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SENAC

ACLIMAÇÃO

Gustavo Barreto Vilhena de Paiva[F1]

Metodologias ativas na apredizagem de


filosofia em nível superior

São Paulo
2020
2
Gustavo Barreto Vilhena de Paiva

Metodologias ativas na apredizagem de


filosofia em nível superior

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Senac - Aclimação,
como exigência parcial para a
obtenção do grau de Especialista
em Docência no Ensino Superior.

Orientador: Prof. Ms. Marcelo


Luiz da Costa.

São Paulo
2020
Aos meus pais,
Mara Marly Gomes Barreto e
José Henrique Vilhena de Paiva,
professores, que me inspiraram no decorrer
de todo este trabalho.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao prof. Marcelo Costa, meu orientador neste
Tabalho de Conclusão do Curso de especialização em Docência no Ensino Superior do Senac
Aclimação (SP), pelo apoio, pelas correções e sugestões, bem como pelas interessantes
conversas sobre educação e história brasileiras. Dirijo agradecimentos, também, à profa.
Rosângela Martins, coordenadora da especialização, não somente por todo o apoio intelectual
e institucional durante o curso, mas também pelo convite para participar do evendo Escolas
Inovadoras: projetar PonteS para Educação no Futuro, realizado no Senac-São Bernardo, no
dia 17 de dezembro de 2019. Em sua pessoa, agradeço a todos/as os/as docentes da
especialização, cada um/a dos/as quais contribuiu enormemente para este trabalho. Estendo
agradecimentos, na pessoa da bibliotecária sra. Izete Malaquias, aos/às funcionários/as da
Biblioteca do Senac Aclimação, cuja contribuição para a presente pesquisa foi fundamental.
Não poderia deixar de citar aqui os/as colegas com que cursei a especialização. Em
uma pós-graduação como a do Senac, com foco em metodologias ativas, a interação entre
colegas é elemento central para o processo de aprendizagem. Assim, agradeço a todos/as os/as
colegas na pessoa da representante de turma, a colega Gracineide Oliveira. Aliás, é preciso
destacar sua grande dedicação ao trabalho como representante, sempre disponível para sanar
dúvidas ou dificuldades que surgissem durante o curso. Além disso, por sua formação em
pedagogia, ela pôde contribuir muito para as discussões em sala.
Gostaria de citar, ainda, dois colegas que foram particularmente importantes para a
minha formação no curso. Nicolas Passeri, a quem agradeço pelas discussões em vários
trabalhos que realizamos juntos e pela indicação para realização de estágio (como parte da
licenciatura que cursei em paralelo à especialização) no colégio em que é professor. E
Rodrigo de Paula, com quem realizei inúmeros trabalhos e discussões no decorrer da
especialização, pelo que também agradeço. Além disso, sou grato a ambos pelas várias
caronas até o metrô!
Por fim, mas não menos importante, agradeço a meus pais, Mara Marly Gomes
Barreto e José Henrique Vilhena de Paiva, professores, a quem também dedico este trabalho.
Deles veio muito da inspiração para escrevê-lo!
Si la filosofía se caracteriza por la necesidad de
someter al examen y a la crítica todas las cosas,
sorprende la poca vocación de la comunidad
filosófica universitaria por examinar sus propias
prácticas pedagógicas, el objeto que se halla más a la
mano.
OBIOLS, 2002, p. 37.
RESUMO

Esta monografia apresenta a proposta de um Plano de Trabalho Docente para a disciplina


“História da Filosofia Medieval”, componente curricular frequentemente presente nos cursos
brasileiros de filosofia em nível superior. A partir da pesquisa acerca de dificuldades nos
processos de aprendizagem geralmente apontadas, nesta área, pelos docentes da graduação em
filosofia e por instrumentos de avaliação institucional como o Enade, destacamos possíveis
meios para o aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem de filosofia em nível
superior, especialmente no que diz respeito à disciplina mencionada. Defendemos que a
solução para muitas dessas dificuldades passa pela adoção de planejamentos da aprendizagem
que possibilitem participação ativa do estudante em sua própria formação, em particular pelo
uso de metodologias ativas em sala e fora de sala. Mostramos, igualmente, que o foco na
atividade discente em um processo de ensino-aprendizagem de filosofia em nível superior é
exigido não apenas pelos resultados da pedagogia ou andragogia contemporâneas, mas
também pela própria concepção de filosofia atualmente defendida por muitos pensadores.
Com base em tal estudo, elaboramos e comentamos o referido Plano de Trabalho Docente,
fundado em metodologias ativas. Espera-se, com ele, oferecer uma possível resposta aos
problemas elecados no decorrer o trabalho.
Palavras-chave: 1. Filosofia. 2. Educação. 3. Andragogia. 4. Metodologias Ativas.
5. Aprendizagem.
ABSTRACT

This monograph presents a Teaching Work Plan proposal for the discipline “History of
Medieval Philosophy”, commonly found in Brazilian undergraduate Philosophy courses.
Based on a research on the learning difficulties that are generally highlighted in this field of
studies by instructors as well as institutional evaluation tools such as Enade, we suggest
possible ways to perfect the teaching and learning process in undergraduate Philosophy
courses, with special attention to the above-mentioned discipline. We hold the solution for
many of these difficulties to be in the adoption of learning plans that allow for the active
participation of students in their own development, particularly through the use of active
methodologies both within and without the classroom. We also show that the focus on student
activity in the teaching and learning process of an undergraduate Philosophy course is
required not only by contemporary Pedagogy or Andragogy, but also by some conceptions of
Philosophy that have been put forward nowadays by many thinkers. With this conclusion in
hand, we devise and comment the Teaching Work Plan already mentioned, which is founded
upon active methodologies. We hope that, with this plan, we will be able to offer a possible
answer to the problems that were underlined throughout this work.
Keywords: 1. Philosophy. 2. Education. 3. Andragogy. 4. Active Methodologies. 5. Learning.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................11
1.1. Tema e
problema.........................................................................................................11
1.2. Objetivos.....................................................................................................................13
1.2.1. Objetivo
geral....................................................................................................13
1.2.2. Objetivos
específicos.........................................................................................13
1.3. Metodologia................................................................................................................14
1.4. Justificativa.................................................................................................................14
2. PESQUISA DE
CONTEÚDO............................................................................................16
2.1. Dificuldades associadas à aprendizagem de
filosofia..................................................16
2.2. Aprendizagem ativa, andragogia e
filosofia.................................................................36
2.3. Competências e conteúdos no ensino-aprendizagem de
filosofia................................54
3. PROPOSTA DE PLANO DE TRABALHO DOCENTE PARA O COMPONENTE
CURRICULAR “HISTÓRIA DA FILOSOFIA
MEDIEVAL”.........................................67
3.1. Nota inicial..................................................................................................................67
3.2. Plano de Trabalho Docente do componente “História da Filosofia
Medieval”............71
3.3. Comentários ao Plano de Trabalho
Docente................................................................78
3.3.1. Ementa..............................................................................................................78
3.3.2. Objetivos...........................................................................................................79
3.3.3. Conteúdo programático.....................................................................................81
11

3.3.4. Estratégias didáticas e


bibliografia....................................................................82
3.3.5. Avaliação..........................................................................................................85
4. CONCLUSÃO...................................................................................................................87
5. REFERÊNCIAS.................................................................................................................89
12

1. INTRODUÇÃO

1.1. Tema e problema

O presente trabalho é resultado de uma reflexão crítica sobre minha experiência de


uma década como estudante, monitor (de observação e regência) e, finalmente, docente em
disciplinas de filosofia – em especial, no componente curricular “História da Filosofia
Medieval”. No decorrer desses anos, realizei bacharelado, doutorado e pós-doutorado em
filosofia, com ênfase na área História da Filosofia Medieval, no Depto. de Filosofia da
Universidade de São Paulo. Após esse longo período dedicado quase que exclusivamente à
pesquisa em história da filosofia, pareceu-me ser necessário atentar à própria prática docente,
isto é, buscar melhor compreender o processo de ensino-aprendizagem de filosofia.
Essa necessidade teve sua origem em um descontentamento. Em primeiro lugar, com
os resultados de minha atividade docente, uma vez que, quanto mais responsabilidade docente
adquiria, mais percebia que a aprendizagem por parte dos estudantes nas turmas em que
atuava permanecia aquém do que eu pretendia. Mas, também, em segundo lugar,
descontentamento com o fato de, em conversas sobre essa dificuldade com pares ou
profissionais mais experientes da área, sempre obter como resposta, retomando as palavras de
François Galichet (1997, p. 44), quando denuncia a mesma situação, que “a responsabilidade”
por esse fracasso se deveria “seja à insuficiência do nível intelectual e cultural dos alunos,
seja a uma ‘recusa de filosofar’, que constituiria uma escolha inicial e absoluta contra a qual o
professor de filosofia nada poderia”1. Em outras palavras, como professores, estaríamos de
mãos atadas. Assim, o ensino da filosofia seria, com respeito a maior parte dos estudantes,
fadado ao fracasso por razões completamente alheias a nós: de um lado, devido à formação
deficitária adquirida na Educação Básica; de outro, devido a mecanismos psicológicos ou
psicanalíticos inatingíveis pelos professores. Enfim, restaria ao professor somente ter ciência
de seus limites e se resguardar contra expectativas excessivas.
Pois bem, meu interesse pelo estudo do processo de ensino-aprendizagem da filosofia
surgiu justamente como uma tentativa de resposta a esse discurso resignado. De certo modo,
sinto que esse meu percurso é muito bem descrito por Yveline Fumat (1997, p. 70):

O professor de filosofia não sente necessidade das ciências da educação


enquanto ele se percebe como um professor à parte, que não é como os

1
“Dans l’un et l’autre cas, la conséquence en est que, en cas d’échec ou de difficulté dans l’enseignement
philosophique, la responsabilité peut toujours être imputée, soit à l’insuffisance du niveau intellectuel et culturel
des élèves, soit à un ‘refus de philosopher’ qui constituerait un choix initial et absolu contre lequel le professeur
de philosophie ne pourrait rien”. Note-se que o autor citado critica a posição descrita.
13

outros; e experimenta bastantes satisfações. Isso é certamente possível, se ele


encontra diante de si alunos cheios de interesse pela filosofia e ‘naturalmente’
aptos a ler os textos filosóficos. Ele somente coloca questões sobre as
condições de seu ensino quando as condições parecem fazer obstáculo à
relação professor-aluno que ele desejaria (grifo no orig.)2.

Sem dúvida, ler uma descrição - de dificuldades semelhantes às que tive em minhas
atividades docentes - escrita por uma autora em outro continente e há mais de duas décadas
faz com que me sinta menos sozinho em minhas preocupações. Mais do que isso, faz que com
me pareça haver aqui um problema realmente digno de elaboração e pesquisa, a saber: como
planejar e executar um Plano de Trabalho Docente para uma disciplina de filosofia (em
particular, da área História da Filosofia Medieval) em nível superior que seja, de fato,
efetivo – isto é, cujos resultados comprovadamente representem o cumprimento de objetivos
educacionais previamente estabelecidos3?
Como mostrarei adiante (item 2.1), a ineficiência do ensino de filosofia em nível
superior está possivelmente atrelada a diversas causas, algumas das quais são mais facilmente
solucionáveis pelos professores do que outras. [F2]Em todo caso, cabe a estes propor um plano
de ensino-aprendizagem que tenha em consideração essas diversas dificuldades, em lugar de
ignorá-las. Minha hipótese é que muitas das causas do fracasso no ensino de filosofia
poderiam ser superadas por uma mudança na própria concepção do que seria uma ‘aula de
filosofia’. Ainda medra um modelo de aula de filosofia no qual o professor age – lê, interpreta
um texto, ‘filosofa’ –, enquanto o aluno passivamente observa, sob a expectativa não muito
clara ou declarada de que em certo momento conseguirá agir como o professor. É comum,
portanto, ainda aquilo que Galichet (1997, p. 44) descreve como um modelo “mimético
(‘pensar perante os alunos pra fazê-los pensar’)” 4 de aula de filosofia. Espero mostrar no

2
“Le professeur de philosophie n’a pas besoin des Sciences de l’éducation aussi longtemps qu’il se perçoit
comme un professeur à part, pas tout à fait comme les autres,... et qu’il en éprouve beaucoup de satisfactions. Ce
qui est tout à fait possible, s’il trouve devant lui des élèves pleins d’intérêt pour la philosophie et ‘naturellement’
aptes à lire des textes philosophiques. Il ne pose des questions sur les conditions de son enseignement que
lorsque ces conditions semblent faire obstacle au rapport Maître-Disciple dont il rêvait”. Ressalte-se que,
embora se refira aqui às ‘ciências da educação’, a própria Fumat (1997, p. 64-65) problematiza o estatuto
científico desse ramo de saberes.
3
Nas palavras de Robert Mager (1975, p. 1), a “instrução é bem-sucedida ou efetiva na medida em que realiza
aquilo que se propõe a realizar [Instruction is successful, or effective, to the degree that it accomplishes what it
sets out to accomplish]”. O desafio está, precisamente, em planejar e executar um processo de ensino-
aprendizagem que realize seus objetivos iniciais. Fazê-lo implica considerar os diversos elementos envolvidos
nesse processo. Como dizem Ferraz e Belhot (2010, p. 422), a “definição clara e estruturada dos objetivos
instrucionais, considerando a aquisição de conhecimento e competências adequados ao perfil profissional a ser
formado direcionará o processo de ensino para a escolha adequada de estratégias, método, delimitação do
conteúdo específico, instrumentos de avaliação e, consequentemente, para uma aprendizagem efetiva e
duradoura”. Sobre os objetivos educacionais, cf. adiante a nota 122 e o item 3.3.2.
4
“Démarche qui ne peut donc être que d’essence mimétique (‘penser devant les élèves pour les faire penser’)”.
14

presente trabalho que a esse modelo muitos autores já opõem outro modelo de aula, a saber:
aquele no qual o estudante age – lê, interpreta um texto filosófico, escreve –, enquanto o
professor de filosofia fornece subsídios para tais atividades.
Ou seja, minha hipótese de resposta à pergunta há pouco formulada é que o Plano de
Trabalho Docente, de fato, efetivo para o ensino-aprendizagem de filosofia em nível superior
seria aquele que privilegia a atividade filosófica dos estudantes em aula, sendo tal atividade
subsidiada pelo professor de filosofia. No decorrer do presente trabalho, pretendo ilustrar
como planejar e executar um tal plano de ensino-aprendizagem para a disciplina História da
Filosofia Medieval (cap. 3). Uma vez que esse plano tomará por base a hipótese de que o
processo de ensino-aprendizagem da filosofia em nível superior deve ser centrado na
atividade do estudante em aula, será preciso antes argumentar em favor de tal hipótese (itens
2.2 e 2.3) e apresentar o diagnóstico que levou a esta última (item 2.1). Dito isso, podemos
apresentar, a seguir, os objetivos que animam o presente trabalho.

1.2. Objetivos

1.2.1. Objetivo geral

Elaborar uma proposta de Plano de Trabalho Docente (PTD) que fomente a


aprendizagem de filosofia em nível superior (particularmente, do componente curricular
“História da Filosofia Medieval”) por meio da ação dos estudantes.

1.2.2. Objetivos específicos

Realizar o objetivo geral formulado acima passará pela implementação dos objetivos
listados a seguir:

 Discutir o ensino-aprendizagem da filosofia no contexto dos estudos sobre


aprendizagem – e, em especial, sobre aprendizagem de adultos;
 Compreender o papel do componente curricular “História da Filosofia Medieval” no
contexto dos cursos de filosofia em nível superior;
 Selecionar estratégias didáticas e instrumentos de avaliação que componham um Plano
de Trabalho Docente para o componente curricular “História da Filosofia Medieval”
de um curso de filosofia em nível superior, os quais possibilitem um processo de
ensino-aprendizagem centrado na ação do estudante.
15

1.3. Metodologia

As metodologias utilizadas para consecução dos objetivos acima listados são,


basicamente, aquelas denominadas por Antonio Carlos Gil (2002, p. 44-7) como ‘pesquisa
bibliográfica’ e como ‘pesquisa documental’. No que diz respeito à pesquisa bibliográfica,
são utilizados aqui principalmente livros, capítulos de livros e artigos de periódicos que
podem ser distinguidos, tematicamente, nos dois casos a seguir:

a. material bibliográfico [i] sobre o ensino de filosofia, [ii] sobre filosofia e sua
relação com a aprendizagem de adultos, bem como [iii] sobre a pertinência,
para a filosofia contemporânea, do estudo e pesquisa sobre a história da
filosofia medieval; em especial com relação ao material [i] sobre ensino de
filosofia, é importante destacar que, dada a escassez de bibliografia sobre o
ensino de filosofia em nível superior, faremos uso, também, de estudos
relativos ao ensino de filosofia na Educação Básica, sempre buscando
considerar os diferentes contextos do ensino de filosofia em cada caso;
b. material bibliográfico sobre educação e estratégias didáticas – em particular,
no que diz respeito à educação de adultos e metodologias ativas.

Já no que tange à pesquisa documental, fazemos referência a documentos governamentais


relativos ao ensino da filosofia em nível superior, como as Diretrizes Curriculares Nacionais
dos cursos de nível superior em filosofia (BRASIL, 2002; cf. tb. BRASIL 2001a, 2001b) e a
descrição da profissão ‘filósofo’ na Classificação Brasileira de Ocupações (BRASIL, 2010; cf.
tb. UNITED NATIONS, 2012, p. 162). É com base no estudo desta bibliografia e
documentação que proporemos o já mencionado Plano de Trabalho Docente para o
componente “História da Filosofia Medieval”.

1.4. Justificativa

Poder-se-ia esperar que, pela sua própria vocação para a problematização, a filosofia
tomasse o ensino e a aprendizagem de filosofia como um tema privilegiado de reflexão.
Infelizmente, esse não é o caso, como lamenta Guillermo Obiols, no texto que serve de
epígrafe para o presente trabalho e que reproduzo novamente, agora em tradução, abaixo:

Se a filosofia se caracteriza pela necessidade de submeter ao exame e à


crítica todas as coisas, surpreende a pouca vocação da comunidade filosófica
16

universitária para examinar suas próprias práticas pedagógicas, o objeto que


se encontra mais à mão5 (OBIOLS, 2002, p. 37)[F3]

De fato, como reconhece Fumat (1997, p. 70), as “pesquisas sobre didática da filosofia são
pouco desenvolvidas com respeito àquelas de outras disciplinas”6. E, se a bibliografia sobre
ensino-aprendizagem de filosofia na Educação Básica é pequena quando comparada a outras
áreas, ela é ainda mais exígua no que diz respeito ao ensino superior 7 , como já foi
mencionado acima. Sendo assim, acredito que o presente trabalho possa contribuir para a
reflexão sobre uma área ainda não muito explorada da discussão acerca da aprendizagem de
filosofia.
Entretanto, para além de uma vocação crítica da filosofia, há razões que tornam
urgente uma reflexão acerca do processo de ensino-aprendizagem de filosofia em nível
superior, particularmente tal como ele ocorre no contexto brasileiro. A meu ver, precisamente
pela falta de uma melhor compreensão sobre o planejamento da aprendizagem de filosofia em
nível superior muitas das competências que se esperaria encontrar em egressos de tal curso
não são verificadas, por exemplo, em exames como o Enade (cf. BRASIL, 2017c). Dessa
maneira, pareceu-me que seria útil apresentar uma proposta de planejamento de ensino-
aprendizagem de filosofia em nível superior que levasse em consideração os resultados
negativos verificados recentemente em tal curso, bem como outras dificuldades apontadas
frequentemente pelos docentes dessa área como impeditivos para uma formação efetiva dos
estudantes.
Dito isso, no que se segue, procuro mostrar como, a partir das dificuldades apontadas
por muitos docentes (e confirmadas, por exemplo, pelo Enade), é possível vislumbrar as
características daquele que seria um planejamento de aprendizagem efetivo para a área em
questão. É com base nos resultados desse estudo, apresentado no cap. 2, que poderemos, mais
adiante, propor o PTD para o componente curricular “História da Filosofia Medieval”.

5
“Si la filosofía se caracteriza por la necesidad de someter al examen y a la crítica todas las cosas, sorprende la
poca vocación de la comunidad filosófica universitaria por examinar sus propias prácticas pedagógicas, el objeto
que se halla más a la mano”.
6
“Les recherches en didactique de la philosophie sont peu développées par rapport à celles des autres
disciplines”. Com efeito, questiona-se mesmo a possibilidade de uma ‘didática da filosofia’, como se pode ver
em BOULANGER, 1997.
7
Dentre os trabalhos que lidam especificamente com o ensino-aprendizagem de filosofia em nível superior,
podemos citar: o próprio OBIOLS, 2002; FABBRINI, 2005; NOBRE; TERRA, 2007; UNESCO, 2007, p. 95-
149; os artigos coligidos em HENNING, 2010; CAHN, 2018. Vale citar, também, UNESCO, 1953, inclusive por
seu valor histórico.
17

2. PESQUISA DE CONTEÚDO

Como afirmado, pretende-se neste trabalho propor um PTD para um componente


curricular do curso de filosofia em nível superior – nomeadamente, o componente “História
da Filosofia Medieval” –, sendo esse plano centrado na promoção da aprendizagem de
filosofia a partir da atividade dos estudantes em sala e fora de sala. Sem dúvida, essa é apenas
uma dentre diversas opções para o planejamento da aprendizagem em filosofia. No entanto,
acredito que haja fortes argumentos para defender a maior eficácia do planejamento de
aprendizagem aqui proposto, quando comparado àquele no qual a centralidade da ação recai
sobre o professor. A finalidade deste capítulo é, justamente, apresentar esses argumentos em
favor da concepção de ensino-aprendizagem de filosofia aqui exposta. Assim, num primeiro
momento (item 2.1), mostraremos que muitas das dificuldades apontadas como típicas no
processo de ensino-aprendizagem de filosofia em nível superior poderiam ser mitigadas por
estratégias que privilegiem a participação ativa dos estudantes nesse processo. Em seguida
(item 2.2), veremos que essa participação ativa dos estudantes na aprendizagem de filosofia é
reclamada não apenas pela teoria contemporânea da educação – e, em especial, por diversos
trabalhos voltados para a aprendizagem de filosofia –, mas também por certas concepções de
filosofia que têm sido defendidas desde a segunda metade do século XX. Por fim (item 2.3),
notaremos como essa exigência por uma aprendizagem ativa da filosofia redunda na seleção
de certas competências e conteúdos principais a serem aprendidos nessa área em nível
superior, particularmente no que diz respeito ao componente curricular “História da Filosofia
Medieval”.

2.1. Dificuldades associadas à aprendizagem de filosofia

Recusar uma atitude resignada com respeito às dificuldades que afligem o processo de
ensino-aprendizagem de filosofia em nível superior, como proposto acima, não significa
ignorar que elas existam. O que importa, pelo contrário, é buscar dar a tais dificuldades
formulações precisas, que possibilitem a proposta de soluções. Dito isso, voltemos aos dois
problemas apontados pelos professores de filosofia segundo Galichet (1997, p. 44): [i]
‘insuficiência do nível intelectual e cultural dos alunos’ e [ii] uma ‘recusa de filosofar’ 8 .
Formulados assim, nas palavras do mesmo autor, “em um e outro caso [...] a responsabilidade”
do professor de filosofia “seria, então, retirada e remetida aos alunos, seja em razão de suas

8
Cf., acima, nota 1.
18

origens socioculturais e de seu percurso escolar anterior (‘eles não têm o nível’), seja devido a
um ato soberano de liberdade [...] (‘eles não querem’)”9 (ibid.). A meu ver, porém, ignorar
tais problemas é, para o professor, se furtar à sua responsabilidade. [F4] Ou seja, é preciso
reconhecer as dificuldades e, além disso, tomar para si a responsabilidade de, se não as
resolver, pelo menos, atenuá-las, minimizando suas consequências para o processo de ensino-
aprendizagem de filosofia10.
A pergunta é: como fazê-lo? Um primeiro passo, parece-me, seria compreender mais
precisamente as dificuldades apontadas, de modo que possamos estimar o que se está por
resolver. Sendo assim, a seguir, buscarei refletir sobre as duas temáticas destacadas por
Galichet: [i] formação insuficiente dos estudantes na Educação Básica; e [ii] essa ‘recusa de
filosofar’ que, como veremos, pode ser muito bem compreendida como uma falta de
motivação para o estudo de filosofia. Em ambos os casos, considerarei essas dificuldades na
medida em que afetam o processo de ensino-aprendizagem de filosofia em nível superior.
Novamente, faço isso não para retirar do professor a responsabilidade pelo ensino, mas antes
para propor maneiras de lidar com tais dificuldades, de modo a possibilitar um processo
efetivo de ensino-aprendizagem de filosofia em nível superior. Por fim, veremos que o
desafio de lidar com essas dificuldades tornar-se ainda maior devido à [iii] falta de formação
pedagógico-didática dos professores de filosofia em nível superior.

[i] formação insuficiente dos estudantes na Educação Básica

Para ser preciso, François Galichet menciona essa pretensa dificuldade ao dissertar
sobre a educação francesa em nível médio (ibid., p. 37), porém ela é igualmente notável no
ensino de filosofia em nível superior no Brasil. Isso é particularmente marcante no que diz
respeito a duas competências específicas mencionadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a graduação em filosofia, a saber: “Capacidade para análise, intepretação e comentários
de textos teóricos [...]”; e “Capacidade de leitura e compreensão de textos filosóficos em
língua estrangeira” (BRASIL, 2001b, p. 3). Com efeito, podemos dizer que um dos principais

9
“Dans l’un et l’autre cas sa responsabilité serait donc dégagée et renvoyée à celle des élèves, soit en raison de
leurs origines socio-culturelles et de leur parcours scolaire antérieur (‘ils n’ont pas le niveau’), soit du fait d’un
acte souverain de liberté que l’enseignant ne saurait forcer sans contredire l’essence même de son enseignement
(‘ils ne veulent pas’)”.
10
Isso não significa afirmar que os professores devam ter responsabilidade exclusiva sobre o processo de ensino-
aprendizagem. Com efeito, assim como não devem atribuir exclusivamente ao estudante a responsabilidade por
sua formação, também não devem reclamá-la somente para si. Pelo contrário, defende-se aqui que ao professor
cumpre assumir a responsabilidade pelo planejamento de um processo de ensino-aprendizagem que permita, tal
como proposto por Domingos Fernandes (2006, p. 32), em sua discussão sobre avaliação da aprendizagem, “uma
partilha de responsabilidades em matéria de ensino, avaliação e aprendizagens e, consequentemente, uma
redefinição dos papeis dos alunos e dos professores”.
19

problemas de formação que os estudantes herdam da Educação Básica é, em uma palavra, o


baixo nível de letramento.
Esse problema é potencialmente devastador para o aproveitamento de um curso de
filosofia em qualquer nível. Por exemplo, sobre o ensino de filosofia em nível secundário na
Alemanha, nos diz Michael Wittschier (2016, p. 225): “[a]pesar de todas as inovações
tecnológicas e do caráter cada vez mais visual de nossa comunicação, o texto, ao lado do
diálogo, permanece o meio mais importante do ensino de filosofia nos dois níveis
secundários”11, isto é, equivalentes aos Ensino Fundamental II e Ensino Médio brasileiros.
Isso, porém, é igualmente válido para o ensino de filosofia em nível superior. Assim, quando
Steven Cahn (2018, p. 46-51) enumera diversos modos de estruturação para uma disciplina de
introdução à filosofia no ensino superior americano, todos são centrados em leitura e
interpretação de texto, diferindo apenas no que diz respeito à seleção da bibliografia básica.
Entre nós, Nadja Hermann (2010, p. 170) destaca igualmente “o caráter valioso e
insubstituível da leitura para os estudos filosóficos [...]”, junto à escrita. Ora, a centralidade da
leitura e da escrita para o processo de ensino-aprendizagem de filosofia torna alarmantes os
dados acerca dos níveis de letramento da população brasileira e, em especial, dos estudantes
de Ensino Médio e nível superior.
O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), organizado desde 2000
pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para a
avaliação trienal de estudantes de 15 anos de idade nas áreas de leitura, matemática e ciências,
ilustra muito bem as dificuldades em que nos encontramos no contexto brasileiro. No PISA
2018, o letramento em leitura é definido como “compreender, usar, avaliar, refletir sobre e
envolver-se com textos, a fim de alcançar um objetivo, desenvolver seu conhecimento e seu
potencial, e participar da sociedade”12 (BRASIL, 2019, p. 45). Para avaliar o desenvolvimento

11
“Der Text ist und bleibt trotz aller technischen Innovationen und der zunehmenden Visualisierung unserer
Kommunikation neben dem Dialog in beiden Sekundarstufen das wichtigste Medium des
Philosophieunterrichts”.
12
Embora pareça redundante à primeira vista, a expressão ‘letramento em leitura’ é necessária, porque o PISA
avalia, ainda, o ‘letramento matemático’ (definido como “a capacidade de formular, empregar e interpretar a
matemática em uma série de contextos, o que inclui raciocinar matematicamente e utilizar conceitos,
procedimentos, fatos e ferramentas matemáticos para descrever, explicar e prever fenômenos” – BRASIL, 2019,
p. 98) e o ‘letramento científico’ (definido como “a capacidade de se envolver com questões relacionadas com a
ciência e com a ideia da ciência, como cidadão reflexivo. Uma pessoa letrada cientificamente, portanto, está
disposta a participar de discussão fundamentada sobre ciência e tecnologia [...]” – ibid., p. 118). No que diz
respeito à definição de ‘letramento em leitura’, note-se que ela busca agregar, de um lado, referências à relação
entre indivíduo e texto, bem como, de outro, o contexto social das atividades de leitura e escrita. Como mostrado
por Magda Soares (2017, p. 65-82), é justamente esse caráter simultaneamente individual e social do letramento
que o torna uma noção de difícil definição. Nas palavras da autora, “[...] definir letramento é uma tarefa
altamente controversa; a formulação de uma definição que possa ser aceita sem restrições parece impossível”
20

do letramento em leitura assim descrito, o PISA distingue 6 níveis de proficiência em leitura,


sendo o nível 1 (o mais baixo) dividido, ainda, em três – níveis 1a, 1b e 1c –, sendo possível
que haja estudantes classificados abaixo do último nível (ibid., p. 66-69). O Grupo de
Cooperação Técnica (TCG) sobre os Indicadores do 4º Objetivo de Desenvolvimento
Sustentável (Agenda 2030), atrelado à UNESCO, reconhece o nível 2 de proficiência em
leitura do PISA como o nível mínimo para o cumprimento do objetivo 4.1 da Agenda 2030
(OECD, 2019, p. 146-147), isto é: “até 2030, garantir que todas as meninas e meninos
completem o ensino primário e secundário livre, equitativo e de qualidade, que conduza a
resultados de aprendizagem relevantes e eficazes” (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015).
Segundo o PISA 2018:

No nível 2, os estudantes começam a demonstrar a capacidade de usar suas


habilidades de leitura para adquirir conhecimento e resolver uma ampla
variedade de problemas práticos. Estudantes que não atingem a proficiência
em leitura em nível 2, frequentemente, têm dificuldade quando confrontados
com material que não lhes é familiar ou que possui comprimento e
complexidade moderados13 (OECD, 2019, p. 89).

Pois bem, se nos voltamos para os resultados do PISA 2018, notamos uma grande
discrepância entre os resultados médios obtidos pelos países membros da OCDE e pelo Brasil,
no que diz respeito ao nível de letramento em leitura. Enquanto, nos países membros da
OCDE, o maior percentual (26,0%) de estudantes está localizado no nível 3, no caso do Brasil
o maior agrupamento (26,7%) de estudantes se encontra no nível 1a, seguido pelo nível 2,
com 24,5% dos estudantes (BRASIL, 2019, p. 67-68). Ou seja, cerca de 50% dos nossos
estudantes com 15 anos possuem, na melhor das hipóteses, o nível mínimo de letramento.
Resultados desse tipo são reiterados por outras pesquisas. Um exemplo é o Indicador
de Alfabetismo Funcional (Inaf), produzido pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG
Ação Educativa, em parceria com o IBOPE. Para avaliar os níveis de alfabetismo na
população brasileira, o Inaf (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2018, p. 7) distingue
cinco níveis de alfabetismo, divididos em dois grandes grupos: Analfabetos Funcionais
(Analfabeto, Rudimentar) e Funcionalmente Alfabetizados (Elementar, Intermediário,
Proficiente). No nível Proficiente, um leitor “[e]labora textos de maior complexidade [...] com
base em elementos de um contexto dado e opina sobre o posicionamento ou estilo do autor do

(ibid., p. 82), muito embora ela concorde que “[u]ma definição geral e amplamente aceita é necessária,
especialmente quando se pretende avaliar e medir níveis de letramento [...]” (ibid.).
13
“At Level 2, students begin to demonstrate the capacity to use their reading skills to acquire knowledge and
solve a wide range of practical problems. Students who do not attain Level 2 proficiency in reading often have
difficulty when confronted with material that is unfamiliar to them or that is of moderate length and complexity”.
21

texto” (ibid., p. 21). Ou seja, esse é exatamente o nível de proficiência necessário para o
trabalho com textos em filosofia, para que seja possível ler um texto filosófico e posicionar-se
textualmente a respeito das teses defendidas em tal texto. Entretanto, o Inaf 2018 (ibid., p. 11,
tb. 3) mostrou que 42% das pessoas com Ensino Médio possuem alfabetismo em nível
elementar, isto é, conseguem selecionar “uma ou mais unidades de informação, observando
certas condições, em textos diversos de extensão média realizando pequenas inferências”
(ibid., p. 21). Ainda dentre as pessoas com Ensino Médio completo, somente 12% possuem
alfabetismo em nível proficiente, número equivalente às pessoas com mesmo nível
educacional consideradas analfabetas funcionais (13%)! Para completar esse quadro
desolador, apenas 34% das pessoas com nível superior atingem um alfabetismo proficiente
(ibid., p. 11, tb. 3)14.
É possível observar o profundo impacto dessa situação para o ensino de filosofia em
nível superior se nos voltarmos para os resultados do Exame Nacional de Desempenho dos
Estudantes (Enade) 2017 para a área de filosofia, organizado com periodicidade trienal para
cada área pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
O Enade 2017 da área de filosofia (BRASIL, 2017c) foi uma prova composta por 40 questões
– 10 questões de Formação Geral (8 de múltipla-escolha e 2 discursivas) e 30 do Componente
Específico (27 de múltipla-escolha e 3 discursivas) –, aplicada a estudantes concluintes, com
pelo menos 80% da carga horária mínima do curso já cumprida até o momento da inscrição
no exame (ibid., p. 7-8). Na área de filosofia, algumas questões do Componente Específico
possuíam duas versões, de modo a distinguir, ainda que não completamente, as provas do
bacharelado em filosofia e da licenciatura em filosofia. Claramente, o foco da prova é a
capacidade de leitura de textos (filosóficos ou não) por parte dos estudantes – mesmo as
questões que possuem material imagético são acompanhadas de textos para interpretação em
conjunto com a imagem. Em menor grau, a prova avalia também a capacidade de escrita.
Assim, em face dos dados descritos acima, não surpreende que os resultados do Enade 2017
sejam preocupantes. Em uma escala de 100, as médias nacionais de acerto para as provas
foram 45,3 na licenciatura e 46,7 no bacharelado (ibid., p. 197, tab. 6.1), sendo ainda piores se
focarmos unicamente nos Componentes Específicos de filosofia: 43,2 na licenciatura e 44,1
14
Cabe mencionar aqui os índices de analfabetismo do IBGE. Segundo o relatório sobre educação da Pesquisa
Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) 2018, naquele ano a Taxa de Analfabetismo entre pessoas
de 15 anos ou mais era calculada em 6,8% e em 18,6% entre as pessoas de 60 anos ou mais (IBGE, 2019a, p. 1).
Note-se que, para o IBGE, é considerada alfabetizada “[...] a pessoa capaz de ler e escrever pelo menos um
bilhete simples no idioma que conhecesse”, sendo consideradas em ‘condição de alfabetização’ – isto é,
passíveis de ser classificadas como alfabetizadas ou não – as “pessoas de 5 anos ou mais de idade” (IBGE,
2019b, p. 19). Como se pode notar, o Inaf busca estabelecer uma avaliação mais nuançada ao distinguir diversos
níveis de alfabetismo, enquanto que o IBGE propõe uma distinção pontual entre alfabetizados e analfabetos.
22

no bacharelado (ibid., p. 207, tab. 6.5). Quanto às questões discursivas de Formação Geral,
lemos no Relatório Síntese para a área de filosofia (ibid., p. 252 - grifo meu):

Um importante aspecto a destacar é o baixo desempenho de uma parte dos


participantes em relação à estrutura formal do texto produzido, o que é
preocupante ao se levar em conta que são graduandos em fase final de
formação. São frequentes os casos de desvios de estruturação frasal, com uso
inadequado ou ausência de conectivos entre parágrafos e entre frases. Em
uma parte dos textos, falta textualidade e domínio do registro padrão da
língua. Na verdade, observam-se relações linguísticas quase agramaticais,
como as estabelecidas pela sequência de gerúndios sem o apoio de um ponto
de partida para a organização das informações gramaticais e semânticas.

Lembremos de que falamos, aqui, sobre estudantes concluintes dos cursos de filosofia, uma
área na qual, como notamos há pouco, tiveram fundamentalmente que lidar com material
textual complexo.
Mas, como explicar que tantos estudantes com dificuldades elementares em leitura e
expressão escrita sejam selecionados nos concorridos concursos de acesso ao nível superior
brasileiro? Certamente, não é meu objetivo aqui buscar uma resposta a essa pergunta.
Contento-me, assim, em citar, à guisa de hipótese, a seguinte passagem de Magda Soares
(2017, p. 85 - grifos no orig.):

[...] as escolas fragmentam e reduzem o múltiplo significado do letramento:


algumas habilidades e práticas de leitura e escrita são selecionadas e, então,
organizadas em grupos, ordenadas e avaliadas periodicamente, através de
um processo de testes e provas tanto padronizados quanto informais. O
conceito de letramento torna-se, assim, fundamentalmente determinado pelas
habilidades e práticas adquiridas através de uma escolarização
burocraticamente organizada e traduzidas nos itens de testes e provas de
leitura e de escrita. A consequência disso é um conceito de letramento
reduzido, determinado pela escola, muitas vezes distante das habilidades e
práticas de letramento que realmente ocorrem fora do contexto escolar – um
letramento escolar, nas palavras de Cook-Gumpertz [...]”.

Se for esse caso, podemos hipotetizar que o letramento adquirido na escola e comprovado
pelos concursos de acesso ao nível superior não vai, em geral, muito além da capacidade de
solucionar testes de leitura e escrita padronizados. Porém, uma vez que o estudante se veja
diante de um problema não antecipado, é provável que suas capacidades escolares de escrita e
leitura não lhe forneçam subsídios para buscar possíveis soluções.
[F5]Em outras palavras, as capacidades de leitura e escrita escolares parecem, em geral,
se distinguir muito da competência em leitura e escrita, tomando competência no sentido que
Philippe Perrenoud (1999, p. 15) atribui a tal vocábulo. Para este último, com efeito,
23

“[p]ossuir conhecimentos e capacidades não significa ser competente”, pois a “atualização em


um contexto singular (marcado por relações de trabalho, uma cultura institucional, sorte,
restrições temporais e de recursos) daquilo que se sabe é reveladora da ‘passagem’ à
competência” 15 . Assim, ainda que a formação escolar seja suficiente para a aquisição de
conhecimentos sobre leitura e escrita, ela parece, em geral, não ser suficiente para a aquisição
de competência em leitura e escrita[F6]. Ainda que os estudantes possuam conhecimentos de
leitura e escrita, não possuem uma formação tal que lhes permita ‘transferi-los’ (realizar uma
“transferência de conhecimentos [transfert de connaissances]” – ibid.) a novas situações, de
maneira a utilizar suas capacidades de leitura e escrita em contextos não-escolares16.
Voltando ao que já dizia há pouco, não pretendo, pela construção desse cenário,
defender a impossibilidade do ensino de filosofia em qualquer nível de educação que seja.
Pelo contrário, tenho por fim apenas desenhar um quadro realista das capacidades geralmente
adquiridas na Educação Básica pelos estudantes que pretendem estudar filosofia em nível
superior. Como vemos, com base no PISA, Inaf ou Enade, eles são estudantes que geralmente
possuem conhecimentos muito básicos de escrita e leitura. Pelo lado positivo, porém,
podemos dizer que eles já possuem alguma capacidade de escrita e leitura, cabendo ao
professor desenvolver essas capacidades que eles já possuem – torná-las competência em
leitura e escrita. [F7]Ao que parece, no entanto, o que ocorre é o contrário. Os estudantes com
menores níveis de letramento parecem ser abandonados a si, sendo o ensino de filosofia
geralmente voltado principalmente para os poucos estudantes que já vêm da Educação Básica
com boas habilidades de leitura e escrita. Isso é muito bem apontado pelo Enade 2017:
estudantes concluintes do curso de filosofia – isto é, pessoas que já há anos vêm lidando com
textos complexos – apresentam, em média, baixíssimo desempenho em uma prova voltada,
em grande parte, para a leitura de textos filosóficos. A meu ver, isso mostra claramente que o

15
“Posséder des connaissances ou des capacités ne signifie pas être compétent [...]. L’actualisation de ce que
l’on sait dans un contexte singulier (marqué par des relations de travail, une culture institutionnelle, des aléas,
des contraintes temporelles, des ressources) est révélatrice du ‘passage’ à la compétence”.
16
Autores como Matthew Lipman et al. (1980, p. 16) buscam apontar uma relação estreita entre leitura e
pensamento (cf. nota 47, adiante). Essa aproximação (sem identificação) entre leitura e pensamento é tributária
da aproximação, mais geral, entre linguagem e pensamento proposta no decorrer do século XX tanto no contexto
da psicologia como naquele da filosofia. No campo da psicologia, tal posição é notável em Lev Vigotski (2018,
p. 396), segundo o qual o “pensamento e a palavra não estão ligados entre si por um vínculo primário. Este surge,
modifica-se e amplia-se no processo do próprio desenvolvimento do pensamento e da palavra”. Já num contexto
filosófico, posição semelhante surge nas Investigações Filosóficas de Ludwig Wittgenstein (2001, p. 92, § 339):
“Pensar não é um processo incorpóreo que empresta vida e sentido ao discurso e que se possa desligar do
discurso [...] [Denken ist kein unkörperlicher Vorgang, der dem Reden Leben und Sinn leiht, und den man vom
Reden ablösen könnte ...]”. Se aceitarmos, como Lipman et al. (1980), essa aproximação psicológico-filosófica
entre linguagem e pensamento, podemos dizer que o baixo nível de habilidade em leitura e escrita adquirida na
Educação Básica tem efeitos negativos profundos para a aquisição das mais diversas habilidades e competências
associadas ao pensamento. Retornaremos, no item 2.2, à concepção de educação desenvolvida por Lipman.
24

modo como tais estudantes foram postos em contato com os textos filosóficos no decorrer do
curso não foi efetivo em lhes capacitar como leitores – seja de textos filosóficos ou não.
Enfim, que os estudantes de filosofia em nível superior deixem, em geral, a Educação
Básica com baixos níveis de letramento e continuem em um nível relativamente próximo de
letramento ao fim do curso não favorece a responsabilização dos estudantes por esse fraco
desempenho. Pelo contrário, parece que os professores de filosofia em nível superior são
igualmente incapazes de, salvo exceções, formar bons leitores. Enfim, a formação insuficiente
dos estudantes na Educação Básica não justifica uma pretensa impossibilidade do ensino de
filosofia. Antes, ela exige do professor uma formação pedagógico-didática tal que lhe permita
planejar e executar um plano de ensino-aprendizagem de filosofia que considere as
capacidades de leitura e escrita de cada estudante17, buscando continuamente ampliá-las por
meio do estudo de textos filosóficos18.

[ii] falta de motivação para o estudo

A segunda dificuldade que, de acordo com François Galichet (1997, p. 44), é apontada
pelos professores de filosofia como justificativa para a impossibilidade de se ensinar filosofia
era a “recusa de filosofar”19 (ibid.) por parte dos estudantes, “um ato soberano de liberdade”20

17
Advoga-se aqui, como se verá adiante (item 2.3), que o processo de ensino-aprendizagem de filosofia em nível
superior envolva um processo de aprendizagem das competências de leitura e escrita, a partir das habilidades
mais ou menos desenvolvidas já adquiridas pelos estudantes na Educação Básica. Assim, este deve ser um
processo de aprendizagem significativa de leitura e escrita, entendendo ‘aprendizagem significativa’, como D.
Ausubel (1963, p. 34), enquanto “um tipo específico de processo de aprendizagem, no qual o estudante emprega
um ‘conjunto’ para incorporar em sua estrutura cognitiva [...] materiais potencialmente significativos que sejam
subsumíveis por entidades estabelecidas naquela estrutura [The essential feature of meaningful learning is that it
embodies a distinctive kind of learning process in which the learner employs a ‘set’ to incorporate within his
cognitive structure ... potentially meaningful materials which are subsumable by established entities within that
structure]”. Em nosso caso, o ‘conjunto’ inicial seriam a habilidades mais ou menos desenvolvidas de leitura e
escrita adquiridas pelos estudantes no período escolar. Está claro, portanto, que o professor de filosofia deverá
utilizar estratégias que permitam diagnosticar as capacidades de leitura e escrita dos estudantes de dada turma,
para somente em seguida propor atividades de leitura e escrita dirigida de textos filosóficos. Voltaremos a esses
temas mais pausadamente nos caps. 2 e 3 deste trabalho.
18
O quadro descrito aqui se torna ainda mais complexo se notamos que o referido Inaf inclui, em seu conceito de
‘alfabetismo’, não apenas o letramento, mas também o numeramento: “[p]ara o Inaf, Alfabestimo é a capacidade
de compreender e utilizar a informação escrita e refletir sobre ela [...]. Dentro desse campo, distinguem-se dois
domínios: o das capacidades de processamento de informações verbais, que envolvem uma série de conexões
lógicas e narrativas, denominada pelo Inaf como letramento, e as capacidades de processamento de informações
quantitativas, que envolvem noções e operações matemáticas, chamada numeramento” (INSTITUTO PAULO
MONTENEGRO, 2018, p. 4 - grifos no orig.). Ou seja, no que diz respeito ao Inaf, os baixos índices de
letramento estão associados a baixos índices de numeramento. Ressalte-se que os preocupantes resultados da
avaliação de ‘letramento matemático’ no PISA 2018 (cf. nota 12, acima) apontam para a mesma correlação (cf.
BRASIL, 2019, p. 109-110). Essa falta de habilidade em lidar com operações matemáticas e relações numéricas
pode ser tão prejudicial para o ensino-aprendizagem de filosofia quanto o baixo letramento, haja vista a estreita
relação construída entre matemática e filosofia no decorrer da história desses campos do saber (cf. MAINZER,
2013).
19
Cf., acima, nota 1.
20
Cf., acima, nota 9.
25

(ibid.) destes últimos, acerca do qual os professores nada poderiam fazer. Formulada dessa
maneira, tal dificuldade parece, decerto, insolúvel. Além disso, é preciso reconhecer que
muitas vezes os estudantes claramente não se engajam nas atividades de ensino. Porém, seria
essa atitude realmente fruto de uma decisão livre de natureza psicológica (ou, quiçá,
psicanalítica), consciente ou não, de se ‘recusar a filosofar’ ou de ‘não querer aprender’? Se
sim, não há muito o que possamos fazer como professores! Mas, uma vez que pretendemos
considerar o processo de ensino-aprendizagem na medida em que o professor pode nele
intervir, tomando para si essa responsabilidade, podemos perguntar: e se a ausência de
engajamento dos estudantes for, antes, responsabilidade do professor e não do estudante?
Como diz Steven Cahn (2018, p. 4):

Saber um tema e saber como ensiná-lo efetivamente são bem diferentes. Sem
dúvida, você se lembra de que, durante seus próprios cursos de graduação e
pós-graduação, você experimentou muita instrução ineficiente. O problema
não era principalmente que os professores fossem desinformados sobre o
tema, mas que eles não sabiam como engajar [engage] os estudantes.
Apresentava-se informação, mas o processo era chato, confuso e
insatisfatório21.

Ora, para Cahn (ibid.), um dos elementos fundamentais para engajar o estudante é a
motivação. Podemos, então, perguntar: e se aquilo que alguns professores veem como uma
‘recusa a filosofar’ ou ‘a aprender’ por parte do estudante for, de fato, uma ausência de
motivação para estudar o tema? Agora se torna possível para o professor oferecer uma
solução para esse problema que era, antes, aparentemente insolúvel. Mas, como motivar o
estudante? Para respondê-lo, precisamos recorrer a trabalhos que nos permitam buscar uma
compreensão, ainda que introdutória ou inicial, sobre o que seria a motivação do estudante22.
Um primeiro passo para a compreensão da noção de motivação seria a distinção entre
motivação intrínseca e motivação extrínseca. No contexto da discussão sobre a motivação
para o estudo, uma interessante apresentação das duas noções é fornecida por Roger
Mucchielli (2016). Para ele, as motivações extrínsecas “são os incentivos (ou estímulos)

21
“Knowing a subject and knowing how to teach it effectively are quite different. No doubt you remember that
during your own undergraduate and graduate careers you experienced much ineffective instruction. The problem
was not primarily that the teachers were uninformed about the subject but that they did not know how to engage
students. Information was presented, but the process was boring, confusing or unsatisfying”.
22
Como é patente, no presente trabalho partimos do princípio de que cabe falar em motivação do estudante. No
entanto, é importante destacar que determinadas correntes de psicologia rejeitam um discurso sobre motivação
(cf. TODOROV; MOREIRA, 2005). Daí que um autor como B. F. Skinner (1968, p. 144-168) prefira falar não
em ‘motivar o estudante’, mas em ‘reforçar comportamentos’. Decerto, não fará parte do presente trabalho
aprofundar esta discussão, mas considero relevante sublinhar que estamos, aqui, conscientemente, adotando a
noção de ‘motivação’ como válida para nossa reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem da filosofia.
26

utilizados para chamar ou captar a atenção”23 (ibid., p. 91). Tais estímulos podem ser de dois
tipos, na medida em que são voltados (ibid.) 24 : seja para evitar a distração (como a
manutenção da disciplina, avaliações ‘surpresa’ etc.), seja para excitar a atenção (a exemplo
das diversas estratégias discursivas ou didáticas que permitem captar a atenção do auditório).
Já as motivações intrínsecas, na educação, seriam os “interesses espontâneos [...] dos
alunos”25 (ibid., p. 93). Quanto a estes, seria papel do professor “utilizar e [...] ‘dirigir’ os
interesses espontâneos” 26 (ibid.) dos estudantes. O problema é que, enquanto motivações
extrínsecas podem ser criadas pelo professor, as motivações intrínsecas são, justamente,
espontâneas – elas partem do próprio estudante, não podendo, por definição, ser impostas de
fora. Mas, e se nosso estudante não possuir motivação interna para o estudo da filosofia? Ao
que parece, retornamos ao problema inicial da impossibilidade de ensino da filosofia por
razões internas ao estudante – simplesmente, agora não dizemos que ele decidiu não aprender
ou não filosofar, mas que ele não possui motivação intrínseca para fazê-lo. Em todo caso, não
parece que possamos fazer muito como professores...
É justamente para escapar a esse aparente caminho sem saída que Mucchielli sugere a
possibilidade não de criarmos motivações intrínsecas (pois isso, como vimos, seria uma
contradição), mas de explorá-las para fomentar a aprendizagem. Assim, ele sugere que haja
“motivações intrínsecas exploráveis [motivations intrinsèques exploitables]” (ibid., p. 95).
Isto é, motivações intrínsecas que, muito embora não sejam diretamente motivações para o
estudo ou a aprendizagem, podem ser exploradas ou manipuladas (ibid., p. 93-95) para que os
estudantes se dediquem ao estudo de determinado tema. Nesse caso, caberia ao professor, no
início de cada etapa do processo de aprendizagem, buscar diagnosticar as motivações
intrínsecas de seus estudantes, de modo a poder explorá-las, planejando e executando um
processo de ensino-aprendizagem que a elas corresponda. Mucchielli propõe uma complexa
classificação das motivações intrínsecas exploráveis, dividindo-as em individuais e comuns,
bem como destacando certas motivações típicas dos adultos (ibid., p. 96-99). Não será o caso,
porém, de reproduzir essa classificação aqui. Mais importante é notar que, para ele, talvez
essas:

23
“Nous appellerons ‘motivations extrinsèques’ les incentifs (ou stimuli) utilisés pour éveiller et capter
l’attention”.
24
“La pédagogie classique se sert de deux ensembles convergentes de moyens: d’une part l’évitement des
facteurs de distraction (c’est-à-dire d’attention à autre chose qu’à l’objet de l’instruction), d’autre part la mise en
oeuvre d’excitants de l’attention spontanée”.
25
“[...] intérêts spontanés (donc authentiquement intrinsèques) des élèves [...]”. A relação entre motivação e
interesse também é destacada por J. Piaget (1975, p. 85-86), no quadro de sua concepção de educação (sobre a
qual, cf. adiante a nota 120).
26
“L’instructeur est amené à utiliser et à ‘diriger’ les intérêts spontanés, c’est-à-dire à les manipuler”.
27

motivações [...] se resumam em uma única que domina amplamente o


quadro: o significado da tarefa atual. Decerto, trata-se primeiramente, para
cada estudante, do significado que a tarefa tem para ele, com tudo que isso
implica de subjetivo, mas também com o que ele dela espera para si e para
seu futuro, para a conquista de seus objetivos, como marco no itinerário que
ele vai ou quer percorrer27 (ibid., p. 99).

Em poucas palavras, segundo Mucchielli, determinada atividade didática será motivadora


para o estudante na medida em que ela tiver significado para ele, isto é, na medida em que
este estudante puder compreender como aquela atividade colabora para a realização de seus
objetivos pessoais ou comunitários28.
Dito isso, é preciso adicionar certas ressalvas à posição descrita. De saída, vale
destacar o caráter ambíguo das motivações extrínsecas no contexto de aprendizagem.
Segundo Sueli Guimarães (2009, p. 51), trabalhar com motivações extrínsecas como
recompensas pode modificar “o locus de causalidade do sujeito de interno para externo,
gerando sentimentos de estar sendo externamente guiado e, assim, comprometendo a
percepção de autodeterminação”, o que parece deletério com respeito à motivação intrínseca.
Por outro lado, o feedback positivo pode ser um elemento externo aliado à motivação
interna29 (ibid., p. 52-53).
Assim – e esta é uma segunda ressalva ao que foi dito há pouco sobre motivação –,
não devemos pensar motivação extrínseca e motivação intrínseca como elementos
completamente estanques e fixos, desatrelados de um contexto. Por isso mesmo, há autores
que, ao discutir a motivação do estudante, preferem falar em ‘metas de realização’
(BZUNECK, 2009, p. 58-59), concebendo “as cognições que compõem as metas” como
podendo ser:

sobremaneira influenciadas por características de cada situação, ou seja, pela


estruturação psicológica da sala de aula bem como por formas específicas de
ação docente que alimentam, alternativamente, a orientação dos alunos para
uma ou outra meta de realização (ibid., p. 59).

Assim, as ‘metas de realização’ exprimiriam “o propósito ou o porquê de uma pessoa se


envolver em certa atividade” (ibid., p. 61), sem, no entanto, desligar tal propósito da situação
em que a pessoa atua ou pretende atuar.

27
“Peut-être toutes les motivations ci-dessus se résument-elles en une seule qui domine largement le tableau: la
signification de la tâche actuelle. Certes, il s’agit d’abord, pour chaque enseigné, de la signification que la tâche
a pour lui, avec tout ce que cela implique de subjectif, mais aussi ce qu’il en attend pour lui et pour son avenir,
pour l’atteinte de ses objectifs, comme jalon sur l’itinéraire qu’il va ou veut parcourir”.
28
Aproximamo-nos aqui, novamente, da noção de ‘aprendizagem significativa’ (cf. nota 17).
29
Voltaremos à noção de feedback adiante, no item 3.1.
28

Nesse quadro conceitual, seguindo o vocabulário privilegiado por José Bzuneck,


podemos dizer que, grosso modo, o estudante pode possuir duas metas: a meta aprender e a
meta performance (ibid., p. 60). No que diz respeito à meta aprender, os:

alunos com essa orientação entendem que sucesso nas realizações escolares
consiste na melhora em conhecimento e habilidades [...]. Além disso, tais
alunos têm a convicção ou crença de que os resultados positivos nas tarefas
derivam maximamente de esforço, que é um fato interno e sob seu controle
(ibid., p. 61-62).
Já a meta performance pode ser distinguida em dois componentes (ibid., p. 65-66): “o de
aproximação (busca de aparecer como inteligente, ou de ser o primeiro ou de figurar entre os
melhores) e o de evitação (de aparecer como incapaz ou de estar entre os mais fracos da
classe)”.
Portanto, basicamente, haveria três metas de realização: meta aprender, meta
performance-aproximação e meta performance-evitação. Essa troica se relaciona de maneira
complexa no processo de ensino-aprendizagem, como mostra Bzuneck (ibid., p. 66), tomando
diversos estudos por referência:

Os resultados mais salientes desse conjunto de estudos mostram que a


orientação à meta domínio (aprender) apareceu associada a esforço,
persistência, processamento de profundidade e até como facilitadora da
motivação intrínseca. Entretanto, não teve relação com notas mais altas, em
provas específicas que contemplassem o critério de notas referenciadas à
norma. A meta performance-aproximação favoreceu o desempenho em
termos de notas, a persistência e esforço, mas com tendência a
processamento de superfície. Já a meta performance-evitação apareceu
relacionada com a baixa persistência, pouco esforço, tendência à ansiedade e
foi prejudicial tanto à motivação intrínseca como ao desempenho por notas
(ibid.).

Em poucas palavras, tanto a meta aprender como a meta performance-aproximação podem


ter resultados positivos para o processo de ensino-aprendizagem, enquanto que a meta
performance-evitação é consistentemente negativa para tal processo. Isso posto, a meta
aprender é mais diretamente associada ao processamento de profundidade30, enquanto que a

30
A oposição entre ‘processamento de profundidade’ e ‘processamento de superfície’ é reminiscente da chamada
‘teoria de níveis de processamento (levels of processing)’. Segundo essa teoria, desenvolvida inicialmente em
CRAIK; LOCKHART, 1972, a retenção de informação na memória estaria diretamente associada à
profundidade de processamento de tal informação: “[...] sugere-se que a marca na memória é mais bem descrita
em termos de profundidade de processamento ou grau de estímulo de elaboração. Uma análise mais profunda
leva a uma marca mais persistente [it is suggested that the memory trace is better described in terms of depth of
processing or degree of stimulus elaboration. Deeper analysis leads to a more persistent trace]” (ibid., 677).
Para os autores, o processamento de profundidade se caracteriza pelo estabelecimento de uma relação entre o
estímulo ou a informação recebida e outras estruturas cognitivas já existentes: “[e]stímulos muito familiares e
significativos são compatíveis, por definição, com estruturas cognitivas existentes. Tais estímulos (por exemplo,
desenhos ou frases) serão processados em um nível profundo mais rapidamente do que os estímulos menos
29

meta performance-aproximação produz melhores resultados em avaliações, mas se associa ao


processamento de superfície. Por fim, notemos que, no trecho destacado, a meta aprender é
caracterizada como “facilitadora da motivação intrínseca” (ibid.).
Pois bem, tanto a meta aprender como a meta performance-aproximação podem se
relacionar a elementos intrínsecos ou extrínsecos, uma vez que, por definição, essas metas de
realização não somente dizem respeito ao indivíduo que atua, mas também à situação em que
ele atua. Sendo assim, no caso do processo de ensino-aprendizagem, o professor pode
estabelecer um ambiente em sala de aula propício a tais metas – e, portanto, propício aos
resultados positivos geralmente produzidos por essas duas metas. Mais do que isso, ao
estabelecer um ambiente favorável à atuação sob a meta aprender, o professor pode facilitar a
motivação intrínseca dos estudantes. Assim, se para Mucchielli (2016, p. 95) cabia ao
professor descobrir a motivação intrínseca do estudante e explorá-la no processo de ensino-
aprendizagem, a noção de ‘meta de realização’ permite conceber o professor, se não como
capaz de criar motivação intrínseca para o estudo, ao menos como capaz de facilitar seu
surgimento, ao estabelecer um ambiente de aprendizagem favorável à meta aprender. Nesse
mesmo sentido, a meta performance-aproximação deve ser favorecida, sem receber
preeminência, na medida em que o feedback positivo pode ser igualmente benéfico para a
manutenção ou exploração da motivação intrínseca do estudante.
Ora, na presente etapa, partimos da impossibilidade de ensinar filosofia, alegada por
certos professores, em razão de uma hipotética decisão interna dos estudantes de não filosofar
ou não aprender. Vemos, agora, que uma tal razão não é suficiente para retirar ao professor a
responsabilidade pela efetividade do processo de ensino-aprendizagem. Pelo contrário, ela
termina por lhe dar mais uma reponsabilidade: motivar os estudantes para participarem de tal
processo. Mas, como fazê-lo? Para tanto, pelo que vimos aqui, é preciso conhecer os
estudantes – mais precisamente, conhecer suas motivações internas, ainda que estas não sejam

significativos e serão bem retidos [Highly familiar, meaningful stimuli are compatible, by definition, with
existing cognitive structures. Such stimuli (for example, pictures and sentences) will be processed to a deep level
more rapidly than less meaningful stimuli and will be well-retained]” (ibid., p. 676). Assim, o processamento de
profundidade é ‘profundo’, porque “implica um maior grau de análise semântica ou cognitiva [implies a greater
degree of semantic or cognitive analysis]” (ibid., p. 675), pelo qual a nova informação é relacionada às
informações já possuídas previamente. Ao que parece, portanto, novamente não estamos longe da concepção de
aprendizagem significativa desenvolvida por D. Ausubel (cf. nota 17, acima) – em ambos os casos, a
aprendizagem se associa à possibilidade de relacionar informações novas àquelas já possuídas. Assim, quando se
diz que a meta aprender está associada ao processamento de profundidade, isso significa que estudantes
orientados por essa meta tendem a relacionar novas informações obtidas com as estruturas cognitivas que já
possuem, fazendo com que os estímulos recebidos formem traços mais persistentes em suas memórias. Por outro
lado, os estudantes orientados pela meta performance-aproximação desenvolvem apenas uma memória de curto
prazo acerca das novas informações obtidas, sem relacioná-las a conhecimentos anteriores e, portanto, realizando
apenas um processamento de superfície dessas novas informações.
30

voltadas diretamente para o estudo. Cumpre criar um ambiente de ensino-aprendizagem


favorável à meta aprender – isto é, em que fique claro o foco no esforço pessoal e
comunitário durante o processo de ensino-aprendizagem – e no qual motivações externas,
como o feedback, sejam explicitamente tomadas como elementos positivos, que contribuam
para a melhora de atuação do estudante no processo. Ao fazê-lo, torna-se possível explorar as
motivações internas do estudante, de modo que o processo de ensino-aprendizagem seja
significativo para ele. Com isso, retomando o termo utilizado por Cahn (2018, p. 4)31, torna-se
possível que o estudante se engaje em tal processo, facilitando o surgimento de uma
motivação intrínseca para a aprendizagem. Em bom português, se o estudante não quer
estudar filosofia, devemos descobrir o que ele quer e, explorando essa motivação que ele já
possui, engajá-lo no estudo da filosofia. Assim executado, o processo de ensino-aprendizagem
ganhará significado para o estudante e, quiçá, em algum tempo, ele próprio já queira estudar o
tema.[F8]
Mas, seguindo Mucchielli (ibid., p. 93), se precisamos, enquanto professores, conhecer
as motivações internas dos estudantes, isso significa que devemos conhecer seus interesses.
Isso se torna um tanto mais complexo quanto mais esses interesses se diversificam, o que
vemos ocorrer precisamente neste momento em nosso sistema de Ensino Superior, uma vez
que este último passa por um processo de massificação.
Podemos falar em um sistema de ensino superior de massa, segundo Martin Trow
(2007, p. 244, tab. 1), no momento em que 16-50% da população na idade esperada para
cursar o ensino superior está efetivamente matriculada nesse nível de ensino32. Se o sistema
atender um percentual aquém deste número, será classificado como um sistema de elite; se
atender um público superior a essa porcentagem, será então um sistema universalizado. O
importante na definição de Trow, porém, é que ela não se limita a uma caracterização
quantitativa do sistema de massa, mas busca igualmente delineá-lo de um ponto de vista
qualitativo. Assim, Trow nos diz que, nas análises feitas para seu estudo sobre massificação

31
Cf., acima, nota 21.
32
Cabe destacar que, no contexto da reflexão sobre educação, a própria noção de ‘massificação’ pode assumir
conotações ou significados diversos dependendo do autor que tomemos por base para nosso estudo. Por exemplo,
Paulo Freire, em seu clássico Educação como prática da liberdade, se utiliza de uma noção preponderantemente
negativa de ‘massificação’, ao dizer que a “produção em série, como organização de trabalho humano, é,
possivelmente, dos mais instrumentais fatores de massificação do homem [...]. Desumaniza-o [...]. Faz dele um
ser passivo” (2011, p. 118, nt. 56). Da mesma maneira, na Pedagogia do oprimido, a ‘massificação’ se opõe à
‘libertação’ (2018, p. 199, nt. 111). Não é, porém, a essa concepção de massificação que nos referimos. De fato,
a noção de ‘massificação’ da educação nos interessa aqui não tanto como uma caracterização (ou, mesmo,
denúncia) da situação imposta ao homem na sociedade industrializada contemporânea, mas antes como uma
descrição estatística (quantitativa e qualitativa) das condições de acesso ao ensino superior. Em poucas palavras,
‘massificação’ aqui não possui conotação negativa, assim como também não possui conotações necessariamente
positivas; pelo contrário, queremos considerá-la com os ganhos e desafios que traz consigo.
31

do sistema de ensino superior, esse “crescimento dos números também significou uma maior
diversidade dos estudantes com respeito às suas origens sociais e outras características, a suas
motivações, aspirações, interesses [...]”33 (1973, p. 46). Essa diversificação dos estudantes,
por sua vez, contribui para a democratização da sociedade:

O movimento em direção ao ensino superior de massa contribuirá para essa


fundamental democratização da sociedade, mas também a democratização
da sociedade retroalimentará e contribuirá para a extensão das oportunidades
educacionais34 (ibid., p. 45).

Enfim, a massificação do ensino superior está associada ao aumento da diversidade discente –


seja diversidade de origem, de interesses, motivações – e, portanto, à democratização do
sistema de ensino e, em geral, da sociedade que cultiva tal sistema35.
Ora, como mostrado por Gomes e Moraes (2012), o sistema de ensino superior
brasileiro começou a se direcionar para um modelo massificado a partir da passagem do
século XX para o XXI. Com efeito, se estendermos os cálculos propostos pelos autores para o
período posterior ao artigo, vemos que em 2017 o sistema de ensino superior brasileiro já
poderia ser considerado um sistema de massa tal como definido por Martin Trow, como se vê
na Tabela 1.
Como se pode notar, a Taxa de Matrícula Líquida – isto é, a porcentagem de pessoas
em idade esperada para cursar o ensino superior que, efetivamente, se encontram matriculadas
nesse nível de ensino – já supera, em 2017, o limite mínimo de 16%, estipulado por Trow
como momento de passagem para um sistema de massa. Esse é um dado que deve ser
comemorado como um marco no longo percurso que ainda temos à frente para o
estabelecimento de um sistema educacional democrático. No entanto, a massificação do
ensino superior coloca desafios novos para os docentes atuantes nesse nível de ensino.
De fato, vimos acima, em nossa rápida consideração sobre a motivação do estudante,
que a motivação está atrelada aos interesses dos estudantes. Desse modo, somente ao
conhecer e explorar tais interesses, o professor poderia planejar e executar um processo de
ensino-aprendizagem com foco na meta aprender e facilitador da motivação interna para o

33
“As I have suggested several times in this essay, the growth of numbers has also meant an increasing diversity
of students in respect to their social origins and other characteristics, in their motivations, aspirations, interests,
and adult careers”.
34
“The movement toward mass higher education will contribute to this fundamental democratization of society,
but also the democratization of society will feed back upon and contribute to the extension of educational
opportunities”.
35
Mais adiante, no próximo item, veremos como o caráter democrático do ensino, atrelado à diversidade de
interesses, é fundamental em uma discussão sobre o processo de ensino-aprendizagem de filosofia.
32

estudo. Somente assim, dizíamos, seria possível superar aquela aparente ‘falta de vontade de
aprender’ apontada nos estudantes por professores da área de filosofia e que buscamos
reinterpretar como ausência de motivação para o estudo.
Nesse caso, uma vez que há aqui a centralidade da consideração do interesse do
estudante para a efetivação de uma aprendizagem significativa, quanto maior a diversificação
dos interesses dos estudantes, tanto mais difícil será o trabalho aqui proposto. Por isso mesmo,
um autor como Miguel Zabalza (2007), igualmente interessado no fenômeno da massificação
do ensino superior e da consequente diversificação do público estudantil (ibid., p. 25, 27-28),
aponta como resultado desse processo, no que diz respeito ao professor: “a necessidade de
reforçar a dimensão pedagógica da nossa docência para adaptá-la às condições variáveis de
nossos estudantes” 36 (ibid., p. 32). Em poucas palavras, se objetivamos um processo de
ensino-aprendizagem efetivo, que parta dos interesses dos estudantes para possibilitar uma
aprendizagem significativa, a massificação – e a consequente diversificação de interesses
discentes – exige do professor uma formação pedagógico-didática de qualidade.

Tabela 1: Matrícula no Ensino Superior Brasileiro (graduação), 201737


Pop. de 18 a 24 anos: 23.206.000
Matrícula Bruta-MB (total): 8.286.663
Matrícula Líquida-ML (18-24 anos): 4.264.647
Taxa de Matrícula Líquida (ML/Pop. 18-24 anos): 18,37%
Taxa de Matrícula Bruta (MB/Pop. 18-24 anos): 35,7%
ML/MB: 51,4%
Fontes: IBGE/PNAD Contínua 2017; INEP/Censo do Ensino Superior, 2017.

[iii] falta de formação pedagógico-didática dos professores de filosofia em nível superior

36
“Por eso se ha hecho patente la necesidad de reforzar la dimensión pedagógica de nuestra docencia para
adaptarla a las condiciones variables de nuestros estudiantes”.
37
Essa tabela foi desenvolvida em colaboração com os colegas Rodrigo, Leonildo e Michelli para a apresentação
da “Comunicação 4 – Educação superior brasileira: transição para sistema de massa” no curso Fundamentos da
Educação Superior, ministrado pelo prof. Marcelo G. Furtado, durante o 1º sem./2018, como parte da
Especialização em Docência do Ensino Superior (Senac Aclimação). Cabe aproveitar este espaço para definir o
que se entende aqui por Taxa de Matrícula Bruta e Taxa de Matrícula Líquida. Ambas são indicadores
educacionais aceitos e definidos pela UNESCO (2009). A Taxa de Matrícula Bruta (Gross Enrolment Ratio) é “a
matrícula total em um nível específico de educação, desconsiderada a idade, expressa como uma porcentagem da
população na idade escolar apropriada oficial que corresponda ao mesmo nível de educação em um dado ano
escolar [Total enrolment in a specific level of education, regardless of age, expressed as a percentage of the
eligible official school-age population corresponding to the same level of education in a given school year]”
(ibid., p. 9); já a Taxa de Matrícula Líquida (Net Enrolment Rate) é definida como a “matrícula do grupo de
idade oficial para um dado nível de educação expresso como uma porcentagem da população correspondente
[Enrolment of the official age group for a given level of education expressed as a percentage of the
corresponding population]” (ibid., p. 10).
33

Desde 2009, a UNESCO tem continuamente publicado, sob a coordenação de


Bernardete Gatti (GATTI; BARRETTO, 2009; GATTI et al. 2011; 2019), estudos sobre a
formação de professores no Brasil. Na introdução ao último destes volumes, lemos que:

A questão da formação de professores se torna um problema social na


medida de sua relevância e por conta do trato incerto que tem merecido
mediante políticas descontinuadas e pela pouca discussão social relativa a
seu valor social concreto na contemporaneidade, bem como sobre os
fundamentos dessa formação e das práticas a ela associadas (GATTI et al.
2019, p. 11).

Não obstante o destaque para a relevância social da formação de professores, já neste trecho
os autores chamam nossa atenção para um problema grave: a descontinuidade das políticas de
formação de professores. Poderíamos nos referir, igualmente, ao despreparo das diferentes
instituições associadas à formação de professores. Assim, muito embora desde sua primeira
versão – e ainda hoje, após diferentes redações38 – o art. 62 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (lei 9.394/96), admitindo a formação de professores em nível médio para
certas fases inicias da Educação Básica, dê destaque à sua formação em nível superior39, Gatti
et al (2019, p. 308) sublinham a:

Dificuldade que encontra o ensino superior de modificar as suas estruturas e


modo de funcionar, de formular currículos e de criar abordagens mais
afinadas com a clientela que atende e mais em conformidade com as
demandas da educação básica que precisam contemplar.

Ou seja, segundo os autores, os cursos de formação de professores em nível superior


desconsideram, em seu planejamento, não somente as necessidades dos estudantes que
38
Dadas pela Lei nº 12.796/13 e pela Lei nº 13.415/17.
39
Nas palavras de Moaci A. Carneiro (2018, p. 696), em seu comentário à LDB (lei 9.394/96), art. 62: “O ideal é
que se tenham docentes com formação avançada para atuar num nível de educação onde são definidos os valores
e as condições básicas para o aluno apreender o conhecimento a partir da BNCC e laborar a visão estratégica
imprescindível a compreender o mundo, intervir na realidade e agir como sujeito crítico. Daí, a lei definir a
formação de nível superior, adquirida em curso de licenciatura plena. Um avanço legal importante”.
Em especial, a necessidade de uma formação de nível superior (e, particularmente, universitária) para o professor
é enfatizada por correntes que o caracterizam não como um reprodutor de conhecimento, mas antes de tudo
como um produtor de conhecimento. Assim, a compreensão do professor como profissional reflexivo
(PIMENTA, 2006, p. 35-36), na esteira dos trabalhos de Donald A. Schön (1983) ou de K. Zeichner e D. Liston
(2014), reclama uma formação de nível superior que habilite o professor a refletir criticamente sobre sua ação,
modificando-a em face da realidade prática e/ou social com que se confronta em seu dia a dia. Da mesma
maneira, a caracterização do professor como um pesquisador de sua própria prática exige uma estreita relação
deste com as práticas universitárias de pesquisa sobre educação (cf. PESCE; ANDRÉ, 2012). Desse modo, pode-
se dizer que o movimento de delimitação dos saberes profissionais próprios do professor leva ao reconhecimento
da necessidade de uma formação de alto nível (que, geralmente, se traduz naquela de nível superior ou, mais
especificamente, universitária) por parte deste último. De outra parte, é importante destacar que a relação entre a
formação universitária e a prática cotidiana do professor pode ser conflituosa (cf. TARDIF, 2019, p. 227-276),
assim como a prática de pesquisa em sala de aula nem sempre corresponde (ou pode corresponder) às exigências
de uma pesquisa universitária (cf. LÜDKE, 2012).
34

pretendem passar por tal formação (os futuros professores), como também aquelas dos futuros
estudantes desses professores em formação. Haveria, portanto, um desalinhamento entre o
planejamento desses cursos de formação, as expectativas do público a ser formado e as
necessidades do nível de ensino em que esse público atuará profissionalmente. De um ponto
de vista mais amplo, podemos acrescentar, haveria um desalinhamento entre o incentivo à
formação dos professores em nível superior na LDB (lei 9.394/96) e a falta de um
planejamento educacional por parte das instituições de ensino superior que, efetivamente,
forneça ao futuro professor uma formação de qualidade.
Ora, como fica patente no último trecho destacado, estamos até o momento
discorrendo sobre a formação de professores para atuação na Educação Básica. Assim,
poderiam essas mesmas dificuldades serem encontradas na formação de professores para
atuação no Ensino Superior?
A resposta a essa pergunta é complexa, uma vez que nem mesmo podemos dizer que
haja cursos para a formação de professor em nível superior. Como dizem Gaeta e Masetto
(2013, p. 10 - grifo no orig.), o “professor iniciante” no nível superior “apresenta uma
primeira grande expectativa de aprender como exercer seu novo ofício, pois, na maioria dos
casos, não lhe foi oferecida durante sua formação a oportunidade de aprender a ser docente no
ensino superior”. Descrevendo a mesma dificuldade, Pimenta e Anastasiou (2014, p. 36) nos
dizem que:

[...] há certo consenso de que a docência no ensino superior não requer


formação no campo do ensinar. Para ela seria suficiente o domínio de
conhecimentos específicos, pois o que a identifica é a pesquisa e/ou o
exercício profissional no campo.

Uma desvalorização equivalente da formação e atuação docentes em nível superior é descrita


por Steven Cahn (2018, p. 86-87), no contexto do ensino de filosofia em universidades
americanas, quando este menciona que a atuação em pesquisa por parte de professores
universitários é cuidadosamente avaliada e, caso efetiva, premiada, porém não há qualquer
avaliação ou premiação equivalente no que diz respeito à efetividade da atuação docente
destes mesmos professores. É como se, muito embora contratados como professores, os
docentes de nível superior fossem exclusivamente pesquisadores.[F9]
Destarte, ao que parece, haveria dois fenômenos associados na atuação docente em
nível superior: por um lado, não há formação própria para a docência em nível superior; por
outro, a atuação docente em nível superior é desvalorizada em favor da atuação como
pesquisador. A isso se associa um terceiro fator: “[n]esse conceito, o professor é aquele que
35

ensina, isto é, dispõe os conhecimentos aos alunos. Se estes aprendem ou não, não é problema
do professor, especialmente do universitário, que muitas vezes está ali como uma forma de
concessão” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2014, p. 36-37). Em outras palavras, o professor em
nível superior pode terminar por não se ver como responsável pela formação dos estudantes
que frequentam suas disciplinas – assim, ocorre aquilo que Miguel Zabalza denominou como
um “esvaziamento do sentido formativo de nosso papel na Universidade”40 (2007, p. 44).
Talvez esteja associado a esse esvaziamento formativo e à desvalorização da formação
didático-pedagógica do professor universitário um recurso típico da formação superior em
filosofia – a saber, aquilo que, como já mencionado, François Galichet chama de ‘mimética’:
“[...] a exposição, diante dos alunos, de um pensamento e/ou de uma livre escolha,
argumentado e organizado [raisonné], que solicita a liberdade deles, sem jamais a compelir”41
(1997, p. 44). Em uma passagem que já citamos acima, o autor completa: esta “abordagem
[...] não pode ser senão essencialmente mimética (‘pensar diante dos alunos para fazê-los
pensar’)” 42 (ibid.). A tarefa do estudante, nesse caso, seria observar o ‘livre pensar’ do
professor para, ao fazê-lo, aprender a ‘pensar livremente’ por si mesmo.
Um primeiro problema com essa estratégia é que nada garante que, ao observar o
‘livre pensar’ do professor, o estudante aprenderá a ‘pensar livremente’. Com efeito, se, como
Neil Postman e Charles Weingartner (1969, p. 19), crermos que “o conteúdo crítico de
qualquer experiência de aprendizagem é o método ou processo por meio do qual a
aprendizagem ocorre”43, a ‘mimética’ descrita por Galichet não produzirá ‘livres-pensadores’,
mas sim estudantes preparados unicamente para observar passivamente outros exercerem
uma tal liberdade de pensamento. Ensina-se ao estudante, portanto, que deve sempre esperar
que outro pense por ele. Porém, ainda que desejemos que alguns dos estudantes consigam
superar o estágio de observação e, unicamente por meio desta, aprendam a ‘livremente pensar’
por si mesmos, Galichet (1997, p. 45) nos diz, o “ensino de filosofia assim concebido não
pode ser, por essência, senão elitista” 44 . Com efeito, já de saída, consideraríamos que
atingirão a formação necessária em filosofia somente aqueles estudantes que, por si mesmos,
conseguirem ultrapassar (por algum mecanismo próprio, inacessível ao professor) a
observação passiva do ‘livre pensar’. Com isso, o professor se abstém da responsabilidade
40
“[...] vaciamiento del sentido formativo de nuestro papel en la Universidad”.
41
“Celui-ci ne pourrait consister qu’en une activité d’instruction, c’est-à-dire l’exposition, devant les élèves,
d’une pensée et/ou d’un choix libre, argumenté et raisonné, qui solicite leur liberté sans jamais la contraindre”
(grifo no orig.).
42
Cf. nota 4, acima.
43
“[...] the critical content of any learning experience is the method or process through which the learning
occurs”.
44
“L’enseignement philosophique ainsi conçu ne peut être, par essence, qu’élitiste”.
36

sobre a formação dos estudantes, pois deixa de exercer uma de suas competências mais
fundamentais: aquela de planejar o processo de aprendizagem a ser colocado em execução (cf.
GAETA; MASETTO, 2013, p. 100)45. Assim, a falta de formação didático-pedagógica dos
professores de ensino superior (e, em particular, dos professores de filosofia em nível
superior) pode terminar por descaracterizá-los enquanto professores de suas respectivas
disciplinas.
Parece-me, porém, que os “professores [...] não podem abster-se de sua
responsabilidade em guiar o processo de aprendizagem” (CAHN, 2018, p. 1). De fato, o
presente trabalho é o resultado de um esforço pessoal por superar essa ausência de formação
inicial como professor, com vistas à atuação no nível superior. Por isso mesmo, a concepção
de ensino-aprendizagem de filosofia que descreverei aqui rejeita a possibilidade de uma
aprendizagem da filosofia por ‘mimetismo’, retomando o termo de Galichet. Pelo contrário,
proporemos um modelo de aprendizagem de filosofia (e, em especial, do componente

45
Retornaremos à noção de planejamento adiante, no item 3.1. Vale notar desde já, no entanto, que a ênfase na
caracterização do professor como aquele capaz de planejar um processo de ensino-aprendizagem está
fundamentalmente associada à concepção da prática educacional como uma prática intencional. Nas palavras de
J. C. Libâneo (2013, p. 132): “[...] a prática educacional se orienta, necessariamente, para alcançar determinados
objetivos, por meio de uma ação intencional [...]”. Assim, o professor é aquele que coloca objetivos educacionais
e propõe ações que levem à consecução de tais objetivos. Essas ações formam o processo de ensino-
aprendizagem: “as aprendizagens se dão somente em situações de ensino mais ou menos explícitas ou
intencionais, nas quais é impossível dissociar, na prática, os processos de aprendizagem dos de ensino [estos
aprendizajes sólo se dan en situaciones de enseñanza más o menos explícitas o intencionales, en las cuales es
imposible disociar, en la práctica, los procesos de aprendizaje de los de enseñanza]” (ZABALA, 2000, p. 20).
Ora, estabelecer os objetivos educacionais e o processo de ações intencionais (isto é, as situações de ensino-
aprendizagem) que levarão à consecução daqueles objetivos é parte fundamental do trabalho do professor. Como
diz Zabala, a “esta visão processual da prática [...] estão estreitamente ligados o planejamento, a aplicação e a
avaliação [esta visión procesual de la práctica [...] están estrechamente ligadas la planificación, la aplicación y
la evaluación]” (ibid., p. 15). Destarte, é papel fundamental do professor planejar um processo de ensino-
aprendizagem, o qual se comporá de “ações do professor e dos alunos” (GAETA; MASETTO, 2013, p. 70).
Agora, dando mais um passo, poderíamos perguntar: o que seria uma ‘ação intencional’? Se nos voltarmos para
o estudo da palavra ‘intenção’ realizado por G. E. M. Anscombe (1963), lemos que “uma expressão de intenção
é uma descrição de algo futuro no qual o falante é algum tipo de agente; ele justifica tal descrição (se ele a
justifica) por razões para agir, isto é, razões pelas quais seria útil ou interessante [attractive] que a descrição se
tornasse verdadeira [an expression of intention is a description of something future in which the speaker is some
sort of agent, which description he justifies (if he does justify it) by reasons for acting, sc. reasons why it would
be useful or attractive if the description came true]” (ibid., p. 6). A partir dessa descrição, Anscombe adiciona
que ações intencionais (intentional) “são as ações para as quais é aplicável um certo sentido da pergunta ‘por
quê?’ [...] [are the actions to which a certain sense of the question ‘Why?’ is given application]” (ibid., p. 10).
Esse certo sentido de ‘por quê?’ é aquele no qual tal pergunta admite uma razão como resposta (ibid.). Se
adotarmos essa posição para a consideração do processo de ensino-aprendizagem, podemos dizer que as ações
educacionais são intencionais na medida em que sua utilidade ou interesse na consecução de objetivos
educacionais postos pode ser justificada por razões. Dessa maneira, ao caracterizarmos o professor como aquele
que planeja o processo de ensino-aprendizagem, devemos compreender que ele põe objetivos educacionais e
estabelece uma série de ações a serem realizadas por ele próprio e pelos estudantes com vistas à consecução dos
objetivos colocados; para além disso, porém, ele deve ser capaz de justificar por razões a utilidade ou interesse
de tais ações para a consecução dos objetivos colocados. É essa possibilidade de a relação entre ação didática e
objetivo educacional ser justificada pelo professor que caracteriza tal ação como intencional. E, precisamente ao
relacionar ação didática e objetivo educacional, a intencionalidade da ação torna-se marca basilar do
planejamento do processo de ensino-aprendizagem.
37

“História da Filosofia Medieval”) que não exija do estudante a imitação de um modelo, mas
antes a prática ativa da discussão, leitura e escrita filosóficas – isto é, em geral, do discurso
filosófico.
Dessa maneira, parece-me que aquelas duas alegações dos professores de filosofia
denunciadas por François Galichet e das quais partimos nesta etapa – a saber, [i]
‘insuficiência do nível intelectual e cultural dos alunos’ e [ii] uma ‘recusa de filosofar’46 –
apontam não tanto para limitações nos estudantes, mas para falta de formação didático-
pedagógica por parte dos professores. Com efeito, se o professor se propõe a diagnosticar
problemas, deveria ele igualmente propor soluções. Como vimos neste item, sem dúvida há
sérias dificuldades associadas à atuação do professor em nível superior em nosso e em outros
países – isso vale, também, para o ensino da filosofia em nível superior. O mais grave desses
problemas, porém, parece ser a falta de formação didático-pedagógica do professor de
filosofia em nível superior, pois essa ausência de sólida formação para o exercício de sua
função o impede de solucionar todo outro problema diagnosticado. Aqui, pretende-se
justamente propor um planejamento de ensino-aprendizagem de filosofia que assuma a
responsabilidade de democraticamente lidar com os temas discutidos acima.

2.2. Aprendizagem ativa, andragogia e filosofia

Com base na discussão acima, pudemos estabelecer e discutir os vários desafios com
que deve lidar um professor de filosofia em nível superior. A consideração desses desafios, no
entanto, também nos aponta uma possível solução para as dificuldades destacadas, a saber: a
proposta de um processo de ensino-aprendizagem de filosofia que tenha por base o estudante
– as habilidades e interesses que traz consigo –, sem jamais reduzir-se, portanto, à mimética
descrita acima. Consequentemente, essa proposta deve ter por base a atividade filosófica não
do professor, mas do próprio estudante para sua formação. Mas, como propor e executar um
tal processo de ensino-aprendizagem de filosofia? Nossa finalidade na presente etapa do
trabalho é, precisamente, fornecer as bases teóricas – educacionais e filosóficas – para uma tal
proposta. Como veremos, tanto a teoria da educação como a filosofia atuais reclamam um
processo de ensino-aprendizagem centrado na ação do estudante.
Alguns dos principais trabalhos da segunda metade do século XX sobre ensino-
aprendizagem de filosofia foram aqueles desenvolvidos por Matthew Lipman e seus
colaboradores (LIPMAN et al. 1980; LIPMAN, 1988; SPLITTER; SHARP, 1995, entre

46
Cf. nota 1, acima.
38

outros). Para ser preciso, Lipman está particularmente interessado no desenvolvimento de um


currículo para o ensino-aprendizagem da filosofia na educação básica, porém acredito que
seja profícuo iniciar a presente etapa do trabalho pela consideração de suas posições sobre o
tema. Mesmo porque, como veremos adiante, cabe extrapolar algumas de suas teses para o
contexto do ensino-aprendizagem de filosofia em nível superior.
A defesa da necessidade de uma disciplina de filosofia na educação básica está
associada, para Lipman, à estreita relação entre o processo de educação e o desenvolvimento
de habilidades relacionadas ao pensamento:

Leitura e matemática são, por vezes, chamadas de ‘habilidades básicas’, pois


diz-se que elas podem destravar e reforçar outras habilidades cognitivas.
Porém, leitura e matemática são simplesmente duas expressões do
processamento cognitivo; a performance nessas áreas não pode ser melhor
do que as habilidades de pensamento que subjaz a elas. De um ponto de vista
educacional, a melhora das habilidades de pensamento é de importância
crucial e fundamental [...]. Há uma concordância quase que geral de que
crianças com problemas de leitura também terão, provavelmente, limitações
em seu pensar. Aprimorar o modo como tais crianças leem, acredita-se, irá
provavelmente aprimorar o modo como pensam. Mas defendemos que ler e
pensar são interdependentes – um contribui para o outro. Consequentemente,
ajudar a criança a pensar pode muito bem ajudá-la a ler47 (LIPMAN et al.,
1980, p. 16).

Assim, para Lipman a educação é – ou, pelo menos, deveria ser – um processo de
desenvolvimento de habilidades de pensamento, que se reflitam em habilidades como leitura
ou matemática. O problema é, justamente, segundo ele, que a educação escolar não é voltada
para o desenvolvimento das habilidades de pensamento. Isso ocorre, por exemplo, no caso da
aprendizagem das habilidades de leitura: “É estranho o modo como a leitura se tornou um fim
em si mesmo [...]. [...] cada vez mais a ênfase é posta na leitura, enquanto que os processos de
pensamento que ela deveria construir são negligenciados” 48 (ibid., p. 19). O ensino-
aprendizagem da filosofia surge neste contexto, para Lipman, como um espaço na educação
básica voltado para o desenvolvimento de habilidades de pensamento. Temos aqui, portanto, a
defesa da filosofia como uma disciplina do bem pensar: “a filosofia é uma disciplina que

47
“Reading and mathematics are sometimes called ‘basic skills’ because they are said to be able to unlock and to
reinforce other cognitive skills. But reading and mathematics are simply two expressions of cognitive
processing; performance in these areas can be no better than the thinking skills that underlie them. From an
educational point of view, the improvement of thinking skills is of crucial and foundational importance [...].
There is rather general agreement that children with reading problems are also likely to be hampered in their
thinking. Improving the way such children read, it is believed, will likely improve the way they think. But it is
our contention that reading and thinking are interdependent. Each ministers to the other. Consequently, helping
children think can very well result in helping them to read”.
48
“It is odd how reading has become an end in itself. There was a time when it was considered simply a means
[...]. But increasingly the stress is on reading, while the thinking process it was supposed to build are neglected”.
39

contém a lógica e, portanto, concerne a introdução de critérios de excelência no processo de


pensamento, de modo que os estudantes possam passar do mero pensar ao bem pensar”49
(ibid., p. 25). Esse ‘bem pensar’ (thinking well) é um ‘pensar com habilidade’ (skillful
thinking), isto é, um pensamento que tome por critérios os princípios da lógica (ibid., p. 14)50.
Destarte, encontramos em Lipman a concepção de ensino-aprendizagem de filosofia como um
processo que permite o desenvolvimento de habilidades de pensamento51.

49
“Philosophy is a discipline that contains logic and therefore is concerned to introduce criteria of excellence
into the thinking process, so that students can move from merely thinking to thinking well”.
50
“Thinking is natural, but it can also be recognized as a skill capable of being perfected. There are more
efficient and less efficient ways of thinking. We are able to say this with confidence, because we possess criteria
that enable us to distinguish between skillful and clumsy thinking. These criteria are the principles of logic. By
means of such rules, we can tell the difference between valid and invalid inferences”.
51
Nesse contexto, Lipman et al. (1980, p. 43-44) discutem se o desenvolvimento dessas habilidades de
pensamento exigiria necessariamente uma disciplina de filosofia ou não poderia ser realizado por cada professor
nas outras disciplinas já existentes e mais comuns no currículo da educação básica. Sua conclusão é uma
tentativa de ultrapassar a oposição entre essas duas opções: “Não há necessidade, na realidade, de escolher entre
essas duas abordagens que possuem seus méritos, uma vez que elas não são incompatíveis entre si. Aqueles que
ensinaram filosofia para crianças como uma disciplina separada e distinta notaram que ela quase inevitalmente
transborda para outras disciplinas [There is really no need to choose between these two meritorious approaches,
since they are not incompatible with one another. Those who have taught philosophy as a separate and distinct
discipline to children have noted that it almost inevitably spills over into other disciplines]” (ibid., p. 44).
Tanto Brocanelli (2010, p. 34) quanto Obiols (2002, p. 87) veem nessa relação entre a filosofia e as outras
disciplinas escolares o caráter interdisciplinar da primeira. Pois bem, se assumirmos o desafio de
ultrapassamento de um currículo formado por disciplinas estanques e aceitarmos a distinção entre
multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, podemos assim descrever estas últimas,
seguindo Anastasiou (2004): a multidisciplinaridade “é caracterizada pela proposição simultânea de disciplinas
[...], sem que se explicitem relações entre elas [...]” (ibid., p. 52); já a interdisciplinaridade exige a “interação de
campos conceituais, leis e princípios, podendo até ocorrer o surgimento de uma nova disciplina, como é o caso
da bioquímica” (ibid.); por fim, a transdisciplinaridade “corresponde a uma integração total, dentro de um
sistema globalizador, de modo a explicar a realidade para além do parcelamento disciplinar” (ibid.). De fato, se
seguirmos essas definições, a filosofia possui um caráter interdisciplinar, como querem Brocanelli e Obiols, na
medida em que sua interação com outras áreas do saber pode ser extremamente íntima e profícua, levando
mesmo ao surgimento de novas disciplinas, como filosofia da matemática, filosofia do direito, filosofia da
ciência, entre outras. Por outro lado, ultrapassando a abordagem disciplinar, a filosofia pode ser pensada também
de um ponto de vista transdisciplinar, na medida em que ela “pode tomar a forma de uma investigação sobre as
estruturas epistêmicas e a ética [morals] de outras disciplinas, aprendizagem e práticas [it can take the form of an
enquiry into the epistemic structures and morals of other disciplines, learning and practices]” (UNESCO, 2007,
p. 108). De fato, como veremos no próximo item, um processo de aprendizagem de filosofia pode integrar
conteúdos que, retomando a distinção de Zabala (1995, p. 132; 2000, p. 81-88), vão além daqueles conceituais e
procedimentais, atingindo os atitudinais. Isso coloca a aula de filosofia como um espaço propício a uma
abordagem transdisciplinar ao modo de Edgar Morin (2005, p. 29), isto é, que tome o homem como um todo
“simultaneamente biológico, físico, social, afetivo, racional [ainsi l’être humain est à la fois biologique,
psychique, social, affectif, rationnel]” (MORIN, 1999, p. 16).
Nesse sentido, poderíamos dizer que as diversas competências abordadas em um componente de filosofia (como
problematização, leitura etc., cf. o próximo item) são, em seu nível mais geral, transversais – seja com respeito a
outros componentes do curso de filosofia, seja com respeito a outras áreas do saber –, se compreendermos os
temas transversais como aqueles que “devem impregnar toda a prática educativa e estar presentes em diferentes
áreas curriculares [se denomina temas transversales, de los que se dice que deben impregnar toda la práctica
educativa y estar presentes en las diferentes áreas curriculares]” (MORENO, 1993, p. 12 – cf. tb. GALLO,
2006). Quiçá, precisamente por essa transversalidade das competências associadas à filosofia, seja esta uma área
tão propícia a uma abordagem inter- ou transdisciplinar (para uma tentativa de aproximação entre
transversalidade e de interdisciplinaridade, cf. ARAÚJO, 2014). Em todo caso, vemos como a discussão
levantada por Lipman sobre a relação entre aprendizagem de filosofia e aprendizagem de outras disciplinas pode
ser aprofundada.
40

Estabelecida a função da filosofia na educação, porém, surge o problema de


compreender como essa função pode ser cumprida. Para Lipman, isso só pode ser feito na
medida em que a sala de aula for convertida em uma ‘comunidade de investigação’, que se
caracteriza pela “prontidão para o raciocínio, pelo respeito mútuo (das crianças entre si e entre
as crianças e o professor) e pela ausência de doutrinação” 52 (ibid., p. 45). Esse será um
contexto propício para o desenvolvimento de um processo dialógico (LIPMAN, 2003, p. 83-
84; cf. MURARO; SOUSA, 2019, p. 81) de aprendizagem. Estabelecidas essas condições em
sala da aula, é possível que os próprios estudantes, em parceria com o professor, coloquem em
prática o pensar filosófico:

Quando as crianças são encorajadas a pensar filosoficamente, a sala de aula


é convertida em uma comunidade de investigação [community of inquiry].
Tal comunidade é comprometida com os procedimentos de investigação,
com técnicas responsáveis de pesquisa que pressuponham abertura à
evidência e à razão. Pressupõe-se que esses procedimentos da comunidade,
uma vez internalizados, se tornam hábitos refletidos do indivíduo 53
(LIPMAN et al., 1980, p. 45).

Assim, de acordo com Lipman, o meio pelo qual os estudantes desenvolvem as habilidades
associadas ao bem pensar é a prática desse pensar em um contexto propício a tal prática. Esse
contexto será aquele de abertura para um diálogo com base em critérios de racionalidade, no
qual todos os membros da comunidade sejam igualados por um respeito mútuo. O papel do
professor nesse processo dialógico será aquele de guiar a discussão, mantendo o caráter
cooperativo e racional desta (ibid., p. 104-128), sem oferecer respostas fáceis – mesmo
porque muitos dos problemas abordados em uma aula de filosofia não terão respostas óbvias e,
além disso, toda ênfase deve recair no “processo de discussão”54 (ibid., p. 103 – grifo no
orig.). De fato, grande parte da importância do professor estará em fazer, no momento
propício, as perguntas adequadas 55 , isto é, que contribuam para que o diálogo seja,
preponderantemente, entre estudantes, de modo que estes possam ouvir uns aos outros e,
assim, aprender uns com os outros (ibid., p. 104-106).

52
“Certain conditions are prerequisites: the readiness to reason, mutual respect (of children towards one another,
and of children and teachers towards one another), and an absence of indoctrination”.
53
“When children are encouraged to think philosophically, the classroom is converted into a community of
inquiry. Such a community is committed to the procedures of inquiry, to responsible search techniques that
presuppose an openness to evidence and to reason. It is assumed that these procedures of the community, when
internalized, become the reflective habits of the individual”.
54
“[...] the stress in the philosophy for children program is on the process of discussion [...]”.
55
A descrição dos tipos de ‘pergunta’ relevantes para o funcionamento comunidade de investigação, tal como
descrita por Lipman, é objeto de estudo em SPLITTER; SHARP, 1995, p. 48-63. Retornaremos a esse tema no
próximo item.
41

Mas, como se pode pressupor que os procedimentos colocados em prática na


comunidade de investigação propiciarão um desenvolvimento em nível individual? A resposta
para essa pergunta está na noção de experiência. Segundo Lipman, “nenhum planejamento
educacional será merecedor desse nome se não resultar em experiências significativas na
escola e fora da escola” 56 (ibid., p. 8). Ora, uma ‘experiência significativa’ (meaningful
experience) para os estudantes é uma experiência que proporcione “a percepção de relações
parte-todo, assim como também de relações meio-fim”57 (ibid.), isto é, que tenha contexto,
pois “o que não possui contexto não possui significado”58 (ibid., p. 9). É precisamente como
uma experiência significativa que a comunidade de investigação contribui para o
desenvolvimento individual de seus participantes – ela é um contexto no qual o indivíduo
toma parte de um trabalho colaborativo por meio do pensamento e do discurso racionais.
Inserido em um contexto propício, ele aprende por experiência o uso e a prática do diálogo
racional59.

56
“[...] as far as children themselves are concerned, no educational plan will be worthy of the name unless it
results in meanignful school and after-school experiences [...]”.
57
“It has already been indicated that meanings emerge from the perception of part-whole relationships as well as
of means-end relationships”. Novamente, flertamos aqui com a noção de aprendizagem significativa, sobre a
qual cf. a nota 17, acima.
58
“In this sense, what has no context has no meaning”.
59
Sobre a comunidade de investigação como experiência, cf. MURARO; SOUSA, 2019, p. 85. Para de fato
compreendermos os fundamentos da tese de Lipman segundo a qual a aprendizagem individual ocorre a partir da
experiência na comunidade de investigação é preciso recorrer à obra de Lev Vigostski, uma das principais
influências de Lipman et al. (1980, p. 23). Para Vigostki, o “processo de educação deve basear-se na atividade
pessoal do aluno, e toda a arte do educador deve consistir apenas em orientar e regular essa atividade”, pois, “no
processo educacional, a experiência pessoal do aluno é tudo” (VIGOSTSKI, 2001, p. 64). Essa experiência ativa
do estudante é concebida por Vigotski como fundamentalmente social, como fica claro pelo fato de o autor
considerar que o educador regula a atividade do aluno precisamente ao agir como um “organizador e
administrador do meio social educativo” (ibid., p. 67). Para tanto, o educador deve tomar como ponto de partida
a “própria experiência do aluno, a qual é inteiramente determinada pelo meio” (ibid.) – isto é, pelo meio social.
Por outro lado, o próprio Vigostki afirma que “o processo educacional é um processo psicológico [...]” (ibid., p.
10). Ou seja, de alguma maneira, o meio social influi em processos psicológicos do indivíduo durante a
aprendizagem. Pois bem, o mecanismo pelo qual a experiência determinada pelo meio social influi na
aprendizagem do indivíduo é aquilo que Vigotski denomina ‘internalização’. De fato, segundo ele, o processo
“de internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto
característico da psicologia humana [...]” (VIGOTSKI, 2007, p. 58). Através desse processo, as interações
sociais (entre mãe/pai e filho/a, entre colegas, entre estudante e professor etc.) por meio de signos externos
levam ao desenvolvimento das funções superiores internas – assim, gradualmente a fala externa produz uma
“fala interna” e o pensamento complexo (ibid.). Nesse sentido, para Vigotski, aprendizagem e desenvolvimento
estão profundamente entrelaçados, de modo que se, de um lado, o processo de aprendizagem deve ser planejado
de acordo com os níveis de desenvolvimento do aluno, de outro, o próprio processo de aprendizagem influi no
desenvolvimento do indivíduo (ibid., p. 95). Para explicar como essa complexa relação ocorre, o autor introduz a
distinção entre Zona de Desenvolvimento Real (ZDR) e Zona de Desenvolvimento Proximal ou Imediato (ZDI).
A primeira é “o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado
de certos ciclos de desenvolvimento já ‘completados’” (ibid., p. 95-96 – grifo no orig.). A ZDR de dado
indivíduo poderá ser determinada pela observação daquelas tarefas que o indivíduo pode realizar por si. Já a ZDI
de dado indivíduo é determinada por aquelas tarefas que ele consegue realizar com ajuda de outrem (2007, p. 96),
pois “[e]la é a distância entre o nível de desenvolvimento real [...] e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com
companheiros mais capazes” (ibid., p. 97). Ou seja, a ZDI se compõe daquelas “funções que ainda não
42

Como vemos, Lipman e seus colaboradores desenvolveram uma concepção de ensino-


aprendizagem de filosofia que põe forte ênfase na atividade filosófica dos estudantes –
particularmente, em sua atividade de diálogo –, sendo o professor antes de tudo aquele que
guia e propicia esse contexto de diálogo filosófico. A proposta de Lipman exerceu razoável
influência no contexto da educação básica brasileira60, sendo também alvo de críticas entre
nós61. Não será o caso aqui, porém, de nos debruçarmos sobre essa recepção – positiva ou
crítica –, haja vista o fato de ela dizer respeito principalmente às polêmicas acerca do ensino-
aprendizagem de filosofia na educação básica. Por outro lado, importa destacar aqueles que
parecem ser os dois elementos fundamentais da proposta de Lipman: [i] a defesa da
necessidade de uma aprendizagem da filosofia com base na atividade filosófica do estudante;
e [ii] a defesa de uma aprendizagem colaborativa, na qual os diferentes membros da
comunidade possam tomar parte igualmente. Uma educação ativa e colaborativa contribui
para a solução dos desafios discutidos no item anterior, pois abre espaço para uma
aprendizagem com base na ação dos estudantes e na diversidade de seus interesses. O
problema que se põe para nós é aquele da possibilidade de aplicar essas duas características
fundamentais da proposta de Lipman ao planejamento do processo de ensino-aprendizagem
de filosofia em nível superior.
Pois bem, se nos voltamos para um autor como Guillermo Obiols (2002), vemos
justamente a defesa de uma didática da filosofia em nível superior com essas duas
características. Assim, a uma aula de filosofia em que sejam marcantes a ação do professor e a
passividade dos estudantes (ibid. p. 36)62, Obiols opõe um processo de ensino-aprendizagem

amadureceram, mas que estão em processo de maturação [...]” (ibid., p. 98). Destarte, a maturação dessas
funções ocorre justamente na interação com outros – ou seja, em interação social. Sendo assim, quando Vigostki
afirma que o papel do professor é de organização e regulação de um meio social propício para experiências
ativas e educativas por parte dos alunos, ele o faz porque aprendizagem e desenvolvimento – cada um a seu
ritmo e de maneira complexamente entrelaçada (ibid., p. 103) – só se dão pela internalização da interação social.
Voltando a Lipman, é por essa razão que este último pode defender que a interação em uma comunidade de
investigação seja um mecanismo eficaz para a aquisição de habilidades de pensamento em nível individual – em
um palavra, isso ocorre por internalização.
60
Dentre as obras dos principais responsáveis pela recepção brasileira da proposta de Lipman para a
aprendizagem de filosofia, podemos citar: LORIERI, 2002; KOHAN, 2008; MURARO; SOUSA, 2019. Vale
notar que o prof. Darcísio Muraro vem oferecendo, nos últimos anos, cursos de formação de professores no
Instituto de Filosofia e Educação para o Pensar / Fundação Sidónio Muralha (Curitiba, PR), com base no
programa de Lipman.
61
Para as principais críticas recebidas no Brasil à concepção de aprendizagem de filosofia proposta por Lipman,
cf. SILVEIRA, 2001 e 2003. Particularmente interessante é a descrição, em SILVEIRA, 2003, p. 89-115, das
discussões sobre ensino de filosofia que ocorreram na década de 1980 por ocasião da tentativa de implantação da
proposta de Lipman na educação básica do Estado de São Paulo.
62
“Aunque a veces la exposición del profesor titular o la lectura y comentario de textos del docente auxiliar
pueden ser originales y hasta brillantes, desde hace años, esta metodología tradicional ha sido objeto de críticas
entre las que se ha señalado que el alumnado tiene un papel demasiado pasivo, que lo que aprende es una
cantidad de contenidos enciclopédicos pero que no logra desarrollar habilidades intelectuales específicas”.
43

“que se funda no diálogo argumentativo entre aqueles envolvidos diretamente na aula, que
além de dialogarem entre si têm a obrigação de pensar os problemas filosóficos com os
filósofos, os textos filosóficos, a história da filosofia, o conhecimento científico etc.”63 (ibid.,
p. 81 – grifo meu). Temos aqui, parece-me, o fundamental da proposta de Lipman aplicado ao
ensino-aprendizagem de filosofia em nível superior. Para Obiols, a aula de filosofia em nível
superior deve ser não apenas um espaço dedicado à “exposição do professor titular ou a
leitura e comentário de textos do docente auxiliar” que “podem ser originais ou, mesmo,
brilhantes” 64 (ibid., p. 36), mas deve ser antes um espaço de atividade de professores e
estudantes no qual se pratique conjuntamente o pensamento filosófico, fazendo-se da “sala de
aula um lugar de ensino e produção filosófica” 65 (ibid., p. 65; cf. tb. ibid., p. 81). Um
elemento que, adiante, mostraremos ser basilar nessa pratica conjunta já é destacado em uma
das citações de Obiols, a saber: a leitura conjunta e colaborativa de textos filosóficos. De fato,
como vimos na etapa anterior, um dos maiores desafios enfrentados por docentes de filosofia
em nível superior são as dificuldades de leitura herdadas do nível médio pelos estudantes.
Assim, proporemos que essa aprendizagem ativa e colaborativa de filosofia tenha por base,
precisamente, a colocação de problemas e a discussão acerca deles com base na leitura de
textos filosóficos66.
Antes, entretanto, de adentrarmos os detalhes das competências a serem postas em
prática na aprendizagem de filosofia segundo a concepção de ensino-aprendizagem aqui
proposta para esta área, é preciso ressaltar que tal concepção não é externa à filosofia. Pelo
contrário, a exigência de um planejamento de ensino-aprendizagem de filosofia que envolva a
participação ativa dos estudantes é fruto da própria reflexão filosófica contemporânea.
Um dos filósofos apontados como fonte tanto por Matthew Lipman (2003, p. 34-38; cf.
tb. BROCANELLI, 2010, p. 42-60) como por Guillermo Obiols (2002, p. 72-73) é John
Dewey. Este último desenvolve toda uma teoria da educação associada à defesa de uma
sociedade democrática. Com efeito, para Dewey, a democratização da sociedade está
diretamente atrelada à exigência de uma educação sistemática:

Do ponto de vista da educação, notamos primeiramente que a realização de


uma forma de vida social na qual interesses são mutuamente interpenetrantes

63
“El modelo es emancipador para los estudiantes y para el profesor en la medida que se funda en el diálogo
argumentativo entre los involucrados directamente en la classe, que además de dialogar entre sí, tienen la
obligación de pensar en los problemas filosóficos con los filósofos, los textos filosóficos, la historia de la
filosofia, el conocimiento científico, etc.”.
64
Cf. nota 62, acima.
65
“[...] haga del aula un sitio de enseñanza y de producción filosófica”.
66
Cf. próximo item.
44

e onde o progresso – ou o reajuste – é uma consideração importante torna


uma comunidade democrática mais interessada na educação deliberada e
sistemática do que outras comunidades têm razão para ser. A devoção da
democracia à educação é um fato familiar. A explicação superficial é que o
governo, repousando sobre o sufrágio popular, não pode ser bem-sucedido
sem que aqueles que elegem e obedecem seus governantes sejam educados
[...]. Mas há uma explicação mais profunda. Uma democracia é mais do que
uma forma de governo; ela é primordialmente um modo de vida em
associação, de experiência conjunta comunicada [...]. Uma sociedade que é
móvel, que é cheia de canais para a distribuição de uma mudança que ocorre
em todo lugar precisa garantir que seus membros sejam educados para a
iniciativa pessoal e adaptabilidade67 (DEWEY, 1944, p. 87-88).
Nesse trecho, estão presentes algumas das principais características da noção de educação
desenvolvida por Dewey, a saber: a já sublinhada relação entre democracia e educação, mas
também a relação entre, de um lado, a educação e, de outro, os interesses e experiências
compartilhados, típicos de uma sociedade democrática.
De fato, Dewey é historicamente associado ao movimento da ‘educação nova’ (em
suas próprias palavras, new education – DEWEY, 1997 [1938], p. 19)68 que, segundo ele,
possui por princípio fundamental o reconhecimento de que “há uma íntima e necessária
relação entre os processos de experiência factual [actual] e educação”69 (ibid., p. 20). Tão
fundamental é a relação entre experiência e educação nesse quadro, que para Dewey a própria
seleção de métodos e materiais educacionais deveria ter por base a proposta filosófico-
psicológica de uma ‘teoria da experiência’ (ibid., p. 30)70. Essa teoria estabeleceria, entre
outras conclusões, que haveria um continuum experiencial (ibid., p. 33), de modo “que toda
experiência tanto recebe algo daquelas que ocorreram antes como modifica, de alguma
maneira, a qualidade daquelas que vierem depois” 71 (ibid., p. 35). Sendo esse o caso, o

67
“Upon the educational side, we note first that the realization of a form of social life in which interests are
mutually interpenetrating, and where progress, or readjustment, is an important consideration, makes a
democratic community more interested than other communitites have cause to be in deliberate and systematic
education. The devotion of democracy to education is a familiar fact. The superficial explanation is that a
government resting upon popular suffrage cannot be successful unless those who elect and who obey their
governos are educated [...]. But there is a deeper explanation. A democracy is more than a form government; it is
primarily a mode of associated living, of conjoint communicated experience [...]. A society which is mobile,
which is full of channels for the distribution of a change occurring anywhere, must see to it that its members are
educated to personal initiative and adaptability”.
68
No Brasil, a concepção de educação de Dewey foi basilar para autores como Fernando de Azevedo e Anísio
Teixeira, entre outros associados ao movimento da Escola Nova ou ‘escolanovista’, que dominou as discussões
sobre a educação brasileira entre as décadas de 1930 e 1970. A noção de educação associada ao movimento pode
ser conhecida, em suas linhas gerais, pela leitura de seus Manifestos, publicados em 1932 e 1959 (cf. AZEVEDO
et al., 2010). A principal crítica ao movimento escolanovista viria somente com Escola e Democracia, de
Dermeval Saviani (2018), cuja primeira edição veio à luz 1983.
69
“[...] there is an intimate and necessary relation between the processes of actual experience and education”.
70
“So we come back to the idea that a coherent theory of experience, affording positive direction to selection
and organization of appropriate educational methods and materials, is required by attempt to give new direction
to the work of schools” (grifo no orig.).
71
“[...] the principle of continuity of experience means that every experience both takes up something from those
which have gone before and modifies in some way the quality of those which come after”.
45

trabalho docente consiste em selecionar e propor aos estudantes aquelas experiências mais
adequadas – isto é, mais bem relacionadas às experiências já possuídas por estes – para que
eles possam expandir suas respectivas capacidades de obter novas experiências. Nas palavras
do autor:

É essencial, também, que novos objetos e eventos sejam intelectualmente


relacionados àqueles de experiências anteriores [...]. Assim, torna-se ofício
do educador selecionar aquelas coisas que estejam no âmbito da experiência
existente, as quais tenham a promessa e a potencialidade de apresentar novos
problemas que, estimulando novas maneiras de observação e juízo, venham
a expandir o campo de mais experiência. Ele deve constantemente observar
o que já foi ganho não como uma posse fixa, mas como uma capacitação e
instrumentalização para a abertura a novos campos [...]72 (ibid., p. 75).
Em poucas palavras, portanto, o professor é aquele que, conhecendo bem as experiências já
possuídas pelos estudantes, propõe experiências novas que, a partir daquelas já possuídas, os
capacitem a buscar ainda mais experiências. Porém, é preciso destacar que, nesse contexto, as
experiências são concebidas fundamentalmente como atividades a serem realizadas pelos
estudantes (ibid., p. 84). Não qualquer atividade, mas uma atividade proposta como meio para
a obtenção de uma finalidade ou propósito (ibid.), associado ao desenvolvimento educacional
do estudante73. Destarte, propor experiências educacionais é propor atividades que, a partir
das experiências anteriores dos estudantes, ampliem o campo das experiências futuras
possíveis para estes últimos.
Por fim, para conhecer o estágio atual de desenvolvimento do estudante – de modo a
propor atividades que sejam experiência educacionais efetivas para ele –, deve-se atentar para
seus interesses. Com efeito, tratando da educação básica, Dewey nos diz que os “interesses
devem ser observados, na medida em que mostram o estado de desenvolvimento que a criança
atingiu”74 (1897, p. 15); da mesma maneira, os interesses “profetizam o estágio no qual ela
está para entrar”75 (ibid.). Ainda nas palavras do autor:

[...] esses interesses não devem ser saciados nem reprimidos. Reprimi-los é
substituir a criança pelo adulto e, assim, enfraquecer a curiosidade e a
atenção [alertness] intelectual, suprimir a iniciativa e amortecer o interesse.
Saciar os interesses é substituir o permanente pelo transitório. O interesse é

72
“It is also essential that the new objects and events be related intellectually to those of earlier experiences [...].
It thus becomes the office of the educator to select those things within the range of existing experience that have
the promise and potentiality of presenting new problems which by stimulating new ways of observation and
judgement will expand the area of further experience. He must constantly regard what is already won not as a
fixed possession but as an agency and instrumentality for opening new fields which make new demands upon
existing powers of observation and of intelligent use of memory”.
73
Sobre o caráter intencional do planejamento educacional, cf. a nota 45, acima.
74
“I believe that these interests are to be observed as showing the state of development which the child has
reached”.
75
“I believe that they prophesy the stage upon which he is about to enter”.
46

sempre o sinal de alguma faculdade subjacente; o importante é descobrir


essa faculdade. Saciar o interesse é deixar de penetrar abaixo da superfície
[...]76 (ibid.).

Em suma, o trabalho do educador é atentar para o interesse do estudante e, assim, descobrir


seu estágio de desenvolvimento, as experiências que já possui. Feito isso, o educador estará
em posição de propor novas experiências em forma de atividades que, tomando por esteio as
experiências que os estudantes já possuem, ampliem seus horizontes de novas experiências.
Como vemos, ao tomar como elementos fundamentais as noções de experiência (aqui
entendida como atividade) e interesse, essa concepção de educação se associa diretamente à
concepção de democracia que vimos Dewey formular há pouco. De fato, uma vez que a
sociedade democrática tem por fundamento a interpenetração de interesses e a experiência
conjunta de iniciativa e ação, a educação voltada para a formação do indivíduo que tome parte
em tal sociedade deve ter por base o cultivo do interesse77 e o desenvolvimento por meio da
experiência ativa. Ou seja, como em Lipman ou Obiols, estamos em face de uma concepção
de educação fundamentada na aprendizagem ativa do estudante, mas em Dewey torna-se mais
claro como essa concepção de educação é consequência direta de um posicionamento
filosófico – no caso, uma ética de defesa da sociedade democrática78.

76
“I believe that these interests are neither to be humored nor repressed. To repress interest is to substitute the
adult for the child, and so to weaken intelectual curiosity and alertness, to suppress initiative, and to deaden
interest. To humor the interests is to substitute the transient for the permanent. The interest is always the sign of
some power below; the important thing is to discover this power. To humor the interest is to fail to penetrate
below the surface [...]”.
77
Ainda sobre a relação entre educação, democracia e interesse em Dewey, cf. MURARO, 2019. Note-se que,
tal como ocorria no item anterior em meio à discussão sobre motivação para o estudo, mais uma vez vemos ser
destacada a centralidade do interesse do estudante para um processo de ensino-aprendizagem que se queira
democrático.
78
Outro autor que desenvolve uma teoria da educação estritamente atrelada à defesa da sociedade democrática é
Jean Piaget. Em sua investida contra a relação entre coerção ou autoridade e educação estabelecida por Émile
Durkheim (cf., por exemplo, 2013, pp. 57-8, 66-7), Piaget nos diz: “A sociedade contemporânea tem por ideal a
cooperação: dignidade da personalidade e respeito pela opinião comum elaborada na discussão livre. Como se
leva a criança a este espírito cívico e humano que as sociedades democráticas postulam: seria pela própria
prática da cooperação a partir do momento em que ela seja psicologicamente possível, pela democracia na escola,
segundo a feliz expressão de Foerster, ou por uma iniciação verbal aos mecanismos da sociedade adulta? As
lições de história e de sociologia, os comentários de instrução cívica e de iniciação jurídica terão o menor
impacto sobre o espírito infantil se a escola continuar a ser o sistema monárquico de autoridade que Durkheim
preconiza? [La société contemporaine a pour idéal la coopération: dignité de la personnalité et respect de
l’opinion commune élaborée dans la discussion libre. Comment amener l’enfant à cet esprit civique et humain
que postulent les sociétés démocratiques: est-ce par la pratique même de la coopération, dès que celle-ci est
psychologiquement possible, para la démocratie à l’école suivant l’heureuse expression de Foester, ou par une
initiation verbale aux mécanismes de la société adulte? Les leçons d’histoire et de sociologie, les commentaires
d’instruction civique et d’initiation juridique auront-ils la moindre prise sur l’esprit enfantin, si l’école reste le
système monarchique d’autorité que préconise Durkheim?]” (1973, p. 297). Sobre a discussão entre Piaget e
Durkheim, cf. LA TAILLE et al., 2016, p. 55-62. Ainda que com base em uma concepção de democracia distinta
daquela de Dewey ou Piaget, Paulo Freire igualmente destaca a fundamental relação entre educação e
democracia: “Parecia-nos, deste modo, que, das mais enfáticas preocupações de uma educação para o
desenvolvimento e para a democracia, entre nós, haveria de ser a que oferecesse ao educando instrumentos com
47

Dito isso, é importante frisar que outra característica basilar da concepção de educação
– e, em especial, de educação filosófica – defendida por Lipman está igualmente associada a
desenvolvimentos contemporâneos da filosofia, a saber: o caráter dialógico do processo de
ensino-aprendizagem. Sem dúvida, a ênfase no caráter dialógico da educação é marcada no
discurso pedagógico contemporâneo 79 . Para além disso, porém, muitos filósofos atuais
destacam a centralidade da comunicação discursiva e dialógica, seja como fundamento da
sociedade contemporânea, seja como elemento característico do próprio fazer filosófico, seja,
finalmente, como base para o processo educativo.
Com efeito, um dos autores mais importantes a pensar a comunicação de um ponto de
vista filosófico nos séculos XX e XXI tem sido Jürgen Habermas. No artigo Teorias da
verdade, publicado primeiramente em 1973, Habermas defende o que denomina como ‘teoria
da verdade por consenso’. Segundo tal posição, a validade de uma asserção deve possuir por
critério uma situação de fala, na qual:

as comunicações não somente não são impedidas por influências externas


contingentes, mas tampouco o são por coerções que se deem a partir da
própria estrutura da comunicação. A situação ideal de fala exclui distorções
sistemáticas da comunicação. E, de fato, a estrutura da comunicação
somente deixa de produzir coerção se for dada a todo participante do
discurso uma distribuição simétrica das oportunidades de escolher e executar
atos da fala80 (HABERMAS, 1984, p. 177).

Em outras palavras, a situação de fala que permite a produção de asserções que possam ser
tidas por válidas por todos os falantes – ou seja, a ‘situação ideal de fala’ (ideale

que resistisse aos poderes do ‘desenraizamento’ de que a civilização industrial a que nos filiamos está
amplamente armada [...]. Uma educação que possibilitasse ao homem a discussão corajosa de sua problemática.
De sua inserção nesta problemática” (FREIRE, 2011, p. 118).
79
Uma das defesas mais eloquentes da dialogicidade da educação é aquela realizada por Paulo Freire. De fato,
sua oposição à educação ‘bancária’, na qual “o educador vai ‘enchendo’ os educandos de falso saber, que são os
conteúdos impostos” (FREIRE, 2018, p. 100), em favor de uma ‘prática problematizadora’, em que “vão os
educandos desenvolvendo o seu poder de captação e de compreensão do mundo que lhes aparece, em suas
relações com ele [...] como uma realidade em processo” (ibid.), está atrelada à sua concepção de ‘diálogo’ como
“uma exigência existêncial”, como “o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos
endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado” e que “não pode reduzir-se a um ato de depositar
ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos
permutantes” (ibid., p. 109). Em Freire, essa concepção de diálogo “como encontro dos homens, mediatizados
pelo mundo, para pronunciá-lo” (ibid. – grifo no orig.) torna-se elemento central para a descrição daquela
educação que se quer problematizadora. De fato, tal educação é essencialmente dialógica (ibid., p. 107-166).
Piaget (1977, p. 143-171) é outro autor a destacar a relação entre diálogo e educação, agora de um ponto de vista,
a uma só vez, psicológico e sociológico (LA TAILLE et al., 2016, p. 11-21) – cf., adiante, a nota 82.
80
“Ideal nenne ich eine Sprechsituation, in der Kommunikationen nicht nur nicht durch äußere kontingente
Einwirkungen, sondern auch nicht durch Zwänge behindert werden, die sich aus der Struktur der
Kommunikation selbst ergeben. Die ideale Sprechsituation schließt systematische Verzerrungen der
Kommunikation aus. Und zwar erzeugt die Kommunikationsstruktur nur dann keine Zwänge, wenn für alle
Diskursteilnehmer eine symmetrische Verteilung der Chancen, Sprechakte zu wählen und auszuführen, gegeben
ist”.
48

Sprechsituation – cf. ibid.) é aquela situação na qual todos os falantes possuem iguais
oportunidades de fala, sem que nenhum participante seja atingido por qualquer tipo de
coerção. Somente em uma tal situação de fala é possível dizer que há uma busca pelo
consenso entre os participantes do diálogo. Assim, “qualquer consenso que seja construído
argumentativamente sob as condições de uma situação ideal de fala pode ser visto como
critério para o cumprimento de cada pretensão de validade tematizada” 81 (1984, p. 179).
Enfim, descrita filosoficamente, a situação de fala que pode ser tomada como critério para a
discussão sobre a validade de asserções ou crenças é aquela na qual todo e cada participante
possui igual oportunidade de ação e fala82.
Ora, temos aqui uma possível descrição filosófica do diálogo, por assim dizer,
legítimo em uma sociedade na qual se defenda oportunidades de discurso e ação simétricas
para todo e qualquer indivíduo. Porém, há autores que atribuem à filosofia não somente o
papel de descrever um tal diálogo, mas igualmente aquele de promovê-lo. Richard Rorty, por
exemplo, defende que “o ponto de edificar a filosofia é manter a conversa fluindo e não
encontrar uma verdade objetiva”83 (2009, p. 377). Para Rorty, ‘manter a conversa’ é “um
objetivo suficiente para a filosofia”, assim como a ‘sabedoria’ consiste justamente “na
habilidade de sustentar uma conversa”84 (ibid., p. 378). Ou seja, agora a filosofia surge não
apenas como o campo teórico no qual o diálogo é descrito, mas igualmente como aquele saber
que promove o diálogo – construir a filosofia é manter a conversa viva! Nesse caso, aprender
filosofia é aprender a continuar a conversa, o diálogo. Mas, como fazê-lo?
Uma pista nos é dada por Stanley Cavell (1979, p. 125), quando diz: “ao filosofar,
devo trazer à imaginação minha própria linguagem e vida. Preciso reunir os critérios de minha
cultura para confrontá-los com minhas palavras e vida tal como as tomo e como as posso
imaginar [...]”. Em poucas palavras, devo “confrontar a cultura consigo mesma ao longo das
linhas pelas quais ela me atinge”85. Segundo Cavell, essa é “a tarefa que justifica o nome de

81
“Deshalb darf jeder Konsensus, der argumentativ unter Bedingungen einer idealen Sprechsituation erzeugt
worden ist, als Kriterium für die Einlösung des jeweils thematisierten Geltungsanspruchs angesehen werden”.
82
Vale notar que Jean Piaget igualmente buscou desenvolver uma teoria da comunicação – mais propriamente,
em suas palavras, de ‘troca intelectual’ – na qual são distinguidos sistemas de reciprocidade entre participantes,
aos quais se segue um equilíbrio, e sistemas de coerção, aos quais se segue um desequilíbrio (PIAGET, 1977, p.
158-68; cf. tb. LA TAILLE et al., 2016, p. 11-21).
83
“[...] the point of edifying philosophy is to keep the conversation going rather than to find objective truth”.
84
“To see keeping a conversation going as a sufficient aim of philosophy, to see wisdom as consisting in the
ability to sustain a conversation, is to see human beings as generators of new descriptions rather than beings one
hopes to be able to describe accurately”.
85
“In philosophizing, I have to bring my own language and life into imagination. What I require is a convening
of my culture’s criteria, in order to confront them with my words and life as I pursue them and as I may imagine
them [...]: to confront the culture with itself, along the lines in which it meets in me”.
49

filosofia” e, “sob essa luz, a filosofia se torna a educação de adultos”86 (ibid.). Temos aqui,
portanto, finalmente, a filosofia como educação. Por meio dela, nos voltamos para nossa
cultura e perguntamos “por que fazemos o que fazemos, julgamos como julgamos, como
chegamos a essa encruzilhada” 87 (ibid.). Isto é, perguntamos não somente sobre o que
fazemos ou como julgamos, mas perguntamos também por que perguntamos – questionamos
nossa cultura e o fato de ela nos levar a questioná-la.
Com isso, nos aproximamos curiosamente de outra obra, que não se quer filosófica,
mas chega a um resultado semelhante àquele defendido por Cavell. Com efeito, se vamos ao
livro Ensinar como atividade subversiva, os autores N. Postman e C. Weingartner descrevem
a concepção de educação por eles proposta justamente como aquela que permite ao indivíduo
adotar uma perspectiva para além de sua própria cultura:

Estamos falando de as escolas cultivarem nos jovens aquele mais


‘subversivo’ instrumento intelectual – a perspectiva antropológica. Essa
perspectiva permite que alguém seja parte de sua própria cultura e, ao
mesmo tempo, esteja fora dela. Veem-se as atividades de seu próprio grupo
como um antropólogo as veria, observando seus rituais tribais, seus medos,
suas presunções, seu etnocentrismo88 (1969, p. 4 – grifo no orig.).

Ora, se seguirmos Cavell, a filosofia pode ser, justamente, essa educação ‘subversiva’ a que
se referiam Postman e Weingartner.
Nesse ponto, acredito, está claro como se torna improvável uma aprendizagem
contemporânea da filosofia que se fie na passividade dos estudantes. Se a filosofia se propõe
como um discurso acerca da comunicação (como para Habermas) e, mais, como promotora
dessa conversa (como diz Rorty) e desse diálogo que se coloca para além de barreiras
culturais (como quer Cavell), essa ‘filosofia como educação de adultos’ só poderá ser
aprendida pela prática ativa, pela participação dos estudantes em tal diálogo89. Voltando a
uma citação de Postman e Weingartner (ibid., p. 19) que já encontramos neste trabalho, “o

86
“This seems to me a task that warrants the name of philosophy [...]. In this light, philosophy becomes the
education of grownups”. Essa concepção de ‘filosofia como educação de adultos’ foi retomada por Hilary
Putnam (1999) e, mais recentemente, por Pierre Hadot (2010), que à relaciona à filosofia antiga (com especial
atenção à República de Platão) e à filosofia moderna (com ênfase na Antropologia de um ponto de vista
pragmático de Immanuel Kant). Ainda sobre o texto de Cavell, cf. ROCHA, 2000, p. 170-173.
87
“But I may take the occasion to throw myself back upon my culture, and ask why we do what we do, judge as
we judge, how we have arrived at these crossroads”.
88
“We are talking about the schools’ cultivating in the young that most ‘subversive’ intellectual instrument – the
anthropological perspective. This perspective allows one to be part of his own culture and, at the same time, to
be out of it. One views the activities of his own group as would an anthropologist, observing its tribal rituals, its
fears, its conceits, its ethnocentrism”. Cf. tb. MOREIRA, 2010.
89
É interessante notar que essa noção de filosofia nos traz de volta a uma concepção dialógica de educação
próxima àquela defendida por Paulo Freire (2018, p. 107-166), como vimos na nota 79, acima. Sublinhe-se, aliás,
que o próprio educador já associava essa educação dialógica à aprendizagem por método ativo (FREIRE, 2011, p.
140-141, 157), ao qual voltaremos adiante.
50

conteúdo crítico de qualquer experiência de aprendizagem é o método ou processo através do


qual a aprendizagem ocorre”90. Assim, a aprendizagem de uma filosofia que se conceba como
diálogo só ocorrerá pela prática do diálogo. Podemos dizer, então, que a filosofia atual
reclama, para sua aprendizagem, uma didática contemporânea – isto é, uma didática da ação
do estudante.
Pois bem, uma vez que certas concepções contemporâneas de filosofia (como aquela
de Cavell) buscam aproximá-la de um processo de educação – em especial, de educação de
adultos –, é interessante notar que a pesquisa atual sobre educação de adultos está associada a
uma enfática defesa da aprendizagem ativa. Assim, se vimos que a própria filosofia parece
exigir uma aprendizagem com base na ação dos estudantes, essa exigência só é reforçada pelo
fato de que diversos estudos contemporâneos sobre pedagogia e didática de adultos reforçam
a necessidade da atividade do aluno para uma aprendizagem eficaz. Ou seja, tal como a
filosofia reclama uma aprendizagem ativa, também a pedagogia e a didática da educação de
adultos a exigem. Dessa maneira, sendo esse trabalho voltado para o ensino-aprendizagem de
filosofia em nível superior, cabe dedicarmos algumas linhas aos elementos apontados como
típicos da educação de adultos.
Roger Mucchielli é um dos autores que chamam a atenção claramente para “a
especificidade da pedagogia de adultos” (2016, p. 36). Entretanto, para ele, a pedagogia de
adultos diz respeito principalmente à formação profissionalizante e posterior ao nível superior
(ibid., p. 19). Para uma abordagem mais ampla dessa ‘pedagogia de adultos’, que inclua não
somente o ensino profissionalizante, mas todos os níveis de ensino-aprendizagem voltados
para adultos – e, em especial, o ensino de nível superior, que aqui nos interessa –, podemos
nos voltar para Malcolm Knowles, em seu clássico O aprendiz adulto (KNOWLES et al.,
2005). Nesse trabalho, com base em pesquisas desenvolvidas por E. C. Lindeman (1926),
Knowles et al. enumeram aquelas que seriam as principais características do aprendiz adulto
(2005, p. 39-40):

1. adultos são motivados a aprender na medida em que sentem necessidades e interesses


que a aprendizagem irá satisfazer;
2. a orientação dos adultos para a aprendizagem é centrada na vida;
3. a experiência é a mais rica fonte para a aprendizagem de adultos;
4. os adultos possuem uma profunda necessidade de se autodirigirem;
5. as diferenças individuais entre as pessoas aumentam com a idade.

90
Cf. nota 43, acima.
51

Esses “pressupostos [...] constituem o fundamento da teoria da aprendizagem do adulto”91


(KNOWLES et al., 2005, p. 39) e, como podemos ver, eles apontam para duas consequências
didáticas: [i] a necessidade da consideração dos conhecimentos prévios dos alunos adultos
para que ocorra a sua aprendizagem (pressupostos 1, 2 e 5 – cf. PICONEZ, 2002, p. 98); e [ii]
a necessidade de uma participação ativa do aprendiz adulto no processo de aprendizagem para
que este seja efetivo (pressupostos 3 e 4). Essas duas consequências, aliás, aproximam a teoria
da aprendizagem de Knowles da noção de educação de Dewey, que se desenvolve sob os
signos do interesse do estudante e de sua experiência ativa.
A primeira consequência didática nos leva em direção à temática da aprendizagem
significativa (meaningful), desenvolvida amplamente por David Ausubel (1963). Com efeito,
nas palavras de Moreira:
a aprendizagem significativa caracteriza-se pela interação cognitiva entre o
novo conhecimento e o conhecimento prévio. Nesse processo [...], o novo
conhecimento adquire significados para o aprendiz e o conhecimento prévio
fica mais rico, mais diferenciado, mais elaborado em termos de significados,
e adquire mais estabilidade (2010, p. 4 – grifo no orig.)92.

À relação entre conhecimento prévio e conhecimento novo enfatizada por Moreira, podemos
adicionar o que diz, por sua vez, Carl Rogers sobre a aprendizagem significativa (agora,
significant):

Por aprendizagem significativa [significant] quero dizer uma aprendizagem


que é mais do que um acúmulo de fatos. É uma aprendizagem que faz a
diferença – no comportamento do indivíduo, no curso de ação que ele
escolhe para o futuro, em suas atitudes e em sua personalidade93 (1961, p.
280).

Ou seja, a aprendizagem significativa mantém olhos no passado e no futuro, propiciando uma


aprendizagem a partir de conhecimentos prévios para que o estudante adquira novos
conhecimentos e, assim, tenha mais possibilidades de escolha e de ação no futuro. Ela parte
dos conhecimentos e ações do aluno e retorna ao aluno; em outras palavras, ela é ‘centrada no
aluno’ (ROGERS, 1961, p. 291-2), em seus conhecimentos, experiências e ações – nas

91
“[...] it is important to note that Lindeman (1926) also identified several key assumptions about adult learners.
His assumptions [...] have been supported by later research and constitute the foundation of adult learning theory
[...]”.
92
Sobre a aprendizagem significativa em Ausubel, remeto novamente à nota 17, acima.
93
“By significant learning I mean learning which is more than an accumulation of facts. It is learning which
makes a difference – in the indidividual’s behavior, in the course of action he chooses in the future, in his
attitudes and in his personality”. Note-se que Rogers também utiliza o inglês meaningful para descrever
experiências de aprendizagem, por exemplo em ROGERS, 1961, p. 298 ou em ROGERS, 1969, p. 26.
52

palavras de Dewey, estamos aqui no continuum de experiência, em que se inserem as ações


dos estudantes.
Essa referência à ação do aluno nos traz à segunda consequência didática dos
pressupostos acima enumerados, a saber, a necessidade de uma participação ativa do aprendiz
adulto em sua própria aprendizagem. Nas palavras de Knowles et al. (2005, p. 66):

a ênfase na educação de adultos está em técnicas experienciais – técnicas


que tiram proveito da experiência dos aprendizes, tais como discussões em
grupo, exercícios de simulação, atividades de solução de problemas,
métodos de casos e métodos de laboratório, em vez de técnicas de
transmissão94.

Assim, vemos que a ação necessária para a aprendizagem do adulto não diz respeito somente
a atividades colaterais ao momento da aula – isto é, não cabe, na educação de adultos,
distinguir entre um momento passivo para os estudantes (como a aula) e um momento ativo
(fora da aula). Pelo contrário, segundo os autores citados, toda a aprendizagem de estudantes
adultos deve se dar pela ação dos próprios estudantes, dentro e fora de sala.
Pois bem, vemos que as características apontadas pelos autores como próprias da
educação de adultos não se distanciam, no fundamental, daquilo que Dewey ou Lipman, na
esteira daquele, proporiam no contexto da educação para crianças. O próprio Knowles (2005,
p. 40) admite que haja uma continuidade entre os princípios da educação de adultos e aqueles
que deveriam reger a educação de crianças. Em todo caso, talvez se possa dizer que haja uma
diferença de ênfase: na ‘pedagogia do adulto’ estaríamos lidando com indivíduos em posse de
maior autonomia, que trazem consigo uma enorme e complexa bagagem de conhecimentos e
experiências prévias, quando comparados a estudantes mais jovens. Nesse contexto, o foco na
atividade e no conhecimento prévio do estudante deve caracterizar a ‘pedagogia do adulto’
simplesmente porque, sem a atenção a esses fatores, a processo educativo se tornaria
completamente ineficaz. Esse parece ser, ao menos, o modo como a educação de adultos vem
sendo compreendida desde a primeira metade do século XX, momento a partir do qual ela
passa a ser concebida como um campo delimitado.
Para designar esse campo do saber que se volta para os processos de aprendizagem
típicos dos adultos, Knowles et al. (2005) advogam o uso do termo andragogia95. Ele, porém,

94
“[...] the richest resources for learning reside in the adult learners themselves. Hence, the emphasis in adult
education is on experimental techniques – techniques that tap into the experience of the learners, such as group
discussions, simulation exercises, problem solving activities, case methods, and laboratory methods instead of
transmittal techniques”.
95
À noção de andragogia está associada aquela de heutagogia. De acordo com Hasen e Kenyon (2000, n.p.), a
heutagogia “é o estudo da aprendizagem autodeterminada [Heutagogy is the study of self-determined learning]”,
53

não é o criador da expressão. Pelo contrário, ela possui uma história que retorna ao início do
século XIX96, quando Alexander Kapp (1833) propôs o uso do termo Andragogik como uma
contraparte ao alemão Pädagogik em seu estudo sobre a noção de educação na filosofia de
Platão. Para o comentador, ‘andragogia’ designa precisamente aquela educação que Platão
propõe como sendo voltada para o adulto (ibid., p. 241) e que possuiria como finalidade a
formação (Bildung) para os diferentes tipos de ocupações ou profissões (Berufsarten) que
ocorrem na cidade (ibid., p. 188-9). Se o termo ‘andragogia’, eventualmente, obteve aceitação
como designação da educação de adultos, a definição proposta por Kapp pode ser tomada
atualmente como muito restritiva, dada sua ênfase exclusiva na relação entre educação de
adultos e formação para profissão. De fato, se formos a um autor como James A. Draper
(1998), lemos que “a definição genérica de educação de adultos/andragogia não é
determinada pelo conteúdo, habilidades, atitudes ou valores que estejam sendo aprendidos”,
mas por ser a educação de adultos “um processo de facilitação e gerenciamento de uma
aprendizagem intencional (formal e não-formal) de adultos”. Assim, para o autor, “é a
aprendizagem intencional que é a essência da educação de adultos/andragogia”, sendo a
“intenção do aprendiz adulto” (ibid., p. 23-4) de aprender o elemento chave na andragogia97.
Mais uma vez, temos aqui o adulto no centro do processo de sua própria aprendizagem.
Ora, há pouco dizíamos que tanto a filosofia como a pedagogia atuais reclamavam,
para a aprendizagem da filosofia em nível superior, estratégias didáticas que pusessem ênfase
na atividade do aluno em sala. Agora, porém, notamos que a relação entre a filosofia
contemporânea e a pedagogia de adultos concebida como andragogia é mais estreita do que
poderíamos esperar. Vimos acima que a filosofia contemporânea é concebida por autores
centrais não somente como um discurso sobre o diálogo, mas como um saber que propicia e

dizendo respeito a uma “aprendizagem centrada no aprendiz que veja o aprendiz como o principal agente em sua
própria aprendizagem, que ocorre por meio de experiências pessoais [Heutagogy is concerned with learner-
centered learning that sees the learner as the major agent in their own learning, which occurs as a result of
personal experience]” (HASEN; KENYON, 2007, p. 112). Em outras palavras, a heutagogia é uma abordagem
da aprendizagem que, reconhecendo a centralidade da experiência do estudante para o processo de aprendizagem,
destaca igualmente este último como o principal motor de sua aprendizagem, compreendendo-a como um
processo autodeterminado. Ainda sobre o tema, cf. tb. BLASCHKE, 2012 e COELHO et al., 2016.
96
Sobre a história do termo ‘andragogia’, bem como da área de estudo por ele designada, cf. ENCKEVORT,
1971; DRAPER, 1998; PICONEZ, 2002, p. 99; KNOWLES et al., 2005, p. 58-60.
97
“It is intentional learning which is the essence of adult education/andragogy. Therefore, one can argue that the
generic definition of adult education/andragogy is not determined by the content, skills, attitudes or values being
learned (such as literacy education or professional continuing education); by any particular age group of adults;
by the sponsoring agency or location of the educational program; or by the methods of teaching and learning
being used. These are only variables for describing specific educational programs. The key to which
philosophical orientation is most appropriate at a given point in time is determined by the intent of the adult
learner and the time and resources available. Over the years, adult education has come to be viewed as a process
of facilitating and managing the intentional (formal and non-formal) learning of adults (always accompanied by
incidental or informal learning)”.
54

fomenta um diálogo aberto. Pois bem, a pedagogia e a didática contemporâneas (em particular
aquelas voltadas para a educação de adultos, mas não somente) advogam justamente uma
aprendizagem que possua o trabalho ativo e cooperativo por parte dos estudantes como
elemento central. Nesse caso, possibilitar uma aprendizagem com base na participação ativa
em um diálogo entre iguais já é praticar em sala tanto a andragogia como a filosofia. A
aprendizagem da filosofia, tal como hoje concebemos esta última, só pode ocorrer pela prática
ativa do diálogo, do debate, da pesquisa e da leitura filosóficas em sala, como elemento
central do processo de aprendizagem98.
Mas, como se torna possível refletir na prática pedagógico-didática esse caráter
dialógico do ensino-aprendizagem de filosofia, exigido não somente pela pedagogia
contemporânea, mas também pela própria reflexão filosófica atual? Como garantir, com base
na atividade dialógica, uma educação democrática tal como proposta por Dewey? Parece-me
que o meio para tanto é a atribuição ao professor da responsabilidade pela manutenção do
diálogo por meio de metodologias ativas. Estas últimas, nas palavras de José Moran (2018, p.
4), se caracterizam por dar “ênfase ao papel protagonista do aluno, ao seu envolvimento direto,
participativo e reflexivo em todas as etapas do processo [...], com orientação do professor
[...]”. Assim, “[m]etodologias ativas são estratégias de ensino centradas na participação
efetiva dos estudantes na construção do processo de aprendizagem [...]” (ibid.). O papel do
professor no processo de ensino-aprendizagem seria aquele de planejar situações nas quais os
estudantes participem ativamente e, por meio de tal participação, atinjam determinado
objetivo educacional99.
Se nos voltarmos para Roger Mucchielli (2016), podemos ser ainda mais precisos na
descrição das metodologias ativas. Para esse autor, estas se caracterizam (ibid., p. 78): [i] pela
atividade dos sujeitos a serem instruídos; [ii] por considerar a motivação intrínseca dos
estudantes (e, portanto, seus interesses)100; [iii] por serem atividades realizadas em grupo; [iv]
por ser nelas o docente antes um facilitador – ou, nas palavras de Gaeta e Masetto (2013, p.
55-56), um mediador – do que alguém que instrui (ou que transmite conhecimento); [v] por a
aprendizagem ser, primordialmente, avaliada pelos próprios participantes nas atividades

98
Nesse sentido, retornamos à citação de Rogers acima (cf. nota 93), onde se diz que a aprendizagem
significativa modifica o comportamento. Se for esse o caso, a aprendizagem da filosofia produz um indivíduo
mais aberto, apto ao diálogo, à leitura e à discussão. Utilizando a noção de ‘competência’ advogada por Philippe
Perrenoud (1999), poderíamos dizer que a competência oriunda da aprendizagem da filosofia é justamente a
capacidade de manter o diálogo equânime, o debate e a leitura. Voltaremos a isso no próximo item.
99
Sobre esse caráter intencional do planejamento educacional, cf. nota 45, acima.
100
Acerca da noção de ‘motivação intrínseca’ e sua relação com ‘interesse’, cf. o item anterior.
55

educacionais – há aqui a exigência de uma autoavaliação 101 . Esses caracteres das


metodologias ativas enumerados por Mucchielli vão ao encontro de nossa reflexão anterior
acerca da aprendizagem ativa da filosofia. Eles põem a exigência de um processo de ensino-
aprendizagem ativo e colaborativo (no qual não haja um indivíduo central para o processo,
nem mesmo o professor), que considere a multiplicidade de interesses dos estudantes. Tão
central é o aspecto colaborativo dessa concepção de aprendizagem ativa que, nela, mesmo a
avaliação deve se dar em colaboração, por uma reflexão dos próprios participantes acerca de
suas atividades de aprendizagem. Ou seja, no contexto do uso de metodologias ativas, não
somente o processo de ensino-aprendizagem abre espaço para práticas educacionais
dialógicas, como a própria avaliação (tornando-se parte daquele processo) pode se dar
dialogicamente102.
Sendo assim, propomos aqui – como, ademais, já havia sido adiantado – que o
processo de ensino-aprendizagem de filosofia se dê por meio de metodologias ativas 103 .

101
Nas palavras de Masetto (2003, p. 154), um “processo contínuo de avaliação”, como almejamos colocar em
prática aqui (cf. próx. nota), “deverá contar com a hetero e a auto-avaliação”. A primeira é o momento em que
os estudantes “recebem informações de outras pessoas que colaboram para o desenvolvimento do processo de
aprendizagem. Podem ser o próprio professor, os colegas de turma em atividades coletivas, profissionais ou
especialistas [...]”. Já a autoavaliação é caracterizada por Masetto (ibid.), como “a capacidade das pessoas de se
aperceberem de seu processo de aprendizagem e serem capazes de oferecer a si mesmas as informações
necessárias para desenvolver suas aprendizagens. Capacidade esta que exige o desenvolvimento de habilidades
como a de observar a si mesmo, comparar e relacionar seu desempenho com os objetivos propostos [...]”. Assim,
a defesa da inserção de um momento autoavaliativo no processo de aprendizagem não significa a exclusão da
heteroavaliação, mas exige que, como diz Mucchielli (2016, p. 30), “o pedagogo cesse de ser o juiz único dos
progressos dos alunos [le pédagogue cesse d’être le juge unique des progrès des élèves]”. De fato, nossa
finalidade é que o docente e discentes colaborem no processo avaliativo.
102
Trabalhamos aqui com a tríplice distinção, encontrada em BLOOM et al. 1971, entre avaliação somativa,
formativa e diagnóstica. A avaliação somativa diz respeito a uma “apreciação geral sobre o grau no qual os
resultados mais amplos foram obtidos no decorrer de todo um curso ou de uma parte substancial dele [summative
evaluation is directed toward a much more general assessment of the degree to which the larger outcomes have
been attained over the entire course or some substantial part of it]” (ibid., p. 61). A avaliação formativa é “o uso
de avaliação sistemática no processo de construção de currículo, de ensino e de aprendizagem com o propósio de
aperfeiçoar qualque um desses três processos [Formative evaluation is for us the use of systematic evaluation in
the process of curriculum construction, teaching, and learning for the purpose of improving any of these three
processes]” (ibid., p. 117). Já a avaliação diagnóstica, “realizada antes da instrução [...], busca focar a instrução
ao localizar o ponto de partida apropriado [Diagnostic evaluation performed prior to instruction has placement
as its primary function; that is, it attempts to focus instruction by locating the proper starting point]” (ibid., p.
87). Juntas, portanto, as três avaliações devem envolver todas as etapas do processo de ensino-aprendizagem.
Elas devem perfazer um processo de avaliação “integrado ao processo de aprendizagem como um elemento de
incentivo e motivação para a aprendizagem” (MASETTO, 2003, p. 149), fornecendo subsídios, tanto para o
docente como para os estudantes, por meio dos quais o processo de aprendizagem possa ser continuamente
aperfeiçoamento. Ou seja, retomando a formulação de Gaeta e Masetto (2013, p. 91), propomos “um processo de
avaliação como informação (feedback) contínua, que oriente o aluno a conseguir seus objetivos de formação
[...]”. Em particular sobre a avaliação formativa, cf. FERNANDES, 2006. Para outra proposta de classificação
das estratégias de avaliação, cf. DE KETELE, 2010.
103
Em outras palavras, será tarefa do professor realizar a transposição didática do conteúdo filosófico a ser
aprendido (sobre a noção de ‘conteúdo’, cf. o item 2.3). Com efeito, não há uma perfeita identidade entre um
determinado conteúdo [i] tal como trabalhado em um contexto de interlocução entre profissionais que já o
dominam e [ii] tal como trabalhado em um contexto de interlocução no qual deve ser aprendido por parte dos
interlocutores. A passagem da abordagem de um conteúdo no contexto [i] para sua abordagem no contexto [ii]
56

Assim, é com vistas ao desenvolvimento de uma aprendizagem com base em metodologias


ativas que selecionamos as estratégias didáticas propostas no PTD apresentado adiante. Antes,
porém, de apresentá-lo, será preciso descrever as competências e conteúdos cuja
aprendizagem espera-se poder promover por meio das referidas estratégias didáticas.

2.3. Competências e conteúdos no ensino-aprendizagem de filosofia

Mais acima (no item 2.1), tivemos a oportunidade de recorrer à noção de competência
no contexto da discussão sobre a relevância das habilidades de leitura para o estudo da
filosofia e sobre a consequente dificuldade enfrentada pelos docentes dessa área em nível
superior devido ao baixo letramento herdado da educação básica pelos estudantes. A noção de
competência de que lançamos mão foi aquela elaborada por Perrenoud (1999, p. 15), segundo
o qual, como já lemos: “[p]ossuir conhecimentos e capacidades não significa ser competente”,
uma vez que a “atualização em um contexto singular [...] daquilo que se sabe é reveladora da
‘passagem’ à competência”104. Ora, se a competência envolve, para além do conhecimento, a
capacidade de atualizar esse conhecimento em contextos singulares – e, portanto, novos,
distintos dos contextos de aprendizagem – nos quais ele possa ser útil, consequentemente
possuir competência envolve, igualmente, a capacidade de transferência de conhecimento,
como ademais também já foi adiantado. Ou seja, o indivíduo competente em uma área ou em
uma prática é aquele que, dado um contexto singular inédito, consegue atualizar ou mobilizar
os conhecimentos já possuídos que possam ser úteis na solução de desafios associados a esse
novo contexto. Sendo assim, uma vez que o processo de ensino-aprendizagem vise ao
desenvolvimento de competências, ele deverá igualmente se ocupar do exercício e
aprendizagem da capacidade de transferência de conhecimento, algo frequentemente
desconsiderado no ambiente educacional:

Evoca-se frequentemente a transferência de conhecimentos para sublinhar


que ela não se opera muito bem: tal estudante, que dominava uma teoria em

exige, justamente, uma transposição didática de tal conteúdo. Nas palavras de Chevallard (1985, p. 39 – grifos
no orig.): “Tendo um conteúdo de saber sido designado como conteúdo a ser ensinado, ele sofre imediatamente
um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar lugar entre os objetos de ensino. O
‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a ser ensinado um objeto de ensino é chamado transposição didática
[Un contenu de savoir ayant été désigné comme savoir à enseigner subit dès lors un ensemble de
transformations adaptatives qui vont le rendre apte à prendre place parmi les objets d’enseignement. Le ‘travail’
qui d’un objet de savoir à enseigner fait un objet d’enseignement est appelé la transposition didactique]”. Em
outros termos, há aqui uma “passagem de um conteúdo de saber preciso a uma versão didática desse objeto de
saber [passage d’un contenu de savoir précis à une version didactique de cet objet de savoir]” (ibid.). Ora, o que
se propõe no presente trabalho é, justamente, que a transposição didática, no caso em estudo, vise à
aprendizagem de conteúdos filósoficos por meio de metodologias ativas. Para uma visão crítica com respeito a
certas concepções de transposição didática, cf. PERRENOUD, 2011, p. 96-99.
104
Cf. nota 15, acima.
57

uma prova, se revela incapaz de se servir dela na prática, pois ele jamais foi
orientado a fazê-lo. Sabemos hoje: a transferência de conhecimentos não é
automática; ela se adquire pelo exercício e [por] uma prática reflexiva, em
situações que dão a ocasião de mobilizar saberes, de transpô-los, de
combiná-los, de inventar uma estratégia original a partir de recursos que não
a contêm e não a ditam105 (ibid.).

Destarte, o planejamento de um processo de ensino-aprendizagem deve focar não apenas na


aprendizagem de conteúdos em contexto escolar ou universitário – digamos, em contexto de
‘sala de aula’ –, mas também deve ter por finalidade o exercício da mobilização desses
conteúdos em novos contextos. Voltando a uma dificuldade que já encontramos em etapas
anteriores deste trabalho, os estudantes recebidos no curso de filosofia em nível superior
frequentemente possuem um letramento escolar, não possuindo competência (entendida ao
modo de Perrenoud) em leitura. Eles, portanto, geralmente têm dificuldades em mobilizar o
letramento adquirido na educação básica (e que lhes permitiu acessar o nível superior) em
contextos novos, como o estudo de textos filosóficos. Nesse caso, torna-se função do docente
que assume a responsabilidade pela formação dos membros de sua turma exercitar a
mobilização, nesses novos contextos, das capacidades de leitura já possuídas pelos estudantes,
somando novas capacidades àquelas e exercitando a transferência dessas novas capacidades a
contextos ainda mais complexos.
Pois bem, um dos elementos-chave para o exercício da transferência de conhecimento
é a problematização de um contexto ou situação novos – em termos mais simples, a colocação
de problemas. Segundo Perrenoud:

A mobilização de conhecimentos se desenvolve em situações complexas,


que obrigam a colocar o problema antes de resolvê-lo, a recuperar
conhecimentos pertinentes, a reorganizá-los em função da situação, a
extrapolar ou preencher os vazios106 (ibid. – grifo meu).

Dessa maneira, ter competência é conseguir transferir conhecimentos. Isso exige a capacidade
de mobilizar, em situações complexas novas, conhecimentos já possuídos e, portanto, a

105
“On evoque souvant le transfert de connaissance pour souligner qu’il ne s’opère pas très bien: tel étudiant, qui
maîtrisait une théorie à l’examen, se révèle incapable de s’en servir en pratique, parce qu’il n’a jamais été
entraîné à le faire. On le sait aujourd’hui: le transfert de connaissances n’est pas automatique, il s’acquiert par
l’exercise et une pratique réflexive, dans des situations qui donnent l’occasion de mobiliser des savoirs, de les
transposer, de les combiner, d’inventer une stratégie originale à partir de ressources qui ne la contiennent et ne la
dictent pas”.
106
“La mobilisation des connaissances se développe dans des situations complexes, qui obligent à poser le
problème avant de le résoudre, à repérer les connaissances pertinentes, à les réorganiser en fonction de la
situation, à extrapoler ou combler les vides”.
58

capacidade de problematizar tais situações, de modo a avaliar quais conhecimentos se


mostram necessários em cada circunstância.
Ora, a capacidade de formular problemas é fundamental para o exercício da atividade
filosófica. Ela é, aliás, a primeira competência a que se faz referência nas Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação em filosofia (BRASIL, 2001b, p.
3): “[c]apacitação para um modo especificamente filosófico de formular e propor soluções a
problemas, nos diversos campos de conhecimento”. Como vimos há pouco, a filosofia atual
pode ser pensada como conversa e diálogo – isso nos remete ao modo como Lipman destaca a
pergunta como um elemento fundamental no ensino-aprendizagem de filosofia, por ser ela a
intervenção capaz de manter o intercâmbio dialógico na comunidade. Obiols (2002, p. 79)
também destaca a relevância da colocação de problemas e problematização (de fato, da
problematização dos próprios problemas) para o ensino-aprendizagem de filosofia 107 . É
preciso destacar, no entanto, que nossa proposta se afasta daquela de Lipman e Obiols em um
ponto fundamental: enquanto para eles a colocação de problemas e perguntas é papel do
professor 108 , para nós, seguindo a ênfase que pretendemos dar à atividade do estudante,
deverá ser tarefa deste último a proposição de problemas e a formulação de perguntas, sendo
orientado para tanto pelo docente. A bem dizer, pretendo que seja papel dos estudantes e do
professor a formulação de perguntas e o aperfeiçoamento conjunto dessas problematizações109.
Podemos ser ainda mais precisos na caracterização desse aspecto problematizador do
ensino-aprendizagem de filosofia se buscarmos destacar os tipos de pergunta que mais

107
“El primer momento, el de inicio, se trata de plantear un problema o cuestión filosófica que será objeto de
consideración; el planteo es responsabilidad fundamental del profesor, es una propuesta de trabajo que debe
incluir las acciones necesarias para que los estudiantes hagan suyo el problema o cuestión filosófica: se trata de
problematizar el problema, de provocar perplejidad y despertar el interés ante lo que será objeto de tratamiento”.
108
Sobre a relação entre o professor e as perguntas em Lipman, cf. o item 2.2; para o mesmo tema em Obiols, cf.
a nota anterior.
109
Nesse ponto, aproximo-me de Splitter e Sharp (1995, p. 59), para os quais “[...] na comunidade de
investigação, o papel de Sócrates é assumido por alunos e, também, pelo professor [... in the community of
inquiry, the part of Socrates is taken by students as well as by the teacher]”. Vale notar, igualmente, que, muito
embora haja uma ênfase no estudo de problemas e perguntas na concepção de aprendizagem de filosofia aqui
exposta, ela se afasta de certas concepções de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) justamente pela
ênfase na formulação do problema pelo estudante. Com efeito, na ABP tal como descrita, por exemplo, em
Gutiérrez et al. (2012), o processo de aprendizagem se inicia pela “apresentação do problema: ‘o problema
sempre aparece primeiro’ [Presentación del problema: ‘el problema siempre aparece primero’]” (ibid., p. 79),
pois em “qualquer profissão o problema se apresenta primeira [En cualquier profesión el problema se presenta
primero]” (ibid., p. 81). No presente trabalho, pelo contrário, seguimos de perto Perrenoud (cf. nota 106, acima),
quando este afirma que inicialmente, antes ainda do problema, somos postos em geral perante uma situação
singular a ser problematizada. Assim, do nosso ponto de vista (pelo menos, no que diz respeito à aprendizagem
da filosofia), cabe dar um passo atrás com respeito à ABP e aprender não apenas pela solução de problemas, mas
pela formulação e solução de problemas. Com efeito, como afirma Moreno (1993, p. 40), “existe uma grande
diferença entre aprender a resolver um problema e saber colocá-lo [Es importante destacar que existe una gran
diferencia entre aprender a resolver un problema y saber plantearlo]”. Assim, o papel do professor seria aquele
de propor não problemas, mas situações problematizáveis – que deem a oportunidade aos estudantes de colocar
problemas e propor soluções para eles.
59

convém formular nesse contexto. Esse tema foi estudado mais profundamente por Laurence
Splitter e Ann Sharp (1995, p. 32-63). Sem pretender aqui percorrer todas as etapas da
pesquisa por eles produzida, contento-me em destacar duas características das perguntas cuja
formulação, segundo esses autores, deve ser privilegiada na aprendizagem de filosofia. A
primeira é a descrição dessas perguntas como abertas, em oposição a perguntas fechadas.
Para eles, uma pergunta se caracteriza como aberta ou fechada não exatamente por admitir,
respectivamente, inúmeras ou apenas um conjunto limitado de respostas. Antes, uma pergunta
se caracteriza como aberta com respeito ao contexto ou ambiente110 em que tal pergunta é
produzida:

Se o ambiente encoraja a formação de perguntas [questions] como uma


atividade importante por si mesma e se ele encoraja aqueles envolvidos a
fazer valer uma variedade de estratégias e disposições para tratar tanto as
perguntas quanto as respostas putativas como base para mais investigações,
então – e somente então – devemos dizer que o questionamento
[questioning] é aberto111 (ibid., p. 55).

Ou seja, o contexto ou ambiente em que se dá o processo de ensino-aprendizagem de filosofia


deve ser tal que qualquer pergunta possa ser ocasião para investigação. Ele deve possuir uma
abertura que possibilite, a partir de reflexões acerca das perguntas formuladas pelo professor
ou (preferencialmente) pelos estudantes, a formulação de novas perguntas – sobre o tema
estudado ou, mesmo, acerca das próprias perguntas.
Essa última distinção nos remete à segunda característica das perguntas apropriadas ao
ensino-aprendizagem de filosofia apontada por Splitter e Sharp (ibid., p. 58-59), a saber: a
distinção entre perguntas procedimentais (procedural questions) e perguntas substanciais
(substantive questions). Isto é, respectivamente: entre, de um lado, perguntas acerca do
próprio procedimento de problematização e investigação e, de outro lado, perguntas acerca do
tema em estudo. Em ambos os casos, importa que haja um ambiente propício a que as

110
Essa caracterização da pergunta não de acordo com seu conteúdo, mas de acordo com o contexto de sua
formulação é tributária das pesquisas filosóficas contemporâneas acerca da linguagem, com particular ênfase em
seu uso. Com efeito, já lemos nas Investigações filosóficas, de Wittgenstein, (2001, p. 9, § 21 – grifo no orig.)
que, ao considerarmos a diferença entre uma ordem e um relato, “podemos também pensar que o tom [i.e., da
voz em uma fala] seja o mesmo – pois uma ordem e um relato podem ser pronunciados com vários tons e várias
expressões faciais – e que a diferença esteja apenas no uso [Aber wir können uns auch denken, daß der Ton der
gleiche ist, – denn ein Befehl und eine Meldung können in mancherlei Ton ausgesprochen werden und mit
mancherlei Miene – und daß der Unterschied allein in der Verwendung liegt]”. Relação semelhante entre ‘ato da
fala’ (speech act) e ‘situação de fala’ (speech situation) é classicamente estabelecida por J. L. Austin (1962, p.
148).
111
“If the environment encourages the the formation of questions as an important activity in its own right, and if
it encourages those involved to bring to bear a range of strategies and dispositions for treating both questions and
putative answers as grist for further inquiry, then and only then, should we say that the questioning is open”.
60

perguntas formuladas sejam tratadas como perguntas abertas. Assim, recorrendo às palavras
dos autores, uma “comunidade de investigação em sala de aula é caracterizada, na maior parte,
por perguntas procedimentais abertas e substanciais abertas, que são construídas e feitas pelos
estudantes uns com respeito aos outros” 112 (ibid., p. 59). Em poucas palavras, portanto,
quando atribuímos à formulação de perguntas papel central no processo de ensino-
aprendizagem de filosofia, estamos nos referindo à exigência de manutenção da sala de aula
como ambiente aberto para problematizações que partam, preferencialmente, dos próprios
estudantes e que sejam tomadas como elementos de fomento à aprendizagem113.
Dito isso, cabe perguntar acerca do que deveria incidir a formulação de perguntas e,
em geral, o trabalho de problematização no processo de ensino-aprendizagem de filosofia
aqui proposto. Isto é, sobre o que cabe perguntar? Sem dúvida, poderá haver perguntas sobre

112
“A classroom comunity of inquiry is characterised, for the most part, by open procedural and open
substantive questions which are constructed and asked by students of one another”. Em outras palavras, a sala de
aula deve ser o local em que todo questionamento é válido – seja sobre o conteúdo em estudo, seja sobre o
próprio questionamento. Essa afirmação pode nos remeter à seguinte passagem de J. Derrida (2001, p. 16): “A
universidade deveria, então, ser também o lugar no qual nada está ao abrigo do questionamento, nem mesmo a
figura atual e determinada da democracia; e nem mesmo a ideia tradicional de crítica, como crítica teórica, e nem
mesmo a autoridade da forma ‘questão’, do pensamento como ‘questionamento’. É por isso que falei, sem
demora e sem disfarce de desconstrução [L’université devrait donc être aussi le lieu dans lequel rien n’est à
l’abri du questionnement, pas même la figure actuelle et déterminée de la démocratie; et pas même l’idée
traditionnelle de critique, comme critique théorique, et pas même l’autorité de la forme ‘question’, de la pensée
comme ‘questionnement’. C’est pourquoi j’ai parlé sans retard et sans masque de déconstruction]”. Cf. tb.
FABBRINI, 2005, p. 19.
113
Retomando a noção de ‘situação ideal de fala’ que vimos no item anterior ser desenvolvida por Habermas, é
preciso que os participantes dessa comunidade formada na sala de aula tenham “as mesmas oportunidades de
utilizar atos da fala comunicativos, de maneira que a qualquer momento eles possam abrir, bem como perpetuar
discursos [Diskurse] através da fala [Rede], réplica, pergunta e reposta [Alle potentiellen Teilnehmer eines
Diskurses müssen die gleiche Chance haben, kommunikative Sprechakte zu verwenden, so daß sie jederzeit
Diskurse eröffnen sowie durch Rede und Gegenrede, Frage und Antwort perpetuiren können]”. Da mesma
maneira, “[t]odos os participantes do discurso devem ter as mesmas oportunidades de avançar interpretações,
asserções, recomendações, esclarecimentos e justificações, bem como de problematizar, fundamentar ou
contradizer a pretensão de validade destes [Alle Diskursteilnehmer müssen die gleiche Chance haben, Deutungen,
Behauptungen, Empfehlungen, Erklärungen und Rechtfertigungen aufzustellen und deren Geltungsanspruch zu
problematisieren, zu begründen oder zu widerlegen ...]” (HABERMAS, 1984, p. 177). É preciso destacar, no
entanto, que há uma diferença relevante entre a ‘situação ideal de fala’ descrita por Habermas e o contexto
dialógico de aprendizagem que propomos aqui: enquanto a ‘situação ideal de fala’, como vimos no item anterior,
se apresenta como aquela situação na qual seria possível chegar ao consenso acerca da validade de uma
proposição (ibid., p. 179), o contexto dialógico de aprendizagem vale, principalmente, pelo processo de
discussão e não por seu resultado, como descado por Lipman (cf. nota 54, acima). Assim, no contexto
educacional não haveria a necessidade de atingir um consenso, embora atingi-lo seja possível. Com efeito, essa
descrição do processo educacional como um processo dialógico sem finalidade consensual – algo como um
‘diálogo pelo diálogo’ – é defendida, em uma crítica a Lipman, por Galichet (1997, p. 51-52): “A discussão,
então, não é mais finalizada [...] e, no entanto, ela é necessária, não em razão de um pertencimento dos
protagonistas a uma comunidade discursiva de conceitualização racional, mas pelo contrário em razão de sua
própria exclusividade radical que repudia a priori toda possibilidade de ‘síntese’ entre eles e interdita toda ideia
de coexistência [La discussion alors n’est plus finalisée ..., et cependant elle est nécessaire, non en raison de
l’appartenance des protagonistes à une communauté discursive de conceptualisation rationelle, mais au
contraire en raison même de leur exclusivité radicale qui répudie a priori toute possibilite de ‘synthèse’ entre
eux et interdit toute idée de co-existence]”. Nesse sentido, para Galichet (ibid., p. 54), a relevância do estudo da
filosofia estaria, precisamente, na ultrapassagem dessa ‘exclusividade radical’ (exclusité radicale) em direção à
‘coexistência’ (coexistence).
61

a própria problematização (as perguntas procedimentais), mas sobre o que incide a


problematização de que falamos aqui? Proponho que esse trabalho de problematização e
formulação de perguntas diga respeito à leitura de textos filosóficos, de maneira a promover o
aprimoramento da competência em leitura – em uma palavra, o letramento – por parte dos
estudantes. Nisso, mais uma vez, acompanhamos as DCN da graduação em filosofia, em que
também se destacam como competências associadas ao curso: a “[c]apacidade para análise,
interpretação e comentário de textos teóricos” e a “[c]apacidade de leitura e compreensão de
textos filosóficos em língua estrangeira” (BRASIL, 2001b, p. 3). Note-se que a aprendizagem
de filosofia não deve apenas pressupor competência em leitura, mas deve colaborar para sua
construção. Assim, segundo Wittschier (2016, p. 225), na didática de filosofia, “[a]
construção e expansão de uma competência de leitura sofisticada (em estrita ligação com uma
competência de escrita análoga) é [...] uma habilidade-chave indispensável”114.
Da mesma maneira – como, aliás, já é destacado no último trecho citado –, é preciso
que a problematização a partir da leitura seja refletida pela capacidade de expressar não só
oralmente, mas também (e principalmente) por escrito as perguntas formuladas e suas
respostas hipotéticas115. A competência em escrita é, no nível superior (para a filosofia, como
para outras áreas), fundamental por diversos motivos. Como diz Pfister, no “estudo da
filosofia, a escrita possui papel central. Isso já fica claro pela importância dos seminários e
teses. Além disso, a pesquisa se desenvolve por escrito, em monografias e artigos em
periódicos especializados”116 (2016, p. 275). Ademais, em um contexto educacional, a escrita
pode possuir ainda outras finalidades. Assim, “se o objetivo da escrita for a aprendizagem de
algo novo, o texto resultante deverá, em regra, ser compreensível [verständlich und

114
“Der Auf- und Ausbau einer anspruchsvollen Lesekompetenz (in enger Verbindung mit einer analogen
Schreibkompetenz) ist dafür eine unverzichtbare Schlüsselqualifikation”. Vale destacar que a ênfase posta na
leitura de texto não exclui que haja, na formação em filosofia, o trabalho com imagens – aquilo que Santaella
(2012, p. 7-11) denomina de leitura de imagens. Esta última, de fato, pode ser fundamental em certas áreas da
filosofia, como a estética ou a filosofia da arte. Ainda assim, parece-me que, em filosofia, a leitura de imagem
não substitui nunca completamente a leitura de texto, podendo no máximo acompanhá-la.
115
É interessante notar que a competência em escrita, não obstante seja fundamental nesse contexto, não é
geralmente destacada nos estudos sobre ensino-aprendizagem de filosofia – por exemplo, ela não é citada nas
DCN da graduação em filosofia (BRASIL, 2001b). Esse parco interesse pela escrita em tal contexto foi notado
por Pfister (2016, p. 275): “Surpreendentemente, no entanto, a escrita por muito tempo não recebeu especial
atenção na discurssão sobre didática especial [Erstaunlicherweise erhielt das Schreiben jedoch in der
fachdidaktischen Diskussion lange Zeit keine besondere Aufmerksamkeit]”. Por outro lado, é importante destacar
que o foco na escrita filosófica não deve significar uma desatenção à expressão oral, no processo de ensino-
aprendizagem de filosofia. Pelo contrário, as expressões escrita e oral – em nosso caso, as intervenções orais e
escritas na discussão filosófica – são, ambas, relevantes para a formação em filosofia. Sobre a relação entre
oralidade e escrita no ensino, cf. SCHNEUWLY; DOLZ et al., 2004, p. 139-140.
116
“Im Studium der Philosophie spielt das Schreiben eine zentrale Rolle. Dies Zeigt sich bereits an der
Bedeutung von Seminar- und Abschlussarbeiten. Auch die Forschung entwickelt sich schriftlich, haupsächlich
über Monographien und Aufsätze in Fachzeitschriften”.
62

nachvollziehbar] para outros”117 (ibid., p. 276). No mais, a escrita é sempre um exercício que
contribui, justamente para ‘aprender a escrever’ (Schreiben zu lernen – cf. ibid.). Sem dúvida,
como já notado, a escrita pode ser realizada com esses objetivos no processo de ensino-
aprendizagem de diversas áreas do conhecimento. O mesmo é válido para os critérios de
qualidade da escrita filosófica elencados por Pfister: “clareza conceitual e argumentação”118
(ibid., p. 286). No fim, o que faz com que certos textos particulares sejam reconhecidos como
filosóficos é que “eles possuam um conteúdo e uma abordagem filosófica”119 (ibid., p. 277).
No caso do processo de ensino-aprendizagem aqui proposto, portanto, a problematização de
textos filosóficos deverá ser acompanhada pela expressão escrita – argumentativa e
conceitualmente clara – desse trabalho de formulação de perguntas e busca por respostas, que
se toma por filosófico por ser voltado para o estudo de obras filosóficas. A exigência,
sublinhada por Pfister, de que a produção escrita seja compreensível para outros é
fundamental, não apenas para que o professor a compreenda ou avalie, mas principalmente
para que ela possa fomentar a discussão em turma e o trabalho conjunto, em comunidade,
como um todo. De outra parte, a falha do texto (ou, mesmo, de uma intervenção oral) em se
fazer compreensível para o interlocutor não deve significar um fracasso do estudante120, mas

117
“Ist der Zweck des Schreibens das Lernen von etwas Neuem, so muss der entstandene Text in der Regel für
andere verständlich und nachvollziehbar sein”.
118
“Zwei Aspekte sind für das philosophische Schreiben besonders wichtig: begriffliche Klarheit und
Argumentation”.
119
“Alle gennanten Arten des Schreibens sind nicht spezifisch philosophisch. Sie werden jedoch philosophisch,
wenn sie einen philosophischen Inhalt und Zugang haben”. Para uma concepção mais ampla de escrita filosófica,
que abranja textos literários ou poéticos, cf. HERMANN, 2010, p. 179-189. É importante sublinhar, ainda, que
qualquer texto pode se dar a uma leitura filósofica. Como diz Fabbrini (2005, p. 8): “[...] o que faz da leitura de
um texto uma atividade filosófica não é a natureza disciplinar do texto lido, mas o modo como o leitor lê este
texto; ou seja, o essencial dessa atividade está no modus operandi do leitor em face às diferentes formas de
enunciação”.
120
Sendo assim, assumimos neste trabalho aquela concepção de ‘erro’ como ‘erro construtivo’ derivada de J.
Piaget. Com efeito, se formos ao livro A equilibração das estruturas cognitivas (1975, p. 13-17), vemos Piaget
descrever o desenvolvimento cognitivo a partir da noção de equilibração (équilibration), isto é, grosso modo, um
processo de assimilação (assimilation) de elementos exteriores em um esquema (schème) cognitivo já dado e de
acomodação (accommodation) deste àqueles, de modo que ambos sejam conservados, ainda que transformados,
e dessa maneira seja mantido um equilíbrio cognitivo. Nesse contexto, a noção de desequilíbrio ganha papel de
destaque: “Está claro, com efeito, que em uma perspectiva de equilibração, uma das fontes de progresso no
desenvolvimento dos conhecimentos deve ser buscada nos desequilíbrios enquanto tais, que são aquilo somente
que obriga um sujeito a ultrapassar seu estado atual [...] [Il est en effet clair qu’en une perspective
d’équilibration l’une des sources de progrès dans le développement des connaissances est à chercher dans les
déséquilibres comme tels, qui seuls obligent un sujet à dépasser son état actuel...]” (ibid., p. 17). Nas palavras de
La Taille (1997, p. 36), “para Piaget, a evolução da inteligência e, por conseguinte, dos conhecimentos tem como
essencial fonte as regulações advindas de situações perturbadoras. Fica evidente nessa tese a importância do erro
na aprendizagem e no desenvolvimento [...]. Vale dizer que o erro pode levar o sujeito a modificar seus
esquemas, enriquencendo-os”. No entanto, para que o erro possa assumir esse caráter positivo no
desenvolvimento do estudante é preciso que este não apenas seja ‘informado de que errou’, mas tenha “acesso a
qualidade de seu erro” (ibid. – grifo no orig.). Em nosso caso, é importante que o estudante saiba em que medida
sua intervenção escrita ou oral não se mostrou compreensível para o interlocutor, de modo que ele possa
modificar a formulação de tal intervenção, aperfeiçoando-a. Ou seja, uma consideração construtiva do erro no
63

deve ser compreendida – em uma comunidade de discussão aberta – como uma oportunidade
para a formulação de perguntas procedimentais, que permitam a reformulação e o
esclarecimento da intervenção escrita (ou oral) anterior. Com efeito, é justamente por meio
desse tipo de troca que deve se desenvolver o diálogo na comunidade em sala de aula.
Nesse ponto, acredito ter estabelecido aquelas que serão as quatro principais
competências a serem desenvolvidas no processo de ensino-aprendizagem de filosofia que
proponho adiante: [i] problematização, com base em [ii] leitura e [iii] escrita filosóficas, por
meio da [iv] colaboração em uma comunidade formada na sala de aula. Os objetivos a serem
propostos para cada etapa do componente curricular serão, basicamente, meios de fomento ao
desenvolvimento dessas competências que, parece-me, possuem um caráter transversal com
respeito ao estudo da filosofia em nível superior121. Os objetivos educacionais que visem ao
desenvolvimento dessas competências (e, em particular, da capacidade de transferência dos
conhecimentos associados a tais competências) serão a ocasião do desenvolvimento de uma
variedade conteúdos122.
Para apresentar de maneira geral os conteúdos a serem aprendidos no planejamento de
aprendizagem de filosofia aqui proposto, podemos inicialmente retomar a distinção de Zabala
(1995, p. 132; 2000, p. 81-88) entre conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Os
conteúdos conceituais são aqueles que “requerem uma compreensão do significado” 123
(ZABALA, 2000, p. 83 – grifo no orig.). “Nesse tipo de conteúdo”, nos diz o autor, “são
totalmente necessárias [...] atividades que possibilitem o reconhecimento dos conhecimentos
prévios, que assegurem a significatividade e a funcionalidade [...]” 124 (ibid., p. 83). Os

planejamento da aprendizagem põe imeditamente a questão do feedback, sobre o qual falaremos no item 3.1,
adiante. Ainda sobre a relação entre erros e metodologias ativas, cf. MUCCHIELLI, 2016, p. 72-74, que, em
lugar de ‘erro’, prefere falar em ‘tentativas’ (essais) ou em um ‘tatear experimental’ (tâtonnement expérimental).
121
Sobre a transversalidade em educação, cf. acima nota 51.
122
Em nossa compreensão da relação entre competências, objetivos educacionais e conteúdos, buscamos seguir
de perto Gaeta e Masetto (2013). Como estes destacam, em seu trabalho de planejamento da aprendizagem, o
professor, além de considerar os documentos relevantes da IES em que exerce sua atividade, deve “colocar-se a
par das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação em que atuará, identificando quais
conhecimentos, competência e atitudes são propostos [...]” (ibid., p. 23). Conhecendo as competências a serem
adquiridas pelos estudantes do curso em que atua, cabe ao professor planejar a “disciplina [...] em razão dos
objetivos de formação profissional a serem alcançados pelos alunos e não unicamente em razão dos conteúdos a
serem transmitidos” (ibid., p. 70 – cf. tb. ibid., p. 100). Uma vez estabelecidos os objetivos, selecionam-se os
conteúdos a serem estudados de modo a alcançar os objetivos formulados, isto é, “os assuntos e temas que serão
estudados em uma unidade e que estejam em consonância com os objetivos a serem alcançados” (ibid., p. 73).
Ou seja, o caminho a ser seguido no planejamento parte do conhecimento das competências a serem adquiridas
pelos estudantes, passa pela formulação dos objetivos que eles devem atingir para adquiri-las e chega à seleção
dos conteúdos que lhes permitirão atingir tais objetivos. Voltaremos aos objetivos educacionais adiante, no item
3.3.2.
123
“Dado que los conceptos y principios son temas abstractos, requieren una comprensión del significado [...]”.
124
“En este tipo de contenido son totalmente necesarias las diferentes condiciones establecidas anteriormente
sobre la significatividad en el aprendizaje: atividades que posibiliten el reconocimiento de los conocimientos
64

conteúdos procedimentais são aqueles que dizem respeito à realização de ações, estando
associados a “exercícios suficientes e progressivos das diferentes ações que conformam os
procedimentos, técnicas ou estratégias”125 (ibid., p. 84) a serem aprendidos. Já os conteúdos
atitudinais estão imbricados a um ‘componente afetivo’ (ibid., p. 85), pois abarcam “as
relações pessoais que cada um estabelece com o objeto de atitude ou valor”126 (ibid.). Em
poucas palavras, há aqui uma distinção próxima àquela proposta por Mucchielli (2003, p.
122) entre ‘saber’ (savoir), ‘saber-fazer’ (savoir-faire) e ‘saber-ser’ (savoir-être).
Assim, retomando as quatro competências que nortearão nosso trabalho, enumeradas
acima, podemos dizer que [i] a problematização e [ii] a leitura filosófica tanto dizem respeito
a conteúdos conceituais (ao ‘saber’, o conhecimento do tema ou assunto a que diz respeito o
texto problematizado), como também se relacionam, tal qual [iii] a escrita filosófica, a
conteúdos procedimentais (um ‘saber-fazer’, o procedimento de problematização, leitura e
escrita de textos filosóficos). Além disso, [iv] a colaboração para o trabalho filosófico se
associa a conteúdos atitudinais (o ‘saber-ser’, pois envolve o trato com o outro e a
consideração do interlocutor como um igual, o que vimos ser tão relevante para a educação
filosófica segundo Lipman e para a filosofia como um todo em diversos outros autores)127.
Dando mais um passo, podemos dizer igualmente que o estabelecimento de conteúdos
a partir dos objetivos formulados com base nas competências acima descritas vai ao encontro
daquilo que J. Delors et al. (1996) denominaram como os ‘quatro pilares da educação’:
aprender a conhecer, isto é, ter os instrumentos que permitam buscar o conhecimento (ibid., p.
85); aprender a fazer, a colocar em prática seus conhecimentos (ibid., p. 86); aprender a
conviver socialmente e pacificamente com o outro (ibid., p. 90-92); aprender a ser, como
pessoa autônoma e crítica (ibid., p. 92). Com efeito, não somente pretendemos aqui que os
estudantes aprendam determinado conteúdo. Mais do que isso, emprestando particular ênfase

prévios, que aseguren la significatividad y la funcionalidad, que sean adecuadas al nível de desarrollo, que
provoquen una actividad mental, etc.”.
125
“En este caso, el dato más relevante viene determinado por la necesidad de realizar ejercitaciones suficientes
y progressivas de las diferentes acciones que conforman los procedimentos, las técnicas o estrategias”.
126
“Las actividades de enseñanza necesarias tienen que abarcar, al mismo tempo que los campos cognoscitivos,
los afectivos y conductuales, dado que los pensamientos, los sentimentos y el comportamiento de una persona no
sólo dependen de lo socialmente establecido, sino, sobre todo, de las relaciones personales que cada uno
estabelece con el objeto de la actitud o el valor”.
127
A partir dessa distinção entre três tipos de conteúdos de aprendizagem, Obiols propõe que distingamos
aqueles conteúdos que dizem respeito à aprendizagem da filosofia e aqueles que dizem respeito à aprendizagem
do filosofar: “Aprender filosofia pode ser entendido como aprender conteúdos conceituais filosóficos [...].
Aprender a filosofar poderia ser aprender conteúdos procedimentais e atitudinais filosóficos ou desenvolver
alguns procedimentos e algumas atitudes filosóficas [...] [Aprender filosofía puede entenderse como aprender
contenidos conceptuales filosóficos ... Aprender a filosofar prodría ser aprender cotenidos procedimentales y
actitudinales filosóficos o desarrollar unos procedimentos y unas actitudes filosóficas ...]” (OBIOLS, 2002, p.
65). Note-se que essa distinção é reminiscente daquela proposta por Immanuel Kant (1874, p. 699 - B865), na
Crítica da Razão Pura, entre aprender ‘filosofia’ (Philosophie) e aprender a ‘filosofar’ (philosophieren).
65

à transferência de conhecimento, como visto acima, é nosso fim que eles transfiram também a
capacidade de problematização e discussão colaborativa para outras situações novas e
complexas. Somente dessa maneira poderão saber, pela problematização de cada novo
contexto, quais conhecimentos novos devem adquirir para compreendê-lo e como aplicá-los à
nova situação. Se damos ênfase à leitura do texto pelo estudante em nosso planejamento de
ensino-aprendizagem é porque, seguindo Paulo Freire (2016, p. 58), cremos que a leitura da
palavra é o caminho para a releitura do mundo. Assim, um curso de filosofia deve ser
dedicado a leitura, escrita, problematização e discussão rigorosas e, por meio dessas
atividades, à formação do indivíduo para o diálogo colaborativo, para a vida em sociedade e
para a ação autônoma e crítica, aspectos da aprendizagem igualmente mencionados nas DCN
da graduação em filosofia128.
Porém, para realizar um planejamento educacional para um componente curricular é
preciso, a partir dessas considerações de ordem geral, descer à especificidade do componente
em questão. Como adiantado na introdução ao presente trabalho, trata-se aqui de propor um
PTD para o componente curricular “História da Filosofia Medieval”. Esse componente é, em
geral, parte do grupo de disciplinas obrigatórias nos Bacharelados e Licenciaturas em
Filosofia. Uma vez que, frequentemente, as graduações em Filosofia dão grande liberdade
para o estudante no que diz respeito à seleção das disciplinas que cursará a cada período letivo,
não se pode determinar precisamente o período da graduação durante o qual tal disciplina será
cursada129. Destarte, em geral, não é possível saber ao início da disciplina que componentes já
foram cursados por cada estudante da turma. Esse é mais um dos elementos (para além
daqueles discutidos acima, nos itens 2.1 e 2.2) que tornam necessária, em um planejamento de

128
Neste âmbito, as DCN da graduação em filosofia fazem referências a: “Capacidade de desenvolver uma
consciência crítica sobre conhecimento, razão e realidade sócio-histórico-político [...]; Percepção da integração
necessária entre a filosofia e a produção científica, artística, bem como com o agir pessoal e político; Capacidade
de relacionar o exercício da crítica filosófica com a promoção integral da cidadania e com respeito à pessoa,
dentro da tradição dos direitos humanos” (BRASIL, 2001b, p. 3). Cabe notar que a Classificação Brasileira de
Ocupações (BRASIL, 2010, p. 345) também destaca a relação entre o estudo dos textos clássicos e a reflexão
sobre o mundo na atividade filosófica, quando afirma que os filósofos “[r]efletem crítica e sistematicamente
sobre o ser e o destino do homem e do mundo, por meio da assimilação dos clássicos do pensamento e da
realização de pesquisas sobre temas filosóficos [...]”. A International Standard Classification of Occupation –
ISCO-08 (UNITED NATIONS, 2012, p. 162) também ressalta a vocação do filósofo para a reflexão sobre o
mundo contemporâneo. Por fim, note-se que, almejando a associação entre formação profissional e formação
para a cidadania, nossa compreensão do planejamento da aprendizagem se mostra mais uma vez inspirada por
Gaeta e Masetto (2013, p. 29), segundo os quais “[o] profissional precisa se formar com ampla competência
técnica em sua área, mas ao mesmo tempo com profundo comprometimento com a cidadania”.
129
Esse é o caso, por exemplo, na graduação em Filosofia da Universidade de São Paulo (cf. o site: < http://
www.filosofia.fflch.usp.br/graduacao/curriculo >, acesso em: 07 abr. 2020), da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (cf. o site: < https://ifcs.ufrj.br/index.php/graduacao/filosofia/bacharelado >, acesso em: 07 abr. 2020) e
da Universidade Federal de Minas Gerais (cf. o site: < https://filosofia.fafich.ufmg.br/graduacao/sobre/ >, acesso
em: 07 abr. 2020), que estão entre as principais referências para a formação superior em filosofia no Brasil.
66

ensino-aprendizagem para tal componente, a previsão de um diagnóstico inicial dos conteúdos


já conhecidos pelos estudantes, isto é, dos conhecimentos que já trazem consigo. Uma vez
que, em dada turma, esse diagnóstico pode ter grande impacto sobre o planejamento da
aprendizagem para um período letivo em particular, será o caso aqui não de prescrever
conteúdos precisos a serem abordados em todo e qualquer curso de “História da Filosofia
Medieval”, mas antes de estabelecer certos princípios que possam guiar a seleção de
conteúdos para este componente específico. Esses foram, ademais, os princípios seguidos na
elaboração do PTD apresentado adiante.
Pois bem, vimos no item anterior que os objetivos de nosso componente serão
centrados em quatro competências: [i] problematização, com base em [ii] leitura e [iii] escrita
filosóficas, por meio da [iv] colaboração nessas atividades. Mas, como essas competências se
refletem em conteúdos específicos do componente “História da Filosofia Medieval”?
Nas palavras de Alain de Libera (1999, p. 8), um dos principais especialistas em
filosofia medieval na atualidade, o objeto de seu trabalho como historiador da filosofia é a
‘memória material’ (mémoire matérielle) ou, mais precisamente, a ‘memória dos textos’
(mémoire des textes). Desse ponto de vista, a história da filosofia diz respeito a textos e à sua
intertextualidade, pois cada texto comenta outros textos, sendo comentado e discutido por
diversos autores em ainda outros textos. No caso preciso da história da filosofia medieval, o
mesmo Libera nos diz, referindo-se aos modos de recepção dos textos na universidade tardo-
medieval, que o discurso do historiador deve se referir a:

Um mundo de textos que circulam uns nos outros, sustentados por uma
palavra e uma memória externas: aquela da lectura [i.e., o comentário ao
texto], da ‘explicação do texto’ conduzida publicamente por um mestre,
aquela da disputatio [i.e., a disputa sobre o texto], que faz reluzir o referente
textual no jogo da argumentação. Este é o arquivo medieval, esta é também a
exegese que o explora: uma prática intertextual que estrutura e recompõe
indefinidamente a massa arquivada130 (ibid., p. 10).

Ora, se for assim – isto é, se o tema privilegiado na historiografia da filosofia (e, em particular,
da filosofia medieval) forem os textos e a intertextualidade –, o componente curricular
“História da Filosofia Medieval” se torna uma ocasião especialmente propícia para o
desenvolvimento de competência em leitura, escrita e em problematização dos textos
estudados. Que o trabalho de problematização seja realizado ativamente pelos estudantes

130
“Un monde de textes circulant les uns dans les autres, soutenus par une parole et une mémoire externes, celle
de la lectura, de l’‘explication de texte’ conduite publiquement par un maître, celle de la disputatio, qui fait
éclater le référent textuel dans le jeu de l’argumentation, telle est l’archive médiévale, telle est aussi l’exégèse
qui l’exploite: une pratique intertextuelle qui structure et recompose indéfiniment la masse archivée”.
67

dependerá de o docente ser bem-sucedido em propor como contexto para estudo das fontes
textuais aquele ambiente comunitário e aberto de que falávamos há pouco. Dependerá do
professor também – pelo menos, em um primeiro momento – a seleção de textos a serem
trabalhados colaborativamente com os estudantes. Não obstante, a abertura comunitária aqui
proposta também deixa espaço para que os próprios estudantes possam interferir na
bibliografia do componente, propondo a leitura de textos que venham a contribuir para a
discussão colaborativa131.
Porém, dizíamos acima que o trabalho filosófico de problematização textual em um
ambiente de discussão aberta e comunitária não somente nos leva a pensar sobre o texto lido,
mas também a problematizar o nosso mundo e, assim, a agirmos autonomamente. Sendo
assim e retomando os termos de Paulo Freire (2016, p. 58), pergunto: em que medida a leitura
de um texto filosófico medieval poderia contribuir para a releitura de nosso próprio mundo?
Ou melhor, em que medida um leitor, ao ler um texto filosófico medieval, aprende sobre o seu
próprio mundo contemporâneo? A melhor resposta para essa pergunta, parece-me, está em
Kurt Flasch (1994, p. 28-9 – grifos no orig.):

O trabalho com os pensadores do passado começa a se tornar filosófico não


quando nós nos relacionamos com as mesmas coisas que eles, mas quando
confrontamos nossa relação para com nossas coisas em nosso mundo à
relação deles com suas coisas em seu mundo. Somente quando
acompanhamos essa inevitável quebra na imediata relação objetiva,
pensamos historicamente. E sabê-lo serve não para a justificação de
coletâneas de anedotas, mas para a nossa autocompreensão como seres
pensantes, que são históricos e, também, temporais no pensar [...]132.

Com efeito, o trabalho com história da filosofia – e, portanto, a leitura de textos filosóficos do
passado – é um modo de nos conhecermos a partir do outro. De compreender aquilo que nos
caracteriza e, também, de narrar historicamente como chegamos a ser o que somos hoje.
Assim, ler um texto filosófico medieval e problematizá-lo é, como propúnhamos, um primeiro

131
Um interessante exemplo do tipo de coautoria no planejamento da aprendizagem a que nos referimos aqui
pode ser lido em GANZELA, 2018.
132
“Die Beschäftigung mit den Denkern der Vergangenheit beginnt philosophisch zu werden, nicht, indem wir
uns auf dieselben Dinge beziehen wie sie, sondern indem wir unsere Beziehung zu unseren Dingen in unserer
Welt konfrontieren mit ihrer Beziehung zu ihrem Dingen in ihrer Welt. Nur indem wir diesen unvermeidlich
Bruch der unmittelbaren Gegenstandsbeziehung mitvollziehen, denken wir historisch. Und dies zu wissen, dient
nicht der Rechtfertigung des Anekdoten-sammelns, sondern unserer Selbstfassung als denkender Wesen, die
historisch sind und auch im Denken zeitlich sind, gerade auch dann, wenn sie Konstruktionen ausdenken, die fast
zeitlos sind”.
68

passo para a problematização de nosso próprio mundo contemporâneo e de nossa inserção,


como indíviduos autônomos e comunitários, neste mundo133.
Em suma, o conteúdo a ser estudado no componente “História da Filosofia Medieval”
em um curso de filosofia em nível superior – ao menos, segundo a concepção de ensino-
aprendizagem de filosofia aqui proposta – deverá ser aquele que, em consonância com o
formação e especialidade do docente134, possibilite o trabalho de leitura e discussão em sala,
tal como são aqui descritos. Destarte, será o caso de selecionar como conteúdo do
componente um tema cuja aprendizagem possa se dar por meio da problematização
colaborativa a partir da leitura e escrita minuciosas, sempre exercitando a transferência dessas
competências para outras situações (por exemplo, para o trato com novos textos, ainda não
estudados). Os objetivos educacionais dirão respeito à aquisição das competências gerais aqui
descritas, sendo os conteúdos, antes de tudo, meios para atingir esses objetivos 135 .

133
Um exemplo recente da tentativa de pensar um problema contemporâneo à luz da história da filosofia
medieval pode ser encontrado em Pensar na Idade Média, de Alain de Libera (1991). Nesse livro, o autor mostra
como uma reflexão sobre as – de fato, um resgate das – origens árabes e muçulmanas medievais de muitos dos
temas fundamentais para a formação do pensamento ocidental moderno poderia, se introduzida no currículo da
educação básica europeia, ser de valia para uma maior integração dos imigrantes de ascendência árabe que hoje
vivem na França e, em geral, na Europa (ibid., p. 98-142). Ou seja, toma-se a história da filosofia como
fundamento para a reflexão sobre o mundo contemporâneo e sobre nosso agir nesse mundo. Nesse sentido, o
estudo da história da filosofia medieval também poderia contribuir para aquele ensino de filosofia que seja capaz
de, nas palavras de Renato Nogueira (2019, p. 98), “promover um aprendizado antirracista e edificante”. Essa
concepção de aprendizagem da filosofia, sem dúvida, se associa àquela das DCN da graduação em filosofia
(BRASIL, 2001b), que reclamam uma aprendizagem que contribua para a reflexão sobre o agir político, a
“promoção integral da cidadania” e o “respeito à pessoa, dentro da tradição da defesa dos direitos humanos” (cf.,
acima, nota 128).
134
E, poderíamos adicionar, em consonância com as atividades de pesquisa do professor, uma vez que no ensino
superior – e isso é particularmente válido para a graduação em filosofia – os resultados de pesquisa do docente
frequentemente possuem impacto direto no conteúdo por ele ministrado em sala. Sobre essa relação entre
pesquisa e ensino na graduação em filosofia, cf. UNESCO, 2007, p. 103-104.
135
Sobre a relação entre objetivos e conteúdos, cf., acima, a nota 122.
69

3. PROPOSTA DE PLANO DE TRABALHO DOCENTE PARA O COMPONENTE


CURRICULAR “HISTÓRIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL”

Estabelecidos os princípios educacionais e filosóficos a partir dos quais pretendemos


elaborar nosso Plano de Trabalho Docente para a disciplina “História da Filosofia Medieval”,
cabe agora apresentá-lo. Esse plano se pretende como uma aplicação a um caso particular dos
princípios acima discutidos. Sendo assim, anteponho a ele uma nota inicial (item 3.1) sobre os
mecanismos que permitiram tal aplicação. Em seguida (item 3.2), há a apresentação do PTD.
Por fim (item 3.3), adicionamos alguns comentários acerca dos elementos principais do plano.

3.1. Nota inicial

A ação que permite a aplicação das considerações teóricas formuladas no capítulo


anterior à elaboração e execução de um Plano de Trabalho Docente em particular é o
planejamento. Com efeito, Gaeta e Masetto (2013, p. 100) destacam o planejamento como
uma das principais competências pedagógicas que caracterizam o professor, uma vez que o
habilita “a organizar o conteúdo da disciplina, as informações a serem trabalhadas, a
bibliografia a ser estudada, as estratégias ou técnicas empregadas que irão colaborar para a
aprendizagem dos alunos, o processo de avaliação [...] e o tempo ou carga horária disponível”
(ibid.). Em termos mais amplos, Masetto (2003, p. 176) nos diz que o “planejamento de uma
disciplina” corresponde à “[o]rganização ou sistematização das ações do professor e dos
alunos tendo em vista a consecução dos objetivos de aprendizagem estabelecidos”. Assim, o
planejamento do componente envolve o estabelecimento dos objetivos educacionais,
conteúdos, a escolha das estratégias didáticas, da bibliografia, do uso do tempo e espaço
escolares 136 e dos instrumentos de avaliação. Para ser mais preciso, o planejamento da
disciplina envolve decisões sobre todos esses elementos – o resultado dessas decisões é um
Plano de Trabalho Docente. Nas palavras de Salgado (2019, p. 16), o plano de ensino é um
documento que se caracteriza justamente como a “consolidação das decisões tomadas durante
o planejamento”.
Uma das características mais relevantes do planejamento da aprendizagem é sua
abertura à revisão, de modo que, como dizem Gaeta e Masetto (2013, p. 101), ele contemple
“sistemas de avaliação do processo de aprendizagem e mecanismos de revisão do processo
como um todo”. Dessa maneira, as decisões tomadas durante o planejamento da disciplina

136
As considerações sobre o tempo e o espaço educacionais são fundamentais no planejamento, pois elas
incidem sobre ele como restrições institucionais às atividades propostas – cf. MUCCHIELLI, 2016, p. 126-127.
Cf. tb. GAETA; MASETTO, 2013, p. 66.
70

“podem e devem ser retomadas a qualquer momento” (SALGADO, 2019, p. 16). Em uma
palavra, portanto, o planejamento da aprendizagem deve ser flexível. Nos dizeres de Heloísa
Lück (2009, p. 34):
Portanto, como um plano ou projeto educacional, por mais bem delineado
que seja, não consegue prever todas as condições e situações da dinâmica
educacional, não deve ser considerado como uma camisa de força que tolha
iniciativas necessárias para fazer face a situações não previstas e emergentes;
deve também prever a necessidade de adaptações, a partir do princípio da
flexibilidade. Daí porque a tomada de decisões do processo de planejamento
deve acompanhar também a implementação dos planos delineados, seu
monitoramento e avaliação.

O planejamento da aprendizagem, então, deve prever uma avaliação constante, que forneça
“informação (feedback) contínua” (GAETA; MASETTO, 2013, p. 91), por meio da qual
decisões anteriores possam ser revistas e modificações implementadas137.
De fato, para um autor como Mucchielli (2016, p. 38-43), a comunicação educacional
se caracteriza fundamentalmente por um duplo feedback, que permite a regulação pelo
professor e pelos estudantes de suas respectivas comunicações. O primeiro feedback é aquele
que vai na direção ‘receptor (estudante)  emissor (professor)’. Assim, uma vez que o
emissor (professor) produza uma comunicação com respeito ao receptor (estudante), um
“feedback é necessário ao emissor se ele quiser saber em que medida ele se comunicou e o
que ele deve fazer para garantir a comunicação”138 (ibid., p. 39); em outras palavras, esse
feedback permite uma “regulação adaptativa do emissor [régulation adaptative de l’émetteur]”
(ibid., p. 41). Já o segundo feedback vai na direção contrária: ‘emissor (professor)  receptor
(estudante)’. Esse, para Mucchielli, é o feedback que permite que “o receptor” (estudante) “se
torne ator e é sua ação [acte] que o formador deve regular por diversos meios”139 (ibid., p. 43),
os quais compõem o segundo feedback. Destarte, a comunicação pedagógica se caracteriza,
para Mucchielli, como uma troca contínua de feedbacks que permitem ao professor e ao
estudante regularem continuamente suas respectivas ações.
Poderíamos, aqui, expandindo a proposta de Mucchielli, afirmar que esse segundo
feedback não necessariamente precisa provir do professor, podendo igualmente ser originário
de pares ou de uma autoavaliação140. Qualquer que seja o caso, se a formação do estudante

137
É interessante sublinhar que essa exigência de uma revisão constante do planejamento educacional nos
aproxima das concepções do professor como profissional reflexivo ou como pesquisador, sobre as quais cf.
acima a nota 39.
138
“Le feed-back est nécessaire à l’émetteur s’il veut savoir dans quelle mesure il a comunique et ce qu’il doit
faire pour assurer la communication”.
139
“[...] le récepteur devient acteur, et c’est son acte que le formateur doit réguler par divers moyens [...]”.
140
Sobre heteroavaliação (por pares ou pelo professor) e autoavaliação, cf. acima a nota 101; sobre a avaliação
por pares, em especial, cf. adiante a nota 162.
71

exige um feedback contínuo a respeito de suas ações, será necessário que ele aja. Assim,
“para que se opere o feedback regulador da formação, é preciso necessariamente dar ao ‘aluno’
a iniciativa de uma ação que aplique, de uma maneira ou de outra, a informação”141 (ibid.).
Com isso, notamos que o próprio planejamento educacional, ao se conceber como
flexível e, portanto, ao exigir um feedback contínuo tal como descrito por Mucchielli, reclama
a participação ativa dos estudantes. Desse modo, se, como propusemos acima (no item 2.3),
pretendemos fomentar o desenvolvimento de certas competências por parte dos estudantes,
deveremos dar espaço para que eles exerçam tais competências e, com base no feedback
recebido (do professor, de seus pares ou em uma autoavaliação), possam aperfeiçoá-las.
Como lemos em KÜLLER; RODRIGO, 2013, p. 71:

Em uma situação de aprendizagem, é sempre exigido o exercício das


competências a serem desenvolvidas. Nela, como na situação profissional,
em um primeiro momento, a competência é exercida com os conhecimentos
já adquiridos pelos alunos, e os transforma à medida que a situação se
desenrola e a competência é desenvolvida.

Com isso, vemos que, em última instância, a própria concepção de planejamento educacional
aqui adotada exige uma aprendizagem baseada na ação do estudante – exige, portanto, o uso das
metologias ativas, a que já nos referimos acima (no cap. 2). Isto é, propor um planejamento da
aprendizagem que colabore para o desenvolvimento de competências como [i] problematização,
[ii] leitura, [iii] escrita e [iv] colaboração em discussões, reclama a seleção de estratégias
didáticas nas quais os estudantes exerçam tais competências142 e, assim, elaborem produções
que permitam um feedback constante a respeito de sua atuação. Enfim, em nossa proposta de
PTD, o processo de avaliação (tal como o feedback dela resultante) deve não somente ser

141
“Or, pour que s’opère le feed-back régulateur de la formation, il faut nécessairement donner à l’‘élève’
l’initiative d’une action qui appliquerait d’une manière ou d’une autre l’information”.
142
Aquilo que denomino aqui como estratégias didáticas poderia ser compreendido, à luz de MASETTO, 2003,
p. 86, como contendo dois elementos: [i] as ‘estratégias’, que “constituem-se numa arte de decidir sobre um
conjunto de disposições, que favoreçam o alcance dos objetivos educacionais pelo aprendiz, desde a organização
do espaço sala de aula com suas carteiras até a preparação do material a ser usado [...] ou o uso de dinâmicas de
grupo, ou outras atividades individuais” (ibid.); e [ii] as ‘técnicas’, entendidas como “o conjunto de recursos”
usados “na realização de uma arte que se chama docência. São exemplos de técnicas: recursos audiovisuais,
dinâmicas de grupo [...]” (ibid.) etc. Dito isso, tal como utilizo os termos aqui, as metodologias se encontrariam
em um nível mais amplo – elas diriam respeito ao “caminho a ser percorrido” (SALGADO, 2019, p. 37) como
um todo. Assim, tomando emprestada a metáfora de Salgado (ibid.), poderíamos dizer que, em nosso PTD, a
adoção de metodologias ativas é a decisão de enfatizar a ação discente por todo o percurso do componente
curricular. Essa decisão tem impacto direto na escolha das estratégias didáticas particulares a serem utilizadas
para efetivar a metodologia escolhida. Por fim, cabe chamar a atenção para a importância de determinar, durante
o planejamento, os recursos físicos e temporais necessários para a execução das estratégias escolhidas (cf. ibid.,
p. 38-39), pois – como mencionado acima, na nota 136 – o espaço e o tempo educacionais podem agir como
restrições durante o planejamento docente.
72

contínuo, mas também estreitamente associado ao processo de aprendizagem (cf. GAETA;


MASETTO, 2013, p. 91), identificando-se por vezes a este último.
Mas, como podemos manter a frequência do contato do professor com os estudantes,
bem como dos estudantes entre si, de maneira a que haja esse duplo feedback contínuo de que
se fala? Uma opção para tanto é elaborar um planejamento da aprendizagem com base no
chamado ensino híbrido, como buscamos fazer aqui. Nas palavras de Horn e Staker (2015, p.
34):

[...] ensino híbrido é qualquer programa de educação formal no qual um


estudante aprende, pelo menos em parte, por aprendizagem online, com algum
elemento de controle do estudante sobre o tempo, o lugar, o percurso e/ou o
ritmo143.

Por meio do ensino híbrido, podemos propor estratégias de aprendizagem que associem direta e
continuamente as atividades em sala àquelas realizadas fora de sala – e vice-versa. A
possibilidade de interação entre os participantes do processo de aprendizagem antes e após o
encontro em sala (cf. GAETA; MASETTO, 2013, p. 87) permite, além disso, não somente a
frequência do feedback, mas também sua imediatez, outro fator enfatizado por Mucchielli (2016,
p. 41 – cf. tb. MASETTO, 2003, p. 131-132) como fundamental para a efetividade do feedback.
Note-se que essa multiplicação dos contatos do professor com os estudantes e dos estudantes,
uns com os outros, por meio de ambientes online pode não apenas fornecer ao docente
informações a respeito da atuação dos estudantes nas atividades requisitadas, mas também pode
dar pistas a respeito dos interesses desses estudantes. Ora, a consideração da diversidade de
interesses dos estudantes, como vimos nos itens 2.1 e 2.2, é fundamental para o planejamento de
um processo de aprendizagem que seja motivador e democrático.
Em resumo, portanto, o que se buscou fazer para aplicar as considerações gerais,
realizadas em nível teórico no capítulo anterior, a um caso de particular de Plano de Trabalho
Docente foi dar foco ao processo de planejamento, tomando este último como um planejamento
flexível e, portanto, continuamente revisável. Sendo necessário um feedback contínuo como
fundamento para tal revisão, tornou-se igualmente necessário focar os objetivos educacionais,
estratégias didáticas e instrumentos avaliativos na ação dos estudantes (como, aliás, vimos, no
cap. 2, ser exigido por reflexões pedagógicas e filosóficas atuais). Por fim, para garantir a
continuidade do feedback exigida pelo planejamento flexível, recorreu-se ao ensino híbrido
como ferramenta para a manutenção da constante interação entre os participantes do processo

143
“[...] blended learning is any formal education program in which a student learns at least in part through
online learning, with some element of student control over time, place, path, and/or pace”.
73

de ensino-aprendizagem. No mais, buscou-se elaborar um PTD detalhado em todas as suas


etapas para que ele sirva não apenas como um recurso para a atuação docente, mas também
como um guia claro, organizado e motivador (cf. CAHN, 2018, p. 4-15) para a atuação do
estudante.
3.2. Plano de Trabalho Docente do componente “História da Filosofia Medieval”144

Curso: Bacharelado / Licenciatura em Disciplina: História da Filosofia Medieval


Filosofia
Modalidade: Presencial Aulas: 8 (4hrs por aula)
Docente: Gustavo Barreto Vilhena de Paiva
Breve currículo do docente:
Sou bacharel e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Desenvolvo desde
2007 uma pesquisa voltada para a noção de conhecimento nos séculos XIII e XIV,
principalmente tal como expressa nas obras de Henrique de Gand (a. 1240-1293) e João
Duns Escoto (c. 1265-1308). A partir de 2018, tenho trabalhado com a edição crítica de
textos latinos medievais.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9481259214504147
Site profissional: https://gbvpaiva.wixsite.com/meusite
Plataforma Moodle: http://filosofiamedieval.moodlecloud.com

Ementa: Estudo de textos (originais e traduções) de pensadores medievais, seja da Alta


Idade Média (Período Patrístico) ou da Baixa Idade Média (Período Escolástico). Recepção
do pensamento filosófico antigo por autores medievais latinos. Devem ser consideradas as
influências sofridas – em diferentes áreas da filosofia – por estes pensadores a partir de
autores bizantinos, árabes, judeus (em geral, por meio de traduções latinas dos textos destes
últimos).

Objetivos do componente:

Geral:
- Contrastar as concepções de ética elaboradas, respectivamente, por Tomás de Aquino
(1225-1274) e por João Duns Escoto (c. 1265-1308), inserindo-as no contexto das
discussões filosóficas tardo-medievais sobre ética.

Específicos:
I - Diferenciar as origens histórico-filosóficas das concepções contemporâneas de “Idade
Média” e “medieval”.
II - Interpretar textos de Tomás de Aquino sobre ética, à luz de comentadores.
III - Aplicar a textos de Duns Escoto sobre ética as mesmas práticas interpretativas.
IV – Relacionar as concepções de ética de Tomás de Aquino e Duns Escoto, identificando
suas respectivas consequências para o pensamento de cada autor.

Conteúdo programático:

144
O modelo de tabela que proponho para a apresentação do PTD é o resultado de uma mescla do modelo
utilizado pelo Senac Aclimação e de sugestões feitas pelas profas. Silvana Donadio e Cecília Gaeta, em suas
respectivas disciplinas na Especialização em Docência no Ensino Superior.
74

- Concepções de ‘Idade Média’ e ‘medieval’;


- Filosofia medieval na historiografia da filosofia;
- Recepção escolástica da ética antiga;
- Tomás de Aquino (1225-1274) e sua ética da razão;
- João Duns Escoto (c. 1265-1308) e sua ética da vontade;
- Consequências políticas e filosóficas das duas posições.
Programação das aulas e das atividades discentes orientadas:
Bibliografia
específicos

(NB: todos os tex-


Aulas

Conteúdos
Objs.

Estratégias / Recursos tos serão disponi-


específicos bilizados em por-
tuguês)
- concepções - apresentação do professor e - quadro ou - Reportagens
historiográficas dos alunos / contrato pedagógico flipchart (cf. bibl.
de “Idade Mé- / expectativas dos estudantes - canetas ou compl.)
dia” e “medie- - brainstorming giz - VOSS, 1977.
val” - pequenos grupos para fomular - datashow - LIBERA,
1 - a possibilidade perguntas (sobre reportagens) - textos 1992, p. 150-5.
de uma “Histó- - aula expositiva dialogada impressos ou - PANACCIO,
ria da Filosofia - discussão do PTD digitalizados 1994, p. 175-7.
Medieval” - apresentação do AVA - AVA
- fórum online (sobre LIBERA,
1992 e PANACCIO, 1994)
I
- fontes textuais - sala de aula invertida (vídeo - quadro ou - LIBERA,
filosóficas dos indicado na bibliografia flipchart 2014.
autores tardo- completamentar e leitura prévia: - canetas ou - ARISTÓTE-
medievais LIBERA, 2014) giz LES, 2006, p.
- a universidade - discussão sobre vídeo, leitura - datashow 124-5 (Sobre a
2 medieval prévia e fórum online (cf. aula - folhas A4 alma III, c. 10,
1) - canetas 433a9-30).
- aula expositiva dialogada - textos - AGOSTINHO,
- leitura comparativa (em impressos ou 2007, p. 707-9.
grupos) digitalizados - VERGER,
- AVA 1999, p. 81-103.
- como ler uma - sala de aula invertida (leitura - quadro ou - TOMÁS DE
‘questão dispu- prévia: BIRD, 2005) flipchart AQUINO,
tada’ - aula expositiva dialogada - canetas ou 2005: ST I, q.
- intelecto e - leitura dirigida giz 80, art. 1-2 (p.
vontade em - problematização dos textos - datashow 464-7); q. 82,
Tomás de (formulação individual de - folhas A4 art. 2 (p. 477-8).
3
Aquino perguntas e discussão em grupo coloridas - BIRD, 2005.
sobre elas) -fita adesiva - STUMP, 2003,
- mapa mental online (TOMÁS - textos p. 277-87.
DE AQUINO, 2005, p. 481-3 - impressos ou
II.
ST I, q. 82, art. 4) digitalizados
- AVA
- consciência - sala de aula invertida (leituras - quadro ou - TOMÁS DE
em Tomás de prévias: TOMÁS DE AQUINO, flipchart AQUINO,
Aquino 2005, p. 481-3 – ST I, q. 82, art. - canetas ou 2005: ST I, q.
- silogismo 4; KANTOLA, 1994, p. 70-79) giz 79, art. 11-13
4
prático e - discussão sobre as leituras - datashow (458-63); q. 82,
escolha em prévias e o mapa mental (cf. - folhas A4 art. 4 (p. 481-3);
Tomás de aula 3) - canetas q. 83, art. 1 (p.
Aquino - aula expositiva dialogada - textos 486-9), art. 4 (p.
75

- formulação de silogismos impressos ou 492-4).


práticos (em grupo) para digitalizados - KANTOLA,
discussão em aula - AVA 1994, p. 70-79.
- fórum online (em que medida - STUMP, 2003,
o que vimos hoje se relaciona à p. 287-297.
pergunta formulada por você na - BIRD, 1964,
aula 3?) p. 1-25.
- como ler um - sala de aula invertida (leitura - quadro ou - DUNS ESCO-
comentário prévia: PUNTA, 1998) flipchart TO, 2010, p. 73-
medieval - discussão sobre a leitura prévia - canetas ou 93 (Qq. sobre a
- intelecto e - leitura dirigida giz Metafísica IX,
vontade em - leitura comparativa (em - datashow q. 15); 1993, p.
Duns Escoto grupos, a ser apresentada e - post-it’s 252-4 (Lec. II,
discutida) - canetas d. 25); 1639,
5
- fichamento online (DUNS - textos vol. 11.1, p.
ESCOTO, 1639, vol. 6.2, p. impressos ou 371-2 (Rep. par.
1017-21 – Op. ox. II, d. 39) digitalizados II-A, d. 25).
- AVA - PUNTA, 1998.
- INGHAM;
DREYER,
2004, p. 162-72.
III - consciência - sala de aula invertida (leitura - quadro ou - DUNS ESCO-
em Duns Escoto prévia: KANTOLA, 1994, p. flipchart TO, 2003, p.
- práxis e ação 95-102) - canetas ou 377-95 (Ord.,
em Duns Escoto - discussão sobre os fichamentos giz prol., p. 5);
- escrita filosó- online e a leitura prévia - datashow 1639, vol. 6.2,
fica - aula expositiva dialogada - textos p. 1017-21 (Op.
- oficina de escrita (em grupos, impressos ou ox. II, d. 39)
6 formular um pequeno texto indi- digitalizados - KANTOLA,
vidual – máx. de 500 palavras – - notebooks 1994, p. 95-102.
comparando Tomás de Aquino e (ou cadernos - CEZAR, 2014,
Duns Escoto a partir da pergunta e canetas p. 57-79.
que você formulou na aula 3) individuais)
- após a aula, transformá-lo em - AVA
um pitch (em vídeo ou áudio,
máx. 5 min.) e postá-lo no AVA
- principais con- - sala de aula invertida (leitura - quadro ou - GILSON,
trastes entre as prévia: GILSON, 1952) flipchart 1952, p. 574-
éticas de Tomás - apresentação e discussão dos - canetas ou 602.
de Aquino e de pitches (gravados em vídeo ou giz - retornaremos à
Duns Escoto: áudio para discussão em aula) - datashow bibliografia bá-
ética do inte- - discussão da leitura prévia - textos sica consultada
7 lecto versus éti- - aula expositiva dialogada impressos ou nas aulas anteri-
ca da vontade. - oficina de escrita (iniciar a digitalizados ores.
- escrita filosó- dissertação final) - notebooks
IV fica (ou cadernos
e canetas
individuais)
- AVA
- consequências - sala de aula invertida (leitura - quadro ou - TOMÁS DE
filosóficas e po- prévia: VILLEY, 2005, p. 147- flipchart AQUINO,
líticas das posi- 154, 202-212). - canetas ou 1892: ST Iª-IIae,
8
ções de cada au- - aula expositiva dialogada giz q. 95, art. 2 (p.
tor - leitura dirigida (em grupos) - datashow 175-6)
- escrita filosó- - oficina de escrita (leitura de - textos - DUNS
76

fica trechos das dissertações em impressos ou ESCOTO, 1639,


andamento dos estudantes que digitalizados vol. 9, p. 156
desejarem, para comentários dos - notebooks (Op. ox. IV, d.
colegas e do professor) (ou cadernos 15, q. 2)
- questionário de avaliação sobre e canetas - VILLEY,
o curso individuais) 2005, p. 147-
- AVA 154, 202-212.
Processo de Avaliação:
Avaliação
específs.

Critérios
Objs.

Instrumentos Rendimento Feedback


Indicador
satisf. parcial insatisf.
- observação e - habilidade em leitura - os dados obti-
registro diag- - habilidade em formula- dos serão utili-
nóstico (Aula ção de perguntas / pro- zados pelo
1) blemas professor para
- habilidade de discussão adaptação do
em grupo PTD
- fórum online - elaborou, no mínimo,
(sobre LIBE- duas postagens (sendo
RA, 1992 e uma resposta à pergunta
3,0 2,0 0
PANACCIO, colocada pelo professor e
- no próprio Fó-
1994) outra comentário à res-
rum e em
posta de um colega)
I discussão na
- utilizou-se, nas posta-
aula seguinte
gens, dos conteúdos vis- 3,0 2,0 1,0
tos em sala
- usou linguagem técnica
3,0 1,5 1,0
- autoavalia- - realizou as tarefas pro-
- eventual dis-
ção no AVA postas?
cussão, em sala,
(aulas 1 e 2) - compreendeu os temas
1,0 0,5 0 sobre dificul-
estudados?
dades aponta-
- que dificuldades teve?
das (mantendo
- que nota se daria?
anonimato)
Total: 10,0 6,0 2,0
- apresentação - propôs uma pergunta
individual relativa ao texto em es- 2,0 1,25 0
(das perguntas tudo - durante a aula,
formuladas – logo após cada
- colocou a pergunta em
2,0 1,25 0,7 apresentação
Aula 3) formato de interrogação
- usou linguagem técnica 1,0 0,5 0,3
- registro de - utilizou de palavras-
leitura (mapa chave presentes no texto 1,0 0,75 0
mental - on- em estudo - online, pelo
II
line) - estabeleceu coerente- AVA, na
mente relações entre pa- medida em que
lavras-chave no mapa os mapas
2,0 1,25 0,7
mental, à luz daquelas mentais forem
presentes no texto em es- enviados, e em
tudo discussão na
- respeitou as regras for- aula seguinte
mais de um mapa mental 1,0 0,5 0,3
77

- autoavalia- - realizou as tarefas pro-


- eventual dis-
ção no AVA postas?
cussão, em sala,
(aulas 3 e 4) - compreendeu os temas
1,0 0,5 0 sobre dificul-
estudados?
dades aponta-
- que dificuldades teve?
das (mantendo
- que nota se daria?
anonimato)
Total: 10,0 6,0 2,0
- apresentação - propôs uma compara-
em grupo (da ção entre textos dos dois
leitura compa- autores estudados a partir
2,0 1,25 0
rativa – Aula da pergunta colocada por
5) um dos participantes do
grupo na etapa anterior - durante a aula,
- apresentou o resultado entre as apre-
de um trabalho realizado sentações
com a participação de to- 2,0 1,25 0,7
dos os membros do
grupo (em sala)
- usou linguagem técnica 1,0 0,5 0,3
- registro de - destacou na produção
leitura (ficha- os principais conceitos
1,0 0,75 0
III mento – on- do texto em estudo - online, pelo
line) AVA, na
- destacou na produção medida em que
as principais teses defen- os fichamentos
2,0 1,25 0,7
didas pelo autor no texto forem enviados,
e em discussão
- respeitou as regras for- na aula seguinte
mais de um fichamento 1,0 0,5 0,3

- autoavalia- - realizou as tarefas pro-


ção no AVA postas? - eventual dis-
(aulas 5 e 6) - compreendeu os temas cussão, em sala,
1,0 0,5 0 sobre dificul-
estudados?
- que dificuldades teve? dades aponta-
- que nota se daria? das (mantendo
anonimato)
Total: 10,0 6,0 2,0
- apresentação - formulou uma proposta
(pitch) individual de compara-
ção entre os textos dos
dois autores estudados, a - durante a apre-
1,0 0,6 0,2 sentação dos
partir da pergunta formu-
lada individualmente nas pitchs, com a fi-
aulas anteriores nalidade de
colaborar para
IV - explicitou as referên- que as propostas
cias às passagens rele- individuais de
vantes para sua proposta comparação
1,0 0,6 0,2
dos textos dos dois auto- entre os autores
res estudados sejam aperfei-
çoadas
- respeitou o tempo (até
5 min.) 1,0 0,6 0,2
78

- usou linguagem técnica 1,0 0,6 0,2


- dissertação - formulou a pergunta
apresentada no pitch com
as modificações sugeri- 1,0 0,6 0,2
das (caso haja sugestões)

- comparou os dois auto-


- online, no for-
res estudados, a partir da
mato de comen-
pergunta formulada, in-
tários e uma
terpretando trechos de 1,0 0,6 0,2 nota ou conceito
suas obras, os quais se-
final; o
jam relevantes para a ar-
estudante
gumentação
poderá, através
- utilizou bibliografia se- do AVA ou e-
cundária (comentadores) mail, tirar dúvi-
1,0 0,6 0,2
para interpretar os tre- das e pedir mai-
chos referidos ores infor-
- usou linguagem técnica 1,0 0,6 0,2 mações quanto
- respeitou o formato de aos comentários
uma dissertação apresentados
(introdução, 0,5 0,35 0,2
desenvolvimento,
conclusão)
- seguiu regras de refe-
rência e citação (ABNT) 0,5 0,35 0,2

- autoavalia- - realizou as tarefas pro-


ção no AVA postas?
(aulas 7 e 8) - compreendeu os temas - caso neces-
1,0 0,5 0 sário, retorno
estudados?
- que dificuldades teve? individual por
- que nota se daria? meio do AVA
Total: 10,0 6,0 2,0
- questionário - respostas dissertativas
- dados serão
de avaliação ou de múltipla escolha
utilizados para
sobre o curso sobre a metodologia uti-
aperfeiçoamento
lizada no curso e o de-
futuro do PTD
sempenho do professor
Total geral: 40,0 24,0 8,0
4 4 4

Bibliografia:
 NB: textos em língua estrangeira serão disponibilizados em tradução
Básica:
TOMÁS DE AQUINO. Opera omnia. Iussu Leonis XIII P. M. edita. Tomus septimus. Romae: Ex
Typographia Polyglotta, 1892.
_______. Suma de teologia. Vol. II. Ed. da trad. J. Pereira. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2005.
DUNS SCOTUS. Opera omnia. Ed. L. Wadding. 12 vols. Lyon, 1639.
_______. Opera omnia. Ed. Vaticana. Vol. XIX. Roma: Typis Polyglottis Vaticanis, 1993.
_______. Prólogo da Ordinatio. Trad., introd. e notas R. H. Pich. Porto Alegre: EdiPUCRS - Ed.
Universitária São Francisco, 2003.
_______. Scotus e a liberdade: textos escolhidos sobre a vontade, a felicidade e a lei natural. Trad.
79

e introd. C. R. Cezar. São Paulo: Loyola, 2010.

Complementar:
AGOSTINHO. Trindade. Ed. bilíngue de A. do Espírito Santo et al. Prior Velho: Paulinas, 2007.
ARISTÓTELES. De anima. Apres., trad. e notas de M. C. G. dos Reis. São Paulo: Editora 34,
2006.
BIRD, O. Syllogistic and its Extensions. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1964.
_________. Como ler um artigo da Suma. Trad. de G. Pereira Jr. Textos Didáticos, nº 53, julho de
2005.
CEZAR, César R. Compreender Scotus. São Paulo: Loyola, 2014.
ESTÊVÃO, J. C. Um debate aristotélico sobre Agostinho. 2013. (41m28s). Disponível em:
< https://www.youtube.com/watch?v=BnTOBXVkKio >. Acesso em: 30 ago. 2020.
GILSON, É. Jean Duns Scot: Introduction à ses positions fondamentales. Paris: Vrin, 1952.
INGHAM, M. B.; DREYER, Mechthild. The Philosophical Vision of Duns Scotus: An Introdu-
ction. Washington, D.C.: The Catholic University of America Press, 2004.
KANTOLA, I. Probability and Moral Uncertainty in Late Medieval Philosophy. Helsinki:
Luther -Agricola-Society, 1994.
LIBERA, A. de. Où va la philosophie médiévale. Leçon inaugurale au Collège de France
prononcée le jeudi 13 février 2014. Disponível em: < http://books.openedition.org/cdf/3634#ftn2 >.
Acesso em: 12/09/2014.
_________. Retour de la philosophie médiévale? Le Débat, v. 72, p. 145-158, 1992.
PANACCIO, C. De la reconstruction en histoire de la philosophie. In: BOSS, G. (éd.). La philoso-
phie et son histoire. Zurich: Éditions du Grand Midi, 1994, p. 173-195.
PUNTA, F. del. The Genre of Commentaries in the Middle Ages and its Relation to the Nature and
Originality of Medieval Thought. In: AERTSEN, J. A.; SPEER, A. (Hrsg.). Was ist Philosophie im
Mittelalter? Berlin – New York: De Gruyter, 1998, p. 138-151.
STUMP, E. Aquinas. London – New York: Routledge, 2003.
Tradição portuguesa, a batalha medieval entre mouros e cristãos se mantém viva na cultura de MT
há mais de 200 anos. g1.globo.com, 22/07/2019. Disponível em: < https://g1.globo.com/mt/mato-
grosso /noticia/2019/07/22/tradicao-portuguesa-batalha-medieval-entre-mouros-e-cristaos-se-
mantem-viva-na -cultura-de-mt-ha-mais-de-200-anos.ghtml >. Acesso em: 30 ago. 2020.
Um muro virtual na fronteira entre EUA e México é possível? Jornal do Brasil, 09/01/2019. Dis-
ponível em: < https://www.jb.com.br/internacional/2019/01/971169-um-muro-virtual-na-fronteira-
entre-eua-e-mexico-e-possivel.html >. Acesso em: 30 ago. 2020.
VERGER, J. Homens e saber na Idade Média. Trad. de C. Boto. Bauru: EDUSC, 1999.
VILLEY, M. A formação do pensamento jurídico moderno. Trad. C. Berliner. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
VOSS, J. Le problème du Moyen Age dans la pensée historique en France (XVIe-XIXe siècle).
Revue historique moderne et contemporaine, v. 24, n. 3, p. 321-340, 1977.
80

3.3. Comentários ao Plano de Trabalho Docente

Havendo apresentado a proposta de PTD para a oferta em um curso de filosofia em


nível superior do componente curricular “História da Filosofia Medival”, acredito que será
interessante comentar algumas de suas características. Sendo assim, buscamos a seguir
percorrer as principais etapas do PTD destacando as razões para as decisões tomadas no
planejamento145, bem como a bibliografia didático-pedagógica que as fundamentou.

3.3.1. Ementa

O Plano de Trabalho Docente apresentado é um planejamento de aprendizagem para


um componente curricular específico de bacharelado ou licenciatura em filosofia. Ele é
proposto para um ensino em modalidade presencial, porém com elementos de ensino híbrido,
como já foi notado (no item 3.1) e será reiterado adiante (cf. item 3.3.3). Sendo este o PTD
para uma disciplina de nível superior, o primeiro elemento relevante a ser observado para o
planejamento didático é a ementa. De fato, a ementa de uma disciplina é – ou, ao menos,
deveria ser – um documento associado (e decorrente) diretamente do projeto pedagógico que
se propõe para um curso de uma instituição de ensino superior. Nas palavras de Minguili e
Daibem (2008, p. 127):

[...] só depois de definir com clareza o que se pretende na universidade, na


sociedade e no curso é que se pode trabalhar a organização curricular, ou
seja, ordenar as atividades a serem realizadas em forma de eixos norteadores,
estabelecer as disciplinas e respectivas ementas para posteriormente cada
professor elaborar seu plano de ensino, articulado ao eixo a que pertence, ao
projeto do curso e à proposta de universidade, do ponto de vista científico,
artístico, cultural, social e ético.

Ou seja, a ementa é, de certo modo, o elemento que relaciona o PTD de um componente


curricular à proposta curricular do curso de nível superior como um todo.
Uma vez que o PTD apresentado não se vincula a um bacharelado ou licenciatura em
filosofia em particular, proponho ali uma ementa fictícia. Esta busca enumerar conteúdos de
caráter geral relacionados à área ‘história da filosofia medieval’, de modo que uma disciplina
de mesmo nome com tal ementa possa ser ofertada por docentes com especialidades as mais
diversas nesta mesma área. Assim, por seu caráter geral, a ementa proposta se presta a
diferentes formas de particularização a cada oferta do mesmo componente curricular por

145
Sobre a relação entre decisão e planejamento, cf., acima, item 3.1.
81

docentes distintos. Que a ementa proposta seja focada na enumeração de conteúdos se deve ao
próprio caráter desta etapa do planejamento pedagógico, uma vez que, segundo Salgado (2019,
p. 17), “[a] ementa é o elemento do plano que descreve os conteúdos de uma disciplina, numa
sequência apresentada em forma de frases nominais”. Na redação da ementa, preferi manter a
ênfase em conteúdos conceituais 146 , de maneira a deixar a cada docente a liberdade de
enfatizar conteúdos procedimentais ou atitudinais, de acordo com sua concepção do trabalho
didático. O único conteúdo procedimental mencionado é um daqueles que, como vimos no
item 2.3, se derivam diretamente das DCN de filosofia (BRASIL, 2001b, p. 3), a saber, o trato
com textos – principalmente, a leitura –, pois consideramos que esse conteúdo procedimental
é elemento fundamental que deve, obrigatoriamente, ser abordado em disciplinas de filosofia,
obviamente por diferentes estratégicas de acordo com as concepções didáticas de que partir o
docente.

3.3.2. Objetivos

Como defendem Gaeta e Masetto (2013), uma vez considerada a ementa de


determinado componente curricular (no contexto das Diretrizes Curriculares Nacionais da
área) e, portanto, as principais competências a serem desenvolvidas pelos estudantes em tal
componente, o primeiro passo para a elaboração do PTD deve ser a formulação dos objetivos
educacionais147. Assim, novamente citando Salgado (2019, p. 18), “[o]s objetivos são as setas
que” nos guiam “num processo de ensino-aprendizagem. Para isso, precisam ser claros,
realistas, exequíveis e passíveis de serem avaliados e observados [...]”. Ademais, os objetivos
educacionais se distinguem em dois tipos: os objetivos gerais, “de caráter mais amplo e
abrangente, [...] observáveis a longo prazo”; e os objetivos específicos, que “se
complementam aos gerais, detalhando-os [...], têm um caráter mais concreto e delimitam
melhor as ações a serem executadas num plano de ensino” (ibid.).
Ora, uma vez que dizem respeito a ações, os objetivos devem ser expressos por verbos
(FERRAZ; BELHOT, 2010, p. 425) – mais particularmente, verbos no infitivo, que permitam
a proposta dos objetivos educacionais como um complemento à seguinte frase: “ao final dessa
unidade os alunos deverão” ser capazes de + verbo infinitivo (adaptado de FERRAZ;
BELHOT, 2010, p. 425). Nesse caso, grande parte do desafio na elaboração de objetivos
146
Sobre a distinção dos diferentes tipos de conteúdos adotada aqui, cf. acima o item 2.3.
147
Cf., acima, a nota 122. Nesse ponto, vale citar também a seguinte passagem de GAETA; MASETTO, 2013, p.
72: “Embora os professores em geral iniciem seu plano de disciplina pela organização dos conteúdos, essa não é
uma atitude de formadores de profissionais. Com efeito, o ponto inicial de qualquer planejamento é estabelecer
quais são os objetivos de formação profissional que os alunos deverão aprender na disciplina”.
82

educacionais recai sobre a escolha dos verbos a serem utilizados. Essa escolha pode ser feita
com base na clássica taxonomia de objetivos educacionais de Bloom et al. (1956),
recentemente revista e expandida (ANDERSON; KRATHWOHL, 2001). A importância da
taxonomia, principalmente em sua versão revista, está no fato de que ela permite uma
classificação e organização dos objetivos educacionais em termos de processo cognitivo e de
conhecimento:

Em nossa taxonomia nós estamos classificando objetivos. Uma colocação de


um objetivo contém um verbo e um substantivo. O verbo, geralmente,
descreve o processo cognitivo pretendido. O substantivo geralmente
descreve o conhecimento que se espera que os alunos adquiram ou
construam [...]. Em contraste com a dimensão única da taxonomia original, a
estrutra [framework] revista é bidimensional. Como sugerido no parágrafo
anterior, as duas dimensões são o processo cognitivo e o conhecimento [...].
A dimensão processo cognitivo [...] contém seis categorias: lembrar,
compreender, aplicar, analisar, avaliar e criar [...]. A dimensão
conhecimento [...] contém quatro categorias: factual, conceitual,
procedimental e metacognitivo148 (ibid., p. 4-5 – grifos no orig.).

Assim, se a expressão dos objetivos deve ocorrer por verbos no infinitivo, indicando as ações
que os estudantes estarão aptos a realizar ao fim de dado período de formação, a escolha
desses verbos – e, portanto, das ações – deve ser criteriosa. Em nosso caso, adotamos por
critério justamente essa classificação bidimensional de objetivos educacionais.
Com efeito, podemos apresentar os objetivos específicos de nosso PTD com base
nessa taxanomia (cf. tabela 2). Assim, o objetivo específico I 149 , com base no verbo
‘diferenciar’ envolve lembrar e compreender (dimensão processo cognitivo), bem como
conhecimentos factuais sobre as origens das concepções atuais de ‘Idade Média’ e ‘medieval’.
O objetivo específico II 150 , a partir do verbo ‘interpretar’ diz respeito a compreender e
analisar (dimensão processo cognitivo) textos a partir dos quais se poderá aprender
conhecimentos conceituais (a noção de ética em Tomás de Aquino), mas também
procedimentais (como ler um texto filosófico escolástico). O objetivo específico III151, por
meio do verbo ‘aplicar’, nos remete à aplicação de procedimentos já aprendidos, mas também,
148
“In our Taxonomy we are classifying objectives. A statement of an objective contains a verb and a noun. The
verb generally describes the intended cognitive process. The noun generally describes the knowledge students
are expected to acquire or construct [...]. In contrast with the single dimension of the original Taxonomy, the
revised framework is two-dimensional. As suggested in the preceding paragraph, the two dimensions are
cognitive process and knowledge [...]. The cognitive process dimension [...] contains six categories: Remember,
Understand, Apply, Analyze, Evaluate, and Create [...]. The knowledge dimension [...] contains four categories:
Factual, Conceptual, Procedural, and Metacognitive”.
149
“Diferenciar as origens histórico-filosóficas das concepções contemporâneas de ‘Idade Média’ e ‘medieval’”,
cf. acima p. 71.
150
“Interpretar textos de Tomás de Aquino sobre ética, à luz de comentadores”, cf. acima p. 71.
151
“Aplicar a textos de Duns Escoto sobre ética as mesmas práticas interpretativas”, cf. acima p. 71.
83

novamente, a compreensão e análise de textos (dimensão processo cognitivo), de modo a


construir conhecimentos conceituais (a noção de ética de Duns Escoto) e transferir
conhecimentos 152 procedimentais (como ler um texto filosófico escolástico). Por fim, o
objetivo específico IV153, com foco no verbo ‘relacionar’, propõe o trabalho de aplicação dos
conhecimentos adquiridos a novas situações, síntese desses mesmos conhecimentos e criação,
pois a relação estabelecida será um trabalho filosófico, desenvolvido autoral e
individualmente por cada estudante (dimensão processo cognitivo). Além disso, esse mesmo
objetivo envolve o conhecimento de procedimentos (escrita filosófica) e a metacognição, pois
exige a consideração, expressão e comparação, por cada estudante, das interpretações e
leituras que desenvolveram individualmente e em grupo durante todo o percurso. Quanto ao
objetivo geral, podemos dizer que seu cumprimento envolve todas as dimensões abrangidas
pelos objetivos específicos, uma vez que estes são os meios pelos quais os estudantes poderão
atingi-lo.

Tabela 2: Tabela Bidimensional de Bloom – Processo cognitivo


Dimensão Dimensão processo cognitivo
conhecimento lembrar compreender aplicar analisar sintetizar criar
factual Obj. I Obj. I
conceitual Obj. II/III Obj. III Objs. II/III
procedimental Obj. II Obj. III Objs. II/III Obj. IV
metacognitivo Obj. IV Obj. IV
Fonte: adaptado de ANDERSON; KRATHWOHL, 2001, p. 32; e FERRAZ; BELHOT, 2010, p. 429-430.

3.3.3. Conteúdo programático

Nas palavras de Salgado (2019, p. 20), “[o]s conteúdos respondem à pergunta sobre
‘O que ensinar?’. Para respondê-la, o primeiro passo é compreender aonde se quer chegar, ou
seja, quais são os objetivos”. Essa mesma prioridade dos objetivos com respeito aos
conteúdos é destacada por Gaeta e Masetto154, que os explicam como “os assuntos e temas
que serão estudados em uma unidade e que estejam em consonância com os objetivos a serem
alcançados” (GAETA; MASETTO, 2013, p. 73). Em nosso PTD, apresentamos inicialmente
uma listagem sob a rubrica de conteúdo programático e, no quadro de programação das aulas,
especificamos os conteúdos específicos a serem trabalhados a cada etapa do componente
curricular.

152
Sobre a ‘transferência de conhecimentos’, cf. acima o item 2.3.
153
“Relacionar as concepções de ética de Tomás de Aquino e Duns Escoto, identificando suas respectivas
consequências para o pensamento de cada autor”, cf. acima p. 71.
154
Cf., acima, nota 122.
84

A listagem de conteúdos apresentada como conteúdo programático no PTD é uma


proposta de particularização dos conteúdos enumerados na ementa, a partir dos objetivos
educacionais propostos. Sendo assim, a listagem do conteúdo programático enfatiza os
conteúdos conceituais (tal como a ementa), necessários para que alcancemos aqueles
objetivos. Dessa maneira, por exemplo, dada [i] a exigência da ementa pelo estudo dos
“textos [...] de pensadores medievais [...] em diferentes áreas da filosofia” e [ii] a ênfase dos
objetivos nos procedimentos de interpretação de textos de ética de Tomás de Aquino e Duns
Escoto, o conteúdo programático destaca como conteúdos conceituais relevantes as
concepções de ética (e, secundariamente, de política) elaboradas, respectivamente, por cada
um dos autores citados nos objetivos.
Do mesmo modo, diferenciar as concepções contemporâneas de ‘Idade Média’ e
‘medieval’, como proposto nos objetivos, passa pela consideração das origens históricas
(antigas, bizantinas, árabes, judaicas) do pensamento medieval, como exigido pela ementa.
Daí que, no conteúdo programático, listem-se tanto o estudo da recepção medieval da ética
antiga, como o lugar da história da filosofia medieval na atual historiografia da filosofia, que
tem enfatizado sobremaneira as influências árabes e judaicas sobre o pensamento medieval
latino155. Aliás, interpretar textos filosóficos medievais latinos, como exigido pela ementa e
proposto, no que diz respeito à ética, nos objetivos, reclama uma consideração da recepção
medieval latina do pensamento produzido em outras épocas, locais e línguas.
Por fim, cabe notar que, muito embora o conteúdo programático se componha de uma
listagem de conteúdos conceituais, tais conteúdos só poderão ser aprendidos por meio dos
conteúdos procedimentais cujo desenvolvimento é previsto nos objetivos propostos (por
exemplo, a interpretação de textos). Daí que, no quadro de programação das aulas, sejam
listados conteúdos específicos para cada momento da disciplina, os quais já destacam, ao lado
de conteúdos conceituais, certos conteúdos procedimentais principais (como a leitura de
gêneros textuais característicos da filosofia medieval e a escrita filosófica). Igualmente, tanto
o cumprimento dos objetivos como a aprendizagem do conteúdo programático estarão
atrelados a conteúdos procedimentais e atitudinais que serão trabalhados por meio das
diversas estratégias didáticas selecionadas para a execução do PTD.

3.3.4. Estratégias didáticas e bibliografia

155
Sobre esse tema, cf. a nota 133, acima, bem como LIBERA, 2014.
85

Entendemos por estratégia didática neste trabalho, seguindo Anastasiou e Alves (2004),
“a arte de aplicar ou explorar os meios e condições favoráveis e disponíveis, com vista à
consecução de objetivos específicos” (ibid., p. 68-69)156. Sendo assim, no planejamento de um
processo de ensino-aprendizagem, cabe ao professor selecionar estratégias, isto é, “estudar,
selecionar, organizar e propor as melhores ferramentas facilitadoras para que os estudantes se
apropriem do conhecimento” (ibid., p. 69). Assim, estabelecidos (a partir da enumeração das
competências a serem desenvolvidas pelos estudantes e da ementa) os objetivos educacionais e
o conteúdo programático, coube a nós selecionar as estratédias didáticas que poderiam levar ao
cumprimento dos objetivos e à aprendizagem dos conteúdos.
Ora, como vimos acima (no item 2.3), à exigência de trabalho com textos na formação
em filosofia está atrelado o desenvolvimento de, pelo menos, quatro competências: [i]
problematização, [ii] leitura, [iii] escrita e [iv] colaboração em discussões filosóficas. Destarte,
quando a ementa exige o trato com textos, quando os objetivos propõem o desenvolvimento da
capacidade de interpretar textos, quando o conteúdo programático lista certas concepções
filosóficas de autores a serem aprendidas, esses três elementos do PTD exigem, ainda que sem
mencioná-lo, o desenvolvimento daquelas quatro competências enumeradas. As estratégias que
selecionamos para cumprir os objetivos e, portanto, para fomentar a aprendizagem do conteúdo
programático proposto visam a favorecer o desenvolvimento de tais competências. Sendo assim,
as estratégias selecionadas envolvem, em geral: leitura, escrita e discussão, em sala ou fora de
sala.
Havíamos estabelecido, com base na discussão desenvolvida no cap. 2, que a
aprendizagem de filosofia reclama a utilização de metodologias ativas. Além disso (como
mencionamos no item 3.1), consideramos relevante para nossa proposta de PTD o uso de
recursos associados ao ensino híbrido. Sendo assim, muitas das estratégias selecionadas para o
componente curricular mesclam elementos de metodologias ativas e de ensino híbrido – ou seja,
busca-se fomentar a aprendizagem ativa do estudante também por recursos online, com o uso de
um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Uma vez que grande ênfase é dada, no PTD, à
leitura e interpretação de textos, bem como à escrita filosófica, o AVA será utilizado
principalmente como plataforma para tais atividades. A centralidade da leitura para o presente
curso também explica o fato de, neste comentário, associarmos as estratégias didáticas à
bibliografia: as estratégias que propomos passam, sempre, pela leitura e interpretação da
bibliografia proposta (principalmente aquela básica, mas também a complementar). Assim, ao

156
Cf. tb., na nota 142, acima, a relação entre estratégia, técnica e metodologia, no contexto educacional.
86

termo do componente, os estudantes terão trabalhado – em sala e/ou fora de sala –, ao menos,
com os trechos mais relevantes de toda a bibliografia elencada. Em outras palavras, na nossa
proposta, estratégias didáticas e bibliografia são elementos fundamentalmente imbricados no
processo de ensino-aprendizagem.
Desse modo, já na primeira aula, propomos uma atividade de leitura em pequenos
grupos (MASETTO, 2003, p. 113-120). Essa não será ainda uma leitura filosófica; pelo
contrário, pretendemos aqui propor atividades de leitura e problematização de reportagens com
a finalidade de obter uma primeira avaliação diagnóstica das habilidades de leitura,
problematização e discussão dos estudantes. A essa estratégia estará atrelado um brainstorming
(ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 82-83; MASETTO, 2003, p. 94-95) com as expressões
disparadoras157 ‘Idade Média’ e ‘medieval’, o que permitirá conhecer mais sobre as concepções
prévias sobre esses termos trazidas pelos estudantes. A partir do segundo encontro, todas as
aulas terão por base uma leitura prévia – desse momento em diante, leituras filosóficas –
disponibilizada pelo AVA; dessa maneira, podemos dizer que em todas essas aulas utilizaremos
a estratégia conhecida como sala de aula invertida (BERGMANN; SAMS, 2012; HORN;
STAKER, 2015, p. 55; VALENTE, 2018, p. 29-32). Essa leitura será discutida com os
estudantes ao início da aula158 ou será tema de uma aula expositiva dialogada, como na aula 3
(MASETTO, 2003, p. 96-100; ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 79-80)159.
Como desenvolvimento da leitura prévia, serão propostas várias atividades de leitura
dirigida em sala (ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 80, 84-85), voltadas para a análise,
problematização ou comparação de textos de um mesmo ou de diferentes autores. Essas tarefas

157
Agradeço à profa. Glória Calado pela sugestão do uso da terminologia ‘expressão disparadora’ no contexto do
brainstorming.
158
Valente (2018, p. 30) assevera que “[a] abordagem de sala de aula invertida não deve ser novidade para
professores de algumas disciplinas, nomeadamente no âmbito das ciências humanas. Nessas disciplinas, em geral,
os alunos leem e estudam o material sobre literatura ou filosofia antes da aula e, em classe, os temas estudados
são discutidos”. Há um elemento determinante, porém, que separa o modo corrente de se lecionar filosofia da
estratégia conhecida como sala de aula invertida. Nesta, “a entrega principal de conteúdo e instrução é online
[The primary delivery of content and instruction is online]” (HORN; STAKER, 2015, p. 55), sendo a aula
dedicada principalmente a atividades orientadas pelo professor (ibid.), que tomem por base as leituras (e demais
materiais) previamente trabalhados. Isso, porém, como vimos ser denunciado por diversos autores (por exemplo,
em OBIOLS, 2002, p. 36 – cf. nota 62, acima), não é o que ocorre em geral nas aulas de filosofia. Pelo contrário,
ainda que sejam requisitadas leituras prévias para tais aulas, frequentemente não se espera do estudante que
realize qualquer atividade em sala com base em tais leituras, sendo requerido dele apenas que ouça o professor
discorrer sobre o texto lido. Aqui, pelo contrário, o que defendemos é um uso fiel da sala de aula invertida,
propondo aos estudantes leituras prévias que fometarão discussões e atividades em sala.
159
Como se pode observar no quadro de estratégias do PTD, haverá uso de aulas expositivas dialogadas em
todas as aulas. Elas serão usadas, principalmente, nas situações sugeridas por Masetto (2003, p. 97): [i] abertura
do tratamento de um tema e [ii] síntese de um tema estudado. O importante a ser observado é que, dada a ênfase
do PTD em metodologias ativas, as aulas expositivas (mesmo dialogadas) não devem tomar tempo significativo
da aula. Pelo contrário, elas devem ser exposições de “20 minutos mais ou menos” (ibid., p. 97), que abram
espaço – ou, melhor, que incentivem – intervenções dos estudantes (cf. ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 79).
87

de leitura em sala requisitarão aos estudantes, além da leitura, rápidas exposições orais da
interpretação resultante acerca do texto, bem como registros desta última. Dessa maneira,
sempre será o caso de colocar por escrito os problemas ou leituras formuladas, ainda que em
termos resumidos. De outra parte, as tarefas de leitura propostas no AVA permitirão registros
escritos mais elaborados. Essas atividades serão: fóruns online (MASETTO, 2003, p. 135-136;
ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 85; MATTAR, 2012, p. 120-121), assim como a produção
de um mapa mental (ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 83-84; CAMARGO; DAROS, 2018, p.
81-82) e de um fichamento (MELO, 2016). Por fim, haverá também uma atividade de registro
oral no AVA: o pitch (SOUZA, 2018), em áudio ou vídeo. Todas essas produções, quando
requisitadas, serão explicadas e, uma vez realizadas, serão disponibilizadas online e discutidas
em sala.
Em paralelo ao foco dado à leitura, haverá, em especial nas três últimas aulas, períodos
dedicados a uma oficina de escrita filosófica (BRÄUER, 1998, cap. 13, n.p.; OBIOLS, 2002, p.
72-73; ANASTASIOU; ALVES, 2004, p. 96; NIWESE; BAZILE, 2014; BOUADJIO et al.,
2017), durante a qual os estudantes poderão já escrever trechos de sua dissertação final e
colocá-los em discussão. Tal dissertação, aliás, será desenvolvida no decorrer de diversas
atividades, desde a terceira aula, quando os estudantes colocarão o problema de que tratará a
dissertação, até a última aula, passando por várias atividades em sala ou fora de sala, como os
fóruns e as oficinas de escrita. Essa escrita paulatina e constantemente comentada, tanto pelos
estudantes como pelo professor, é uma tentativa de atrelar a avaliação final ao próprio processo
de ensino-aprendizagem. Com efeito, como espero ter deixado claro no quadro do PTD, a
avaliação será realizada por meio das próprias estratégias de aprendizagem propostas.

3.3.5. Avaliação

Da descrição feita acima sobre as estratégias didáticas, decorre que a avaliação será
realizada durante todo o percurso de aprendizagem – desde uma avaliação diagnóstica inicial,
passando pela avaliação formativa para ajustes durante o percurso formativo e, finalmente,
uma avaliação somativa final160. Esta última, ainda que esteja atrelada ao encerramento do
componente, não estará dissociada do processo de aprendizagem, porque o instrumento
utilizado para realizá-la (a dissertação final) terá sido produzido durante a disciplina e, assim,
terá passado por ajustes no decorrer da avaliação formativa. Que a avaliação esteja envolvida
em todas as etapas do processo de ensino-aprendizagem é fundamental devido à sua estreita

160
Sobre a distinção entre esses três tipos de avaliação, cf. acima a nota 102.
88

relação com os objetivos educacionais – com efeito, o processo de avaliação é o que permite
“verificar se os objetivos foram alcançados” (SALGADO, 2019, p. 23). Assim, manter a
avaliação como processo constante permite que, a todo tempo, docente e discentes obtenham
os feedbacks necessários para a realização de ajustes que levem à consecução dos objetivos
educacionais propostos161.
Para manter a estreita relação entre o processo de ensino-aprendizagem e o processo
de avaliação, busquei uma identificação entre os instrumentos de avaliação e as estratégias
didáticas, de modo a que haja “um feedback contínuo em todas as ocasiões de aprendizagem”
(GAETA; MASETTO, 2013, p. 92). Em outras palavras, algumas das estratégias didáticas
serão, também, instrumentos de avaliação. Isso permite, igualmente, fugir a uma armadilha
frequentemente associada à avaliação somativa, a saber: a necessidade de atribuir uma nota
final com base em uma única atividade que, muitas vezes, não reflete a atuação do estudante
durante todo o processo de ensino-aprendizagem. Como alternativa, buscamos pulverizar a
atribuição de notas por diversos instrumentos de avaliação (com exceção daqueles utilizados
para o diagnóstico inicial). Assim, com respeito a cada objetivo específico, duas estratégias
didáticas serão, também, instrumentos de avaliação, uma a ser realizada em sala e outra a ser
realizada online no AVA. Em todos os casos, as produções dos estudantes serão tema de
discussão em sala ou no AVA, de modo que o feedback dado pela avaliação não se resuma a
uma nota, mas se componha por perguntas e interveções do professor e, principalmente, dos
demais colegas 162 , havendo espaço igualmente para intervenções do próprio estudante ou
grupo cujo trabalho é avaliado.
A essa oportunidade de interveção na própria avaliação e naquela dos colegas, busquei
adicionar momentos de autoavaliação163. Dessa maneira, a cada duas aulas será pedido que
cada estudante preencha dissertativamente um formulário de autoavaliação no AVA e se
atribua uma nota, que será considerada no cálculo final de sua nota total. Assim, buscamos,
seguindo as sugestões de Masetto (2003, p. 155) quanto à utilização de autoavaliações, não

161
Acerca da relação entre feedback e avaliação, cf. acima o item 3.1.
162
Nas palavras de Topping (1998, p. 250), avaliação por pares “é definida como uma combinação na qual
indivíduos consideram o volume, nível, valor [value, worth], qualidade ou sucesso dos produtos ou resultados da
aprendizagem dos pares de status similar [is defined as an arrangement in which individuals consider the
amount, level, value, worth, quality, or success of the products or outcomes of learning of peers of similar
status]”. Como vantagens da avaliação por pares, o mesmo autor destaca, no que diz respeito àquele que avalia,
o fato de que ela contribui para “consolidar, reforçar e aprofundar a compreensão [help to consolidate, reinforce,
and deepen understanding] (ibid., p. 254) do tema em estudo; do ponto de vista do estudante avaliado, ela
permite ao estudante “se localizar com relação à performance dos pares e prescrever alvos ou prazos de
aprendizagem [enabling a student to locate himself or herself in relation to the performance of peers and to
prescribe learning targets and deadlines]” (ibid., p. 255) para si mesmo.
163
Sobre a autoavaliação, cf. acima a nota 101.
89

reduzir estas últimas à atribuição de uma nota, mas multiplicar as oportunidades de sua
aplicação no decorrer do curso, para que o estudante possa vagarosamente desenvolver
“atitudes como honestidade pessoal para reconhecer tanto seus sucessos como suas falhas”
(ibid., p. 154). Dessa maneira, em nossa proposta de processo avaliativo, cada estudante terá a
oportunidade de participar da avaliação de seus colegas e, também, da sua própria, de modo a
ajustar continuamente sua aprendizagem e colaborar para a de seus pares. Ao final do
componente, haverá um instrumento pelo qual o estudante poderá, também, avaliar o próprio
planejamento da aprendizagem e sua execução pelo professor, de modo que este último tenha
dados para um aperfeiçoamento ulterior de sua atuação docente.
4. CONCLUSÃO

Neste trabalho, procurei considerar a prática do ensino-aprendizagem de filosofia em


nível superior, com especial atenção para o componente curricular “História da Filosofia
Medieval”, elemento corrente dos currículos de bacharelado e licenciatura da área. Para tanto,
parti de minha própria experiência docente, que me levou justamente ao questionamento das
práticas correntes de ensino de filosofia. Entretanto, para melhor compreender minha própria
experiência e a de outros, busquei consultar uma ampla bibliografia acerca do tema – tão
ampla quanto possível, dada a relativa escassez do material bibliográfico sobre didática de
filosofia (principalmente no que tange ao ensino superior) quando comparado com outras
áreas. Em outras palavras, este TCC é o resultado de uma consideração crítica de minha
própria atuação docente. De fato, se inicio este texto por críticas às práticas atuais de ensino
de filosofia é porque ele é o resultado de uma autocrítica. Assim, as posições que vimos ser
denunciadas por Galichet (1997) no item 2.1 também foram, por algum tempo, minhas
próprias posições.
De outra parte, apresentei essas críticas ao processo de ensino-aprendizagem de
filosofia corrente para buscar soluções. Encontrá-las passou por melhor compreender os
desafios enfrentados para a efetivação da aprendizagem de filosofia no nível superior
brasileiro: [i] baixo nível de letramento herdado do ensino médio; [ii] falta de motivação dos
estudantes, relacionada ao desatrelamento entre o ensino superior e a multiplicidade de
interesses dissentes num ambiente de massificação do acesso à educação; e, finalmente, o
mais grave: [iii] a frequente ausência de uma formação didático-pedagógica da parte dos
professores de filosofia em nível superior. Este último desafio, a meu ver, é aquele que faz
com os dois primeiros pareçam, muitas vezes, insuperáveis.
90

Considerados à luz da bibliografia sobre o tema e de instrumentos de avaliação como


o Enade ou o PISA, no entanto, vimos que esses mesmos desafios podem fornecer pistas para
sua própria solução. Esta última, como defendemos ao início do item 2.2, está em focar o
processo de ensino-aprendizagem na ação do estudante. Ao fazê-lo, o professor poderá
conhecer os diferentes níveis de letramento e os diversos interesses dos alunos, de maneira a
executar um processo de ensino-aprendizagem que seja coerente com seus níveis de formação
e, portanto, efetivo. Ainda na mesma etapa do trabalho, procurei mostrar que essa defesa da
ênfase na ação do estudante em um processo de ensino-aprendizagem que se queira efetivo
vai ao encontro de diversos trabalhos de pedagogia e filosofia contemporâneos. Autores da
área de educação, como Dewey (1897; 1938; 1944), Mucchielli (2016) e Knowles et al.
(2005), destacam o caráter necessariamente ativo de programas de aprendizagem efetivos. O
mesmo é defendido por autores que versam especificamente sobre a aprendizagem de
filosofia, como Lipman et al. (1980) e Obiols (2002), com particular atenção à atividade de
discussão entre estudantes. Além disso, filósofos contemporâneos como Habermas (1984) e
Rorty (2009) sublinham a relação entre filosofia e discurso, comunicação ou diálogo, seja este
concebido como o tema ou como a prática da filosofia. Cavell (1979), em particular, associa a
filosofia à educação ao conceber a primeira como uma reflexão ativa sobre as próprias
concepções de mundo. Enfim, vemos que tanto a pedagogia como a filosofia não somente
abrem espaço para, mas exigem uma educação filosófica centrada na ação do estudante. Por
isso, tornam-se fundamentais em nossa concepção de planejamento do ensino-aprendizagem
as metodologias ativas.
Essa ação discente, sendo voltada para a aprendizagem, deve ter por finalidade o
desenvolvimento e aperfeiçoamento de determinadas competências fundamentais para a
formação em filosofia. Daí que, no item 2.3, tenhamos procurado compreender a noção de
competência com base em Perrenoud (1999), estabelecendo simultaneamente aquelas que
seriam as competências principais na aprendizagem de filosofia. Fomos buscar estas últimas
nas Diretrizes Curriculares Nacionais da graduação em filosofia (BRASIL, 2001b), mas
também em autores como Pfister (2016) e Wittschier (2016). Como resultado, pareceu-nos
que as principais competências a serem desenvolvidas na formação em filosofia seriam: [i] a
problematização, [ii] leitura e [iii] escrita de textos filosóficos, bem como [iv] a discussão
colaborativa. No caso especial do planejamento da aprendizagem no componente “História da
Filosofia Medieval”, a ênfase nas referidas competências se reflete no trato com textos
medievais, uma vez que essa própria área de estudo se caracteriza pela consideração dos
textos, internamente e em sua intertextualidade (cf. LIBERA, 1991, p. 98-142). O desafio está
91

em realizar esse trato com os textos medievais em um processo de ensino-aprendizagem com


foco nas atividades dos estudantes em sala e fora de sala, de modo que eles desenvolvam
ativamente as competências requeridas para o trabalho de leitura, escrita e discussão
filosóficas.
Descendo das generalidades ao particular – isto é, aplicando a exigência teórica de
uma aprendizagem ativa que vimos no cap. 2 a um planejamento da aprendizagem –,
propusemos no cap. 3 um Plano de Trabalho Docente (PTD) para o componente “História da
Filosofia Medieval”. Para tanto, buscamos apresentar um planejamento centrado em
metodologias ativas e que se mantenha flexível, ou seja, aberto a ajustes contínuos na medida
em que forem produzidos feedbacks na forma de produções – orais ou escritas – dos
estudantes. Se um PTD como o proposto pode ser tomado como uma resposta efetiva aos
desafios que vimos estarem associados ao ensino-aprendizagem de filosofia em nível superior,
só poderá ser verificado na medida em que ele for executado e avaliado com os instrumentos
propostos.
92

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