDA, 2014).

Nos modelos desenvolvidos mais recentemente, os pesquisadores buscam ser mais


complementares e não excludentes com as propostas de teste da inteligência humana. A
Teoria Cattell-Horn-Carroll de Inteligência (CHC) tem esse propósito em relação aos dois
modelos anteriores. Trata-se de uma organização hierárquica e multidimensional das
habilidades cognitivas. 

O fator G da inteligência geral é composto por dois fatores: 

a inteligência uida (Gf), capaz de lidar com problemas novos; e 


a inteligência cristalizada (Gc), destinada a lidar com habilidades já existentes. 

John Carroll (1993 apud COSENZA; GUERRA, 2011) combinou os principais aspectos da teoria
da inteligência geral de Spearman (G) e da teoria da inteligência cristalizada e uida de Horn e
Cattell (Gf-Gc) e propôs a teoria da inteligência de três estratos. A partir daí, desenvolveu
aquele que é considerado um dos mais completos modelos sobre inteligência conhecidos
atualmente, que compreende dezesseis habilidades cognitivas amplas e mais de oitenta
estreitas. O modelo CHC tem sua validação por mais de 50 anos de pesquisa (COSENZA;
GUERRA, 2011). A Figura 6 exempli ca as três dimensões em que todas as habilidades estão
ligadas ao fator G hierarquicamente.

Figura 6 
Fonte: Adaptada de COSENZA; GUERRA, 2011, p. 119

Nos últimos anos, tem sido veri cado um considerável avanço dos estudos que promovem a
integração da psicometria e da psicologia cognitiva com a Neurociência. Muitos testes de
inteligência (capacidade cognitiva) mudaram para incorporar o modelo CHC e se tornaram
base para a avaliação psicoeducacional. 

Outro modelo recente foi proposto pelo psicometrista americano Robert Sternberg. Trata-se
de uma teoria de inteligência bem-sucedida, em que a inteligência é vista como a atividade
mental voltada para a adaptação intencional ao mundo real. Ela seria utilizada para resolver a
maioria dos problemas do cotidiano. Foi criada para se opor aos modelos de teste de
inteligência que Sternberg considerava um ciclo fechado, por se basearem apenas no
pensamento e na memória e desconsiderar as experiências vividas.

O foco de estudo de Sternberg era a inteligência, a criatividade e a sabedoria, que derivou na


criação da teoria triárquica da inteligência ou teoria da inteligência plena, na década de 1990,
que envolve três fatores diferentes (COSENZA; GUERRA, 2011):

Habilidades analíticas: analisar os problemas e as opções disponíveis;

Habilidades criativas: gerar soluções para os problemas identi cados;

Habilidades práticas: fazer funcionar as opções escolhidas.

Figura 7 –  Teoria Triárquica das Inteligência de Sternberg


Além dos modelos psicométricos, a inteligência ganhou popularidade e novas dimensões de
estudos a partir da década de 1990, com as teorias de D. Goleman sobre inteligência
emocional e a Teoria de Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner. A verdade, como se vê, é
que existem muitas maneiras de ser inteligente e que, além dos fatores genéticos, também
devem ser levados em conta os ambientais, que in uenciam o funcionamento do cérebro,
somados aos processos socioculturais, que alteram negativa ou positivamente a capacidade de
inteligência de um indivíduo. Este é o grande desa o para os educadores: como utilizar a
contribuição dos neurocientistas na escolha de métodos e práticas educativas que ajudem a
aumentar o grau de inteligência dos estudantes pela escolarização.

Capacitação de Educadores
No início dos anos 2000, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) publicou um documento apontando que a prática educativa deveria se bene ciar dos
achados da Neurociência.

“Nas próximas décadas, temos boas possibilidades de desvendar as complexidades do cérebro


e compreender, pelo menos, a natureza da memória e da inteligência (por exemplo, e o que
realmente acontece quando o aprendizado ocorre). Quando atingirmos esse objetivo, seremos
capazes de reassentar nossa prática educativa sobre uma sólida teoria da aprendizagem. ”

- Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 2003, p. 46

Ainda é um desa o aproximar os educadores do conhecimento produzido pela Neurociência.


Mesmo com todos os avanços registrados nos últimos anos, é grande a quantidade de
professores que não têm a dimensão do quanto sua ação pedagógica desencadeia reações
hormonais e efeitos neurológicos no organismo do estudante. Esses efeitos, como se sabe,
têm in uência decisiva na motivação para aprender. 
O conhecimento sobre os avanços da Neurociência pode validar aspectos importantes da
sabedoria intuitiva e, principalmente, proporcionar embasamentos consistentes para o uso de
novas ferramentas educacionais que potencializem as ações pedagógicas. A aprendizagem
adquire novas perspectivas com a neuroeducação, campo de estudo que traz os avanços dos
estudos do cérebro humano para o interior da sala de aula (SILVA, 2021).

Figura 8  
Fonte: Getty Images

O ato de aprender é, por si só, complexo. Ele envolve as emoções, a memória, a


experimentação, a relação, a alimentação, o repouso, a motivação e muito mais. A
Neurociência ajuda o professor a compreender os mecanismos do processo de aprendizagem
em cada pessoa. Alguns princípios da Neurociência, uma vez presentes na ação pedagógica,
potencializam uma aprendizagem mais signi cativa para o estudante. Veja alguns deles:
O cérebro se modi ca com a experiência. Ampliar o envolvimento ativo dos
estudantes com as aulas práticas, atividades físicas e experiências externas que
envolvam os processos de construção e produção pelo próprio estudante
desenvolve o potencial neurológico de aprendizagem.

A ação pro ssional estimula a plasticidade neural. A plasticidade que promove a


aprendizagem é desencadeada por novos fatores do ambiente. O próprio professor
é um fator de estímulo aos neurotransmissores e pode provocar nos estudantes o
desejo e o prazer em aprender. 

Emoções e motivação na aprendizagem individualizada. É importante conhecer a


importância das emoções positivas no aprendizado. Os fatores motivacionais
possibilitam ao professor de nir as condições mais adequadas para estimular a
motivação em sala de aula. Planejar formas especí cas para atender aos diversos
tipos de estudantes presentes numa mesma turma.

A maturidade das funções cerebrais tem períodos especí cos. Saber que a
aprendizagem não se esgota com a idade e conhecer o período certo de cada etapa
de maturação das funções cognitivas faz com que o professor ajuste sua
expectativa e adeque sua estimulação por desa os, sem acelerar o processo de
aprendizagem possível naquela etapa de vida do estudante.

A Unesco propôs, em um relatório de recomendações coordenado pelo economista Jacques


Delors que, no século XXI, a concepção de uma educação signi cativa e integral estivesse
baseada em quatro pilares de aprendizagem: 

1 Aprender a conhecer: aquisição de um repertório de saberes.

2 Aprender a fazer: habilidade de caráter cognitivo e técnico. 

3 Aprender a viver junto: conviver de forma colaborativa e inclusiva. 

4 Aprender a ser: tornar-se autônomo intelectual e socialmente.

O desa o para o professor, nesse novo ambiente, é encontrar formas de ensinar a conhecer,
ensinar a fazer, ensinar a conviver e ensinar a ser. O diálogo entre a Neurociência e a
Educação, mesmo sem fornecer receitas para a aprendizagem, pode contribuir para preparar o
educador para fortalecer o processo de ensino-aprendizagem em que estudante e professor
são protagonistas.

Inclusão Escolar
A educação inclusiva foi criada com o objetivo de integrar as diferenças entre os estudantes no
ensino formal. Ela é fundamentada na diversidade e no direito à igualdade, bem como em
diferenças como valores complementares.

Promover de forma adequada uma aprendizagem diferenciada, que atenda à especi cidade de
cada estudante nas suas Necessidades Educacionais Especiais (NEE), tem sido um grande
desa o para o sistema escolar.

Esse objetivo visa mudar a cultura educacional para alinhar as demandas da sociedade
contemporânea, que cobra cada vez mais respeito e tolerância com a diversidade. Dessa
forma, entende-se que todas as crianças aprenderão com as diferenças e que a escola passa a
ser um espaço de exercício de cidadania.

Além de oportunizar o acesso aos conteúdos básicos aos estudantes com aprendizagem
“padrão”, a proposta inclusiva de escolarização indica que a escola também deve garantir
acesso às crianças que apresentam altas habilidades (ou seja, as precoces e superdotadas) e
também àquelas com de ciência e di culdades de aprendizagem decorrentes, por exemplo, de
condutas típicas de síndromes, transtornos, distúrbios psicológicos ou neurológicos, entre
outros.

O paradigma da inclusão não se restringe a compartilhar o mesmo espaço físico e nem a levar
o estudante com NEE a se adaptar ou a se moldar à escola. Ao contrário. Ele se refere a uma
mudança de concepção educacional que, por meio de ações de equidade, desenvolva o
potencial e promova a interação dinâmica entre todos. 

Ensinar na diversidade exige conhecimento especializado das diferentes condições e das


especi cidades de estudantes com NEE. Isso é fundamental, por exemplo, para se fazer um
diagnóstico mais preciso dos casos de desinteresse em sala de aula e perceber se eles são
motivados por algum distúrbio ou por falta de atenção. Isso é importante tanto para planejar
estratégias didáticas quanto para criar procedimentos pedagógicos particulares que facilitem a
aprendizagem adequada a cada NEE.

As pesquisas em neurociências proporcionaram o acesso ao conhecimento do funcionamento


do cérebro, dos distúrbios e dos transtornos sensoriais e intelectuais decorrentes de fatores
genéticos ou de lesões. Independentemente de o estudante apresentar De ciência Intelectual
(DI), Transtorno do Espectro Autista (TEA), De ciência Visual (DV), surdez ou altas
habilidades, além do diagnóstico, ele tem características diferenciadas que impactam a sua
aprendizagem. Esse conhecimento é fundamental para que a inclusão educacional seja efetiva
e promova a evolução de cada estudante de acordo com suas necessidades.

Re ita
Quais outros desa os da educação promovem um diálogo com as
neurociências? Pesquise alguns exemplos de práticas educacionais que
promovam a aprendizagem com base nos achados das neurociências.
2/3

Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados


nesta Unidade:

Livro
COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e Educação: como o cérebro aprende. Porto
Alegre: Artmed, 2011.

Leitura
A escola e os novos desa os da educação inclusiva: contribuições da didática e da
Neurociência
CORREIA, M. O. A escola e os novos desa os da educação inclusiva: contribuições da didática e
da Neurociência. Humanidades & Inovação, Palmas, v. 8, n. 42, abr. 2021.

UNITINS
A ESCOLA E OS NOVOS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO
INCLUSIVA: CONTRIBUIÇÕES DA DIDÁTICA E DA
NEUROCIÊNCIA
Palavras-chave: Inclusão. Didática. Neuroaprendizagem. O artigo tem como
objetivo contribuir e analisar o quadro atual da educação inclusiva através de
um estudo bibliográ co de assuntos ligados à didática, ao ensino e ao
funcionamento da mente humana com foco na aprendizagem, a m de
contribuir para a melhoria da inclusão de de cientes no nosso país.
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il aime travailler dans la banque avec les chefs d'entreprises pour les
accompagner dans les opérations de liquidation.
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Lara Boyd | TEDxVancouver
A Dra. Lara Boyd descreve como a neuroplasticidade lhe dá o poder de moldar o cérebro que
você deseja.

After watching this, your brain will not be the same | Lara Boyd | T…
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Referências

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