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Este trabalho inclui trechos do livro do autor: “Yi JIng (I Ching) O Livro Das Mudanças; O que é,
para que serve e como se usa este livro milenar”, que pode ser encontrado em
www.yijingorienta.com.br/ .
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Devemos destacar que a China, a partir do último quarto do século XX, adotou essa atitude de
apertura e aceitou aprender do Ocidente, convertendo-se numa potência industrial que fornece
produtos ao mundo todo, lança astronautas ao espaço e constrói uma infraestrutura tecnológica
que tem aumentado o nível de vida da sua população.
objetos, e denominamos ‘conhecimento’ àquilo que estabelece uma ponte entre eles.
Desta forma, definimos ‘conhecer’ como ‘saber sobre algo’ e confundimos
sabedoria com acúmulo de informações. Como consequência, valorizamos a teoria
e desdenhamos a prática, já que a primeira trata daquilo que consideramos mais
nobre, porque antecedeu ao mundo manifesto, enquanto a segunda nada mais é do
que mexer com o mundo dos objetos, ficando contaminada por eles.
Para complicar mais as coisas, temos também que lidar com a emoção, uma
espécie de prima pobre da razão
porque, apesar de ‘mental’, é
Conhecimento
originada pela interação com o
mundo dos objetos e, por esse
motivo, de menor valor. Isso
SUJEITO OBJETO
MENTAL, RACIONAL,
nos leva a valorizar o intelecto
INTERNO MATERIAL, EXTERNO e desprezar os sentidos, a
“Viva a teoria!” preferir o racional quando
Emoções comparado com o emocional.
Em resumo, o homem é visto
como dividido em dois e,
portanto, um pouco esquizoide,
já que separamos o pensamento da ação, criando um conflito permanente para
integrar esses dois aspectos da nossa vida: a pureza do pensar com o desprezo pelas
paixões e a prática. O discurso, que antecede à ação, como o pensamento de Deus
antecedeu à sua ação criadora, é considerado como uma recomendação das ações a
serem efetuadas, só que, ancorado como está no campo do mental, não tem
eficiência garantida para guiar nossas condutas, afetadas tanto pela ação do
emocional quanto pelo material.
Essa dicotomia não existe na filosofia chinesa (seja ela taoísta, confuciana
ou budista) porque esta considera que ‘pensar’ e ‘sentir’ são partes de um mesmo
processo total e acontecem num único órgão do homem, o 心 xïn, que só pode ser
traduzido por “coração-mente”, já que agrupa o que para nós está separado de forma
intrínseca. O processo ‘eu’
情 qing
interage com os outros
EMOÇÕES, REAÇÕES processos que constituem o todo
心 xin e seu coração-mente reage às 情
萬 物 wan wu qíng, emoções, que nada mais
CORAÇÃO-MENTE
são do que o resultado dessa
interação e, portanto, capazes de
de PROCESSOS EXTERNOS carregar valiosas informações
道 dao sobre aqueles outros processos.
CURSO, AÇÃO CORRETA A palavra 情 qíng é
normalmente traduzida como
DISCURSO QUE DESCREVE ESSA AÇÃO
“Sentimentos, emoções, aquilo
que uma pessoa sente; coração,
natureza humana, disposição; circunstâncias, a verdade dos fatos; verdade,
sinceridade”. Zhuangzi, taoísta, apresenta qíng como sendo nossa resposta interior
às circunstâncias que nos rodeiam: a emoção interna que nos movimenta (e-moção)
e que aparece como reação a uma ação externa. 3 Obviamente, esse mecanismo não
é específico dos chineses já que trata-se de algo que todos os humanos compartimos,
no Ocidente Pascal o disse no seu “Pensamentos”: “O coração tem razões que a
própria razão desconhece”.
Assim, o sábio observa suas emoções, deduz a partir delas algumas das
características dos fenômenos com os quais está se relacionando e, considerando
suas tendências pessoais, define o discurso que vai guiar sua ação. Esse discurso,
que não pode ser separado da ação empreendida, constitui seu 道 dào (tao) pessoal
e terá sucesso ou será considerado moralmente válido se tende a harmonizar-se com
o discurso que descreve o funcionamento do processo total (que abrange o sábio e
suas circunstâncias), o Dào (Tao. O ‘D’ maiúsculo só diferencia os dois níveis de
discurso, mas não estabelece uma diferença fundamental entre eles, pois os dois se
referem a processos de maior ou menor complexidade).
A ação, resultado da interação entre o homem e suas circunstâncias, é o fato
fundamental, já que o discurso é meramente descritivo. Noutras palavras, o discurso
que guia a conduta não pode ser separado da ação concreta que implementa essa
conduta, donde sabedoria é equivalente a ‘saber fazer’ ou “saber lidar com”. Dessa
forma, é peculiar do pensamento chinês que esse saber fazer não deve ser
atrapalhado pelo racional, ou seja, não deve ser pensado, deve ser intuitivo. O ideal
de sabedoria aproxima-se muito mais a um saber amarrar eficientemente os
cadarços dos sapatos do que a formular uma teoria sobre o andamento do Universo.
Assim, o sábio chinês se integra com os processos com os quais tem que interagir,
em lugar de distanciar-se para observá-los friamente como faria um ocidental.
Obviamente, não pode haver ‘objetividade’ numa visão de mundo onde tudo se
relaciona com tudo e tudo afeta o todo, formando uma continuidade.
Essa prioridade da ação com relação ao discurso não é exclusiva dos sábios
chineses: um músico, executando seu instrumento, não pensa no que está fazendo,
deixa-se levar pelas suas emoções e intuições; um trapezista não pensa no que está
fazendo, deixa-se levar pelo automatismo de anos de prática; mas todos eles
executam à perfeição suas atividades, além de, secundariamente e caso necessário,
serem capazes de produzir discursos sofisticadíssimos sobre suas ações. Goethe nos
disse:
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Vide o texto “A mente como instrumento” neste mesmo site www.yijingorienta.com.br/
Será que o sábio é um ser com poderes fora do normal? Como ele identifica
as sementes das miríades de processos que se manifestam no mundo? Será que terá
que desenvolver uma visão “especial”, “aguçada”, à la Super-homem, que lhe
permita ver o que está começando a se desenvolver ao seu redor? Não, ele
simplesmente olha para si.
Assim, o sábio chinês procura dentro de si a semente de uma emoção, que
nada mais é do que a contrapartida interna à semente que está começando a
manifestar-se no âmbito externo. Para identificar essas sementes, o Oriente
desenvolveu múltiplas técnicas, das quais podemos destacar, a título de exemplo, a
meditação, zen ou outras, e a consulta ao Yi Jing.
Na meditação zen a pessoa senta em posição confortável olhando a parede,
com o objetivo de diminuir ao máximo os estímulos do ambiente (sons, imagens,
etc.) e internos (formigamentos, equilíbrio do corpo, etc.). À continuação tenta
liberar sua mente dos pensamentos que se originam espontaneamente nela (quer
dizer, não lhes presta atenção à medida que aparecem, evitando acompanhá-los de
forma consciente). Podemos observar uma das armadilhas próprias das palavras: no
Ocidente chamamos a esse processo de ‘meditação’, mas é uma palavra que gera
grandes erros e confusões 4 . A palavra ‘meditação’ e suas correlatas têm a
conotação de uma intensa atividade mental e isto é EXATAMENTE O QUE DEVE SER
EVITADO. A palavra mais adequada é exatamente aquela que é apresentada como
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Meditação: “Ato ou efeito de meditar; concentração intensa do espírito; reflexão; oração
mental, que consiste, sobretudo, em considerações e processos mentais discursivos, e que se opõe
à contemplação”. Meditar: “Submeter a um exame interior; pensar em; estudar, ponderar,
considerar; projetar, intentar, planear, planejar; fazer meditação; refletir, pensar”. Reflexão:
“Volta da consciência, do espírito, sobre si mesmo, para examinar o seu próprio conteúdo por
meio do entendimento, da razão; cisma, meditação; contemplação; consideração atenta;
prudência, tino, discernimento; ponderação, observação, reparo”.
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Contemplação: “Aplicação demorada e absorta da vista e do espírito; meditação profunda;
consideração, deferência. Rel.: conhecimento de Deus e das realidades divinas não por vias e
métodos discursivos e, sim, pela vivência”.
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Quem leu (ou tentou ler) “O universo numa casca de noz”, onde o conceituado físico inglês
Stephen Hawking tenta esclarecer a visão que a física contemporânea tem sobre o Universo,
pode testemunhar que inclusive um respeitável texto científico pode parecer
extraordinariamente ‘esotérico’ e deve recorrer também a imagens para conseguir comunicar-se
com o leitor. Por sinal, a ciência possui três restrições fundamentais, desvendadas no séc. XX, que
limitam nossa capacidade de explicar as coisas: 1o) o teorema de Gödel: “dentro de qualquer
sistema formal de axiomas, como, por exemplo, a matemática atual, sempre existem questões
que não podem ser provadas nem refutadas com base nos axiomas que definem o sistema” [ou
seja: nem a matemática pode explicar tudo]; 2o) o princípio de incerteza de Heisenberg: “no
mundo quântico a presença do observador afeta o fenômeno observado” [ou seja: nos seus
fundamentos, todos os fenômenos tem uma base aleatória]; e 3 o) a teoria do Caos: “é impossível
acompanhar a evolução de um sistema determinístico que se torna caótico (ex.: os fenômenos
atmosféricos)” [ou seja, o mundo é complexo demais para explicá-lo em detalhe].
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“Não é o melhor para os homens que aconteça tudo o que desejam.” Heráclito.
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“Não existe estupidez maior do que querer mostrar-se sábio na hora errada, assim como nada é
mais ridículo e imprudente do que a prudência inoportuna.” Erasmo: Elogio da Loucura.
“Reflita o seguinte quando se sentir no auge da ira: a nossa vida é um curto momento, e logo
estaremos todos estendidos debaixo da terra.” Marco Aurélio: Meditações.
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Recentemente esse relato da criação literal em seis dias está sendo substituído pela ideia do
“design inteligente” segundo a qual Deus planejou o andamento total do Universo antes de pô-lo
em marcha. Temos aqui novamente o predomínio, tanto temporal quanto valorativo, do mental
perante o prático.