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PSICANÁLISE DE CRIANÇAS

 Melanie Klein

Como se sabe, ela introduziu, de forma mais sistemática e consistente, o uso


de brinquedos, desenhos e jogos na sua técnica, o que lhe permitiu
descrever – e interpretar para a criança na situação analítica – as primitivas
angústias de aniquilamento, os mecanismos defensivos arcaicos, a existência
de um cruel superego primitivo, a forte presença de fantasias inconscientes, às
vezes aterradoras para os bebês e as crianças.

Os usos e jogos que as crianças faziam com os brinquedos equivaliam para


Klein como uma forma equivalente à da “livre associação de idéias”, tal como
Freud preconizara. Assim, ela interpretava a criancinha com a maior
neutralidade possível, sempre dentro do marco transferencial, mirando as fantasias
inconscientes, que promoviam as angústias, inibições e sintomas.

 WINICOTT

Criou concepções originais que trouxeram uma grande contribuição para a


compreensão do desenvolvimento emocional primitivo da criança, a partir da
vinculação primária com a mãe real.

Ele concebeu a fundamental importância da presença de uma mãe de uma


“mãe suficientemente boa”, do meio ambiente “facilitador, ou
complicador”, do desenvolvimento infantil, a noção de espaço e dos
fenômenos transicionais; a importância da atividade de as crianças brincarem
com outros no sentido de despertarem a criatividade, o reconhecimento e a
socialização; a formação de um “falso self” quando as crianças querem garantir
o amor da mãe a qualquer custo, etc., etc.
ESTADO ATUAL DA ANÁLISE COM CRIANÇAS

A tendência, atual, da psicanálise com crianças trata de conservar


primordialmente aquilo que de fundamental foi transmitido pelo pioneirismo da
escola kleiniana, porém reduzindo a prematura e sistemática interpretação
transferencial, quase sempre enfocada com os pais e a escola, apontando para
novos horizontes.

Pode- se inferir que este aspecto relativo ao fato de que muitas crianças, muito
mais do que sofrer de conflitos, sofrem de carências – verdadeiros “buracos
negros” – adquire uma extraordinária importância no entendimento e no
tratamento da moderna patologia do vazio

Sempre buscar se atentar ao relato dos pais e a relação com a demanda de


fato das crianças. Em relação à precoce influência dos pais, antes do
nascimento do filho, é relevante destacar que Bion aventou a sua “conjetura
imaginativa” da existência de um precoce psiquismo fetal, e concebeu que o
feto recebia importantes impressões (imprintings) procedentes do mundo
externo (ruídos, brigas dos pais, modificações uterinas, etc.) e do mundo
interno da mãe, com as suas variações emocionais e, mais, segundo ele, tais
impressões marcariam profundamente o psiquismo adulto.

O impressionante disso está no fato de que as conjeturas especulativas de


Bion estão encontrando plena aprovação, graças aos modernos recursos
tecnológicos, como os exames de alta ressonância, tal como comprovam
cientificamente os experimentos de cientistas, como Alessandra Piontelli
(1996), na Itália.

ASPECTOS DA PRÁTICA NA ANÁLISE COM CRIANÇAS

CARACTERÍSTICAS

 A criança está em pleno período de transformações constantes e rápidas; daí que


a instabilidade é a sua maior característica.

 Dentre as transformações, físicas e psíquicas, é importante levar em


conta que ela está em processo de maturação neurobiológica, que varia
de criança para criança, de modo que o terapeuta não pode exigir
tarefas (como usar adequadamente o banheiro, fazer recortes, amarrar
os sapatos, etc.) para as quais ela ainda não está preparada.

 As crianças costumam reagir a certos estímulos, de forma imediata, com


ansiedades às vezes intensas.

 Elas, ora são caladas e inertes, ora apresentam uma profusão de


material verbal, pré-verbal e paraverbal, por meio de narrativas, jogos,
desenhos, personificações, etc. Aliás, mesmo quando a criança já
atingiu o uso efetivo da linguagem, a expressão de suas fantasias e
sentimentos subjacentes se faz predominantemente por canais não-
verbais de comunicação

 É grande a facilidade de a criança contrair um vínculo transferencial com o


analista.

 Igualmente, é bastante freqüente a manifestação de actings

 A dependência da criança em relação aos pais é total e absoluta.

 Outra característica notória das crianças é que fazem uma


experimentação continuada, por meio de alguns testes, no sentido de
verificar como é o seu terapeuta, além de suas recorrentes tentativas de
levar o analista a dar uma resposta já conhecida, ou para levá-lo a
encenar um determinado tipo de papel.

ENCAMINHAMENTO PARA TRATAMENTO

Independentemente da sua idade, ela deve ser informada pelos pais, com
convicção e verdade, de que vai consultar com uma pessoa especialista e por
que vai à consulta.

INDICAÇÕES

Olhar a criança como um todo, tendo uma tratamento individualizado para


cada caso.

O Contrato

Expectativa dos pais com relação ao tratamento


Setting

O fato de que existe uma maior flexibilidade, de forma alguma


significa que não sejam mais válidas, em sua essência, as clássicas
regras técnicas de Freud, como a da livre associação das ideias –
que, de forma equivalente, estão expressas nas atividades lúdicas –
as da abstinência e da neutralidade (é claro que sem a rigidez dos
tempos pioneiros), da atenção flutuante e, sobretudo, a do amor às
verdades.

O clima reinante no setting (enquadre) deve ser o de liberdade para


que a criança possa brincar, jogar, falar, movimentar-se, rolar pelo
chão, cantar, pintar, gritar, desenhar, escrever, rasgar, fazer coisas
e expressar-se à sua moda, sem outras restrições que aquelas
impossibilitadas por razões práticas e pela necessidade
de o analista preservar a sua integridade física.

É útil enfatizar que a atitude de neutralidade do analista deve ser mantida


ao máximo, mas de forma alguma isso deve representar uma inibição
para ele ser espontâneo e mergulhar em uma interação, junto com a
criança, nos seus jogos e brinquedos

Cabe particularizar que os desenhos, modelagens e pinturas permitem


perceber a força expressiva contida nas cores, nas proporções, nos limites que
as figuras humanas desenhadas guardam em relação com o espaço do papel
(que podem definir a importante discriminação de seus limites corporais, do seu
“eu”, em relação ao mundo exterior), etc.

Alguns temas simbólicos aparecem com maior freqüência, como: casa;


árvores, secas ou com flores e frutos; família; sol e nuvens; estradas; rio e
barco; ilha; aviões e carros; monstros; labirintos; máscaras; armas de fogo;
água e peixe; corpo humano. O importante é que o analista esteja atento não
só às fantasias implícitas, mas também aos papéis designados aos diversos
personagens que compõem o enredo das encenações.

A dramatização repetitiva de más experiências é frequente em


análise de crianças, com a função de externar, evacuar o que ela
não suporta dentro de si e, especialmente, como uma forma de
elaborar determinadas vivências traumáticas.

É necessário incluir como fator integrante do setting a pessoa real do


analista, especialmente a sua autêntica atitude analítica que resulta do seu
setting interno, mercê de uma série de atributos mínimos, dos quais, o
prioritário, minimamente indispensável, é a condição que ele, de verdade,
goste de crianças!

Resta dizer que o próprio setting funciona como um objeto continente, assim
como de sustentação primária, provedor e delimitador

Resistência-contra-Resistência

É evidente que a criança tem múltiplas formas de resistir, tanto no que se refere
às suas vindas para as sessões, quanto também contra a evolução do processo analítico,
as quais variam com a idade e com a singularidade de cada uma delas. Quatro aspectos
merecem ser destacados:

1- A resistência da criança pode estar significando a ocorrência de


alguma falha no entendimento e no manejo por parte do analista.

2- De modo geral, as resistências da criança na análise expressam


como se comportam em casa e se constituem como um indicador
dos mecanismos que estão forjando a estruturação de sua
personalidade. Por exemplo, a criança pode estar agredindo
continuadamente ao terapeuta, sob forma verbal ou conductual,
como forma de testar, ao máximo possível, a sua capacidade de
continente, a sua capacidade de sobreviver aos ataques sem
desmoronar ou revidar.

3- Importante mesmo é a possibilidade de o analista, consciente ou


inconscientemente, formar um conluio de acomodação no que tange
à análise de determinados aspectos e condutas significativas,
preferindo ficar unicamente em uma condição de amiguinho.

4- A presença da resistência, na análise de crianças, adquire uma


característica singular, pelo fato de que, em um grande número de
vezes, trata-se uma dupla resistência, isto é, a que é própria da
criança e aquela que procede dos pais, às vezes de forma acintosa e
outras, muito sutil.

Transferência- Contra-transferência

Igualmente ao que foi referido em relação à resistência, também costuma haver uma
dupla transferência, com distintas e, às vezes, complexas configurações transferenciais
que se formam entre a criança, a mãe e o pai, tendo o terapeuta como figura central, não
sendo nada rara a possibilidade de a criança forçar um jogo de intrigas entre os pais e o
analista.
Por outro lado, conhecemos o fato de que seguidamente os pais signifiquem o analista
como uma espécie de rival que quer destroná-los no campo afetivo do filho, que vá
jogar a criança contra eles, ou, nos casos mais patológicos, evidenciam o medo
inconsciente de que o filho pode melhorar a ponto de escapar do seu controle, razão por
que é tão freqüente a interrupção que os pais fazem da análise, justamente no período
que começam a aparecer significativas mudanças na criança.

É consensual que, em condições propícias, as crianças costumam desenvolver a assim


chamada neurose de transferência, o que não significa que o analista não vá valorizar os
aspectos extratransferenciais dos fatos que acontecem na realidade exterior. Os
sentimentos contratransferenciais são especialmente frequentes e importantes, visto que
a ansiedade do analista pode pressioná-lo a evitar as implicações da interação na sessão
– às vezes, muito difícil – por meios não-analíticos, desviando o foco da sessão para
assuntos amenos ou tornando- se excessivamente pedagógicos.

Um especial cuidado que o terapeuta deve ter em mente é não aceitar o papel de “mãe
substituta” que, por vezes, a criança o induz a assumir; deve haver uma clara distinção
entre ser mãe substituta, idealizada, e, simplesmente, exercer um novo modelo de
“função de maternagem”.

Acredito que as maciças cargas projetivas que a criança deposita no terapeuta, somadas
à conduta de irrequietação dela, devam ser as maiores responsáveis pelo fato de que
uma grande parcela de analistas de crianças, com o tempo, prefere não se dedicar
exclusivamente à análise com crianças, fazendo questão de incluir um bom número de
pacientes adultos no seu cotidiano trabalho psicanalítico, por mais que gostem – saibam
– trabalhar com crianças.

COMUNICAÇÂO

Vimos neste capítulo a existência das distintas formas verbais e não-verbais


de como a criança se comunica com o analista. Compete ao terapeuta
conter, decodificar, dar um significado, sentido e nome às experiências
emocionais que estão sendo expressas pela linguagem lúdica e
comportamental, para, então, poder devolver com alguma forma de
atividade interpretativa, em uma linguagem capaz de ser compreendida
pela criança.
Um aspecto particularmente relevante da comunicação diz respeito à
escuta, não somente em relação às possíveis distorções que a criança faz,
mas também nas ocasiões em que, manifestamente, como um movimento
resistencial, ela se faz de surda para determinados assinalamentos do
terapeuta. A falha na comunicação é um dos principais ingredientes no
surgimento de actings.

ACTINGS

Da mesma forma que os adolescentes, as crianças também fazem atuações


com seus analistas de modo mais maciço que a maior parte de adultos.
Assim, como foi assinalado, um dos actings mais comuns é a tentativa da
criança (e, às vezes, consegue) de levar o analista a ter uma relação
complicada com os pais, com todas as conseqüências previsíveis.

Outras vezes existe um conluio inconsciente da criança com os pais, ou


com um deles, contra o analista, para garantir que não será desfeito um
vínculo, por exemplo, fortemente simbiótico.

ATIVIDADE INTERPRETATIVA

Este é um dos aspectos que mais tem sofrido sensíveis transformações.

Assim, segundo Amazonas Lima (2000), interpretar desenhos requer


experiência para não incidir nos modelos estereotipados de explicação
simbólica.

Requer também finura muito especial quanto à sua oportunidade, como,


por exemplo, nos casos em que a criança utiliza o desenho como defesa.
Insistir em mostrar que, mesmo sem falar, ela se revela, é usar autoridade e
superioridade intelectuais.
Ademais, na atualidade, a atividade interpretativa
do analista vai muito além da mera revelação de fantasias inconscientes da
criança, com as suas respectivas conseqüências.

Assim, uma significativa importância é conferida aos significados que a


criança conferiu ao discurso dos pais, de como ela captou os desejos
conscientes e/ou inconscientes deles, e quais são os papéis que ela está
cumprindo (ou não) para atender (ou contrariar) as expectativas que os pais
depositam nela, além, é claro, de analisar as identificações que estão se
formando com os pais, notadamente aquelas que estão adquirindo uma
natureza patogênica.

Existe uma força natural na criança que a leva a brincar e a jogar, além de
uma força natural que a leva a criar um vínculo emocional com outra
pessoa.

Neste último caso, a criança visa, acima de tudo, à busca de um continente


adequado, no qual ela possa ter a liberdade de colocar suas necessidades,
desejos, demandas, angústias, amor e ódio, dúvidas e fantasias

Assim, hoje não se pode entender que o analista simplesmente “interprete”


os conteúdos de forma automática, sem que, simultaneamente, alie sua
interpretação a uma forma adequada
à sensibilidade da criança, estimule-a a participar da construção da
interpretação, por meio de alguns recursos que despertem funções
do ego da criança, ainda em formação, como, por exemplo, o emprego de
perguntas que estimulem a indagação e a reflexão.

Da mesma forma, o terapeuta deve ter bem clara para si qual a finalidade
que ele visa quando interpreta determinado aspecto, assim como qual o
destino que a interpretação tomou na
mente da criança, além dos resultados práticos da mesma. O analista
infantil deve ter uma sensibilidade para perceber quando ele deve evitar
fazer a interpretação, tendo em vista que
a própria criança está evidenciando sinais de que está entendendo e quer ter
a conquista de atingir o insight

As crianças, inclusive quando são muito pequenas, podem expressar-se por


meio do jogo simbólico. Porém, quando as relações internas dos objetos
são por demais complicadas, com predominância do ódio, a relação
analítica pode tornar-se violenta.

Nesse caso, as crianças gritam, tapam os ouvidos, atiram-se no chão e


lançam objetos no analista, provocando neste uma dificuldade em manter
uma “atenção flutuante” ou uma capacidade parapensar.

Com freqüência, não é somente a atuação física que perturba a eficácia do


terapeuta, mas também, conta bastante, a habilidade da criança para levar o
analista a praticar contraatuações, e sair de seu papel e lugar. Nessas
condições, não adianta o analista querer formular as interpretações
clássicas, o que só vai aumentar a agressividade dessa criança irada

Assim, nesses casos, mais eficaz do que interpretar verbalmente, o analista


deve possuir alguns atributos essenciais, que relevam a sua capacidade de
continência, paciência, firmeza, sobrevivência aos ataques e um
sentimento, autêntico, que, apesar de tudo, ele consegue transmitir ao seu
pequeno paciente que gosta, compreende e acredita nele!

Merece uma atenção especial, pela frequência crescente da demanda


clínica, particularizar alguns aspectos do tratamento analítico com crianças
muito regredidas, como psicóticas, borderlines e alguma forma e gra de
autismo psicógeno.

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