Você está na página 1de 11

1.

PLASTICIDADE CEREBRAL E APRENDIZAGEM


Kandel chamou a atenção para o fato de que a plasticidade cerebral é dependente dos estímulos ambientais
e, por conseguinte, das experiências vividas pelo indivíduo. Colocou muito bem que os estímulos
ambientais constroem a base neurobiológica da individualidade do homem.

TIPOS DE PLASTICIDADE CEREBRAL. Distingue-se a plasticidade encontrada no desenvolvimento


normal do cérebro normal, a plasticidade que ocorre como resposta à experiência, e a plasticidade
reacional a uma lesão na tentativa de reorganizar o SNC.

2. PLASTICIDADE NO DESENVOLVIMENTO NORMAL


O desenvolvimento normal do SNC passa por várias etapas, que não são independentes; pelo contrário,
coexistem e se influenciam. Distingue-se entre elas:
• Plasticidade neuronal, que inclui a divisão neuronal, a migração celular, a formação de circuitos
neuronais, a morte celular programada e a eliminação de circuitos extranumerários;
• Plasticidade dos prolongamentos celulares, que inclui o aparecimento de dendritos, o alongamento
axonal e a arborização axonal;
• Plasticidade sináptica;
• Modificações neuroquímicas e funcionais.

Sabe-se, sobre o SN intra e extraútero, que sua evolução começa na concepção e termina na idade adulta.

A proliferação celular começa com a fecundação, e já se observam estruturas nervosas no início da


gestação. Primeiro se distingue o sulco neural, localizado na região dorsal do feto, que evolui para placa
neural e tubo neural.

O fechamento do tubo neural inicia no meio e se dirige tanto para a região rostral quanto para a caudal. Esta
situação é denominada eixo rostral-caudal, o qual deixa na porção rostral um orifício ou poro rostral, que
termina por fechar no 26º dia, e um orifício ou poro caudal, que fecha no 28º dia.
No fechamento do tubo neural, deve ser considerado também outro eixo importante, que é responsável pelo
fechamento da região dorsal para a ventral, que se chama eixo dorsal-ventral.

Na porção rostral, surgem três dilatações no tubo neural. que constituem as três vesículas denominadas
prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo. Destas, resultam cinco dilatações que constituem o
telencéfalo, diencéfalo, mesencéfalo, metencéfalo (cerebelo e ponte) e mielencéfalo (bulbo).

A partir da formação do tubo neural, tanto a neurogênese quanto a gliogênese passam a ser mais ativas. A
neurogênese inicia com uma célula do SN chamada célula precursora, que se divide em duas células-filhas.

Uma delas se divide novamente, e a outra migra, constituindo as camadas da corticalidade, os núcleos de
substância cinzenta intraparenquimatosa (Parênquima encefálico é como se chama o tecido do encéfalo)
e as células do tronco cerebral.

Pouco antes de terminar a fase da neurogênese, inicia-se a migração neuronal, que ocorre em dois
importantes momentos da gestação. O primeiro contingente de neurônios que migra para sua localização
final inicia sua caminhada ao redor da sétima semana de gestação, e o segundo, na 14ª semana.

As células gliais funcionam como guias para a migração neuronal, que é feita em direção a dois lugares:
tubo neural, que constituirá o SNC, e crista neural, que constituirá o sistema nervoso periférico
(SNP).
Pode-se observar a migração neuronal, a partir da região periventricular, ou área germinativa, para a
corticalidade cerebral.

Junto com a migração neuronal, ocorre a diferenciação celular com o aumento do corpo celular, a formação
de dendritos e a emissão de axônios. Em seguida, há a atração dos axônios em direção às células-alvo.
Essa etapa é dependente de sinais de grupos neuronais vizinhos, que ativam e inibem determinadas
sequências do genoma, modificando sua expressão. Ocorre, então, a síntese de neurotransmissores, a
síntese de canais iônicos e o aparecimento de sinais elétricos.

A formação de circuitos neurais começa com o aparecimento do axônio-alvo, durante a migração


neuronal. Os axônios-alvo são específicos para cada grupamento neuronal, por exemplo: para a inervação
sensitiva, para a inervação motora e para a inervação visual.

3. SINAPTOGÊNESE
A sinaptogênese inicia antes do nascimento, por meio de um processo independente dos estímulos
exteriores. Por ocasião do nascimento, já se observa importante sinaptogênese na corticalidade auditiva.
Quanto melhores as condições do ambiente, maior número de sinapses úteis se realiza, e quanto mais lesivo
o ambiente, menor número de sinapses.

A explosão das formações sinápticas ocorre em momentos diferentes nas diversas áreas corticais. O lobo
occipital se inicia precocemente nas áreas responsáveis pela visão, com um pico de sinaptogênese no 3o e
no 4o mês de vida, e a eliminação de sinapses excedentes ocorre até os 4 anos de vida.

Só entre os 3 e os 5 anos de idade ocorre o maior impulso sinaptogênico na porção média da


corticalidade pré-frontal, ligada às funções mais superiores, e a maior eliminação de sinapse nesta área
ocorre até mais ou menos os 20 anos de idade. Aos 4 anos, as áreas da linguagem já têm uma densidade
sináptica semelhante à do adulto.

A maior concentração de sinapses de todo o SNC ocorre na corticalidade dos hemisférios cerebrais. O
último local onde aumenta o metabolismo da glicose, mostrando o maior funcionamento cerebral, é na
corticalidade pré-frontal, exatamente por ser sede das funções mais desenvolvidas.

Na formação das redes neurais, cada neurônio tem potencial para fazer em torno de 60 mil sinapses, e cada
sinapse pode receber até 100 mil impulsos por segundo, o que dá uma ideia da complexidade da estrutura e
do funcionamento dos chamados circuitos neurais.
Na vida fetal, o desenvolvimento neuronal pode ser tão intenso e rápido quanto 250 mil novas células por
minuto. Ao chegar à idade adulta, o homem tem um cérebro com mais ou menos 100 (86) bilhões de
neurônios, que se ligam com inúmeros outros, constituindo circuitos especiais para cada indivíduo,
dependendo das experiências ambientais a que cada um foi exposto.

4. RELAÇÃO ENTRE PLASTICIDADE CEREBRAL E MEMÓRIA/EXPERIÊNCIA


A relação entre plasticidade cerebral e memória/experiência está relacionada ao próprio ato de aprender, ou
seja, de adquirir experiências, sejam elas motoras, sensitivo-sensoriais ou de linguagem.

Aprendizagens motoras, ou práxicas, os atos de aprender a engatinhar, caminhar, correr ou dançar; as


aprendizagens gnósicas, como identificar as diferentes variações da mesma sensação, ter noção adequada do
esquema corporal para sua idade, reconhecer imagens, reconhecer sons; e as aprendizagens da função
linguagem, tanto oral quanto escrita ou gestual.

Duas porções do SNC têm grande importância na aprendizagem relacionada à plasticidade neuronal: o
cerebelo e o sistema límbico. O primeiro (cerebelo) com uma função coordenadora do ato cognitivo e
motor, e o segundo (sistema límbico) trazendo a modulação afetiva para que tal função seja executada.

O estudo do sistema visual tem tido fundamental importância para o entendimento da oportunidade
variável. Foi possível definir que o período crítico para o desenvolvimento adequado dos circuitos
binoculares vai do nascimento até os 10 anos de idade, sendo, no entanto, tão mais intenso quanto mais
precoce.

A habilidade de lactentes de discriminar sons em diferentes línguas declina rapidamente a partir do


primeiro ano de vida, pela aquisição da língua específica.

O cérebro não só é capaz de produzir novos neurônios, mas também de responder à estimulação do meio
ambiente, com um aprendizado que tem a ver com modificações ligadas à experiência, ou seja, modificações
que são a expressão da plasticidade.

Essa relação experiência e estimulação constitui o principal pilar sobre o qual a reabilitação se insere,
e, dessa forma, procura proporcionar excelentes exemplos de plasticidade cerebral, desde que as
janelas de oportunidades sejam bem aproveitadas.

Os momentos críticos para o desenvolvimento de uma função são fundamentais para a estimulação
sensitivo-sensorial e de aprendizagem.
5. PLASTICIDADE PÓS-LESÃO
Tanto o SNP quanto o SNC têm possibilidades de regeneração pós-lesão; no entanto, até pouco tempo
atrás os experimentos mostravam que o ambiente do SNP é mais favorável à regeneração.

Para a regeneração neuronal após lesão no SNC, é necessário que os neurônios atingidos consigam
sobreviver, e que os axônios comprometidos sejam capazes de regenerar e estabelecer contato com os alvos
originais.

Está conjecturado que a dificuldade do SNC não é de regeneração, e sim de encontrar um território propício
para fazê-lo, o que não ocorre no SNP. Aguayo, trabalhando com ratos adultos, produziu uma secção do
nervo óptico, extraiu uma porção do nervo ciático e uniu na extremidade proximal do nervo óptico,
colocando a outra extremidade do nervo ciático transplantado no local do SNC.
Meses mais tarde, verificou que os neurônios haviam vencido a tarefa de regenerar seus axônios
seguindo o nervo ciático como guia. Ficou provado que os neurônios do SNC são capazes de
regenerar seus prolongamentos, desde que estejam em contato com o SNP.

Observou também que, ao chegar ao SNC, esse crescimento axonal parava abruptamente, e isto acontecia
porquê, entre outros motivos, ao ser seccionado um axônio, logo ocorre proliferação de astrócitos,
mobilização de micróglia e de células imunes, de tal maneira que se forma uma cicatriz, o que não
constitui um ambiente propício para a regeneração.

O SNC é muito mais dependente do fluxo de substâncias tróficas liberadas pelas células-alvo que chegam
pela via axonal. O SNP seria menos dependente desse fluxo porque as células gliais reativas produzem
moléculas, como a laminina e a fibronectina, que são responsáveis pelo crescimento axônico.

Os oligodendrócitos do SNC produzem substâncias que inibem ativamente a regeneração axonal; entre
elas, distinguem-se as proteínas NI 35 e NI 250. Essas proteínas, associadas à mielina do SNC, têm um forte
efeito inibidor do crescimento axonal e não são encontradas no SNP.

Por outro lado, os nervos possuem uma matriz extracelular, encontrada na glia periférica, que tem a função
de facilitar o crescimento axonal.

A situação peculiar do SNC, aliada ao fato de que ele está atrelado a um potencial de crescimento que
rapidamente diminui com a idade, coloca-o em desvantagem. Sabe-se que o SNP mantém o mesmo
potencial de regeneração, independentemente da idade.
A lesão no SNC pode se seguir de recuperação total, deixar sequelas e levar à morte. Nos três casos, devem
ser considerados dois aspectos: por um lado, a gravidade da lesão, e, por outro, a plasticidade cerebral. Os
casos que evoluem para a morte estão mais na dependência da gravidade da lesão do que da plasticidade
cerebral. Nos outros dois casos, há uma concomitância de ações que se justapõem e que interferem em
proporções e em momentos específicos, com maior ou menor intensidade.

Desde Kennard, em 1938, sabe-se que as lesões pré e perinatais cursam com melhores condições de
recuperação, uma vez que o cérebro, quanto mais imaturo, apresenta maior plasticidade e,
consequentemente, é sede de melhor prognóstico.

Outros autores, como Hebb, consideram que, quanto mais precoce for uma lesão, mais repercutirá na
capacidade intelectual geral. Como se trata de um ser em desenvolvimento, esse comprometimento
também repercutirá em aquisições futuras.

6. PLASTICIDADE CEREBRAL E POSSIBILIDADES TERAPÊUTICAS


Foi constatada capacidade de neurogênese adulta em duas áreas do SNC (zona subventricular, situada
lateralmente aos ventrículos, e a zona subgranular, situada no hipocampo). São neurônios originados em
células estaminais (células indiferenciadas com capacidade de auto-renovação e divisão ilimitada) adultas.

Desta forma, é possível não só a recuperação como também a substituição de células lesionadas,
possibilidade futura para algumas doenças degenerativas..

No entanto, a plasticidade neuronal está diminuída em doenças como transtorno de depressão, grande
estresse ou estresse crônico, que inibem as reações, bem como em um ambiente não estimulador.

O processo de formação de novos neurônios no hipocampo adulto é composto por várias fases, as quais são
descritas a seguir:
1. Manutenção, ativação e seleção do destino das células estaminais: Entre elas, destacam-se as
células precursoras radiais ou multipotentes que se diferenciam em neurônios e em astrócitos;
Expansão das células neuronais progenitoras intermediárias: Nesta etapa, células do tipo I dão
origem a células do tipo II (células progenitoras intermediárias), que vão dar origem às células do
tipo III, os neuroblastos. Estudos demonstram que a proliferação das células tipo II depende da
atividade física e da tomada de antidepressivos.

2. Migração das novas células granulares: Nesta etapa, as novas células nervosas provenientes do
giro dentado migram em direção à zona granular do hipocampo. Por outro lado, durante esta fase,
ocorre também uma extensa eliminação das novas células granulares, que são eliminadas por
fagocitose e apoptose;

3. Integração das novas células: Esta interação ocorre entre as células granulares e os neurônios que
fazem parte do circuito hipocampo. Na ativação desta integração, é importante o GABA, cuja ação
excitatória é posteriormente convertida em inibitória, o que permite o surgimento do glutamato;

4. Maturação: Esta fase, que dura várias semanas, é caracterizada pelo aumento da membrana
sináptica dos neurônios. Esta fase facilita a integração dos neurônios adultos, auxiliando na sua
integração nos circuitos, o que permite que estes neurônios sejam mantidos para o resto de vida.

O ambiente em que o indivíduo está inserido pode favorecer ou prejudicar a formação de conexões
cerebrais, melhorando ou piorando seu desempenho final.

Há algum tempo, têm sido realizados transplantes de células embrionárias no SNC; entre esses, destacam-
se os casos em que foram implantados neurônios dopaminérgicos na substância negra de pacientes
portadores de doença de Parkinson. Também foram realizados enxertos de células de Schwann.

7. FAMÍLIA, ESTRESSE E ASPECTOS NEUROCOGNITIVOS: UM MODELO


DESENVOLVIMENTAL

O desenvolvimento humano é permeado por processos progressivos e mútuos de crescimento, acomodação e


adaptação entre a pessoa e o contexto em que ela está inserida.

Esse desenvolvimento é de caráter biopsicossocial, ou seja, inclui aspectos biológicos, psicológicos e


socioculturais. O ambiente, a partir dessa perspectiva, tem um peso importante nos processos de
desenvolvimento humano.

O CONTEXTO FAMILIAR
O contexto familiar exerce influência significativa no desenvolvimento biopsicossocial ao longo dos
primeiros anos de vida da pessoa.

Entende-se por família um sistema em que seus integrantes estabelecem relações de intimidade,
reciprocidade, dependência, afeto e poder, condicionadas por vínculos consanguíneos e legais ou por
compromissos estabelecidos ao longo do tempo. A interação recíproca, regular e longitudinal também é
um critério importante no entendimento do que é família.
Ao longo do processo de desenvolvimento, as crises são inerentes ao crescimento.
Desacomodar-se/acomodar-se requer, tanto da família quanto do indivíduo, estratégias de enfrentamento na
superação dos desafios que supõem o desenvolvimento.

Nesse processo, destaca0se a presença de um conjunto de estressores, denominados verticais e horizontais.


O primeiro refere-se aos padrões de relacionamento que são transmitidos transgeracionalmente, como
crenças, mitos, segredos e legados familiares. Já os estressores horizontais estão associados à
desacomodação resultante dos eventos que a família enfrenta à medida que evolui ao longo do tempo.

Entre esses estressores estão os previsíveis (como casamento, nascimento de filhos, saída dos filhos de casa)
e os imprevisíveis (como desemprego, adoecimento, morte prematura, violência). Nessa perspectiva, o
aparecimento de um sintoma é produto das dificuldades no enfrentamento das tarefas evolutivas,
principalmente quando os estressores verticais coincidem com os horizontais.

Quando isso acontece, a intensidade do estresse tende a ser acentuada, provocando a paralisação do grupo
familiar. Assim, mesmo que o sintoma se manifeste em um dos indivíduos, ele será entendido como a
manifestação da disfuncionalidade de todo o sistema.

Nesse sentido, o National Scientific Council on the Developing Child (2005), conselho multidisciplinar da
Universidade de Harvard, descreve três categorias de experiências estressantes: positiva, tolerável e tóxica.

A experiência positiva refere-se às respostas normais da vida ante o estresse, sendo que aprender a
se adaptar a ele faz parte do desenvolvimento saudável.

A experiência tolerável se caracteriza por ocorrer em locais seguros, os quais auxiliam as crianças
no processo de aprendizagem para lidar com diversos acontecimentos. Geralmente, essas
experiências estressantes ocorrem em períodos breves, nos quais o organismo tem tempo para
recuperar-se dos efeitos deletérios por elas causados, mas podem se tornar tóxicas caso o ambiente
não forneça apoio.

Em contrapartida, a experiência tóxica tem seu curso crônico, e é incontrolável e vivenciada na


ausência de uma rede de proteção e apoio. Nesse sentido, um ambiente marcado pela violência
intrafamiliar é, invariavelmente, uma grande fonte de experiências tóxicas.

ESTRESSE E SEUS IMPACTOS DELETÉRIOS


O estresse pode desencadear uma diversidade de respostas psicobiológicas no indivíduo. Muitas dessas
respostas integram um mecanismo denominado alostase, que tem como objetivo manter o funcionamento
vital do organismo e sua estabilidade (homeostase).

Exemplos de mecanismos alostáticos incluem a ativação do sistema nervoso autônomo (SNA) e do eixo
hipotálamo-pituitária-suprarrenal (HPA), que culmina em respostas comportamentais e fisiológicas de
luta e fuga, necessárias em situações de perigo (situações de violência, acidentes, etc.).

A resposta hormonal ao estresse inicia-se com a secreção do fator liberador de corticotrofina (CRH) pelo
hipotálamo, que, por sua vez, estimula a secreção do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) pela
hipófise, fazendo as glândulas suprarrenais produzirem e liberarem cortisol.

Quando essa resposta é excessiva e tem seu curso duradouro (estresse crônico), o organismo começa a entrar
em um estado denominado “carga alostática”.

Essa condição pode levar à reprogramação do sistema imunológico devido à liberação crônica de cortisol
e, por consequência, aumentar a propensão ao desenvolvimento de doenças.

Ademais, alguns estudos sugerem que a intensa ativação do eixo HPA pode estar relacionada com
alterações estruturais no desenvolvimento do corpo caloso, do neocórtex, do hipocampo e da
amígdala.

O estresse decorrente de maus-tratos durante o desenvolvimento (p. ex., abusos e/ou negligência física e
emocional) mostra-se relacionado a dificuldades cognitivas e comportamentais em crianças. A partir de
testes e tarefas neuropsicológicas, evidenciou-se que as principais funções cognitivas prejudicadas eram as
funções executivas, a memória, a atenção, a aprendizagem, a psicomotricidade e a linguagem.

De modo mais específico, pesquisas indicam que situações de estresse são preditivas de ‐ déficits na
linguagem (i.e., velocidade de nomeação, compreensão de instruções, fluência verbal), na orientação
visuoespacial, na memória, na atenção visual e no desempenho escolar (leitura, matemática).

Na última década, alguns estudos têm indicado que crianças expostas a contextos familiares de maus-tratos
também apresentam alterações no reconhecimento de expressões faciais.

A capacidade de reconhecer a expressão facial tem grande valor adaptativo, pois é crucial para a interação
social e permite inferir o estado emocional do outro. Crianças com história de maus-tratos reconhecem
emoções negativas mais rapidamente que crianças não expostas a maus-tratos, sugerindo que o abuso
físico pode hipersensibilizar a criança às emoções oriundas da raiva.
Evidencia-se que crianças expostas a violência conjugal tendem a apresentar um viés para a
identificação das emoções raiva e medo em faces neutras.

Há um “período de hiporresponsividade ao estresse” no metabolismo de bebês e crianças pré-escolares


quando há cuidado parental. Ou seja, quando se observa cuidado parental efetivo, o metabolismo dessas
crianças tende a resistir ao aumento dos níveis de cortisol em resposta a situações ameaçadoras

MODELO INTEGRATIVO

As variáveis biológicas referem-se aos processos fisiológicos, enquanto as variáveis cognitivas, aos
processos mentais envolvidos na aquisição do conhecimento (percepção, pensamento, memória, linguagem,
entre outros). As variáveis emocionais estão associadas ao processamento das emoções, ou seja, aos
sentimentos despertados a partir da avaliação subjetiva do indivíduo ante um estímulo diverso.

As relacionais compreendem os núcleos fontes de relação mais próximas do sujeito, como a família, os
amigos e a comunidade. Por fim, as variáveis contextuais contemplam os ambientes sociais, profissionais,
comunitários nos quais o sujeito circula; os aspectos culturais, religiosos e econômicos também fazem parte
desse cenário.

Os mesmos genes em contextos ambientais diferentes talvez produzam características bastante distintas;
todavia, ainda que o ambiente favoreça algumas características (como a agressão), sabe-se que,
indubitavelmente, ele não as predefine. Ou seja, há uma interlocução entre ambiente e características
individuais que irá facilitar ou inviabilizar a manifestação de determinados traços (sejam eles genéticos,
comportamentais ou emocionais).

Assim, não há hierarquia – no sentido de importância ou de controle – no processo de desenvolvimento e


nas diversas variáveis que o compõem, mas há, sim, uma coalizão hierárquica, em que a descentralização e a
interatividade prevalecem.

Para exemplificar uma dessas alterações no processo de desenvolvimento, pode-se pensar na aquisição da
linguagem. A criança estará competente para tal alcance no momento em que suas variáveis biológicas,
cognitivas, emocionais, relacionais e contextuais estiverem em um funcionamento dinâmico adequado para a
aquisição.

Assim, tanto um prejuízo orgânico (como saúde física prejudicada) quanto um prejuízo relacional (como
situações abusivas familiares) poderiam interferir no desenvolvimento da linguagem.

Como esse dinamismo não é mecanicista e tampouco linear, caso alguma variável não esteja a contento,
outra parte poderá dar conta, e a aquisição da linguagem ocorrer.

Você também pode gostar