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REVISTA O OLHO DA HISTÓRIA, n. 25, out ubro de 2017.

I SSN 2236- 0824

A or ga n iz a çã o do m ovim e n t o gr e vist a e m Ge r m in a l:
a lgu m a s con side r a çõe s h ist ór ico polít ica s

Júlio Ernest o Oliveira 1

Re su m o
Por m eio de um a análise do film e Germ inal ( Claude Berri, 1993) , em com paração
com o rom ance ( Ém ile Zola, 1885) , buscam os com preender de que m aneira a
organização do m ovim ent o grevist a é evidenciada no enredo, r eflet indo- se sobre as
concepções revolucionárias m anifest as, e cont ext ualizando essas t endências em seu
t em po.

Pa la vr a s- ch a ve : Germ inal. Ém ile Zola. Claude Berri. Movim ent o grevist a.

Ré su m é
À t ravers d’une analyse du film Germ inal ( Claude Berri, 1993) , en com paraison avec
le rom ance ( Ém ile Zola, 1885) , nous recherchons com prendre de quelle m anière
l’organisat ion du m ouvem ent de grève est m anifest dans l’int rigue, se reflét ant sur
les concept ions révolut ionnaires m anifest es et cont ext ualisant cet t es t endances
dans leurs t em ps.

M ot s- clé s: Germ inal. Ém ile Zola. Claude Berri. Mouvem ent de grève.

Adapt ação do rom ance Germ inal, de Ém ile Zola ( 1885) , o film e ( Claude
Berri, 1993) – com t ít ulo hom ônim o – apr esent a em seu enr edo o processo de
const rução de um a greve dos t rabalhadores m ineiros do nort e da França, durant e o
século XI X, em prol de m elhores condições de vida e t rabalho. O aut or do rom ance,
int elect ual francês, idealizador e principal expoent e do nat uralism o, 2 Ém ile Zola,
t eve em sua t raj et ória um elevado grau de engaj am ent o polít ico, m anifest o em seu

1 Graduando em Hist ór ia pela Univ ersidade Federal da Bahia. Mem bro do Grupo de
Pesquisa Mem ória, Dit aduras e Cont em poraneidades ( UFBA/ CNPq) . Or ient ado pela Prof.ª Dra.
Lina Aras. Cont at o: j ulio.ernest o@out look.com .br .
2 Para um olhar m ais específico sobre a t raj et ór ia de Ém ile Zola e sua at uação
m ovim ent o lit erário nat uralist a francês, cf. CARVALHO, 2011.
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art igo J’accuse…! , de 13 de j aneiro de 1898, no qual denunciou o ant issem it ism o
prat icado pelo governo francês.
Ant erior a isso, frut o de um a experiência de “ m et odologia part icipat iva” de
dois m eses realizada j unt o aos t rabalhadores m ineiros franceses, o rom ance
Germ inal “ elevou a est ét ica e a descrição nat uralist as a um novo pat am ar de
realism o e crueza” ( WI KI PÉDI A, 2017) , pois, a part ir desse, “a descrição
experim ent al ganha cont ornos ainda m ais fort es pela denúncia da opressão social e
da paralisação m oral da hum anidade” ( CARVALHO, op. cit ., p. 114) . De fat o, a obr a
de Zola t rouxe à t ona out ra com preensão de pr áxis, no que t ange à at uação
int elect ual, ao dist inguir observador de experim ent ador:
[ …] o observador apresent a os fat os t al qual os observou, define
os pont os de part ida, est abelece o t err eno sólido no qual as
personagens vão andar e os fenôm enos se desenvolver . Depois, o
experim ent ador surge e inst it ui a experiência, quer dizer , faz as
personagens evoluír em num a hist ória part icular, para m ost rar que
a sucessão dos fat os será t al qual a exige o det erm inism o dos
fenôm enos est udados. Trat a- se quase sem pre de um a experiência
“ para ver” , com o a designa Claude Ber nar d. O rom ancist a sai em
busca de um a verdade. ( ZOLA, 1995, p. 36)

Experiência sim ilar t eve Friedrich Engels ( 1820- 1895) , que part ira em
novem bro de 1842 à Manchest er ( I nglat erra) para est agiar na em presa de que sua
fam ília era associada, a Erm en & Engels. Durant e 21 m eses ele viveu ent re os
t rabalhadores ingleses no labor diário, experienciando suas realidades e colet ando
dados de carát er sociológico. Essa experiência foi prim ordial para que ele
escrevesse a obra A sit uação da classe t rabalhadora na I nglat err a ( 2010) , publicada
em 1845, e considerada um m arco nas análises sociológicas dos prolet ários
ingleses, no furor de sua indust rialização. As experiências int elect uais de Zola e
Engels, observa- se, foram det erm inant es para suas com preensões sobre os
prolet ários franceses e ingleses, durant e o século XI X.
Já o aut or da versão fílm ica de Ger m inal ( Germ inal, 1993) , Claude Berri
( 1934- 2009) , é consider ado ent r e seus par es com o um dos m elhores e m ais
sensíveis cineast as franceses da cont em poraneidade. Foi president e da Cinem at eca
Francesa ( 2017) , ent re 2003 e 2007, dirigiu film es hist óricos, a exem plo de Uranus
( A Era de Uranus, 1990) e Lucie Aubrac ( Lucie Aubrac – Um Am or em Tem po de
Guerra, 1996) , e sua obra cinem at ográfica consist e em 24 film es, afora os que ele
produziu ou at uou. Em 1994, Germ inal foi prem iado pelo César de m elhor film e
com o Melhor film e francês do ano ( ALLOCI NE, 2017) , ocupando desde ent ão as
principais galerias francesas da sét im a art e.
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O enredo do film e se desenvolve em t orno da experiência grevist a dos


t rabalhadores m ineiros de carvão no nort e da França, durant e o final do século XI X.
O agenciam ent o hist órico present e revela não só o papel polít ico dos prolet ários no
processo de desenvolvim ent o t ecnológico e indust rial europeu, com o t am bém o
posicionam ent o do aut or da obra ( Ém ile Zola) no t ocant e à organização social do
t rabalho durant e o período. Relevando duas linhas t eóricas dist int as, o m arxism o e
o anarquism o, o film e apont a os conflit os inerent es ent r e as duas form as de
organização polít ica, de m odo que se desenvolvem , ant agonicam ent e, est rat égias
de com bat e à burguesia, dom inant e dos m eios de produção.
Por m eio da ingerência do suj eit o polít ico individualizado, o t rabalhador
m igrant e que experienciou form as de organização polít ica em t rabalhos pret érit os,
Zola abre um cam po de visão para pensarm os o papel do indivíduo na Hist ória. Em
out ras palavras, ao ut ilizar o indivíduo Ét ienne com o m arco polít ico no processo
organizacional dos t rabalhadores de sua obra, Zola dialoga com a perspect iva de
que o indivíduo, em m om ent os hist oricam ent e definidos, pode conduzir a m assa.
Nesse caso, não necessar iam ent e, se obt erá sucesso em t orno da paut a polít ica,
pois, para isso, a const rução colet iva t orna- se r equisit o indispensável na definição
das est rat égias rum o ao processo revolucionário.
E é j ust am ent e no t ocant e às est r at égias que o em bat e pela condução do
processo se alinha m ais ant agonicam ent e. O indivíduo Ét ienne, com evident es
concepções revolucionárias, ora é t om ado pela perspect iva m arxist a, quando
post ula a necessária união prolet ária e a lut a de classes, em prol de um a
consciência de classe e da derrocada dos pat r ões, ora é im buído de um a
com preensão com vert ent es sut ilm ent e anarquist as, quando dem anda a t om ada do
poder pelo povo. “ Trabalhadores do m undo, uni- vos! ” ( ENGELS; MARX, 1848) ,
assim post ula, rem et endo- nos à Marx, e obj et ivando a organização dos
t rabalhadores com vist as à revolução. Ainda assim , é percept ível um a negação da
ideia de rupt ura est rut ural abrupt a, de m odo que passem os a vê- lo dot ado de ideais
reform ist as, sobret udo quando de seu diálogo com Suvarin, personagem anar quist a
do enredo. Est e, de form a bast ant e caricat urada, advoga pela ideia da anarquia
t ot al, da t erra queim ada pelo fogo, e da reconst rução a part ir do zero. Quest ionado
sobre essa reest rut uração social após a anarquia geral, ele adm it e a inexist ência de
um a ideia a post eriori. Ou sej a, por m eio desse art ifício, reconhece- se a concepção
de Zola sobre os anarquist as: indivíduos privados de um proj et o polít ico- social, ou
sej a, de um ideal à ser alcançado, para além da derrocada do Est ado.
Por últ im o, t em os a figura do personagem Rasseneur. Sem elhant e à
Ét ienne, não apresent a um a orient ação polít ica t ão bem viesada, dialogando t ant o
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com a social- dem ocracia ( por m eio da perspect iva reform ist a) , quant o com o
m arxism o ( quando apregoa pela união polít ica dos t rabalhadores e pela lut a de
classes) . Além disso, guardadas as devidas proporções, é dem onst rat ivo de suas
falas cert o cent ralism o burocrát ico em t orno do sindicat o e da figura do t rabalhador
sindicalizado. Rasseneur evidencia a necessidade de um a gradualidade na t om ada
do poder, passando pela sindicalização, consciência de classe e, finalm ent e, a
revolução. Seria est e a personificação do m ilit ant e burocrat izado?
De t odo m odo, ao verm os a função da experiência grevist a na obra, sej a na
m udança das perspect ivas sociais dos part ícipes, ou ainda, na correlação de forças
ent re vert ent es t eóricas dist int as na condução do processo polít ico, podem os
ident ificar um a evident e associação do aut or às ideias socialist as. Ficou m anifest o
que, concebendo a sociedade do período com o “ não suficient em ent e pr eparada”
para um a m udança est rut ural, Zola quis dem onst rar a falt a de fundam ent os
polít icos do anarquism o, ou m elhor, do anarquist a com o suj eit o polít ico. Num
prim eiro m om ent o, caricat ura- o, e em seguida, dem onst ra a falt a de
responsabilidade social desse t ipo de m ilit ant e, que encerra o film e com a efet ivação
de um a cat ást rofe na m ina de carvão. Est a desaba após um a sabot agem prom ovida
por esse indivíduo, e por m eio da dor, ist o é, da m ort e de inúm eros t rabalhadores,
reest abelece- se a “ harm onia” ent re as classes, esfria- se o caldo polít ico e acom oda-
se os t rabalhadores rem anescent es.
Finalm ent e, post ulam os pela im port ância do debat e/ em bat e polít ico para a
com preensão das diferent es vert ent es de at uação revolucionária, t odavia,
enxergam os com o insuficient e a experiência anarquist a evidenciada no enredo par a
um a análise m ais acurada de seus pr eceit os t eóricos. De qualquer m odo, const it ui-
se com o obra cinem at ográfica obrigat ória nos debat es sobr e m arxism o, social-
dem ocracia e anarquism o ( est e de form a com parat iva com out ra análise) ,
especialm ent e em espaços de m ilit ância, e evident em ent e, a obra – escrit a – vale-
se de m odo m ais relevant e, haj a vist a seu est at ut o de aprofundam ent o de análise
hist órica e de cont ext o de produção.

Re fe r ê n cia s Bibliogr á fica s

ALLOCI NE. Pr ix et n om in a t ion s: César 1994. Disponível em :


< ht t p: / / www.allocine.fr/ fest ivals/ fest ival- 128/ edit ion- 18353029/ palm ares/ > .
Acesso em : 17 de j aneiro de 2017.
CARVALHO, Rodrigo Janoni. Ém ile Zola e o nat uralism o lit erário. Maringá: Re vist a
Ur u t á gu a , n. 24, m ai./ ago. de 2011, p. 105- 118.
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< ht t p: / / cinem a.encyclopedie.personnalit es.bifi.fr/ index.php?pk= 9536> . Acesso em :
17 de j aneiro de 2017.
ENGELS, Friedrich. A sit u a çã o da cla sse t r a ba lh a dor a n a I n gla t e r r a . Tradução
B. A. Schum ann. São Paulo: Boit em po, 2010.
ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. O M a n ife st o do Pa r t ido Com u n ist a . Londres:
Verso Books, 1848.
GERMI NAL. Direção: Claude Berri. [ S.I .] : Renn Pr oduct ions; Fr ance 2 Ciném a; DD
Product ions; Nuova Art ist i Associat i, 1993. 1 DVD ( 160 m in) .
WI KI PÉDI A. Ve r be t e Ém ile Zola . Seção Germ inal. Disponível em :
< ht t ps: / / pt .wikipedia.org/ wiki/ % C3% 89m ile_Zola> . Acesso em : 17 de j aneiro de
2017.
Zola, Ém ile. D o r om a n ce . Tradução Plínio August o Coelho. São Paulo: Edusp, 1995.
______. Ge r m in a l. Tradução Francisco Bit t encourt . São Paulo: Mart in Claret , 2007
[ 1885] .
______. J’a ccu se …! Le t t r e a u Pr é side n t de la Ré pu bliqu e . ( Eu acuso…! Cart a
ao President e da República) . Disponível em :
< ht t ps: / / crim inocorpus.org/ fr/ bibliot heque/ doc/ 258/ > . Acesso em : 17 de j aneiro de
2017.

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