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Unidade 2: Algumas tendências e perspectivas actuais nas políticas da

educação

2.1. Descentralização

 Com significados diferentes que lhe são inerentes (participação, autonomia, reforma), a
descentralização intersecta as diferentes políticas públicas, sendo mais debatida nos países
marcados por uma forte tradição de centralização do Estado;

 Imperativos de eficácia, de participação nas decisões, de transparência dos serviços, de


delimitação de funções, de reconhecimento dos contextos locais, conjugados com a
necessidade de redimensionamento do papel do Estado, estão na origem das políticas de
descentralização ;

 O vector principal de descentralização educativa é a territorização da decisão, isto é, o


reconhecimento de que os territórios são recursos instrumentais para a democratização
e eficiência;

 A crítica `a homogeneidade e a defesa de uma democracia próxima dos actores, com


competências para interpretar localmente as decisões centrais, são aspectos fulcrais das
políticas descentralizadas. Por conseguinte, territorizar é considerar a multiplicidade de
actores, observar a complexidade e interdependência das estruturas e permitir a existência de
disversos discursos;

 A partir dos modelos sistematizados por Lundgren (1996), Pacheco (2000: 94), aplicando `a
análise nas políticas curriculares, identificou quatro estratégias ou modelos principais:

Modelo A-B (política centralista)

 Papel determinante da administração central na concepção e operacionalização da política


cultural;

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 Trata-se de uma responsabilidade esseencialmente política dos órgãos ministeriais já que a
responsabilidade profissional do professor reside na implementação de orientações e
programas definidos urbi et orbe na base de um complexo quadro normativo;

Modelo D-C (política descentralista)

 Papel predominante dos territórios locais na contextualização da política curricular mediante


a concepção, implementação e avaliação de projectos curriculares, que são
recontextualizados em função de orientações políticas que asseguram a igualdade;

Modelo A-D (política centralista e descentralista)

 Prevalece a perspectiva normativa;

 Política cultural descentralizada ao nível dos discursos, mas recentralizada ao nível das
práticas;

 A prática curricular é autónoma no discurso e nos textos curriculares mas é definida e


regulada pela administraçào central através do estabelecimento de referenciais concretos;

 Os territórios locais têm autonomia para (re)interpretar o curriculo em função de projectos


curriculares que são administrativamente controlados;

Modelo C-B (política descentralista e centralista)

 Predominância das componentes profissional dos actores e institucional dos territórios locais;

 A descentralização existe quer nos discursos quer nas práticas curriculares;

 A administração central define os referenciais da política cultural mas entrega aos territórios
locais a recontextualização realizada pela articulação do que pode se fazer ao que deve ser;

 A indefinição dos limites entre as dimensões de localização do poder (nível central ou nível
local) e de assunção do poder (responsabilidade política ou responsabilidade profissional) é
uma das questões em permanente debate na concepção da política curricular e que
dificilmente merecerá um consenso;

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 Na concepção das políticas públicas, a elaboração das políticas descentralizadas obedece
`a uma série de lógicas que constituem fundamentos das políticas descentralizadas,
nomeadamente:

 A lógica do Estado, ou seja, do Estado regulador: O tempo de gerir tudo, controlar, passou. A
administração deve impulsionar, animar, dar coerência, contratualizar, avaliar;

 Porque administrar se torna cada vez mais complexa, o processo de descentralização é


explicado em função dos seguintes princípios: uma nova lógica económica, com outros
modos de gestão e formação, mobiliza os actores na periferia; a procura da qualidade para
melhorar a competitividade; a diversificação dos processos; a delegaçào de decisões do
centro para a periféria;

 O Estado regulador é um conceito dominante para caracterização das políticas pós-modernas,


quer para a tendência de escolas se desenvolverem de acordo com as forças do mercado,
obecendo a propósitos de flexibilização, quer para a fundamentação dos movimentos de
restruturação escolar baseados na ideia de accountability, ou seja, a prestação de contas
através da avaliação, responsabilizando-se quem assume o poder por delegação;

 A partir destes pressupostos, a escola, que agora funciona como um mercado pautado pela
concorrência, restrutura o seu funcionamento de modo a ser convertida numa organização
efeiciente, idêntica nos seus processos ao funcionamento de uma fábricaa, tal como se
pretendeu com a pedagogia por objectivos e que pode traduzir no paradigma contábil ou no
critério da exigência funcional;

 Desta lógica de mercado nascem os desígnios da eficácia, da qualidade, da diversidade e da


heterogeneidade, desígnios estes introduzidos politicamente no sistema educativo em nome
dos resultados e não dos processos;

 No âmbito da retórica política, Weiler (1996) identificou três argumentos a favor da


descentralização da política educativa:

 Modelo da distribuição que está relacionado com a divisão do poder;

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 Modelo da eficiência que implica a promoção da eficácia relativamente ao custo do sistema
educativo através da gestão adequada dos recursos disponíveis;

 Modelo das culturas de aprendizagem com a ênfase colocada na descentralização dos


conteúdos.

 O Estado regulador enquadra-se numa arquitectura política edificada pelos pressupostos do


neoliberalismo que, no caso concreto da educação, ao defender as regras do mercado e os
valores tradicionais, ganha progressivamente terreno através de uma estratégia explícita:
agitação da bandeira da descida nos níveis escolares, responsabilização dos professores e
escolas pelo estado da educação;

 Trata-se, assim, de uma estratégia que coloca no terreno da escola a solução dos
problemas mais complexos, que o poder centralizador ainda não foi capaz de resolver,
ao mesmo tempo que é reafirmado o argumento de que as escolas actuais não
respondem nem aos interesses do Estado nem às expectativas da sociedade

 Ao inserir-se no movimento mais vasto da descentralização e da noção do Estado regulador


que obedece a critérios específicos, cujo denominador comum se encontra na qualidade do
sistema, a territorialização das políticas educativas é um jogo profundamente político que nã
consiste num mero fenómeno administrativo-jurídico ou numa mera deslocação do cursor do
centro para a periféria.

 Alías, como sublinha Charlot (1994), a descentralização “não é uma conquista do local mas o
efeito de uma política nacional: ela foi desejada, definida, organizada e posta em prática pelo
Estado;

 E pode-se acrescentar que a descentralização, enquanto processo de responsabilização das


escolas e dos professores, responde, simultaneamente, às necessidades de um Estado forte na
selecção,organização e avaliação do conhecimento escolar e de um Estado fraco na gestão do
seu processo de implementação;

 A descentralização encontra suporte também na consideração da escola como território, pois


a ideia da escola como território nasce quer das políticas descentralizadas, quer da
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valorização do pessoal e do local, sobretudo quando se reconhece a necessidade de dar voz à
subjectividade das pessoas;

 Em questões de políticas públicas, a passagem da escola-território nacional para a escola-


território local representa a transição do “Estado-educador” e do “Estado-
desenvolvimentista”para o “Estado-regulador”;

 Dentro desta multiplicidade de vertentes decisórias, a escola é politicamente dotada de


autonomia se construir um projecto identitário próprio e se funcionar em regime de parceria;

 Projecto, actor, parceria e rede são noções que conferem identidade, poder e autonomia ao
território escolar. A ideia de projecto permite gerir a heterogeneidade, conciliando a
diversidade com a igualdade através da acção curricular; o actor, contrapondo-se a agente,
implica não só liberdade para decidir mas também capacidade para produzir mudança;
parceria e rede cinstituem os laços de interdepedência dos actores e dos territórios, apoiando-
se numa “lögica relacional” ou numa “lógica de solidariedade” .

Actividade de reflexão 2

1. Com base no que consta acima, acrescido ao que se pode ler no artigo de Rodriguez (in:
Bittar, 2006: 18), sobre “Políticas públicas e educação: a descentralização dos sistemas
nacionais de ensino, análises e perspectivas”, explique:

a. Os principais ganhos pretendidos com a tendência da adopção da descentralização nas


políticas contemporrâneas da educação;

b. Os aspectos que traduzem/caracterizam as ideias e/ou práticas de descentralização


realizada em países como Brasil, México, Argentina e Chile;

c. Os efeitos perversos [de carácter negativo) resultantes da descentralização nestes países.

2. Em Moçambique, com o processo de municipalização, prevê-se igualmente a


descentralização dentro do sistema de ensino, particularmente através de uma maior

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responsabilização dos munícipos pela educação nos seus respectvos territórios.

a. Identifique/ mencione os documentos oficiais [de carácter legislativo ou sob ponto de


vista de programas e planos estratégicos nacionais e sectoriais] refentes a esta abertura do
Estado moçambicano para a responsabilização dos municípios pelo sector de educação
nos respectivos territórios;

b. Explique as áreas de gestão [incluindo as formas] em que em que esta responsabilização


será ou deverá ser efectivada.

c. Através de uma entrevista a, pelo menos, 5 (cindo) pessoas, demonstre o nível em que o
próprio Estado, no geral, e um município, a sua escolha, ao nível nacional, estão ou não
preparados para essa responsabilização pela gestão da educação no respectivo território

2.2. Autonomia e participação dos actores

 A particpação e a democracia são questões políticas, de regime, de organização do Estado.


Sendo assim, conceber o estudo das organizações como entidades centradas
exclusivamente sobre sí próprias, como espaços de insularidade, de excepção,
eventualmente independente da esfera política, representaraia uma falácia que, não fora a
existência de outras razões, o próprio funcionamento das organizações bastaria para se
encarregra de inoxaravelmente contrariar;

 A democracia participativa ou teoria da democracia como participação é herdeira , entre


outros, de Jean-Jacques Rousseau e John Stuart Mill, e assenta no poder do povo,
pressupondo o seu interesse pela participação enquanto factor de mudança;

 Em contrapartida, a teoria elitista entende a democracia como uma forma de dominação


exercida por iniciados, portadores de uma determinada cultura política e garantes do
processo democrático liberal. Neste sentido, como diz Canotilho, [...] a democracia não ‘e
o poder do povo, mas o poder das elites para o povo que se limita a escolher as elites;

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 Rousseau privilegia a participação dos indivíduos e não dos grupos e concebe a
participação como uma forma de intervenção nos processos de decisão, como uma forma
de proteger interesses privados e de garantir uma boa governação;

 Sendo assim, a paticipação dos actores dentro de uma escola, sejam esles alunos,
professores ou membros da comunidade, exige uma certa autonomia. Eis porque,
recorrendo-se ao texto de Rui Moura Rui Moura (1999), publicado na revista
Educare/Educere (número 7, pgs 85-94), cujo t’itulo ‘e “ O conceito de Autonomia de
Escola: algumas reflexões”, importa tecer algumas considerações sobre a autonomia.

 À partida pode conceptualizar-se a autonomia versus heteronomia. Esta concepção vê a


autonomia como independência, isolamento, onde o sujeito assume o completo poder /
controlo em completa oposição ao poder / controlo exercido por outros. Ser autónomo
implica, desta forma, um corte radical e uma ausência total de qualquer dependência dos
outros. Contudo, esta percepção corresponde muito pouco ao verdadeiro significado da
autonomia.

 O ser humano não é um ser isolado, ele é “intrinsecamente um ser de relação.” (Pinto,
1998, p. 17). A literatura mais relevante sobre a autonomia na aprendizagem acentua a
importância da inter-relação com os outros para que o aprendente possa assumir um maior
controlo na sua aprendizagem (Kerka, 1994; Brookfield, 1993; Long, 1992; Mezirow,
1985): o aprendente autónomo não é independente ou dependente, mas sim
interdependente (Garrison, 1992). Assim, “a autonomia acontece quando a gestão das
relações que tecem a nossa existência permite a afirmação do sujeito, nomeadamente na
concretização de projectos.” (Pinto, 1998, p. 17).

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 Barroso (1996B) observa que o conceito de autonomia está ligado à ideia de autogoverno,
onde os sujeitos se regulam por regras próprias. Contudo, isto não é sinónimo de
indivíduos independentes:

 A autonomia é um conceito relacional (somos sempre autónomos de alguém ou de alguma


coisa) pelo que a sua acção se exerce sempre num contexto de interdependência e num
sistema de relações. A autonomia é também um conceito que exprime um certo grau de
relatividade: somos mais, ou menos, autónomos; podemos ser autónomos em relação a
umas coisas e não o ser em relação a outras. A autonomia é, por isso, uma maneira de
gerir, orientar, as diversas dependências em que os indivíduos e os grupos se encontram no
seu meio biológico ou social, de acordo com as suas próprias leis.” (p. 17)

 Macedo (1991) declara que a autonomia pressupõe auto-organização. “Ao auto-


organizarem-se isto é, ao estruturar-se na realização de objectivos que define o sistema
diferencia-se de outros sistemas com quem está em inter-relação, criando a sua própria
identidade. É um sistema autónomo.” (p. 131). Assim, a autonomia pressupõe que se seja
capaz de identificar, e assim, se diferenciar dos outros. Mas esta capacidade de
diferenciação só é possível na inter-relação com os outros. “Quanto mais são as trocas de
energia, informação e matéria que um sistema estabelece com o ‘meio’, maior é a sua
riqueza, a sua complexidade, as possibilidades de construção da autonomia.” (p. 132).

 Para esta autora, a essência da autonomia da escola passa pela capacidade de efectuar
trocas com os outros sistemas que envolvem a escola. A autonomia da escola não é algo
adquirido, mas sim algo que se vai construindo na inter-relação, pois só assim a escola vai
criando a sua própria identidade.

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 Reflectindo sobre o conceito de autonomia de escola, Barroso (1995B) observa que este
envolve duas dimensões: a jurídico-administrativa, e a socio-organizacional:

 A primeira dimensão corresponde à competência que os órgãos próprios da escola


detêm para decidir sobre matérias nas áreas administrativa, pedagógica, e
financeira.

 Na segunda dimensão “a autonomia consiste no jogo de dependências e


interdependências que uma organização estabelece com o seu meio e que definem
sua identidade.” (p. 3). Esta perspectiva pressupõe o afastamento de concepções
estruturo-funcionalistas ou deterministas da escola. A autonomia da escola
pressupõe, assim, uma concepção da escola como tendo uma identidade própria
onde os diversos actores interagem entre si. Se é verdade que existe um sistema,
são contudo os diversos actores que interagem na escola que, com as suas
possibilidades de escolha, alteram e criam novas regras ; ou seja, também
contribuem para a alteração do sistema.

 No ponto de partida do raciocínio encontra-se a constatação empírica da margem de


liberdade dos actores , da sua capacidade de ‘escolher’ a sua conduta em função de
considerações de oportunidades entre um leque mais ou menos largo de condutas possíveis.
É certo que os actores nunca actuam num espaço não estruturado. A sua racionalidade e a
sua capacidade de escolha são preestruturados pela sua pertença a culturas (nacionais,
profissionais, organizacionais). A sua liberdade de acção é por outro lado restringida pelas
condições materiais e sociais que prevalecem no seu contexto de acção e que são escoradas
por um conjunto de estruturas e de regulações englobantes.

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 Mas se todos estes elementos restringem o leque de escolhas dos actores , nem por isso
eliminam a sua possibilidade de escolher. Assim, o seu comportamento nunca é redutível a
tais estruturas englobantes e não pode por conseguinte deduzir-se a partir delas. (Friedberg
, 1995, p. 16)

 Neste sentido, Lima (1991) afirma que mesmo num sistema educativo altamente
estruturado e centralizado, impondo as suas regras através da produção legislativa aos
estabelecimentos de ensino da sua dependência, tal não significa que esses mesmos
estabelecimentos de ensino cumpram uniformemente essas regras. “O actor é o elemento
central – aquele que, mesmo nas situações mais extremas, conserva sempre um
mínimo de liberdade que utilizará para bater o sistema.” (p. 148).

 Por isso, este autor fala de infidelidade normativa por parte das escolas às regras impostas
que pode passar pela reprodução total, parcial, ou a não reprodução dos conteúdos
normativos. Esta infidelidade às regras do sistema deve-se ao facto de os actores
interagirem entre si e serem fieis aos seus objectivos, interesses, e estratégias, permitindo
que a escola assuma a sua identidade dentro do sistema em que está inserida. Assim, “a
escola não será apenas uma instância hetero-organizada para a reprodução, mas também
uma instância auto-organizada para a produção de regras e tomada de decisões” (Barroso,
1996B, p. 31).

 Sarmento (1998) afirma que as organizações escolares podem assumir diversas formas de
regulação, tendo em conta duas grandes linhas: o formal / informal, e a diacronia /
sincronia (correspondendo à continuidade / mudança). Desta forma, o autor refere que, no
cruzamento destas duas grandes linhas, as escolas podem assumir quatro formas de
regulação. A primeira forma é a regulação normativa, correspondendo a um conjunto

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consignado de finalidade e intenções. A segunda forma é a regulação institucional, onde a
tradição institucional, através das mais variadas formas conduz a “um alto grau de
conformidade simbólica” (p.22). A terceira forma é a regulação administrativa, onde se
procura mobilizar os dispositivos e os recursos de acção para “atingir determinados fins no
contexto organizacional da escola.” (p.22). Finalmente a quarta forma é a regulação
contigencial, distinguindo-se das outras formas, pelo facto da regulação “não se exercer
sob a forma de normas, de comportamentos, de atitudes ou de actos administrativos, mas
de se apresentar sobretudo como dependente do momento e da situação.” (p. 22).

 Barroso (1996B) observa, também, que as escolas variam entre a heteronomia absoluta e
a quase completa anomia (ausência de normas claras e comprometedoras, vivendo as
escolas numa absoluta rotina), existindo, todavia, muitas situações em que diversos
estabelecimentos de ensino souberam construir uma real autonomia . Este autor assinala
ainda a existência de diversas situações onde “os órgão de gestão ‘contornam’ certos
preceitos legais que impedem (ou dificultam) a tomada de decisão em domínios
considerados estrategicamente importantes” (p. 25). Este tipo de situação corresponde
àquilo que Lima (1991) chama de infidelidades normativas, e ao qual Barroso apelida de
autonomias clandestinas.

 Sarmento (1998) considera que a análise da autonomia do estabelecimento de ensino


necessita do contributo da sociologia da acção . Se é verdade que as perspectivas
sociológicas do conflito (Bourdieu, 1989; Bourdieu & Passeron, 1970) alertam para o facto
do sistema educativo reproduzir a estrutura social, estando a acção dos actores
determinada à partida; contudo o que é facto é que os actores no contexto local, apesar de
condicionados pela estrutura sistémica, interagem entre si, estruturando a sua acção em
função de objectivos colectivos próprios. “As interdependências sistémicas e estruturais
colocam os actores, nos contextos de acção, numa relação que é sempre de
constrangimento e de possibilidade, de hetero e de autoregulação.” (p.17).
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 Canário (1996) afirma, também, a necessidade de articular os conceitos de sistema e actor
na abordagem da organização escolar , sendo os referidos conceitos contigentes um ao
outro. Esta contingência combina os efeitos de constrangimento que se prendem com o
funcionamento colectivo e global deste sistema humano, a autonomia dos actores (apesar
de relativa), e a maneira particular como estes diversos factores se combinam nos
contextos particulares. Desta forma, o autor considera:

 É com base nesta relação entre, por um lado, os constrangimentos


sistémicos e, por outro, os comportamentos estratégicos dos actores , que
se torna possível encarar as escolas como refractárias a previsões
deterministas, sem que isso as transforme em realidades
incompreensíveis. (p. 132)

 Assume, assim, especial importância os comportamentos estratégicos que os actores


assumem. Friedberg (1995) acentua a importância do poder na inter-relação entre os
actores, sendo a capacidade do actor estruturar processos de troca, aproveitando todos os
constrangimentos e oportunidades existentes numa determinada situação para impor termos
de troca favoráveis aos seus interesses.

 Trata-se, pois, de uma troca negociada de comportamentos em que todos os participantes


“retiram qualquer coisa, permitindo ao mesmo tempo que algum (ou alguns) dela retirem
mais do que os outros.” (p. 120). Desta forma, esta negociação assume a forma de jogos de
poder:

 O jogo é neste caso o conceito fundamental da acção organizada, isto é,


de uma acção que se desenrola num contexto de interdependência
estratégica. Só ele é capaz de conciliar liberdade e constrangimento,
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autonomia dos actores e integração dos seus comportamentos. Os
jogadores ficam livres, mas devem, para fazer avançar os seus interesses,
aceitar os constrangimentos que lhes são impostos, esperando poder
eventualmente modificá-los num segundo tempo. (…) Podem também
naturalmente cometer erros, enganar-se sobre a natureza do jogo, esquecer
as regras , etc., e, ao fazê-lo, ‘desviar-se’ da racionalidade do jogo e
descobrir novas oportunidades, novas estratégias ganhadoras que, a prazo,
provocarão uma modificação do próprio jogo. (p. 232)

 Ao desenvolver estes jogos de poder no contexto da acção concreta, os actores são


constrangidos pelas regras do sistema, mas também contribuem para a modificação dessas
mesmas regras. É neste sentido que para Canário (1996) a organização escolar é ao
mesmo tempo compreensível (o constrangimento ao nível do sistema) e imprevisível (a
inter-relação dos actores na acção local). Esta concepção afasta qualquer visão dicotómica
da organização escolar: o estabelecimento de ensino é estudado e analisado como uma
totalidade, no seio da qual as diversas partes estão em inter-relações entre si. Nesta mesma
linha, Sarmento (1998) afirma que o processo de regulação da escola , ou seja o processo
de construção da sua autonomia , tem de articular as diferentes dimensões no plano de
acção:

 A regulação das escolas é o conjunto de processos que permitem que, de uma forma
sustentada e contínua, se possam articular, no plano da acção, a regularidade e a mudança,
o formal e o informal, a racionalidade a priori e a racionalidade a posteriori, a aplicação da
norma e a sua contradição. (p. 19)
 Face ao que se disse acima, surge nos a questão sobre como a autonomia se concretiza na
escola. E para essa questão Rui Moura, no mesmo artigo citado anteriormente explica-nos
o seguinte:

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 É pertinente reflectir sobre algumas formas de concretização da autonomia da escola,
permitindo perceber quais os princípios teóricos, ideológicos, ou políticos que estão na base
de uma determinada visão da autonomia escolar. Além disso, esta reflexão contribui
também para uma melhor compreensão dos diversos caminhos possíveis na construção da
autonomia da escola, não sendo, contudo, uma descrição exaustiva.

 Em diversos países de língua inglesa têm-se assistido ao reforço da autonomia das escolas,
tendo este movimento sido designado por school based management (SBM). Como o próprio
termo indica trata-se de um movimento descentralizador, dando à escola autonomia para a
sua gestão. Apesar de em cada um destes países a aplicação do SBM ter assumido diferentes
formas de transferência de poderes para as escolas, em todos eles ele implicou um aumento
do poder de decisão na escola a nível financeiro, curricular, e gestão de recursos. Assim, o
poder de decisão passa a ser partilhado ao nível de órgãos constituídos pelos diversos actores
da escola.

 Esta descentralização tem como finalidade “incrementar a prestação de contas, o acesso


local ao conhecimento, centrar o processo de mudança na própria escola” (Phillips, 1997,
p.1). Noble, Deemer e Davis (1996) referem que o SBM é uma medida descentralizadora que
implica um governo partilhado e uma colaboração ao nível das decisões na escola. Para estes
autores a implementação do SBM promove o sucesso académico dos alunos, incrementa a
prestação de contas, aumento de poder, e oferece a capacidade de a escola ser capaz de gerir
politicamente os diversos interesses dos diversos actores da mesma. Barroso (1996A) afirma
que o SBM implica “descentralização e desburocratizarão dos processos de controlo; a
partilha de decisões no interior da escola; o aumento da influência dos pais no processo de
tomada de decisões na escola” (p. 173). Myers e Stonehill (1993) referem que a
implementação do SBM pode:

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o Permitir que pessoas competentes nas escolas tomem decisões que favoreçam a
aprendizagem; dar voz à comunidade escolar nas decisões cruciais; acentuar a
prestação de contas das decisões; conduzir a uma maior criatividade na
formulação dos programas; redireccionar recursos a fim de suportar os objectivos
desenvolvidos em cada escola; permitir a realização de orçamentos realistas
devido a pais e professores estarem mais cientes da situação financeira da escola,
dos limites de duração e custo dos programas; melhorar o moral dos professores e
ajudar a sua liderança a todos os níveis. (p. 1)

 Wohlstetter e Mohrman (1996) referem que esta descentralização deve envolver quatro
vertentes: 1) poder, 2) conhecimento, 3) informação, 4) recompensa. O poder significa a
capacidade “de tomar decisões que influenciam as práticas, as políticas e as direcções
organizacionais” (p.33). A dimensão do conhecimento permite aos diversos membros da
escola perceberem e contribuírem para os resultados da mesma. Este conhecimento “inclui
conhecimento técnico para realizar o trabalho ou proporcionar o serviço, capacidades
interpessoais, e conhecimentos e práticas administrativas” (p.33). A dimensão da
informação refere-se ao conhecimento que os membros têm acerca da performance da
organização, e à “informação estratégica acerca de políticas mais amplas e sobre o
ambiente económico” (p.33). A vertente da recompensa baseia-se nos resultados da
organização e nas contribuições dos seus membros para esses mesmos resultados. Esta
contribuição dos membros é favorecida através da recompensa do trabalho desenvolvido,
ajudando a uma participação mais efectiva desses mesmos membros da organização
escolar.

 A literatura observa a importância da descentralização verificada no sector privado


empresarial na conceptualização e aplicação do SBM. Wohlstetter e Mohrman (1996)
referem que sendo a gestão das escolas complexa, ela deve seguir os modelos que são
aplicados à gestão no sector privado. Para estes autores, o SBM é o exemplo da aplicação à
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escola dessas mesmas ideias do sector privado. Desta forma, Phillips (1997) observa que “a
eficácia da organização é melhorada porque o funcionário, que se relaciona e conhece o
cliente, pode alterar o produto ou serviço para atingir as necessidades do cliente.” (p. 1).
Assim, a prestação de contas é uma dimensão importante, assumindo-se como uma forma
de melhor rentabilizar a gestão da escola, adoptando as regras típicas da gestão privada de
orientação para o mercado (Phillips, 1997; David, 1991; Wohlstetter & Mohrman). Não é,
pois, de estranhar que em alguns casos o SBM preveja a possibilidade de os pais poderem
seleccionar livremente a escola onde desejam colocar os seus filhos, obrigando assim as
escolas a serem mais eficientes. Realçando a importância da racionalidade na gestão,
Phillips (1997) observa que “parte da mudança da relação entre a escola e a comunidade é
a adopção do mundo corporativo, da competição e da orientação para o mercado.” (p. 3).

 Este modelo insere-se, pois, naquilo a que Barroso (1995B) refere como lógica gestionária,
onde “o objectivo é o de aumentar a ‘eficácia’ e a ‘eficiência’ da escola reforçando a
responsabilidade dos seus órgãos de gestão por uma correcta aplicação dos meios que lhe
são distribuídos.” (p. 7). Não é pois de estranhar que a aplicação do SBM tenha estado
ligada a políticas neo-liberais onde o privado e o mercado são as palavras chave. Um
desses exemplos é o caso inglês com a reforma educativa denominada Education Reform
Act, aplicada em 1988 pelo governo de Margaret Tacther.

 Também em Portugal a aprovação do modelo de direcção, administração e gestão escolar


(DL 172/91) teve por base uma política neo-liberal. Cunha (1997) refere que esse modelo
tem três elementos essenciais: eficiência dos serviços; prestação de contas; autonomia local
da decisão. Natércio (1995A), referindo-se às perspectivas e tendências da administração
escolar, observa a necessidade do serviço público de educação estar atento às necessidades
do mercado.

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 Muitas vezes dissociam-se as questões, o funcionamento do mercado por um lado e o
funcionamento da sociedade civil no plano da cidadania por outro. Do meu ponto de vista,
o funcionamento do mercado é inerente ao funcionamento da sociedade civil democrática,
eu não dissocio o mercado da democracia, e por isso não vejo oposição entre a formação
para a cidadania e a organização do serviço para o mercado. (p. 20)

 Lima (1995) critica esta perspectiva neo-liberal da educação, que acentua os valores da
concorrência e competição. Para este autor, a transposição das ideias do sector privado para
o serviço público de educação pode ser perniciosa, pois pode conduzir a uma concepção do
cidadão como um utente, cliente ou consumidor, e assim não promover a cidadania, a
participação e a emancipação do mesmo. Desta forma, o serviço público de educação deve
caminhar noutro sentido diferente da competitividade, do individualismo e do cálculo
custo-benefício:

 Michael Porter, por exemplo: o que ele afirma é que há uma educação
mais importante do que outra. A mais importante é aquela que suporta a
criação de ‘vantagens competitivas’ na economia. Aquela que não se
dedica sobretudo a formar o cidadão mas sobretudo forma uma agência
racionalista de cálculo de custo-benefício; é a formação do cidadão da
pós-modernidade, individualista e dotado de grande capacidade de cálculo,
que constrói a sua própria história de vida ritualizada, de vida de sucesso
que exige competição. (…) Eu quero uma escola eficaz, quero uma escola
eficiente, quero uma escola de qualidade, mas é através dum padrão de
aferição de uma escola democrática com determinados valores, com a
recuperação de algumas utopias. Hoje a falta dessas utopias levou-nos a
acreditar neste one best way ideológico que seria uma ideologia do
privado, da competição, da concorrência. (p. 17)

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 Neste mesmo sentido, Barroso (1995A) alerta para os perigos de se ver a gestão com um
fim em si, como um conjunto de princípios que podem ser generalizados, não tendo em
conta a especificidade das organizações. Assim, este autor refere que a gestão da escola
deve ser “uma gestão adequada às características organizativas de uma escola” (p. 22). A
escola é pois uma organização social onde coabitam pessoas das mais variadas faixas
etárias (adultos, crianças, adolescentes, jovens); é uma organização com fins educativos,
sendo o seu produto o crescimento dos alunos; e é uma organização com forte implantação
social tendo “uma finalidade objectiva, concreta e imediata, para as pessoas que vivem ali
ao lado dela.” (p. 22).

 Desta forma, Barroso (1996A) considera que a autonomia da escola deve ser construída
e não decretada. A autonomia da escola tem de ter em conta a especificidade da
organização escolar, sendo construída pela interacção dos diferentes actores
organizacionais em cada escola (Barroso, 1995B). A interacção destes diferentes actores
conduz sempre a que se juntem diferentes interesses que é necessário saber articular. A
autonomia, é, pois, o resultado do equilíbrio de forças numa escola entre os diversos
detentores de influência. A autonomia da escola pressupõe a autonomia dos seus actores.
A autonomia da escola não se constrói por decreto; pelo contrário “esta perspectiva retira
sentido à tentativa de encontrar, a partir das chamadas ‘escolas eficazes’, estruturas e
modalidades de gestão que funcionem como padrão da autonomia para todas as escolas.”
(1996A, p. 186).

 Concluindo, Rui Moura sentencia que:

 A autonomia de escola passa pela capacidade da mesma se identificar e, por isso mesmo,
de se diferenciar daquilo que a envolve. Mas, esta capacidade de se diferenciar implica

18
que seja capaz de se relacionar e interagir com o meio que a envolve. Autonomia não
significa independência, mas sim interdependência.

 A construção de identidade própria pressupõe a participação de todos os actores que


interagem entre si. A nova concepção das organizações implica a ‘recuperação’ da
importância dos actores. Não se trata de uma concepção de racionalidade ilimitada, mas
sim de uma concepção onde actores e sistema se condicionam mutuamente: se os actores
são constrangidos pelas regras do sistema, eles contribuem também para a transformação
e alteração dessas mesmas regras.

 Torna-se, pois, necessário conceptualizar a escola com esta dinâmica de interacção entre
os diversos actores, na perspectiva da sociologia da acção organizada (Crozier e
Friedberg, 1977; Friedberg, 1995). Parafraseando o Professor João Barroso, a autonomia
não se define pela existência de um determinado ordenamento jurídico. Se este último
pode ser importante com vista a uma maior dinâmica na autonomia das escolas, no
entanto a autonomia tem de partir da própria dinâmica da escola na construção da sua
identidade. Assim, a concepção de autonomia de escola tem de ter em conta a
diversidade, pois “a transferência para a escolas não deve ser uniforme e decidida
globalmente, mas deve ser adequada às diferentes situações existentes.” (Barroso, 1996C,
p. 19). Trata-se, pois, de uma mudança de percepção da escola como espaço de repetição,
para a noção da escola como lugar de produção e inovação (Canário, 1992

 Finalmente, importa dizer que, olhando para a experiência Portuguesa e a Brasileira, a


autonomia das escolas tem como uma das principais formas de realização,
respectivamente, o projecto educativo e o projecto político-pedagógico.

 Como diz Rui Moura, para o caso português, o Decreto lei 43/89, mais conhecido por
decreto da autonomia, refere que “a autonomia da escola concretiza-se na elaboração de

19
um projecto educativo próprio, constituído e executado de forma participada” (preâmbulo).
Desta forma, o projecto educativo tem um papel importante na concretização da autonomia
da escola. Convém referir que projecto educativo não é sinónimo de autonomia, mas sim
expressão da autonomia da escola (Madeira, 1995; Macedo, 1991).

 Referimos anteriormente que a autonomia da escola envolve a capacidade de se identificar


/ diferenciar face a outros sistemas, como também de se relacionar com eles. O projecto
educativo deve, por isso, levar a escola a ser capaz de se identificar e de se relacionar com
o meio em que está inserida. Segundo Tripa (1994) “para que o Projecto Educativo possa
responder às necessidades reais da escola, têm de se colocar as questões: onde estamos?;
quem somos?” (p. 62).

 Deste modo, o projecto educativo é a expressão da identidade da escola (Madeira, 1995;


Ferreira, 1995; Tripa, 1994). Ao possuir uma identidade própria e ao relacionar-se com o
meio envolvente, a escola tem de ser capaz responder aos problemas e desafios que advêm
dessa mesma relação:

 A produção de inovações a nível local, encarando-a como um processo colectivo de


aprendizagem, tem como referência o conceito de criatividade da escola, ou seja, a sua
capacidade de responder de forma original e dinâmica aos problemas simultaneamente
singulares e complexos que tem de enfrentar (Canário, 1992, p. 82)

 A ‘capacidade de responder de forma original’ tem de ter como base a inter-relação dos
diferentes intervenientes ou parceiros da comunidade escolar. Pinhal (1993), referindo-se à
ideia de Território Educativo, observa que o projecto educativo deve ser o produto da
20
negociação entre os diferentes interesses e formas de avaliar a realidade local. Assim, o
projecto educativo deve envolver um conjunto amplo de actores, contribuindo “para
identificar estas potencialidades e limites que se colocam à acção da escola e à intervenção
da comunidade educativa” (Madeira, 1995). Assim, a negociação entre os diversos
parceiros da comunidade educativa é crucial para que exista um “compromisso conjuntural
sobe os princípios que vão orientar a política da escola” (Macedo, 1991, p. 135).

Actividade de reflexão 3

1. Lendo vários dispositivos regulamentares, curriculares e normativas sobre a estruturação


política-administrava das escolas (ex: instruções ministeriais, Plano Curricular do Ensino
Básico e Secundário, Regulamento Geral das Escolas do Ensino Básico, etc), enumere os
aspectos para os quais se pede as escolas maior autonomia e promoção de participação
dos actores locais da escola (professores, alunos, membros de direcção das escolas,
comunidade, etc)

2. A partir dos aspectos apontados no número anterior reelabore/desenvolva o argumento


segundo o qual a “ Autonomia das escolas deve é apenas produto de um decreto ou de uma
política formalmente instituída ou é, sobretudo, uma construção dos seus actores”

3. A partir do texto de Martins (2002: 138), intitulado “ Autonomia e/ou descentralização? A


(ex)tensão do tema na agenda das políticas educacionais recentes” justifique a relevância da
necessidade do reforço da avaliação externa no contexto da adopção de políticas da educação
que concedam automonia as escolas e maior participação dos actores ao nível local

2.3. Globalização e os efeitos do neoliberalismo nas políticas educativas

 Considerando o desenvolvimento económico, social e político das nações, a educação, desde


o conhecimento elementar da ciência como também o aprendizado de regras e valores de
convivência social, constitui, ao lado da força de trabalho e dos meios de produção, o
elemento principal na satisfação das demandas das classes sociais que integram a sociedade;

21
 A educação, desde o nível básico até ao superior, tem sido apontada como um dos principais
factores da diferença resultante da inserção das classes sociais no sistema produtivo e do seu
poder político derivado;

 Este é um aspecto que singulariza a política educacional em relação a outras políticas


públicas. Nos países em que, independentemente de qual seja o regime de acumulação
vigente, o Estado intervém buscando orientar seu desenvolvimento, a educação assume o
papel de princípal política pública para a emancipação social;

 Nesta perspectiva, a política educacional assume uma importância estratégica, pois sua
implementação está inevitavelmente vinculada ao projecto de desenvolvimento que as classes
sociais propõem `a sociedade, tal como se pode depreender pelo ideário da globalização e o
efeito do neoliberalismo nas políticas educativas;

 A Globalização, no dizer de Camini et al (2001: 16) não descreve apenas o fenómeno


específico de expansão do capital. Politicamente, esta expressão designa o avanço e o
predomínio da ideologia neoliberal caracterizada pelo destruição do Estado do bem-estar
social, desregulamentação dos mercados, privatização das empresas estatais, flexibilização
das relações de trabalho e a destruição de direitos elementares dos trabalhadores;

 A principal caracteristica do processo de globalização é a desregulamentação das legislações


nacionais visando o livre fluxo de mercadorias, serviços e moedas, permitindo maior
flexibilidade aos investidores privados;

 O conjunto de idéias que orientam essas mudanças se traduzem no neoliberalismo: o


individualismo, a supremacia do mercado, a abertura comercial e financeira e a visão de que
o Estado deve se retirar do plano de desenvolvimento das nações;

 Assim, surge a necessidade de diminuir presença do Estado na sociedade através da


privatização dos serviços públicos e da restrição dos direitos sociais. Segundo Benjamin (in:
Camini et al, ibid: 17): junto com a globalização do grande capital, ocorre a fragmentação do
mundo do trabalho, a exclusão de grupos humanos, o abandono de continentes e regiões, a
concentração da riqueza em certas empresas e países, a fragmentação da maioria dos
Estados”
22
 Neste cenário, os grandes grupos financeiros tendem a impor suas políticas à maioria dos
países do mundo, dificultando a autonomia das políticas nacionais;

 No contexto que se apresenta, a lógica empresarial se impõe à política. Esse clima levou ao
surgimento da Organização Mundial do Comércio – OMC, que prega como política o livre
comércio internacional e a livre concorrência entre os mercados;

 O Estado neoliberal identifica-se nas práticas de segregação e de produção de desigualdades


reais porque não põe em risco os interesses e a liberdade individual. A solução económica
justa é: mais mercado e menos Estado.

 Ao recuperar os pressupostos da teoria do capital humano – que demonstra a existência de


uma relação estreita entre educação e crescimento económico - , as práticas neoliberais
perspectivam a educação como sendo um dos pilares fundamentais do edifício económico,
sobretudo se fôr entendida como mercadoria, produto, bem de consumo e não propriamente
como serviço público. Mesmo que seja salvaguardada esta última dimensão, o neoliberalismo
faz da educação um serviço, cuja eficiência e produtividade de resultados é directamente
proporcional à intervenção dos grupos de mercado;

 Contudo, Pacheco (2000: 10) considera que a educação é, acima de tudo,um serviço que
envolve finalidades, processos e resultados e que não pode ser totalmente justificado a partir
da variável que mais interessa à lógica de mercado.

 Ou seja, pela especificidade e natureza do acto pedagógico, sobretudo nos níveis de


escolaridade com uma forte incidência na função social da escola, as regras de mercado,
norteadas pela lógica comercial de compra e venda de um produto, não se aplicam
directamente `a educação;

 Porém, a educação é, hoje em dia, fortemente intersectada pelos ideais e práticas neoliberais.
Tais realidades, material e mental – existentes, quer nas práticas de privatização, de
descentralização, quer nas ideias que são veiculadas pelos meios de comunicação social - ,
dão forma a um ideário educacional, cujo referente principal deve ser identificado como a
ideologia de mercado, isto é, uma ideologia que nos faz crer que a educação é um negócio

23
que será mais bem administrado e produzirá excelência escolar se for regulado pelos
interesses dos grupos sociais que controlam o mercado;

 O mercado como alternativa `a política de educação é legitimado pela vaga de termos que, no
quotidiano, são utilizados nos textos de orientação das políticas educativas e curriculares:
qualidade, flexibilidade, participação, autonomia, descentralização, devolução, etc;

 A máxima “ mais mercado e menos Estado” não se aplica totalmente `a educação. Daí que
um dos aspectos mais contraditórios do pensamento educacional seja o da conjugação do
lema mais mercado, representado pelo neoliberalismo, com a ideia de mais Estado,
defendida pelos neoconservadores, ou por aqueles que pugnam pela conservação, por
intermédio da escola, dos símbolos tradicionais;

 Esta contradição pela existência, ora de um Estado mínimo, na regulação do mercado, ora de
um Estado máximo na definição e avaliação dos conteúdos curriculares, justifica a defesa de
ideias e práticas educativas que privilegiam mais os resultados do que os processos de
aprendizagem. Poder-se-ia dizer de outra forma: os propósitos são definidos e controlados
pelo que é público e os resultados são entregues aos interesses dos grupos de mercado;

 Assim, a educação torna-se num propósito bem definido que a aliança, aparentemente
contraditória, formada por neoliberais e neoconservadores, transforma quer num mero
serviço e produto sujeito `as mais elementares regras de mercado, quer num símbolo que
agrega valores e define standards nacionais em termos de escolarização do saber;

 A conciliação de interesses tão divergentes, para além de permitir que a escola seja pensada a
partir de críticas que a colocam na crescente maré da mediocridade dos resultados da
aprendizagem, possibilita a formação de um quadro global de gestão da educação basedo na
centralização do Estado, isto é, a conjugação de propósitos de estandartização do que se deve
aprender no contexto das escolas com processos de decisão mais próximos dos contextos
locais que são orientados pela filosofia da descentralização;

 Com o objectivo de promover e reforçar a formação de identidades nacionais que


ultrapassem os contextos particulares, a escola tornou-se num instrumento por excelência do
Estado centralizador;
24
 Esta constatação aplica-se `a educação como um serviço público, principalmente depois de a
escolaridade ter sido declarada, em teoria, obrigatória e gratuíta, e `a educação como um
serviço privado que é regulado pelas políticas de mercado. E como estas políticas se baseam
na escolha e na diferenciação dos processos de gestão há que responsabilizar a escola pelo
sucesso dos resultados, dentro da máxima “ melhores resultados com menos despesas e
meios”, mediante a devolução de competências de decisão;

 Nesta perspectiva, enaltecem-se os princípios da autonomia institucional centrada numa nova


cultura, marcada pelo espírito da empresa, que impõe compromissos para com os resultados e
clarifica as regras e gestão baseada no contexto. Quer dizer, passa-se da escola un uniforme e
central, cujo poder de decisão se reconhece a partir dos passos normativos e simbólicos dos
educratas, para a escola local. Beyer e Liston ( 1996; in: Pacheco, ibid: 12: 10) vêem do
seguinte modo o poder dos educratas: “ hoje em dia as escolas transformaram-se em
máquinas burocráticas tiránicas que ignoram os seus consumidores (isto é, os alunos) e
acabam servindo os educratas (administradores burocráticos da educação) que as dirigem;

 No contexto escolar, o neoliberalismo opera nos espaços de conflito da escolaridade,


explorando o que está mal e o que poderá ser bom e fazendo crer que pode criar as melhores
condições para o sucesso dos alunos;

 Uma das ideias fortes deste pensamento é a de que, sendo o sector público o respons’avel
pela crise da economia e pela ineficiência da sociedade, o privado é a solução adequada para
a qualidade, eficiência e competitividade da educação;

 Mas como o mercado funciona na base da desregulação e da reafirmação do primado da


liberdade económica sobre a liberdade individual, reconhecendo-se que o Estado apenas deve
introduzir as regras de competitividade, os referentes simbólicos tornam-se na face visível
desta contradição: necessidade de conciliar menos Estado económico com mais Estado
educacional;

 É evidente que o pilar desse referente simbólico é o currículo que, para além de fazer parte
do processo de construção da identidade colectiva, é o instrumento adequado de regulação
não só para a formulação dos objectivos de aprendizagem, que se encontram nas diversas
25
formas se selecção e organização do conhecimento oficial, bem como para o estabelecimento
de critérios de controlo dos alunos e professores;

 Nesta dupla lógica de descentralização da gestão da escola e da centralização do controlo


pedagógico, a avaliação – sempre entendida como uma das facetas do processo de
desenvolvimento do currículo – desempenha um papel crucial, principalmente uma avaliação
centrada numa perspectiva tayloriana de gestão e verificação de resultados;

 A avaliação da qualidade passa a ser, assim, o discurso dominante que tanto serve para
legitimar a intervenção do Estado no processo de regulação do sistema, como é utilizado para
responsabilizar as escolas, professores, alunos e os pais pelos resultados obtidos;

 Consequentemente, a avaliação rigorosa, sistemática, aferida (com finalidade de medir a


prossecução dos objectivos curriculares) é arquitectada dentro de parâmetros nacionais que
são facilmente controlados pela administração do Estado e pela gestão privada das escolas;

 Outrossim, o mérito é o critério máximo dessa avaliação e se, entretanto, a erosão da


mediocridade persistir, é porque os parâmetros nacionais não são correctamente definidos e
avaliados, ou os pais se alheiam da escola, ou os professores são incompetentes, ou os
allunos são irresponsáveis;

 Concluindo, Pacheco (ibid: 14) diz que como a educação não é propriamente um produto
sujeito `a regras de oferta e procura do mercado, pois trata-se de um serviço orientado para a
cidadania – nunca a do consumo - , o neoliberalismo reconhece-se nas políticas de “ quase-
mercado”, assim descritas:

 Associação da autonomia da escola `a escolha parental. A crescente influência dos pais no


processo educativo faz-se num quadro de consumo, podendo eles escolhar quer as escolas
privadas e/ou públicas, quer as escolas charters dotadas de uma ampla autonomia mas não de
resultados e objectivos. O “ quase-mercado” é constituido num contexto de autonomia e
responsabilização através de referentes de accountability, isto é, de prestação de contas;

 Nos novos mapas de poderes em educação, a legitimação do currículo nacional faz-se na


base da fragilização do poder dos professores e na transformação dos pais em decisores
26
activos. Os decisores activos têm propósitos bem definidos e muitos pais jamais os clarificam
perante a escola, pois cultural e socialmente muitas razões os afastam da escola. Se, por
acaso, assumissem por inteiro a responsabilidade da decisão activa, poder-nos-íamos
interrogar: quem são os consumidores: os pais ou os alunos?; a escola é melhor gerida se for
escolhida e controlada pelos pais?

 Do ideário neoliberal constam o carácter, a educação moral e os valores tradicionais;

 O neoliberalismo educacional faz da competitividade um acto de fé. Porque o mérito é o


critério do sucesso, os alunos e os pais só podem conquistar a gratificação social se forem
competitivos nos processos de escolha, na responsabilização para com os resultados e na
emulação pedagógica. Dentro de uma tradição liberal clássica, o neoliberalismo faz a
apologia da ontologia do sujeito nos aspectos que mais o caracterizam como um competidor.
Assim, numa rede alargada de ética competitiva, o aluno aceita as regras da meritocracia e
vincula o seu processo biográfico aos resultados escolares. E se a competitividade escolar é
légitima pela competetividade económica, o sucesso de uns é o insucesso dos outros;

 O triângulo Estado-escola-pais é explicado pelo neoliberalismo através de uma palavra


simples mas eficaz: a diversidade na gestão. Partindo-se do princípio de que a igualdade e a
democratização da educação são contrárias `a liberdade de mercado, aceita-se que a escola
não é o local de correcção de desigualdades. De modo a garantir os diferentes processos de
construção dos percursos escolares, sem que isso coloque em causa os referentes da
qualidade do sistema, é concebida a autonomia `a escola com a condição de que esta seja
regulada e contratualizada pela administração;

 A pluralidade ideológica, a igualdade e a escolaridade obrigatória não são as características


da escola neoliberal mas sim as da escola pública. A lógica de privatização dos resultados de
aprendizagem equipara a escola a um supermercado de conhecimentos, amplamente auto-
regulada pela educação voucher, ou seja, educação norteada pelas políticas de privatização,
feitas em nome da escola, bem como a competitividade entre as escolas. É por isso que o
ranking das escolas é publicitado, os resultados da avaliação criterial são utilizados como
indicadores da qualidade do sistema, o modelo de boas práticas é incentivado, os professores

27
são enquadrados profissionalmente em termos de medição de resultados e o sucesso é
perspectivado em função de parâmetros de custos-resultados. Aqui o profissional, legitimado
pela retórica da autonomia, é comparado ao manager, o elemento eficiente de uma
organização controlada pelos resultados.

Actividade de reflexão 4

1. Descreva/explique os sinais reveladores da manifestação da influência do neoliberalismo


nas políticas educativas em Moçambique

2. Aponte, justificando, o que considera serem os “ganhos/vantagens” e as


“destorções/limitações/devantagens” que o neoliberalismo está ou poderá estar a criar
dentro do sistema de educação em Moçambique

2.4 A emergência de políticas sectoriais integradas

 As políticas publicas, em educação, podem ser feitas como parte de políticas globais de um
certo Estado ou Governo, figurando-se deste modo como sectoriais por se referirem a um
sector específico da actividade humana, na qual se pretendem obter determinados outputs;

 Podemos igualmente considerar que existem verdadeiras políticas globais do sistema


educativo, tal como as que se increvem em reformas que visam: i) permitir uma
escolarização primária universal; ii) garantir a qualidade da educação; iii) garantir a
existência de um largo sector de formação adequado à necessidade de inserção de jovens
sobre o mercado de trabalho; iv) desenvolver a utilização des TICs, etc

 A tomada em conta do contexto nacional é essencial para as estratégias sectoriais que


compõem a reforma, pois que este estabelece as limitações em termos de possibilidades. As
necessidades da economia dependem, de facto, da sua estrutura, e particularmente da
importância relativa dos sectores tradicionais e modernos. Devido a esta necessidade de se
ter em conta ao contexto nacional, as políticas sectoriais dos professores pós-primários, por

28
exemplo, devem assim definir e integrar uma regulação eficiente e equitável aos fluxos nas
diferentes fileiras e niveis de formação;

 Na sua perspectiva, as estratégias sectoriais da educação devem também se inscrever no


conceito e no objectivo estratégico de desenvolvimento durável. Esta estratégia é uma
concepção de educação que se esforça de conciliar o desenvolvimento económico e
tradições locais, respectando os recursos naturais do planeta, metendo o acento sobre os
aspectos da aprendizagem que estimulam a transição em direcção a durabilidade;

 De igual modo, é possível aumentar a quantidade de escolarização, sem sacrificar a


qualidade. Ou seja, perante a questão sobre se pode ser satisfatória, nas políticas da
educação, uma escolarização primária universal que negligencia a questão de qualidade
da aprendizagem, a resposta é claramente negativa. Se as crianças vão a escola, é para nela
assimilarem conhecimentos e desenvolverem competências, definidas pela sociedade, e que
lhes serão úteis na sua vida adulta e lhes permitirão contribuir no desenvolvimento dos seus
países. Os objectivos quantitativos e qualitativos vão, portanto, claramente juntos na busca
de uma escolarização primária universal;

 Deste modo, no contexto de integração das políticas sectoriais da educação, podemos nos
referir aos seguintes casos:

 Repensar o ensino básico dentro de uma opção estratégica de longo termo: a


implementação progressiva do ensino básico, associando o ensino primário e o primeiro
ciclo do secundário é uma opção estratégica chave, directamente ligada as novas políticas
educativas sctoriais de estruturação, `a longo termo, do ensino pós-primário;

 Ambições para o ensino e formação técnica e profissional: a reforma do Ensino Técnico


Profissional (ETP) deve conciliar objectivos de longo termo com uma estratégia de curto
térmo sobre os dispositivos de formação. A curto termo, importa conceber uma estratégia
de melhoria ou de implementação de dispositivos alternativos, atractivos e pertinentes,
participando de uma maneira perfomante , sobre um largo público, na inserção dos
indivíduos saidos do primário e ao tratamento eficaz da exclusão social. A longo termo, na
perspectivo de uma educação de base incluindo o primeiro ciclo do secundário; é ao
29
término desta educação de base que deverão tomar lugar dispositivos que facilitam a
inserção directa ao mundo de trabalho, sem excluir a continuação de estudos num ETP
mais específico;

 Definição de uma política ambiciosa de ensino secundário geral claramente articulada


com o ensino superior de qualidade: Se o primeiro ciclo do secundário é associado ao
primário para constituir progressivamente a base do ensino de base, cuja cobertura seria
universal, `a curto termo, uma regulação dos fluxos de entrada parece incontornável

 Regulação dos fluxos de acesso. Finciamento da educação e equidade, através de : i)


regulação dos fluxos de acesso e participação das famílias no financiamento do ensino pós-
primário; ii) financiamento privado da educação e equidade;

 Adoptar instrumentos de gestão e de orientação da oferta de formação e de quadros


de diálogo e de intervenção adequados: a definição e implementação de verdadeiras
políticas sectoriais supõem, senão uma redifinição, ao menos uma extensão dos
instrumentos de diagnóstico e de avaliação do funcionamento do sistema educativo e do
mercado de trabalho. Elas reclamam uma avaliação concomitante e um reforço de
estruturas em que se inscreve o dialógo sectorial ao nível nacional e regional, mas também
quadros de intervenção em que se desenvolve o diálogo Estado-financiadores e se
concretizam os apoios externos ao sistema educativo. Então, concretamente isso significa:

afinar o diagnóstico sectorial;

melhor orientar a oferta de formação implementando mecanismos de supervisão regular


do mercado de emprego e as necessidadess de formação;

promoção e enriquecimento do dialógo sectorial (ex: para obtenção do consenso nacional


sobre a promoção do ensino primário universal, da cooperação internacional e dos demais
sectores nacionais, incluindo do próprio sistema educativo “formação de professores,
ensino primáro e outros da estrutura educacional, recursos humanos, gestão do sistema,
pesquisa educacional, etc);

melhorar a coordenação do ETP.


30
Actividade de reflexão 5

1. Pense em um problema do sector da educação em Moçambique e, com base nele,


demostre a ideia segundo a qual para resolver este problema dever-se-á recorrer a
políticas [Obs: para mais elementos de análise, pode ler o artigo de Nelson Pretto,
intitulado “Políticas Públicas Educacionais no mundo contemporrâneo”:

a. Integradas ao nível do Estado/Governo

b. Sectoriais (da educação) integradas

2. No mundo contemporrâneo, para além das tendências e pespectivas em políticas da


educação que enfatizamos acima, outras ainda merecem destaque, como é o caso: i)
Garantia do acesso/direito universal a educação; ii) melhoria da qualidade da educação;
iii) desenvolvimento do ensino através de ciclos de aprendizagem; iv) transversabilidade,
transdiciplinaridade e interculturalismo; v) atendimento à diversidade/heterogeneidade;
vi) aposta sobre a componente de profissionalização, etc.

a. Baseando-se em tratados/convênios ou acordos regionais, internacionais e/ou


multilaterais, bem como da bibliografia diversa, clarique os resultados/outputs que
pretendem as políticas educativas com este tipo de tendência;

b. Faça um levantamento, nos documentos que tratam sobre as políticas da educação em


Moçambique , de evidências da adopção pelo Governo destas tendências globais nas
políticas contemporrâneas da educação.

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