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87. Para uma análise de outros nomes importantes da história da psiquiatria cf. Hering, Karl-Heinz. Der
Weg... Op. cit., p. 37-43.
88. Anitua, Gabriel Ignácio. Histórias... Op. cit., p. 298.
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89. Destacando o reflexo desse ideal racista não apenas no campo criminológico, senão também literário,
cf. Anitua, Gabriel Ignácio. Histórias... Op. cit., p. 298.
90. Cf. Anitua, Gabriel Ignácio. Histórias... Op. cit., p. 297.
91. Para uma análise com esse viés, cf. Anitua, Gabriel Ignácio. Histórias... Op. cit., p. 299-301.
92. Jimenez de Asúa, Luis. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Losada, 1950, vol. II, p. 29.
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3.1. Beccaria
Para além dos antecedentes criminológicos investigados, o século XVIII é es-
pecialmente importante para a compreensão do fenômeno criminal, especialmente
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95. Fundamental sobre a transição do regime feudal até as revoluções do séc. XVIII e a sua influência no
pensamento criminológico, cf. Pavarini, Massimo. Control... Op. cit., p. 27 e ss. Para um breve relato do
pensamento criminológico entre os séculos XVII e XVIII, cf, Pinatel, Jean. La pensée criminologique
aux XVIIe et XVIIIe siecles. In: Revue de Sciencie Crimininelle et Dróit Pènal Comparé, n. 2, 1978, p.
407-416.
96. Não por outra razão, aponta Schneider que o próprio Beccaria teria ficado surpreso com o sucesso do
livro, afinal, ele nenhuma novidade disse, tampouco algo original, isto é, nada que não fosse conhecido.
Schneider, Hans Joachim. Einführung... Op. cit., p. 10.
97. Todavia, os biógrafos não estão de acordo com o ano de nascimento. Alguns elegem 1735, outros 1738.
98. Sainz Cantero, José A. Lecciones de derecho penal: parte general. Barcelona: Bosh, 1981, p. 100-102.
99. Mezger, Edmund. Tratado de Derecho Penal; trad. por José Arturo Rodrigues Muñoz. Madri: Editorial
Revista de Direito Privado, 1946, t. I, p. 54.
100. Aniyar de Castro, Lola; Codino, Rodrigo. Manual de Criminologia Sociopolítica; trad. Amina Vergara.
Rio de Janeiro: Revan, 2017.
101. Cf. Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology. 9 ed. New York: McGraw-Hill Educa-
tion, 2018, p. 53.
102. Audegean, Philippe. Introducción. In: Beccaria, Cesare. Des délits et des peines. Lion: ENS, 2009, p. 24.
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Para parcela da doutrina, foi Verri quem encorajou Beccaria a escrever o livro
que, passados mais de dois séculos, continua a influenciar a ciência penal103. Em ra-
zão das várias discussões sobre os delitos e penas que aquele grupo de jovens travou,
Verri teria achado conveniente resumi-las em um livro pequeno e de fácil compreen-
são. Para executar tal tarefa, escolheu a Beccaria, não (somente) pela competência
intelectual, mas principalmente pela sua clareza, eloquência e mente imaginativa,
típicas de um jovem de pouco mais de vinte anos. E assim surge Dei delitti e delle
pene (1764) – Dos delitos e das penas – muito mais como uma obra coletiva do que
individual, muito mais como obra filosófica do que jurídica. Anos mais tarde, com
a publicação anônima da primeira edição e com os créditos de autoria atribuídos
apenas a Beccaria, Pietro Verri se tornaria um impiedoso crítico do pequeno livro104.
Apesar do sucesso mundial meteórico, a rigor, Beccaria “...não disse nada de no-
vo ou de fundamentalmente original, nada que já não fosse sido conhecido”105. Por
isso, talvez, o seu principal mérito tenha mesmo sido o de reunir, em único volume,
um manifesto contra a indeterminação e crueldade das leis penais e a sua aplicação
contra a tortura e a corrupção. Mais ainda: a igualdade na lei não era realizada; entre
acusado e condenados não se fazia distinção; em alguns países na Europa “bruxas”
seguiam sendo torturadas, julgadas e queimadas, tudo isso largamente praticado
naquele período 106. Dos delitos e das penas, portanto, funciona como um libelo con-
tra a genuflexão da lei frente à arbitrariedade humana e, ao mesmo tempo, como
manifesto em favor do império da lei. A importância do livro, nessa quadra de dis-
puta, foi a de sumarizar e indicar todos os princípios programáticos para a reforma
da justiça penal. E a sua sorte foi encontrar um mundo que se encontrava amadure-
cido para receber essas ideias107.
É vasta a bibliografia produzida sobre a obra atribuída a Beccaria, razão pela
qual abordarei alguns dos seus pontos fundamentais108. Esses, a rigor, seguem os
seguintes princípios: a lei deve ser usada para manter o contrato social; apenas le-
gisladores devem criar leis; os juízes devem impor apenas as punições previstas na
lei; os juízes não devem interpretar as leis; punição deve ser baseada no ato e não no
seu ator; a punição deve ser eficaz; todas as pessoas devem ser tratadas igualmen-
te; a pena capital, bem assim a tortura utilizada para obter confissões, devem ser
103. Segundo Sainz Cantero, a crise amorosa de Beccaria com Teresa Blasco, filha de um coronel espanhol,
foi importante para a elaboração do livro. Com efeito, o pai de Teresa recorreu ao poder judiciário para
impor sua autoridade paterna e Beccaria se viu impedido de viver sua paixão. Sainz Cantero, José A.
Lecciones... Op. cit., p. 102.
104. Sainz Cantero, José A. Lecciones... Op. cit., p. 102.
105. Schneider, Hans Joachim. Kriminologie…Op. cit., p. 92.
106. A descrição é de Schneider, Hans Joachim. Kriminologie…Op. cit., p. 92.
107. “Beccarias Buch traf eine Welt, der für seine Gedanken reif war“. Schneider, Hans Joachim. Kriminolo-
gie…Op. cit., p. 92.
108. Para uma análise mais ampla cf. Garcia, Basileu. Instituições de direito penal. 4. ed. São Paulo: Max
Limonad, 1972, vol I, T. I, p. 43-64.
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109. Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology…Op. cit., p. 55-56.
110. Beccaria, Cesare. On crimes and punishments and others writings; trans. Richard Davis. Cambridge:
CUP, 1995, p. 121.
111. Convém recordar que a Itália – ainda que em menor escala – também estava sob o regime da Inquisição.
Na Espanha, o Tribunal da Santa Inquisição também proibiu o livro.
112. Falando em conceito fundamental Gramatica, Filippo. Principios de derecho penal subjetivo; trad. Juan
Del Rosal y Victor Conde. Madrid: Reus, 1941, p. 77; ressaltando a importância do ponto de partida
Téllez Aguilera, Abel. Criminología... Op. cit., p. 76.
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2) que as leis favoreçam menos as classes dos homens que os homens mesmos
(Cap. XLI);
3) que os homens a temam. O temor das leis é saudável (Cap. XLI);
4) leis que acompanhem as luzes da liberdade (Cap. XLII);
5) funcionamento de uma justiça livre de corrupção (Cap. XLIII);
6) outro meio de evitar delitos é recompensar a virtude. A moeda da honra é sem-
pre inesgotável e frutífera nas mãos do sábio distribuidor (Cap. XLIV);
7) finalmente, o mais seguro, todavia o mais difícil meio de evitar delitos é o aper-
feiçoamento da educação.
Estes pilares “político-criminais” constituem, para Beccaria, um caminho pro-
gramático-preventivo e eficaz para evitar o fenômeno delitivo.
Do ponto de vista penológico, a obra de Beccaria apresenta um (aparente?) pa-
radoxo nem sempre chamado à ordem. Com efeito, é sabença que ele propugnava leis
claras e simples, bem assim contrariedade à pena capital: a medida da pena deve ser
mais doce113, afirmou. E é exatamente neste ponto que a obra de pretensões huma-
nistas se vê enevoada pelo indisfarçável dilema. Simples: para Beccaria, o rechaço
à pena de morte não decorre das multicitadas razões humanitárias que transitam
em sua obra, longe disso. Com efeito, ele agrega argumentos de utilidade e neces-
sidade para justificar a sua abolição, haja vista que a pena capital seria incapaz de
debelar o ânimo criminoso do homem. O argumento gira em torno, portanto, da fal-
ta de eficácia preventiva da pena de morte. Isso permite reconhecer no pensamento
de Beccaria um traço consequencialista de valorização do castigo que não pode ser
disfarçado114. Qualquer dúvida pode ser dissipada recorrendo-se às suas próprias
palavras: não é a intensidade da pena que produz maior efeito sobre os homens,
senão sua extensão; não é o freio mais forte contra os delitos o espetáculo momen-
tâneo, ainda que terrível, da pena de morte de um malfeitor, mas sim o largo e di-
latado exemplo de um homem, que convertido em besta de serviço e privado de sua
liberdade, recompensa com o seu sofrimento a sociedade que ofendeu; tal pena, ao
contrário da pena capital, produziria em cada indivíduo o eco “eu também serei redu-
zido a tão dilatada e miserável condição se cometesse semelhantes delitos” (Cap. XXVIII).
Some-se a esses argumentos mais um: apesar do seu rechaço generalizado à pe-
na de morte, ele a considerava lícita ao menos em duas hipóteses: i) quando interesse
à segurança da nação e o Estado esteja em momentos de instabilidade política e turbu-
lência social; ii) ou quando, ainda que em momentos de paz e tranquilidade política
e social, a pena de morte seja o único meio para dissuadir os demais de cometerem
113. O leitor deve ter em mente que ele está se referindo à desordem e crueldade das penas do antigo regime.
114. Não por outra razão, Hegel, em seus Fundamentos do Direito, tece duras críticas à proposta de Beccaria.
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115. Sobre isso, esclareceu a literatura “After the French Revolution, Beccaria’s basic tenets served as a guide
for the drafting of the French penal code, which was adopted in 1791. In Russia, Empress Catherine II
(the Great) convened a commission to prepare a new code and issued instructions, written in her own
hand, to translate Beccaria’s ideas into action. The Prussian King Friedrich II (the Great) devoted his
reign to revising the Prussian laws according to Beccaria’s principles. Emperor Joseph II had a new
code drafted for Austria-Hungary in 1787—the first code to abolish capital punishment. The impact of
Beccaria’s treatise spread across the Atlantic as well: It influenced the first 10 amendments to the U.S.
Constitution (the Bill of Rights).” Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology…Op.
cit., p. 56.
116. Schneider, Hans Joachim. Kriminologie...Op. cit., p. 93.
117. Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology…Op. cit., p. 56.
118. Não se ignora que há diversas variantes do utilitarismo e que é praticamente impossível sintetizar to-
das as variantes em uma única definição. Entretanto, que esse é a ideia central do utilitarismo clássico
e também é – no mínimo – o ponto de partida para outras ideias utilitaristas contemporâneas.
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Aquilo que descrevemos até aqui sobre Bentham pode ser assim resumido: de
acordo com o “cálculo hedonístico”, o indivíduo decide por uma ação quando – sope-
sados custos e benefícios – julga que a ação lhe trará maior prazer e redução da dor
(1). Se nisso reside a racionalidade da ação humana, é quase intuitiva a lógica que
124. Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology…Op. cit., p. 58.
125. Toda descrição em Newburn, Tim. Criminology…Op., cit., p. 128; Schmalleger, Frank. Criminology to-
day…Op., cit., p. 61.
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126. Dias, Jorge de Figueiredo; Andrade, Manoel da Costa. Criminologia... Op. cit., p. 5-6.
127. Pavarini considera essa perspectiva um tanto quanto reducionista, eis que a atenção científica resta
direcionada apenas a um grupo diminuto de autores, a exemplo de Beccaria, na Itália; Bentham, na
Inglaterra e Hommel, na Alemanha. Segundo ele, “la producción criminológica del liberalismo clásico
debe, por lo menos, comenzar por las obras de Hobbes y puede ser comprendida sólo a través de una
lectura que recorra transversalmente todo el pensamiento político-filosófico de los siglos XVII y XVIII”.
cf. Pavarini, Massimo. Control... Op. cit., p. 28.
128. Dias, Jorge de Figueiredo; Andrade, Manoel da Costa. Criminologia... Op. cit., p. 6.
129. Nesse sentido Garcia-Pablos de Molina, Antonio. Introducción…Op. cit., p. 611.
130. Cf. igualmente: Aniyar de Castro, Lola; Codino, Rodrigo. Manual…Op. cit., p. 35 e ss.
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131. Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology...Op. cit., p. 52.
132. Dias, Jorge de Figueiredo; Andrade, Manoel da Costa. Criminologia... Op. cit., p. 7.
133. Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology...Op. cit., p. 52.
134. Lamnek, Siegfried. Theorien abweichenden Verhaltens I. “Moderne” Ansätze. Eine Einführung für So-
ziologen, Psychologen, Juristen, Journalisten und Sozialarbeiter. 9 Aufl. Paderborn: Fink, 2013, p. 65.
135. Isso não significaria, como ressaltou Anitua, que a problemática política tenha sido incorporada a essa
relação entre entre o delito e o castigo. Assim se geraria uma nova epistemologia do direito penal: a
racionalidade lógica. Anitua, Gabriel Ignácio. Histórias…Op. cit., p. 165.
136. Cf. Anitua, Gabriel Ignácio. Histórias…Op. cit., p. 165 e ss.
137. Denunciando que as leis serviam aos que tinham, pois objetivavam defender a propriedade e não a vida
ou a liberdade, Jean-Paul Marat, em seu livro “Plano de legislação criminal”.
138. Cfr. Burian, Paul. Der Einfluß der deutschen Naturrechtslehre auf die Entwicklung der Tatbestandsde-
finition im Strafrecht. Berlin: De Gruyter, 1970; Roxin, Claus; Greco, Luís. Strafrecht. Allgemeiner Teil.
5 Aufl. Berlin: Beck, 2020, § 5, Rn. 13.
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estava em jogo era a racionalização da estrutura do controle, que havia sido antes
objeto de atenção de Beccaria e Bentham.
E, nesse ponto, vale a precisa descrição da literatura: “muitas leis criminais não
eram escritas e as que haviam sido elaboradas, em geral, não especificavam o tipo
ou a quantidade de punição associada a vários crimes. O devido processo no sentido
moderno não existia. Embora houvesse algum consenso oficial sobre o que consti-
tuía crime, nenhum limite real havia para a quantidade e o tipo de sanção legal que
um tribunal poderia impor. As punições incluíam marcar, queimar, açoitar, mutilar,
afogar, banir e decapitar”139 e seguem “...As punições públicas eram eventos popula-
res. Quando a execução de Robert-François Damiens foi marcada para o 2 de março
de 1757, pela tentativa de assassinato de Luís XV, tantas pessoas quiseram assistir
ao espetáculo que assentos nas janelas com vista para o local da execução foram
alugados por preços elevados. A tortura para obter confissões era comum. Um réu
criminal na França poderia ser submetido ao peine forte et dure, que consistia em es-
ticá-lo de costas e colocar sobre ele um peso de ferro tão pesado quanto ele pudesse
suportar...”140.
É possível que algum leitor esteja se perguntando sobre o porquê desse esforço
de racionalização. A razão, mais uma vez, é denunciada pelo contexto histórico: não
se pode ignorar que o século XVIII é marcado não somente pela modernização das
ideias, senão também pela própria modernização das cidades e da indústria. Entre-
tanto, essa prosperidade econômica, que acentuou as diferenças entre ricos e pobres,
contrastava com as práticas ainda medievais de repressão penal. E isso, no mínimo,
desafiava a intuição dos reformadores do período, afinal, apesar de punições seve-
ras, as pessoas seguiam delinquindo: “tanto a igreja quanto o Estado tornaram-se
cada vez mais tirânicos e usaram a violência para conquistar a violência”141. A virada
sugerida pelos reformadores, então, é tão singela quanto intuitiva: era necessária
uma abordagem mais racional da questão criminal.
A argumentação que se sustentará, então, a partir da segunda metade do século
XVIII, tem como centro de gravidade a razão; essa é o marco distintivo do homem,
que tem o seu próprio destino em suas mãos em razão da sua vontade livre. Se o
crime é racional, a reação da sociedade também precisa sê-lo. Com isso, temos os
dois elementos que compõem a equação para a suavização do castigo142. Vamos ao
desenvolvimento (assimétrico) dessa equação criminológica.
139. Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology...Op. cit., p. 53.
140. Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology...Op. cit., p. 53 (itálico no original). Fou-
cault, por exemplo, abre o seu conhecido livro “Figiar e Punir” com uma narrativa sobre a execução de
Damiens.
141. Adler, Freda; Laufer, Willian S; Mueller, Gerhard. Criminology...Op. cit., p. 53.
142. Kaiser, Günther. Kriminologie…Op. cit., p. 112, Rn. 6.
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143. Jimenez de Asúa, Luiz. Principios... Op. cit., p. 46; Souza, Artur de B. Gueiros; Japiassú, Carlos Eduardo
A. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 32.
144. Ferri, Enrico. I nuovi orizzonti del diritto e della procedura penale. Bologna: Nicola Zanichelli, 1886,
p. 1 e ss.
145. Ferri, Enrico. Princípios de direito criminal; trad. Paolo Capitanio. 2. ed. São Paulo: Bookseller, 1999, p. 57.
146. Cfr. Jimenez de Asúa, Luiz. Principios... Op. cit., p. 46.
147. Cf. Jimenez de Asúa, Luiz. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Lousada, 1982, vol. II, p. 34.
148. Ferri, Enrico. Princípios... Op. cit., p. 60.
149. Garcia-Pablos de Molina, Antonio. Introducción al derecho penal. 5 ed. Madrid: Ramon Areces, 2012,
vol. 2, p. 610.
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150. Bruno, Aníbal. Direito penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 97 e ss.
151. Há na Criminologia, especialmente aquela de tradição anglo-saxã, tendência a considerar Beccaria,
Bentham e Feuerbach genuínos representantes da Escola Clássica. Cf. Vold, G. B. Theoretical…Op. cit.,
p. 18 e ss. Na Espanha, Serrano Maillo também o faz, cf. Serrano Maillo, Antonio. Introducción…Op.
cit., p. 81 e ss. Com opinião discrepante sobre Beccaria e Howard, Cf. Schneider, Hans Joachim. Krimi-
nologie...Op. cit., p. 92 e ss.
152. Bruno, Aníbal. Direito penal...Op. cit., p. 97. Referindo-se a Beccaria, Bentham, Horward e Feuerbach,
Meier, Bernd-Dieter. Kriminologie. 5. Aufl. München: Beck, 2016, p. 14, Rn. 2.
153. Cf. Sainz Cantero, José A. Lecciones... Op. cit., p. 124.
154. Bettiol, Giuseppe. Direito penal; trad. Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco. São Paulo: RT,
vol I, 1966, p. 12.
155. Dias, Jorge de Figueiredo; Andrade, Manoel da Costa. Criminologia... Op. cit., p. 7-8.
156. Rivera Beiras, Iñaki. La Política criminal de las Escuelas del pensamiento criminológico. Intentos in-
tegradores y «luchas de Escuelas». In: Rivera Beiras, Iñaki (Coord.) Política criminal y sistema penal:
viejas y nuevas racionalidades punitivas. Barcelona: Anthropos, 2005, p. 46.
157. Rivera Beiras, Iñaki. La Política...Op. cit., p. 129.
158. Garcia-Pablos de Molina, Antonio. Introducción…Op. cit., p. 611.
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efeito, como registra a literatura, a diferença entre ambos é o objeto que elegem:
o positivismo elege o direito positivo como único objeto da ciência jurídica, en-
quanto a escola clássica orienta a sua atenção ao direito ideal, racional159.
b) O crime. Fundamentados na fórmula de Carrara, para os clássicos o crime não
é um simples fato, mas sim um ente jurídico. Sua essência nada mais é que uma
relação contraditória entre o fato do homem e a lei. Justamente por isso o crime
é definido como infração, ou seja, ideia de contrariedade entre a conduta huma-
na e o que está previsto na lei.
c) Fundamento da Responsabilidade. A responsabilidade se funda na moral e
tem por base o livre-arbítrio, ou seja, parte do pressuposto de que a vontade hu-
mana é livremente determinada. Livre-arbítrio, conceituava Ferri, significa que
“em frente à contínua e multiforme pressão do meio exterior e ao vário debater-se
dos motivos internos, cabe sempre a simples vontade do indivíduo a decisão, em
último recurso, entre duas possibilidades opostas”160. Este é o novo arquétipo de
ser humano, não mais sujeito às forças divinas, mas sim um sujeito capaz de optar
e decidir; um sujeito capaz de reger o seu próprio destino161. A ideia por trás des-
sas formulações é justamente um dos lemas da tríade defendida pela Revolução
Francesa: a igualdade entre todos os homens (cf. logo abaixo, “e”).
d) Fim da pena. Para os Clássicos, a pena é uma retribuição, uma consequência
da natureza humana, a qual é livre em suas ações e tem a opção entre praticar o
bem ou o mal. Por esta razão, a punição deve ser exemplar, pois estava nas mãos
do homem praticar ou não o crime. Nesse sentido, a teorização se concentra sobre
a gravidade do crime e elaboração de um sistema no qual a pena seja exatamen-
te proporcional ao delito, sugerindo correspondência quase matemática entre o
direito violado e a medida da reação penal. Trata-se, pois, de uma orientação da
pena que se volta para o passado: por que punir? Pune-se porque pecou162.
e) Criminoso. Todos os homens são mentalmente sãos, normais e podem fazer
livremente suas escolhas; alguns optam pelo comportamento em conformi-
dade com as leis, mas outros pela prática do crime. Isso significa não haver
distinção entre o homem delinquente e o não delinquente: todos os homens
são qualitativamente iguais163. Nesse contexto, muitos autores da escola
clássica atribuíam o crime à irracionalidade humana. Ao contrário do
159. Garcia-Pablos de Molina, Antonio. Introducción…Op. cit., p. 611; Mir Puig, Santiago. Introducción…
Op. cit, p. 175.
160. Ferri, Enrico. Sociologia criminal; trad. Antonio Soto y Hernández. Madrid: Editorial Góngora, 1907, T.
II, p. 3, n. 43.
161. Garcia-Pablos de Molina, Antonio. Introducción…Op. cit., p. 611.
162. Sobre as teorias da pena, cf. abaixo, Cap. XIII.
163. Trabandt, Helga; Trabant, Henning. Aufklärung über Abweichung. Stuttgart: Enke, 1975, p. 15 e ss
(Band 4 von Kriminalität und ihre Verwalter: Sozialarbeit, Justiz, Polizei: zur Soziologie abweichenden
Verhaltens und sozialer Kontrolle. Ausgabe 4 von Kriminalität und ihre Verwalter).
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164. Expressão de Souza, Artur de B. Gueiros; Japiassú, Carlos Eduardo A. Op. cit., p. 32; cf. Meier, Bernd-
-Dieter. Kriminologie... Op. cit., p. 15, Rn. 3.
165. Exner, Franz. Kriminologie. 3. Aufl. Göttingen: Springer, 1949, p. 30.
166. Dão nota sobre isso, Dias, Jorge de Figueiredo; Andrade, Manoel da Costa. Criminologia... Op. cit., p. 10.
167. Cf. Baratta, Alessandro. Criminologia... Op. cit., p. 35-37.
168. Baratta, Alessandro. Criminologia... Op. cit., p. 35.
169. Soler, Sebastian. Derecho penal argentino; act. Guillermo J. Fierro. 10 reimp. Buenos Aires: tea, 1993,
vol II, p. 384.
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170. Carrara, Francesco. Programa del curso de derecho criminal; trad. Octavio Béeche y Alberto Gellegos.
Tipografia Nacional: San José, t. II, 1890, p. 30-31, §§ 614-615.
171. Carrara, Francesco. Programa…Op. cit., p. 35.
172. Bettiol, Giuseppe. Direito penal...Op. cit., p. 13.
173. Cf. Lamnek, Siegfried. Theorien…Op. cit., p. 69-70; Trabandt, Helga; Trabant, Henning. Aufklärung…
Op. p. 16.
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176. Aniyar de Castro, Lola; Codino, Rodrigo. Manual…Op. cit., p 44; Dias, Jorge de Figueiredo; Andrade,
Manoel da Costa. Criminologia... Op. cit., p. 6; Shecaira, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. ed. São Paulo:
RT, 2008, p. 75.
177. Sobre estas e outras versões atuais de todas as tradicionais teorias criminológicas cf. Cid Moliné, José;
Larrauri Pijoan, Elena. Teorías criminológicas. Barcelona: Bosch, 2001, passim.
178. Em especial no artigo Clarke, Ronald V.; Cornish, Derek B. Modeling Offenders Decisions: A Framework
for Research and Policy. In: Crime and Justice. Chicago: The University Chicago Press, vol. 6, 1985, p.
147-185. A acomodação desse princípio econômico dentro de uma teoria da interpretação do compor-
tamento humano deve-se ao trabalho de Gary Stanley Becker – “The Economic Approach to Human
Behavior” (1976).
179. Cohen, Lawrence E.; Felson, Marcus. Social Change and Crime Rate Trends: A Routine Activity Approa-
ch. In: American Sociological Review, Vol. 44, No. 4, (Aug., 1979), p. 588-608. Para desenvolvimento
posterior conferir, dos mesmos autores, o livro “The Reasoning Criminal: Rational Choice Perspectives
on Offending” (1986).
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• Os autores são influenciados por conceitos • Ao circunscrever a análise aos crimes que
da sociologia da desviação, criminologia, exigem contato direto entre o criminoso e
economia e psicologia cognitiva; outro indivíduo (ou alvo), considera que as
• Três são os momentos chaves para com- mudanças nas atividades cotidianas influen-
preender a escolha: o início, a persistência e ciam as taxas delitivas ao produzir, no tempo
a desistência. A partir desses três momentos e no espaço, a convergência de três elemen-
elaboram esquemas para exemplificar como tos: 1. infrator motivado; 2. alvo apropriado;
uma pessoa chega à decisão de delinquir; 3. ausência de vigilância;
• Considerando-se estes três momentos, o de- • Ao mirar a realidade estadunidense de 1947-
lito se realiza quando se percebe que esse é 1974, conclui que a explicação da criminalida-
a solução mais rentável para as necessidades de reside no fato de que as mudanças sociais
do delinquente; estruturais trazem consigo uma mudança das
atividades rotineiras da população180;
• O processo de tomada de decisão varia de
acordo com cada delito, razão pela qual en- • Essa mudança da organização das atividades
tender cada processo decisório permitirá rotineiras produz conjuntamente o aumento
adotar estratégias mais eficazes de enfrenta- de objetivos apropriados (acima n. 2) e au-
mento da criminalidade. sência de vigilância (acima n. 3).
180. A principal tese apresentada tem como pano de fundo, na palavra dos autores, “[...] o aumento dramáti-
co dos índices de criminalidade dos EUA a partir dos 1960”. Op. cit., p. 598. Apesar de extenso, convém
transcrever o irônico paradoxo conlusivo: “very factors which increase the opportunity to enjoy the
benefits of life also may increase the opportunity for predatory violations. For example, automobiles
provide freedom of movement to offenders as well as average citizens and offer vulnerable targets for
theft. College enrollment, female labor force participation, urbanization, suburbanization, vacations
and new electronic durables provide various opportunities to escape the confines of the household
while they increase the risk of predatory victimization. Indeed, the opportunity for predatory crime
appears to be enmeshed in the opportunity structure for legitimate activities to such an extent that it
might be very difficult to root out substantial amounts of crime without modifying much of our way of
life. Rather than assuming that predatory crime is simply an indicator of social breakdown, one might
take it as a by product of freedom and prosperity as they manifest themselves in the routine activities
of everyday life”. Op. cit., p. 604.
181. Téllez Aguilera, Abel. Criminologia…Op. cit., p. 91. Sobre a contribuição de Quetelet, cf., ainda, Brau-
neck, Anne-Eva. Allgemeine Kriminolgoie. München: Rowohlt, 1974, p. 134-135.
182. Anitua, Gabriel Ignácio. Histórias…Op. cit., p. 281; Serrano Maíllo, Alfonso. Introducción...Op. cit., p. 107.
183. Sobre a discussão referente ao pensamento de Quetelet no cenário alemão, cf. Drobisch, Moritz Wi-
lhelm. Die moralische Statistik und die Willensfreiheit. Leipzig: Leopold Voss 1867; Rehnisch, Eduard.
Zur Orientierung über die Untersuchungen und Ergebnisse der Moralstatistik. In: Zeitschrift für Phi-
losophie und philosophische Kritik, n. 68, 1876, p. 213-264.
59
60
192. Essa ideia de normalidade do crime, como veremos adiante, pode ser considerada uma antecipação das
ideias mais tarde defendidas pelo funcionalismo de Durkheim (cf. abaixo, segunda parte, Cap. VII, item
2)., por exemplo; ou mesmo um antecedente das leis da saturação de Ferri (cf. abaixo, item 2.3.3). No
mesmo sentido: Téllez Aguilera, Abel. Criminologia…Op. cit., p. 93-94.
193. Cf. Schneider, Hans Joachim. Kriminologie... Op. cit., p. 98.
194. Eifler, Stefanie. Kriminalsoziologie…Op. cit., p. 16.
195. Schneider, Hans Joachim. Kriminologie... Op. cit., p. 98.
196. Cf. García-Pablos de Molina, Antonio. Criminología…Op. cit., p. 353; Rodriguez Manzanera, Luís. Cri-
minología…Op. cit., p. 318-319; Téllez Aguilera, Abel. Criminología…Op. cit., p. 93.
197. O leitor deve contextualizar essa afirmação e não se esquecer que Quetelet fazia referência ao com-
portamento social do século XIX. Por certo, as dificuldades para sobreviver ao rigor do inverno eram
(muito) superiores às que enfrentamos no século XXI.
61
O que também precisa ser ressaltado, embora, ao mesmo tempo, seja bastante
intuitivo, é que não é o dado climático, em si, o único responsável pela variação
das curvas, senão o impacto que o clima exerce sobre o social e o individual. O
dado climático interfere não apenas na paixão humana, mas também nos hábitos
e costumes sociais e isso, por sua vez, impacta sobre as espécies e os números de
delitos realizados198, formando uma espécie de física social199. Isso quer dizer que
quanto mais evidentes as diferenças estacionais, mais pronunciadas as curvas de
criminalidade.
Quetelet também se pronunciou sobre a relação entre a criminalidade e a idade.
A propensão para o crime, nesse cenário, atingiria o seu cume entre os 20 e 25 anos
de idade, isso porque as forças psíquicas e as paixões são extremas e a razão não é
suficiente para contê-las200. De modo mais preciso, escreveu Quetelet: “a propensão
criminosa se manifesta na primeira infância e na infância, pelos pequenos furtos
domésticos e, mais tarde, pelo impulso às paixões, aparecem os delitos sexuais; ao
completar os vinte anos, quando a força física completou o seu desenvolvimento,
as paixões e os vícios levam a delitos violentos, como o homicídio. Posteriormente,
a maturidade do juízo influencia e transforma delitos violentos em delitos de astú-
cia (ou oportunidade) e ocorrem, então, os abusos de confiança e as fraudes que se
aproveitam da ingenuidade alheia; ao chegar ao período da decadência física, com
a velhice, o desejo sexual domina entre todas as paixões, ainda que não esgotadas
de todo, e aparecem os abusos contra menores de idade, como última manifestação
198. Cf. García-Pablos de Molina, Antonio. Criminologia…Op. cit., p. 353; Rodriguez Manzanera, Luís. Cri-
minología…Op. cit., p. 319.
199. Ensaio de física social (1835) é, inclusive, o título de uma de suas principais obras. Cf. Anitua, Gabriel
Ignácio. Histórias…Op. cit., p. 283; Téllez Aguilera, Abel. Criminologia…Op. cit., p. 92, nota de rodapé
n.264; Göppinger, Hans. Kriminologie... Op. cit., p. 12, Rn. 9.
200. Schneider, Hans Joachim. Kriminologie... Op. cit., p. 98.
62
Esse enfoque meramente estatístico do crime permite intuir que Quetelet não
defendia as ideias do livre-arbítrio, senão que era, em certo sentido, um determi-
nista social. Entretanto, diferentemente do determinismo clássico, ele acreditava
que o melhoramento daqueles vetores criminógenos (acima n. 3) poderia efetiva-
mente reduzir o risco do crime202. Ao fim e ao cabo, Quetelet não fez outra coisa
senão tentar implementar na ciência social o mesmo grau de certeza estatística que
as ciências da natureza apresentavam203.
Na França, Guerry foi o principal responsável pela difusão do pensamento
cartográfico. Durante trinta anos ele estudou as estatísticas criminais da França,
Inglaterra e outros países europeus e com elas realizou as primeiras projeções car-
tográficas do crime (as cartas da criminalidade), demonstrando a regularidade de de-
terminados delitos em determinadas regiões204. Juntamente com Lassagne, Gerry
utilizou a estatística descritiva para levar a cabo a descrição dos delitos, as suas di-
versas variáveis e circunstâncias205.
Aponta a doutrina que o principal mérito da escola cartográfica diz respeito
ao legado do método estatístico: para alguns, o único válido para a Criminologia206;
63
para outros, um método criticável, mas inevitável207. Mas não é somente isso. Se
observamos as considerações de Quetelet e a comparamos com as anteriores pseu-
dociências, é possível identificar uma diferença primordial: ele foi o primeiro a en-
contrar uma explicação social para a origem do comportamento criminoso. Se agora
unimos esses elementos, fica clara a relevância da escola cartográfica para a ciência
criminológica: romper com o modelo explicacional voltado unicamente para o autor
do delito para considerar a criminalidade como fenômeno social; noutros termos,
a escola promove a transição da micro para a macrocriminologia e assenta as bases
para a sociologia criminal (i); aporta a utilização do método estatístico que, como
fundamentado, é o mais utilizado no campo da investigação criminológica (ii).
Curiosamente esse mérito também abriu flanco para a mais contundente crítica
formulada pelos detratores da teoria: ao apostar tudo na estatística, como exclusivo
método de explicação do crime, Quetelet tornou a explicação etiológica do crime
refém do método que apenas expressa uma realidade. Essa redução metodológica
permitiu exageros estatísticos, como, por exemplo, a conhecida fórmula de Kropo-
tkin. Segundo o criminólogo russo, a taxa de homicídios em um determinado local
era resultado da soma da temperatura vezes sete com a umidade multiplicada por
dois [TH = (Tx7) + (Ux2)]208.
64
212. Ferri, Enrico. The Positive School of Criminology. Chicago: C. H. Kerr & Co., 1908, p. 9.
213. Grispigni, F. Derecho penal italiano; trad. Isidoro de Benedetti. Buenos Aires: Depalma, 1949, vol. 1,
n.1, p. 124; Sainz Cantero, José A. Lecciones... Op. cit., p. 131; Pavarini, Massimo. Control... Op. cit., p.
43 e ss.
214. Em sentido próximo Kaiser, Günther. Introducción a la Criminologia; trad. José Arturo Rodríguez
Núñez (bajo la dirección de José Maria Rodríguez Devesa). 7. ed., Madrid: Dykinson, 1988, p. 42. Para
Pinatel, a Criminologia se fundou graças aos trabalhos de Lombroso, Ferri e Garofalo. Pinatel, Jean.
Tratado de Criminologia; trad. Ximena Rodriguez de Canestari. 2. ed. Caracas: Universidad Central
de Venezuela, 1984, p. 17. Também ressaltando a importância do positivismo para a constituição da
criminologia Meier, Bernd-Dieter. Kriminologie... Op. cit., p. 16, Rn. 5
215. Dias, Jorge de Figueiredo; Andrade, Manoel da Costa. Criminologia... Op. cit., p. 11.
65
Como esclarece Ferri, a profunda diferença “entre a Escola Clássica e a Escola Posi-
tiva não está tanto nas conclusões particulares, pelas quais, como veremos em seguida,
se pode estabelecer um acordo[...]. A diferença profunda e decisiva entre as duas
escolas está, portanto, principalmente no método: dedutivo, de lógica abstrata,
para a escola Clássica, – indutivo e de observação dos fatos para a escola positiva”216.
Para os clássicos, como escreveu Ferri em resposta à polêmica com Gabelli, a ciência
“só necessita de papel, caneta e lápis, e o resto sai de um cérebro repleto de leituras de
livros, mais ou menos abundantes e feito da mesma matéria”. Para os positivistas, a
ciência exige que muito tempo seja investido, examinando e avaliando um a um os fei-
tos, reduzindo-os a um denominador comum e extraindo-lhes a ideia nuclear217.
Assim é que a Escola Positiva, ao contrário da Clássica, considera o Direito
Penal como expressão de exigências sociais e, precisamente, como aplicação jurí-
dico-penal dos dados da antropologia criminal, da psicologia criminal, da
sociologia criminal e da Criminologia. Outros cientistas, não apenas os juristas,
tomaram a investigação do fenômeno da criminalidade não em sentido abstrato,
senão também, e, principalmente, no sentido concreto, convertendo o homem cri-
minoso em centro e objeto da investigação científica. E é precisamente essa a razão
para alinhar o nascimento da Criminologia à Escola Positiva, com a inevitável subs-
tituição dos togas pretas pelos jalecos brancos.
Em uma primeira aproximação, portanto, o positivismo nega com veemên-
cia o livre-arbítrio e a liberdade humana como fundamento da responsabili-
dade, por ser o homem determinado em suas ações. Isso porque, como bem assinala
Pavarini, para que se pudesse descobrir as leis sobre o comportamento humano era
preciso que esse fosse determinado. Quem exercia a profissão de criminólogo, por-
tanto, não poderia crer em determinismo social218.
Por essas razões, dada a sua orientação científica, os positivistas serviram-se
do método indutivo ou experimental no estudo do crime, que consiste na utili-
zação dos dados particulares e deles se volta a uma proposição geral que compreende
não somente os casos observados, senão todos os demais que com ele guardam relação
de semelhança219. Na prática, isso fez com que a compreensão do comportamento hu-
mano ficasse vinculado a um paradigma etiológico220, isto é, abriu o caminho para que se
conformasse uma ciência criminológica que explica a criminalidade a partir das cau-
sas e dos fatores221. Formulando em outros termos, “a ação desviante e o homem de-
66
linquente são, pois, realidades naturais e não efeitos de um processo político criminal
que define certo comportamento humano ou certo sujeito como criminoso”222.
A criação da Escola Positiva atribui-se a Cesare Lombroso, com desenvolvimen-
tos de Raffaele Garofalo e Enrico Ferri, esses considerados a trindade do positivis-
mo criminológico. Há, entretanto, outros autores que também contribuíram para
a difusão da Scuola Positiva, como Giulio Fioretti, Scipio Sighele. Na Espanha são
mencionadas as figuras de Dorado Montero, R. Salillas e Bernaldo de Quirós223. No
Brasil, destacaram-se as figuras de Nina Rodrigues e Viveiros de Castro224.
Há, claramente, três orientações na Escola Positiva:
1) Antropobiológica (para alguns autores apenas antropológica), representada
por Lombroso;
2) Sociológica, cujo principal expoente é Ferri; e
3) Jurídica, cuja principal figura é Garofalo.
Em todas elas – essência de uma biologia criminal predominante à época – há
um sistema causal-explicativo edificado pelo comportamento criminal de um lado
e hereditariedade e anomalias do outro. Essa anormalidade somática é a conditio
sine qua non para a existência do crime. Esse modo de compreensão do fenômeno
criminal arregimentou um grande número de adeptos, a exemplo de Morselli, Pu-
glia, Ottolenghi, Frigerio, Laschi, Marro, Zuccarelli, Rossi, Fioretti, Sighele, Tar-
nassi, Virgilio, Fornasari di Verce, Antonini, Ferrari225. Os dois principais veículos
de divulgação das ideias da nova escola foram a revista “Archivio di psichiatria,
scienze penali ed antropologia criminale”, fundada por Lombroso e os seus co-
laboradores em 1880, e a revista “Scuola positiva nella giurisprudenza civile e
penale”, fundada em 1891 por Ferri, Lombroso, Garofalo e Fioretti.
Como advertência, cumpre deixar em evidência que não raramente a Escola Po-
sitiva tem sido duramente criticada. Parte disso deriva, sem dúvida, do arriscado
parâmetro de valoração das “descobertas” da Escola a partir do arcabouço científico
hoje disponível, ou seja, os estudos são avaliados com as lentes de um cientista do
século XXI, e não com as devidas concessões que obrigatoriamente devem ser feitas
a um pensamento gestado dois séculos antes. Por outro lado, as apreciações também
derivam da falta de leitura direta, ou leitura distorcida, das obras dos positivistas
italianos226. O que parece ser extreme de dúvida e, no mínimo curioso, se se tem em
mente a avalanche de críticas negativas levantadas contra a Escola, são as muitas
67
propostas dos positivistas italianos que perduram até hoje, seja no campo epistemo-
lógico ou no metodológico227. Parcela da literatura científica, entretanto, reconhece
que “a escola representou um salto qualitativo no tratamento do crime”228.
Os objetivos da Escola Positiva italiana e sua justificativa, por assim dizer, são,
portanto:
1) Objetivos: sistematização e a demonstração da necessidade de aproximar a ciên-
cia do indivíduo;
2) Por quê?: atmosfera científica dos fins do século XIX, é dizer, um ambiente
que pretendia converter todo o conhecimento científico em saber empírico.
Nas palavras de Exner, “a escola italiana, enraizada no materialismo cientí-
fico-natural, é filha de seu tempo” 229.
Após essa primeira aproximação marginal, parece-me importante, desde agora,
fixar alguns pontos de distinção entre a Escola Clássica e a Escola Positiva. Os por-
quês do antagonismo descrito abaixo, assim espero, estão estampados nas páginas
que se seguem. Vejamos230:
Distinto Enquanto a Escola Clássica tinha o delito como ente jurídico abstrato, o positivis-
enfoque no mo criminológico compreendia como um fato real, natural, empírico, histórico e
estudo da concreto.
criminalidade
227. Serrano Maíllo, Alfonso. Introducción... Op. cit., p. 109, p. 113, nota de rodapé n. 113.
228. Dias, Jorge de Figueiredo; Andrade, Manoel da Costa. Criminologia... Op. cit., p. 11.
229. Exner, Franz. Kriminologie... Op. cit., p. 29.
230. Estruturado conforme García Pablos de Molina, Antonio. Tratado…Op. cit., p. 370 e ss.
68
69
70
71
248. Cf. Newburn, Tim. Criminology…Op. cit., p. 130; Schmalleger, Frank. Criminology today…Op. cit., p. 87.
249. Schmalleger, Frank. Criminology today…Op. cit., p. 87.
250. A primeira edição da obra, em 1876, tinha apenas 252 páginas. Na última edição, três volumes e o total
de 1.908 páginas. Cfr. Schwind, Hans-Dieter. Kriminologie... Op. cit., p. 103-104, Rn. 15.
251. Para referências às outras categorias cf. Garcia-Pablos de Molina, Antonio. Tratado…Op. cit., p. 376 e ss;
Rodríguez Manzanera, L. Criminologia…Op. cit., p. 258 e ss.
252. Mannheim, Hermann. Criminologia comparada; trad. J. F. Faria Costa e M. Costa Andrade. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, vol. I, p. 320.
72
253. Sociedad Española de Criminología y Ciencias Forenses SECCIF, Escuela de Criminología de Cataluña.
El atlas criminal de Lombroso. Valladolid, 2006, p. 6-9.
254. Rodríguez Manzanera, L. Criminologia…Op. cit., p. 261 e ss.
255. Seelig, Ernst. Manual de criminologia... Op. cit., p. 45.
256. Lombroso, Cesare. O Homem criminoso; trad. Maria Carlota Carvalho Gomes. Rio de Janeiro: Editora
Rio, 1983, p. 167-168.
73
Como se vê, a postura de Lombroso amplia a concepção dos frenólogos, eis que
a sua investigação não se limita à análise do crânio, mas também a outras partes do
corpo humano e aos sinais psíquicos257. Se tivéssemos, entretanto, que nos limitar a
somente duas ideias reitoras do pensamento lombrosiano, essas seriam: i. o cérebro
contém uma base originária para o crime; ii. o criminoso é um representante do es-
tágio primitivo da evolução humana.
A teoria lombrosiana é, sem dúvida, eminentemente antropobiológica, mas, ao
contrário do quanto rotineiramente se afirma, e aqui já se advertiu, as considerações
de causas exógenas e sociais não lhe são alheias. Aliás, não são alheias a nenhuma
das direções positivistas, reconhece Garofalo: “Estamos muito longe de negar influ-
xos de causas exteriores, as quais são as causas diretas e imediatas da determina-
ção, tais como o meio ambiente, físico e moral, as tradições, os exemplos, o clima,
as bebidas, etc; contudo, cremos que existe em todos os delinquentes um elemento
congênito diferencial258”.
O próprio Lombroso, no terceiro tomo da última edição de O Homem Delinquen-
te, ao ocupar-se da etiologia do crime, admite influências meteorológicas e climáti-
cas, culturais, condição social, educação, profissão, inclusive, prisão, todos como
257. O leitor também encontrará uma pequena exposição e crítica às ideias lombrosianas em Aramburu y
Zuloaga, Félix. La nueva ciencia penal (Exposición y Crítica). Madrid: Librería de Fernando Fé, 1887,
p.136-164.
258. Garófalo, Raffaele. La Criminologie. Étude sur la nature du crime et la théorie de la pénalité. Paris: Félix
Alcan Éditeur, 1888, p. 88-89.
74
fatores etiológicos, bem assim como força desencadeante do criminoso nato, re-
duzindo essa categoria a número inferior a 35% de todos os delinquentes259.
Oportuno registrar que as formulações lombrosianas não foram adstritas
apenas ao gênero masculino. Com efeito, embora menos conhecida, também é de
especial relevância para a ciência criminológica a obra “La donna delinquente,
la prostituta e la donna normale” (1893), escrita em coautoria com Ferrero260.
Recorde-se o leitor que o material de investigação de Lombroso era fornecido pelas
prisões, nas quais, entretanto, quase não havia mulheres. Lombroso precisava de
uma explicação criminológica, portanto, que fosse apta a justificar não somente a
criminalidade feminina, senão também o porquê de essa ser oculta.
A segunda parte da obra era dedicada à criminalidade feminina. Para eles, o
atavismo feminino aparecia com grande frequência na prostituta. Neste ponto
persiste a diferença para o delinquente nato, ou seja, Lombroso e Ferrero desenvol-
vem a teoria da prostituição como componente equivalente ao crime. Portanto, se o
homem atávico se inclinava para a prática do crime, a mulher estava predisposta à
prostituição. E a degenerescência inerente à prostituta propicia maior inclinação à
morbidez. Salvo melhor juízo, esta concepção decorre das conclusões cranioscópicas
derivadas da relação peso cérebro/capacidade. Como nas mulheres a caixa craniana
tinha menor densidade, restava a prostituição, pois – se comparada ao crime – os
riscos eram menores e o retorno melhor261.
Como era de se esperar, ele também deduz algumas características da mulher
delinquente: ao seu aspecto viril, que a priva da doçura e da graça natural no sexo fe-
minino, soma-se a maior estatura, o maior peso, a assimetria craniana, as anomalias
dentárias262. Sobre a mulher criminosa nata lombrosiana, destaca Darmon: “Na ma-
neira de matar, possuem terrível superioridade sobre o criminoso nato. Cometem o
crime com crueldade requintada e diabólica. É preciso que a vítima sofra e que ela
saboreie a sua morte[...]. É a necessidade de tagarelar, de tornar-se interessante que
faz de toda mulher criminosa uma imprudente nata”263.
Assinala Darmon que a mulher é cruel por gosto de vingança do ponto de vis-
ta psíquico. As mulheres são instintiva e surdamente inimigas entre si. A mentira
alcança na mulher seu mais elevado índice de intensidade. Ademais, carece de leal-
dade e somente concebe a honra por meio do seu senso de pudor: virgindade antes
259. Igualmente Göppinger, Hans. Kriminologie... Op. cit., p. 14, Rn. 16; Kunz, Karl-Ludwig; Singelnstein,
Tobias. Kriminologie... Op. cit., p. 45, Rn. 9. Cf. Hering, Karl-Heinz. Der Weg... Op. cit., p. 48.
260. Sobre a criminalidade feminina cf. abaixo, terceira parte, item n. 1.
261. Lombroso, Cesare; Ferrero, G. La femme criminelle et la prostituée; trad. Louise Meille. Paris: Félix
Alcan, 1896, p. 189 e ss.
262. Aramburu y Zuloaga, Félix. La nueva... Op. cit., p. 141.
263. Darmon, Pierre. Médicos...Op. cit., p. 63.
75
do casamento, fidelidade depois. Seu ciúme é congênito. Duas mulheres são amigas
entre si quando têm inimizade comum por uma terceira264.
Como é possível concluir, Lombroso retirou extremas consequências político-
-criminais da sua concepção criminológica. Com efeito, contra o criminoso nato,
eis que inevitavelmente guiado pelo seu impulso criminal, não seria possível impor
punição com finalidade de correção moral. Em razão da sua incorrigibilidade, com
muito mais razão, a ele dever-se-ia impor uma sanção perpétua como medida de pro-
teção social ou a pena de morte como “medida de seleção”265. Seria possível, contudo,
retirar algo positivo desse pensamento lombrosiano ou, ao revés, tudo que foi pro-
duzido serve, apenas, como atestado histórico de um momento da Criminologia ao
qual não mais se deve retornar? É sobre essa questão que o próximo ponto tratará.
76
270. Sobre a contribuição de cada um cf. Gramatica, Filippo. Principios de derecho... Op. cit., p. 100-101.
271. Cfr. Bock, Michael. Kriminologie. 4. Aufl. München: Vahlen, 2013, p. 10, Rn. 22.
272. Apesar de ressaltar que a influência das idieas italianas em solo germânico não podem ser infravalora-
das, destaca Ambos: “É certo que a doutrina de Lombroso, ao menos no que se refere à sua radicalidade
em matéria de antropologia criminal (desde disposições criminais hereditárias até elementos consti-
tutivos em nível psicológico do ‘delinquente nato’), foi amplamente rechaçada na Alemanha”. Para um
breve relato sobre a repercussão da antropologia criminal em solo alemão, cf. Ambos, Kai. Criminología
nacional-socialista. Continuidad y radicalización. In: InDret, 1.2020, p. 370 e ss.
273. Cf. Mergen, Armand. Die Kriminologie... Op. cit., p. 75.
274. No original “Es giebt keine charakteristische Eigenthümlichkeit in der Gesammtbildung des Mens-
chen, aus deren Vorhandensein wir mit einiger Bestimmtheit auch nur behaupten können, dass der
Träger dieser individuellen Deformität ein Verbrecher sein müsse. Viele Verbrecher [...] zeigen gar keine
Anomalie in ihrer körperlichen und geistigen Gestaltung, und andererseits haben viele Menschen mit
ausgeprägten Zeichen morphologischer Abnormitäten niemals eine Neigung zum verbrecherischen Le-
ben gezeigt“. Baer, A. Der Verbrecher in anthrophologischer Beziehung. Leipzig: Georg Thieme, 1983, p.
394 (mantive a grafia original).
77
78
285. Nesse sentido, cf. Pinatel, Jean. La criminalité dans les différents cercles sociaux. In: Revue de Science
Criminelle et de Droit Pénal Comparé. Paris: Sirey, 1970, n.1, p. 678.
286. Tarde, Gabriel. La criminalité comparée. 8ª ed. Paris: Félix Alcan, 1924, p. 42.
287. Citação em Pereira, José Hygino Duarte. Prefácio do traductor. In: Liszt, Franz v. Tratado de Direito
penal allemão. Rio de janeiro: F. Briguiet e C. 1899, t. I, p. XL.
288. Siegel, Larry J. Criminology...Op. cit, p. 142.
289. Cf. Selling, Ernest v. Lehrbuch der Kriminologie. 2 Aufl. Fachverlag Dr. N Stoytscheff, Nürnberg und
Düsseldorf, 1951, p. 24.
290. Raine, Adrian. A anatomia da violência: as raízes biológicas da criminalidade; trad. Mariza Ritomy Ite.
Porto Alegre: Artmed, 2015, p. 10.
291. Sobre o renascimento das ideias retributivas, cf. abaixo, cap. XIII, item 2.1.
79
292. Para Jimenez de Asúa, ao mesclar uma ciência causal-explicativa, como é a Criminologia, com uma ciên-
cia cultural e normativa, como é o Direito, Lombroso retardou o progresso da Criminologia. Jimenez de
Asúa, Luiz. La ley.... Op. cit., p. 57.
293. Lyra, Roberto. Novíssimas escolas penais. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956, p. 9.
294. Seelig, Ernst. Manual de criminologia... Op. cit., p. 46.
295. Pereira, José Hygino Duarte. Prefacio. In: Lizt, Franz v. Tratado de direito penal allemão; trad. José
Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet & C, 1899, t. I, p. XL.
80
296. Cf. Schwind, Hans-Dieter. Kriminologie... Op. cit., p. 117-118, Rn. 10-12.
297. Anitua, Gabriel Ignácio. Histórias... Op. cit., p. 533.
298. Ramos Maranhão, O. Citogenética e crime. In: Ciência Penal. São Paulo: José Bushatsky, 1974, vol 2, p. 83.
299. Há uma versão em português citada na nota de rodapé n. 262.
81
300. “One conclusion I’ve drawn from the research presented in this book is that biological factors early in
life can propel some kids toward adult violence. Risk factors like poor nutrition, brain trauma from
childhood abuse, and genetics are beyond an individual’s control, and when those factors are combined
with social disadvantages and our society’s anemic ability to spot and treat potential offenders, the
odds are that people with these disadvantages will turn to crime”. Raine, Adrian. The Anatomy of Vio-
lence. New York: Pantheon Books, 2013, p. 4-5.
301. Sem dúvida, outro pondo de extrema influência das neurociências é no âmbito da culpabilidade. Relata
Jakobs: o que em dogmática penal é considerado como conduta, o estado corporal conduzido ou suscetí-
vel de ser conduzido, ou seja, a expressão de uma pessoa natural, é tratado (em) pelos resultados da nova
investigação neurológica como produto de processos neuronais que pertencem por sua parte ao mundo
físico casualmente fechado. Contudo, a abordagem dogmática não compreende o objeto de análise deste
livro; o que aparece ao ser humano como sua ponderação racional não é mais que uma consequência de
sua situação neuronal. Cf. Feijoo Sánchez, Bernardo José. Derecho penal de la culpabilidad y neurocien-
cias. Madrid: Civitas, 2012, passim.
302. Cf. Serrano Maíllo, Alfonso. Introducción… Op. cit., p. 250. Sobre esta criminologia do curso da vida, cf.
abaixo, terceira parte, item n. 3.
303. Serrano Maíllo, Alfonso. Introducción… Op. cit, p. 256.
304. Síntese em Serrano Maíllo, Alfonso. Introducción…Op. Cit., p. 256-259.
82
305. Pinatel, por exemplo, divisa a Criminologia em “antes” e “depois” de Ferri. Em concreto, considera Ferri
o fundador da Criminologia. Pinatel, Jean. Tratado... Op. cit., p. 113.
83
3) e, por fim, que a estatística prova que aumentar e diminuir os delitos depende
de outras causas, que não somente as penas previstas nos códigos e aplicadas
pelos magistrados306.
Disso se infere, portanto, que os aportes de Ferri não se limitam à negação do
livre-arbítrio, senão, e principalmente, apoiaram-se em dados obtidos pela aplicação
do método experimental e estatístico de outras ciências. Em razão dessa dialética
científica, ele formulou a lei da saturação e relacionou o crime, para além dos fato-
res biológicos, com os fatores sociais e físicos, ampliando o horizonte de compreen-
são do modelo proposto por Lombroso307.
Os fatores criminógenos, segundo Ferri, seriam de ordem antropológica, mas
também de origem física e social:
1) Fatores de ordem antropológica – aqueles relacionados com a constituição orgâ-
nica, psíquica, características pessoais (idade, sexo, por exemplo) e condições
biológico-sociais (como estado civil, profissão, educação);
2) Fatores de ordem física (ou cosmo-telúrico) – relativos ao meio físico, é dizer, clima,
natureza, sucessão dos dias, temperatura, condições atmosféricas, entre outros;
3) Fatores de ordem social – relacionados com o meio social onde vive o indivíduo, a
exemplo da densidade populacional, religião, família, organização econômica e
política.
O próprio Ferri fornece um quadro síntese das teorizações anteriores sobre a
origem do crime. O delito é um fenômeno de308:
a) Biológica (Albrecht)
Normalidade
b) Social (Durkheim)
a) Atavismo:
Anormalidade
• Orgânico e psíquico (Lombroso, Kurella)
biológica por
• Psíquico (Colajanni)
b) Patologia de:
• Neurosis (Dally, Minzloff, Maudsley, Virgilio, Jelgersma, Bleuier)
• Neurastenia (Benedikt, Liszt, Vargha)
Anormalidade • Epilepsica (Lombroso, Lewis, Roncoroni)
biológica por c) Degeneração (Morel, Sergi, Féré, Zuccarelli, Magnan, Corre e Laurent)
d) Defeito nutricional do sistema nervoso central (Marro)
e) Defeitos de desenvolvimento de centros inibidores (Bonfigli)
f) Anomalia moral (Despine, Garofalo)
306. Ferri, Enrico. I nuovi orizzonti del diritto... Op. cit., p. 5-6.
307. Cfr. Schwind, Hans-Dieter. Kriminologie... Op. cit., p. 110, Rn. 37.
308. Ferri, Enrico. Sociologia criminal; trad. Antonio Soto y Hernández. Madrid: Centro Editorial de Góngo-
ra, [s/d], p. 121. (itálicos no original)
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