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UNIVERSIDADE PÚNGUÈ

Faculdade de Letras, Ciências Sociais e Humanidades

Formas de tratamento entre os falantes


Curso de Licenciatura em Ensino de Português
2º Ano – Pós-Laboral

Amarildo Roberto Luís António


Ana Jacob Nefital
Joaquina Adelino Duarte
Johane Luís Manuel
Margarida Cristóvão De Souza Chicuamba
Marnela José Fifitine

Tete
Abril, 2023
Amarildo Roberto Luís António
Ana Jacob Nefital
Joaquina Adelino Duarte
Johane Luís Manuel
Margarida Cristóvão De Souza Chicuamba
Marnela José Fifitine

Formas de tratamento entre os falantes

Trabalho em grupo apresentado à Faculdade de


Letras, Ciências Sociais e Humanidades da
Universidade Púnguè na cadeira de
Sociolinguística como requisito para fins
avaliativos.

Supervisor: PhD. Rufino Alfredo

Tete
Abril, 2023
Índice
1. Introdução..........................................................................................................................3

1.1. Objectivos ..................................................................................................................3

1.1.1. Geral ...................................................................................................................3


1.1.2. Específicos: .........................................................................................................3
2. As Formas de Tratamento em Português ..........................................................................4

2.1. Variações e pronomes usados nas formas de tratamento ...........................................5

2.2. Classificações .............................................................................................................6

2.3. Língua e poder – Relação ..........................................................................................7

2.4. Actos ilocutórios expressivos do Português ..............................................................8

2.4.1. Pedir desculpa .....................................................................................................8


2.4.2. Agradecer............................................................................................................8
2.4.3. Congratular (-se) .................................................................................................9
2.4.4. Condoer-se ........................................................................................................10
2.4.5. Deplorar, censurar, criticar ...............................................................................10
2.4.6. Lamentar-se ......................................................................................................11
2.4.7. Dar as boas-vindas ............................................................................................11
2.4.8. Perdoar ..............................................................................................................12
2.4.9. Vangloriar-se ....................................................................................................12
2.4.10. Saudar ...............................................................................................................13
3. Conclusão ........................................................................................................................14

4. Referência bibliográfica ..................................................................................................15


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1. Introdução

A importância e a necessidade da competência comunicativa e pragmática no ensino-


aprendizagem de língua portuguesa é amplamente reconhecida. Para desenvolver tais
competências, as quais estão intimamente relacionadas com as questões socioculturais e
sociolinguísticas, é absolutamente necessário reflectir sobre aspetos socioculturais e
pragmáticos, deles fazendo parte as formas de tratamento.

Essas mesmas formas de tratamento alicerçam as relações sociais, incluindo o respeito mútuo
e implícito entre os intervenientes numa dada interação comunicativa, que pretendem
preservar as imagens dos interlocutores, as suas próprias e as dos outros. Este fenómeno de
autorregularão, fundador de equilíbrio social, favorece a criação ou manutenção de ambientes
comunicativos cooperativos, o que constitui o primeiro passo de uma comunicação bem-
sucedida.

Pela sua reconhecida relevância, defendemos que é necessário dedicar mais atenção às
potencialidades pedagógico-didáticas das formas de tratamento, inserida numa perspetiva
comunicativa que considere os aspetos pragmáticos, de acordo com o preconizado pelo
Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Desse modo, este estudo pretende
contribuir para a reafirmação da importância do ensino da componente pragmática da
competência de comunicação e as formas de tratamento, em particular, no processo de
educação.

1.1. Objectivos
1.1.1. Geral
➢ Analisar as formas de tratamento entre os falantes.

1.1.2. Específicos:
➢ Descrever as variações das formas de tratamento e os seus respectivos pronomes;
➢ Estabelecer a relação existente entre a língua e o poder nas formas de tratamento;
➢ Descrever os actos ilocutórios expressivos do Português.
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2. As Formas de Tratamento em Português


O sistema das formas de tratamento em português é um dos temas mais abordados, no ponto
de vista morfossintático, ou semântico-pragmático ou sociolinguístico, por estudiosos
nacionais e estrangeiros.

Ao ensinar os estudantes estrangeiros a língua portuguesa, as formas de tratamento são


referidas como um item muito complexo, e por isso merece uma particular atenção. Duarte
sublinha:

As formas de tratamento são, em português, um item de reconhecida


dificuldade, não só no que concerne à sua tradução para outras línguas, mas
também no que diz respeito ao ensino da língua, quer enquanto língua
estrangeira quer enquanto língua materna. (Duarte, 2010).

Carreira refere que a maioria dos estudos sobre esta problemática foram feitos por linguistas
cuja língua materna não é o português.

As formas do tratamento, os marcadores de discurso e a linguagem de delicadeza em geral


constituem uma âncora fundamental para o estudo dos meios de comunicação de linguagem
e das funções do discurso, dos movimentos de contacto, de aproximação e de distância; eles
são os reguladores da relação interpessoal. Isto também pode ser dito para outras línguas, mas
o português europeu oferece um campo particularmente rico de estudos nesta área.

O locutor tem de ter em conta quando se dirige ao elocutório o conjunto dos papéis
sociocomunicativos, como as diferenças sociais, de idade, a proximidade ou a distância da
relação, a formalidade ou informalidade da situação discursiva. Através das formas de
tratamento valoriza-se positiva ou negativamente o elocutório, sendo que elas regulam as
relações intersubjectivas e permitem perceber a subjectividade enunciativa.

As formas de tratamento podem ser corteses e descorteses, mesmo que a maioria dos estudos
não analise os últimos. As formas de tratamento corteses são meios linguísticos de que os
interlocutores estabelecem uma plataforma de relacionamento interpessoal que assegura o
bom andamento duma interação verbal, são todos aqueles que se inscrevem e contribuem para
que os interlocutores estabeleçam e desenvolvam relações interpessoais de harmonia e
equilíbrio ao longo de uma interação verbal e na construção dessa mesma interação verbal.
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São relacionemas, podem ser proxémicos ou taxémicos – por isso os tratamentos portugueses
podem ser categorizados como tratamentos corteses e descorteses. A primeira função dos
tratamentos corteses é de natureza relacional. Através deles os interactantes estabelecem
contactos, atribuem, reconhecem ou negociam lugares no respeito mútuo pelas faces positivas
e ou negativas de cada um, conforme os contextos em que se encontram.

As formas de tratamento descorteses são diferentes neste aspecto, sendo que uma vez dado o
primeiro passo para o campo de descortesia, a interação verbal poderá terminar imediatamente
ou ser tensa e curta.

Tudo depende da competência de cortesia ou a descortesia, que cada interactante possui e da


sua performance em relação a si próprio e aos outros. A utilização das formas de tratamento
constitui um dos processos mais eficazes por um lado, como via de convencimento, e por
outro, como meio de agressão verbal, com os mesmos objectivos retóricos ou não.

2.1. Variações e pronomes usados nas formas de tratamento


As categorias das formas de tratamentos podem ser classificadas através dos critérios
morfossintáticos ou dos semânticos-pragmáticos. Existem subclasses e híper-classes.

Segundo Rodríguez (2003), podem ser:

Em termos de morfossintaxe: pronominais ou pronominalizados ou nominais ou verbais.

Em termos de sintaxe: sujeito ou vocativo ou objecto.

Ao nível da referência enunciativa: alocutivos (o locutor refere-se e situa-se a si próprio),


de locutivos (terceiros presentes), elocutivos (terceiros ausentes).

Ao nível de semântica lexical (classes nominais): nome próprio (António), nome parentesco
(pai), nome de afecto (querido), nome de profissão (professor), título académico (doutor),
político (ministro), civil (presidente), militar (coronel), religioso (padre).

Os tratamentos podem vir acompanhados ou não de determinantes (definidos e/ou


possessivos), e de adjectivos. O determinante utilizado poderá aumentar ou reduzir a
expressão de cortesia das formas de tratamento usada.

A nível semântico-pragmático também são classificadas como intimidade, familiaridade,


solidariedade, proximidade, afectividade, informalidade por um lado, e de distância,
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hierarquia, formalidade, respeito, poder no outro. Ao mesmo tempo determinadas formas de


tratamento são classificadas como sendo de cortesia ou de deferência (consideração).

As formas de tratamento expressam diferentes níveis de cortesia. Há formas de tratamentos


portugueses actuais que, por um lado expressam reduzida cortesia ou o seu grau zero, e de
mais elevada cortesia por outro, e são realizadas por tratamentos pronominais.

O actual sistema de tratamentos em Português Europeu tem três paradigmas, voseado (vós),
tuteamento (tu), voceamento (você). Mas não quer dizer que se utilize sempre as formas
pronominais (tu, vós e você). Mesmo não as utilizando, através no discurso podemos vê-las.
Ao contrário do que geralmente acontece nas outras línguas, onde só há tuteamento e
voceamento segundo Brown & Gilman (1960). Os autores analisaram os tratamentos em
várias línguas europeias e confrontaram a “semântica do poder” à “semântica da
solidariedade”, uma oposição binária, que situa os tratamentos de tutoamento ou de
voceamento.

As formas de tratamento desempenham três funções pragmáticas essenciais em relação ao


acto de linguagem que acompanham, à mecânica de conversação e ao nível das relações
interpessoais.

O tratamento é uma exigência dos actos de chamamento, sendo utilizado também nos actos
de cumprimento e de agradecimento e facultativo nos actos de pedido. As formas de
tratamento têm um papel vital em todos os níveis de comunicação humana e nas suas
diferentes práticas discursivas - textuais, em todas as sociedades mais ou menos organizadas,
de que constituem um dos reflexos e marcas mais evidentes.

2.2. Classificações
Do ponto de vista morfossintático, segundo Cintra (1972), o SFT do PE divide-se em três
categorias: (i) o tratamento pronominal (“tu”, “você”, “vocês”, “Vossa Excelência”, “Vossa
Alteza”, “Vossa Majestade”, “Vossa Senhoria”); (ii) o tratamento nominal (“o senhor”, “a
senhora”, “o doutor”, “a dona”, “a doutora”, “o senhor ministro”, “o professor”, “o pai”, “a
mãe”, “o avô”, “o Carlos”, “a Joana”, “a minha amiga”, “o patrão”, “a menina”, etc.); e (iii) o
tratamento verbal (em português, o uso da 3.ª ou da 2.ª pessoa do verbo no singular, como em
(1b.) e (1c.), sem sujeito expresso). O tratamento nominal é sempre acompanhado pela 3.ª
pessoa verbal e distingue-se dos outros dois tipos por fazer sempre referência a algo
relacionado com a pessoa a quem nos dirigimos. Esses traços individuais podem ser: o
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sexo/género: “o senhor”/“a senhora”; a profissão ou a categoria social: “o senhor doutor”/“o


senhor ministro”; o parentesco: “o pai”/“a mãe”; o nome próprio: “o Joaquim”/“a Maria”; o
nome de relação especial: “a menina”/“a minha amiga”. Hammermüller (1993 e 2004)
classifica as formas de tratamento em nominais, pronominais e verbais, como Cintra (1972),
mas propõe também a integração no sistema de uma nova categoria, designada por tratamento
de evitação, que corresponde ao emprego da 3.ª pessoa (“Ø Deseja açúcar?”), uma forma
alternativa utilizada para evitar a escolha de formas pronominais ou nominais que se referem
aos estatutos sociais dos interlocutores.

A perspectiva semântico-pragmática permite observar como o SFT se relaciona com a


hierarquização da sociedade portuguesa. Neste plano, Cintra (1972) distingue formas de
tratamento como: “você”, adequada para relações interpessoais que se caracterizam como
sendo de igual para igual, ou de superior para inferior, e que não implicam intimidade; “tu”,
enquanto forma própria de intimidade; ou ainda as formas de cortesia que implicam uma
distância entre os interlocutores “o senhor”, “o senhor doutor”, “o Joaquim”, “a Maria”, “a
senhora Maria”, “a dona Maria”, “a senhora dona Maria”, “Vossa Excelência”, etc.

2.3. Língua e poder – Relação


No estudo apresentado acima associamos as formas de tratamento às relações simétricas e
assimétricas entre os interlocutores, relacionando-as aos eixos de solidariedade e poder.
Weinberg (1999. p.14.18) acrescenta que o estudo das formas de tratamento se torna inviável
quando não se vincula também as formas nominais. A autora complementa que há diferença
entre as formas nominais e as pronominais de tratamento, a primeira é mais fechada, formada
por vários subtipos de elementos. Assim há as que se referem ao parentesco, à profissões, à
relações de Amizade, etc.

No processo de comunicação e de interação verbal existem factores reconhecidos na literatura


como factores de interação (o estatuto social dos interlocutores, a situação de comunicação, a
idade, a etnia e o sexo pelos participantes e o tipo de relação entre eles existentes), que regulam
(a interação) e se distribuem por situações concretas de interação.

A relação social existente entre os sujeitos do discurso governa a se1ecção do pronome de


tratamento adequado. Percebemos que os falantes monolingues de Português seleccionam o
pronome “tu” para o tratamento como o irmão mais novo e outros seleccionam o mesmo
pronome para o caso em que o interlocutor é o seu colega. Os alocutários se enquadram na
classificação definida para o emprego do pronome TU no Português europeu (padrão) uma
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vez que estabelecem com o locutor relações sociais de amizade e parentesco. Como
documentam estudos realizados por Brown e Levinston (1979) nas línguas Francesa, Inglesa
e Alemão os factores de poder e solidariedade determinam a ‘selecção do pronome;
‘solidariedade” constitui um valor semântico atribuído ao pronome “Tu” pelo seu emprego e
interação verbal entre falantes que estabelecem relações de amizade ou intimidade.

2.4. Actos ilocutórios expressivos do Português


2.4.1. Pedir desculpa
Este acto consiste na expressão de arrependimento por um comportamento negativo, da
responsabilidade do falante. As condições preparatórias deste acto são o facto de as
consequências dessa acção serem negativas para o interlocutor.

Variando em grau e em registo, há várias formas de exprimir este acto: desculpa lá, desculpa-
me, peço imensa desculpa, queira desculpar-me, as mais sinceras desculpas, perdão, estou
profundamente arrependido…

A função social deste acto poderá acalmar alguém que afrontámos, evitar acusações ou
represálias, ficar ilibado de uma culpa. Mostrar arrependimento e pedir desculpas é um gesto
que implica admitir responsabilidades; pode ser uma experiência dolorosa e por isso é usado
como castigo na educação das crianças. Este costume social é absolutamente essencial na
socialização e fundamental na prevenção de hostilidades, quer a nível oficial, quer particular.
Pedir desculpa é um dever social, provando que é possível minimizar o que se faz mal. Para
isso, o indivíduo só tem de conhecer as regras do jogo da comunicação. Assim, este acto
expressivo em particular torna-se paradigmático do fenómeno de cortesia. Embora um acto
não seja inerentemente polido, é construído dessa forma por necessidade do contexto em que
se inscreve.

2.4.2. Agradecer
Trata-se de um acto que consiste na expressão de um estado psicológico de gratidão por
alguma acção realizada pelo interlocutor, no sentido de beneficiar o falante. Então o agente é
o interlocutor; o valor é positivo; o falante é o paciente. Variando em grau e em registo,
encontramos expressões como: Obrigado/a; Muito obrigado/a; Muitíssimo obrigado/a; Estou
profundamente agradecido/a; Nem sei como agradecer. No registo escrito, podemos usar:
Com os mais sinceros agradecimentos; Profundamente grato/a; ou ainda: Antecipadamente
grato/a… Num modo mais indirecto, é frequente: … não o teria conseguido sem a tua ajuda.
E num registo mais coloquial: Bem haja; Deus lhe pague, ou Obrigadinho/a. Muitas destas
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fórmulas, no registo oral, obtêm como resposta: De nada, ou Não tem de quê!, Não há de quê!,
Ora essa! A função social deste acto é o reconhecimento, pelo falante, do benefício de uma
acção realizada por uma outra pessoa.

Porém, não podemos deixar de ter em consideração que o uso das fórmulas em apreço pode
realizar indirectamente outros actos: um cumprimento, uma lisonja ou adulação com vista a
futuros favores. Será, sem dúvida, esta a função do agradecimento antecipado, pois gera-se
um compromisso entre os dois intervenientes, fazendo com que o destinatário se sinta
obrigado a corresponder ao que se lhe pede. Trata-se de um acto defectivo, já que a factividade
do conteúdo proposicional não pode ser pressuposta. Um exemplo como o que se segue ilustra
um pedido indirecto que é realizado através de um agradecimento: Agradecia que abrissem o
livro na página 82.

Trata-se de um acto directivo indirecto que tem como função social minimizar a imposição,
procurando obter a cooperação do interlocutor. Funciona como um agradecimento antecipado
que obriga o interlocutor a fazer algo, tornando-se um pedido irrecusável.

O acto de agradecimento é também realizado de forma irónica e até mordaz, quando o falante
tem motivos para deplorar o comportamento do destinatário: ao agradecer ironicamente, o
falante procura fazê-lo sentir-se incomodado, ou até humilhado, com o agradecimento.

2.4.3. Congratular (-se)


O acto de congratulação consiste na expressão de satisfação pelo desfecho de uma situação e
realiza-se através da felicitação do outro. Como condição preparatória, o resultado terá de ser
positivo para o interlocutor, que é, pelo menos parcialmente, responsável por ele. Assim, o
destinatário é simultaneamente paciente e agente. O falante é o observador que reage ao feito
a que assistiu, realizado pelo seu interlocutor.

Como expressões que realizem este acto, temos: Parabéns!; Muitos parabéns!; Sim, senhor,
saíste-te muito bem; Estou sem palavras; Viva!; Que orgulhoso/a estou de ti; Bravo!; Estou
muito contente por ti; Óptimo trabalho!; Aprecio (a tua sinceridade); Tens todo o meu apoio!;
Podes contar comigo!

Nestes exemplos, a condição factiva assenta em alguma acção ou desempenho do interlocutor


e é ele o paciente, o destinatário do elogio.
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Socialmente, este acto pode envolver orgulho e prazer (por exemplo, o professor que felicita
o seu aluno pela classificação obtida num exame), consistindo em rejubilar-se, regozijar-se
com o bem de outrem. Também pode ter a função de encorajar o destinatário a esforçar-se
mais, funcionando como estímulo positivo, ou como reforço da imagem do destinatário e,
consequentemente, das relações entre os falantes.

2.4.4. Condoer-se
Este acto é muito semelhante ao anterior, pois permite a partilha da experiência do
destinatário, mas com um valor negativo. Pode abranger um leque variado de situações
relacionadas pela expressão de dor e pesar, desde a criança que se aleija e que queremos
consolar até alguém que perdeu um ente querido e a quem queremos dar as condolências.

O falante é o observador que reage a algo a que assistiu; o paciente é o destinatário. O agente
pode não estar identificado, não existir, pode inclusivamente ser irrelevante: eu solidarizo-me
com alguém que foi vítima de um roubo, sendo absolutamente irrelevante quem roubou. Para
além da função social da partilha, também há a de tentar abrandar a dor do destinatário, pois
a tristeza precisa de companhia.

As fórmulas mais comuns na realização deste acto são: estamos solidários, temos pena, ou
lamentamos que tal lhe tivesse acontecido. Para expressar condolências ou pêsames, é de uso
corrente a expressão: Os meus sentimentos. A expressão inglesa sorry e a expressão
portuguesa lamento servem para veicular desculpas e condolências, ambos actos expressivos
em que o destinatário é visto como tendo sofrido uma adversidade.

2.4.5. Deplorar, censurar, criticar


Para verdadeiros actos desta natureza, o destinatário tem de ser o agente, o que exclui muitos
actos de criticar, porque podemos criticar alguém por ser alto, não ter sentido musical ou estar
apaixonado, tudo estados pelos quais o destinatário não pode ser considerado responsável
(agente). O valor é negativo, o papel de paciente pode ser desempenhado pelo falante ou por
outra pessoa. Neste último caso, o falante desempenha o papel de observador. Norrick propõe-
nos dois esquemas de análise alternativos:

Agente=destinatário valor=negativo paciente=falante

Agente=destinatário valor=negativo observador=falante


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No primeiro caso, o falante sente-se pessoalmente afectado; no segundo, não há paciente, pois
este papel não é preenchido por qualquer interveniente no acto, embora possa ser uma terceira
personagem. Se não há paciente, o falante, como observador, deve sentir-se afectado pelo
estado de coisas, ou deve ver que foi afectado de alguma maneira: um pai pode censurar o
filho por um acto que só afecta o filho, porque se preocupa com a segurança dele. Uma pessoa
pode censurar alguém que transgrediu uma lei moral ou civil porque afronta toda a sociedade
em geral. E são as crenças e valores do falante que o levam a realizar um acto em que expressa
a sua maior ou menor indignação. Verbos mais neutrais de reacção a injúria pessoal são
repreender, desagradar, reprovar, desaprovar e condenar, numa ordem de crescente ofensa.

2.4.6. Lamentar-se
Norrick distingue este acto do de condoer-se, pois embora ambos expressem tristeza e pena,
condoer-se é dirigido à desventura dos outros e lamentar-se refere-se à desventura do próprio.
Aqui, o papel de paciente é desempenhado pelo próprio falante. Mas ele também pode ser o
agente, e, nesse caso, a emoção expressa é talvez mais correctamente designada de
arrependimento, e não apenas lamento. Contudo, há exemplos em que o agente não está
expresso. Em qualquer dos casos, lamentar-se é parcialmente defectivo enquanto acto
ilocutório expressivo, porque é um acto que não precisa de ser dirigido a ninguém. Não há
obrigatoriamente um destinatário distinto do próprio falante. O valor é sempre negativo.

Nos casos em que o locutor se desvaloriza, há uma regra de cortesia social que nos obriga a
desmenti-lo e, possivelmente até, a elogiá-lo: Só me acontecem desgraças!

– Não fales assim! És uma pessoa de sucesso, tens tudo para seres feliz!

O falante pode ainda solidarizar-se com a má sorte de um grupo, incluindo-se entre as vítimas,
lamentando, por exemplo, a injustiça social.

2.4.7. Dar as boas-vindas


O destinatário pode identificar-se com o agente, uma vez que é ele que faz o esforço para
chegar ao local de destino. O falante é o paciente, uma vez que ele sente prazer e talvez orgulho
em ter o destinatário como seu convidado. O valor é positivo.

O esquema é semelhante ao do agradecimento, porque agradecer alguma coisa a uma pessoa


ou agradecer-lhe por ter vindo são acções parcialmente equivalentes. Mas dar as boas-vindas
é um acto adequado à situação em que alguém chega a um sítio; agradecer pode ocorrer nesta
situação e em muitas outras, portanto o seu escopo é maior.
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As suas funções sociais estão restringidas ao espaço da sua ocorrência. Ao expressarmos


prazer face à chegada de alguém, tencionamos fazer com que se sinta confortável, ou que sinta
que a sua visita é considerada uma honra. Nesta segunda hipótese, pode haver uma nota de
orgulho, como quando se dá as boas-vindas a um convidado distinto. Estes actos também
indicam a prontidão do falante anfitrião em responder aos desejos dos seus convidados.

2.4.8. Perdoar
Se uma pessoa falta ao encontro combinado, podemos perdoar-lhe ou criticá-la acerbamente
pela sua falta de pontualidade. A opção por um destes actos em detrimento de outro é
determinada por uma série de factores contextuais, mas muitas vezes eles só diferem nas
emoções que expressam e nas funções sociais.

Usos explícitos de perdoar são raros, embora seja frequente o uso do verbo no infinitivo para
descrever acções governamentais ou institucionais.

No dia-a-dia, o acto ilocutório de perdoar usa-se sobretudo como resposta a pedidos de


desculpas, como forma de encerrar o assunto, retirando-lhe importância, em frases como: Não
tem importância. Deixa lá isso! Esquece.

2.4.9. Vangloriar-se
Vangloriar-se equivale a gabar-se, exibir-se. É um acto defectivo enquanto acto ilocutório
expressivo, porque nunca ocorre com um performativo explícito e porque, muitas vezes,
consiste em manifestações acerca do futuro, acções tencionadas, expressando proposições que
não podem ser pressupostas como verdadeiras. Daí que Norrick opte por limitar a sua análise
a actos de vangloriar-se com referências factuais a actividades passadas: “To count as a
genuine expressive illocutionary act, an act of boasting must involve a report of an actual past
exploit and express the speaker’s pride in it.” (Norrick, 1987:290).

Tal como no caso de lamentar-se, a pessoa a quem um acto deste tipo é dirigido não precisa
de ter sido envolvida como participante na situação passada. O falante não tem só o papel de
agente, tem também o de observador.

Agente=falante valor=positivo observador=falante

A função social deste acto é, por vezes, simplesmente impressionar o outro com o relato de
conquistas pessoais, mas pode ir além disso. O falante pode tencionar inspirar a confiança e a
admiração do outro. Também pode pretender desencorajar competição ou resistência. Surge
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em enunciados como: Eu sou mesmo bom!; Ninguém consegue fazer melhor; Consegui a
melhor nota do meu curso.

2.4.10. Saudar
Embora a situação não seja a mesma, o esquema de participantes e o juízo de valor são iguais:
Agente=falante ou destinatário valor=positivo paciente=falante e resulta do encontro de duas
pessoas que, depois de contactarem visualmente, trocam cumprimentos; qualquer uma delas
pode ser o agente, mas o agente é aquele que fala primeiro. Este acto não se realiza se uma
das personagens não corresponder ao primeiro contacto, o olhar (nos é familiar a situação de
alguém que “faz de conta que não nos viu” para evitar um encontro indesejável).

A saudação está integrada em todas as culturas como componente verbal da interacção social,
que se realiza por meio de fórmulas, de estruturas consolidadas e de uso estritamente
convencional. A função social deste acto é criar laços entre as pessoas e dar início à interacção
conversacional, à comunhão fática (Haverkate 1993). É um acto adornado de
multimodalidade, na expressão gestual, facial, e nos aspectos entoacionais que apoiam a
realização linguística.

A saudação reflecte particularmente bem as relações entre os falantes através da escolha do


registo de língua e da forma de tratamento utilizada, por exemplo numa carta, como fórmula
de abertura, ou de despedida.
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3. Conclusão
Com este trabalho, pretendemos refletir sobre as formas de tratamentos entre os falantes.
Norteados por esse objectivo, percebemos que não bastará aprender o leque bastante
diversificado de formas de tratamento que a Língua Portuguesa oferece. É necessário sabê-las
utilizar de forma eficiente, uma vez que o uso inadequado deste item pode condicionar a
integração numa determinada comunidade. Efectivamente, nas formas de tratamento, e não
só, cruzam-se aspetos linguísticos e extralinguísticos: a adequação ao alocutário, o cuidado
em não ameaçar a face deste, o conhecimento das práticas rituais de cortesia da comunidade.

A forma como expressamos sentimentos e emoções, o modo como nos cumprimentamos, as


formas de tratamento usadas entre interlocutores, o tipo de léxico que escolhemos, tendo em
conta a natureza mais formal ou informal do contexto situacional, são tudo elementos que
reflectem regras socioculturais a considerar nos actos discursivos.

Efectivamente, podemos constatar uma generalização dos tratamentos menos formais, sendo
legítimo considerar que os portugueses estão actualmente mais receptivos às tendências de
simetria discursiva.
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4. Referência bibliográfica
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