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A Conciliação no Processo do Trabalho:


Diálogos com a Psicologia

INTRODUÇÃO

A
SILVANA SOUZA NETTO
MANDALOZZO. conciliação1 é um dos princípios que regem o processo do
trabalho. A redação original do artigo 114 da Constituição da
Mestre e Doutora em Direito pela República, ao tratar sobre a competência da Justiça do Trabalho,
Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Professora Associada do aludia que a esta competia “conciliar e julgar”. Com o advento da Emenda
Departamento de Direito das Constitucional 45/2004 a expressão foi suprimida, mas esta omissão
Relações Sociais e do Mestrado não desnaturou o princípio em comento, já que ele continua a existir
em Ciências Sociais Aplicadas infraconstitucionalmente e não é incompatível com a nova redação
da Universidade Estadual de
(BEZERRA LEITE, 2010).
Ponta Grossa-PR (UEPG). Juíza do
Trabalho.
A importância da conciliação é visível na em termos numéricos,
segundo dados extraídos do Tribunal Superior do Trabalho (TST). No ano
DIRCEIA MOREIRA. de 2010, o percentual de conciliação no país foi de 43,4% 2. O percentual
é elevado, e em termos de procedimento, o acerto entre as partes, ainda
Mestre e Doutora em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica que amparado pela autoridade do Poder Judiciário, é o melhor caminho
de São Paulo (PUC-SP). Professora a ser trilhado, caso haja esta possibilidade de solução, tendo em vista a
Adjunta do Departamento de celeridade que lhe acompanha na resolução de conflitos trabalhistas.
Direito do Estado e do Mestrado
em Ciências Sociais Aplicadas da
Universidade Estadual de Ponta Para fins de localização no decorrer do texto, o artigo contempla,
Grossa-PR (UEPG) inicialmente, os aspectos jurídicos envolvidos na conciliação, com a
apresentação de sua regulamentação legal e situando-a no contexto
da atuação do magistrado na Vara trabalhista. Em seguida, trata
das contribuições da Psicologia durante o processo de conciliação,
GLAUCIA MAYARA
NIEDERMEYER ORTH. apresentando algumas técnicas que podem vir a colaborar na comunicação
que se estabelece durante as tentativas de conciliação. O texto em questão
Graduada em Psicologia pela é produto de um estudo bibliográfico, que buscou aliar sob um mesmo
Universidade Estadual do Centro-
assunto (conciliação), as contribuições de duas áreas distintas: Direito e
Oeste – PR (UNICENTRO).
Mestranda em Ciências Sociais Psicologia.
Aplicadas na Universidade
Estadual de Ponta Grossa-PR 1 A conciliação a ser tratada é aquela que “vem do latim conciliare, de acerto dos
(UEPG). ânimos em choque”, segundo MARTINS (2010, p. 310).
2 Disponível em: < http://www.tst.jus.br/documents/10157/73639/Relat%C3%B3rio+
Anal%C3%ADtico+da+Justi%C3%A7a+do+Trabalho>. Acesso em: 4 mai. 2012.

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A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) se refere aos termos
“acordo” e “conciliação” como sinônimos da expressão “transação” (TEIXEIRA
FILHO, 2009). Logo, tanto um como outro termo, serão utilizados, para se
referir à mesma finalidade.

IMPORTÂNCIA JURÍDICA DA CONCILIAÇÃO

Quando os envolvidos numa relação de trabalho (via de regra,


empregado e empregador), possuem divergência de interesses, e este
impasse não tem solução somente com a presença dos dois envolvidos,
surge uma demanda. Esta, de uma forma ou outra merece ser solucionada.

Até mesmo em fase pré-judicial, é possível que empregado e


empregador cheguem a transacionar. A transação pode ocorrer perante
a Comissão de Conciliação Prévia (CCP), cujo procedimento está definido
nos artigos 625-A a 625-G, da CLT. As comissões são colegiadas, formadas
de modo paritário, com representantes da classe profissional e da classe
econômica. A finalidade é “tentar conciliar os conflitos individuais de
trabalho”, como se verifica pelo caput do primeiro artigo citado.

Os conciliadores tentarão o acerto entre as partes, e se isto se


efetivar, será lavrado um termo, possuindo validade como título executivo
extrajudicial, como disposto no artigo 625-E, da CLT.

Tecnicamente, a figura do conciliador se traduz num terceiro,


que se aproxima das partes, e nem chega a fazer propostas ou mediação
(MARTINS, 2010). Mas, nada obsta que estes conciliadores, atuantes na
CCP, cheguem a propor alternativas de solução da demanda às partes.

Não é objeto desta análise a obrigatoriedade ou não da passagem


da demanda perante a CCP, mas o fato é que a tentativa de conciliação
antes do ajuizamento da ação, ganhou amparo legal com a inserção dos
dispositivos legais citados pela Lei 9.958/2000.

Isto demonstrou a preocupação do legislador com a tentativa


de conciliação, traçando um novo perfil de solução de divergência de
interesses. Esses conciliadores podem ou não ser preparados para a
tarefa, por meio da realização de treinamentos. Algumas CCP’s, logo após
a criação, se utilizaram dos Juízes Classistas que antes auxiliavam nas
tentativas conciliatórias perante a Justiça do Trabalho.

Caso exista a conciliação, isto se reflete no número de ações


ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, mormente em se tratando da fase

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de conhecimento. Um acordo celebrado perante a CCP é uma ação a menos
entregue ao Poder Judiciário para solução. Evidente que o descumprimento
deste acordo, em fase pré-judicial, acaba sendo executado na Justiça do
Trabalho, mas o procedimento de execução é diferenciado, sendo a fase
anterior abreviada, tornando o andamento mais célere.

Porém, talvez até por razões culturais, esta conciliação perante a


CCP, pode se traduzir na via não escolhida pelas partes envolvidas. Cita-se
o “juízo crítico” elaborado por GIGLIO e CORRÊA:

Não vislumbramos boas possibilidades de sucesso


na atuação prática das Comissões de Conciliação
Prévia, por várias razões. Em primeiro lugar, o
termo de conciliação não oferece a segurança
liberatória almejada pelo empregador... Os
precedentes indicam que o empregador, em vez de
aceitar acordo extrajudicial, preferirá a garantia
da coisa julgada outorgada aos acordos feitos em
processos judiciais, que impedem a reabertura
da discussão em torno da validade da quitação...
Em suma: a conciliação prévia extrajudicial
proporcionada pelas comissões apresenta
desvantagem para empregados e empregadores,
e nenhuma vantagem diante da conciliação feita
em processo perante a Justiça do Trabalho, que
seria a única beneficiária de um eventual mais
improvável sucesso da Lei n. 9.958, pela diminuição
de processos. (GIGLIO, CORRÊA, 2007, p. 217-218).

Partindo desta crítica especializada, tem-se que as partes em


conflito sentem-se mais seguras, até mesmo no sentido sociológico da
questão, para tentar celebrar acordo perante uma autoridade integrante
do Poder Judiciário.

No processo do trabalho, ou seja, sob o viés judicial, a tentativa de


conciliação é de primordial importância, tanto que, no processo coletivo
do trabalho, há mandamento constitucional prevendo a negociação
prévia, como se verifica pelos §§ 1º e 2º do artigo 114 da Constituição da
República. O magistrado tem a possibilidade de destacar um dos servidores
para auxílio nesta tarefa, tentando aproximar as partes, até mesmo antes
do ingresso na sala de audiência.

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Já no processo individual do trabalho, toda demanda, em fase
de conhecimento, deve ser submetida a duas tentativas de conciliação,
determinadas legalmente. O primeiro momento, disposto no artigo 846 da
CLT, dispõe que “aberta a audiência, o juiz proporá a conciliação”, prevendo
nos parágrafos subsequentes a forma a ser utilizada, caso a tentativa reste
positiva. O segundo momento, disposto no artigo 850 do mesmo diploma
legal, determina que, após concedida a oportunidade para as partes
aduzirem razões finais, “o juiz renovará a proposta de conciliação”.

Na prática, o magistrado questiona as partes se desejam ou não


celebrar acordo, e formalmente, estas duas tentativas mencionadas,
devem constar expressamente na(s) ata(s) de audiência.

O artigo 764, § 1º, da CLT, expõe que os magistrados “empregarão


sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução
conciliatória dos conflitos”. Já o artigo 852-E, do mesmo diploma legal,
dispõe que na audiência do procedimento sumaríssimo, o juiz esclarecerá
as partes sobre as vantagens da conciliação, usando a persuasão, em
qualquer momento da audiência.

Atualmente, muitos juízes procedem a tentativa conciliatória


mesmo fora dos dois momentos obrigatórios exigíveis legalmente, na
fase de conhecimento. Fazem-no na fase de execução, intimando as
partes para comparecimento em audiência com a finalidade específica
da tentativa mencionada, conseguindo êxito nesta forma de abordagem.
As partes, neste momento processual, já possuem valores definidos,
ficando com uma base de acordo mais concreta, ainda que a parte autora
tenha que abrir mão de determinada parcela que lhe é devida. A inserção
de processos em fase de execução para a tentativa conciliatória não é
obrigatória, mas se trata de medida extremamente salutar.

O magistrado deve empregar os “bons ofícios” e “persuasão” na


tentativa de conciliação. A lei não define o alcance destes termos.

Os “bons ofícios” inserem-se dentro de uma perspectiva subjetiva


daquele que está propondo a conciliação. Logo, o juiz que só questiona
as partes se há ou não a possibilidade de acordo, de certa forma, age
de acordo com a norma legal. Alguns magistrados, por alguns motivos,
exemplificando-se como maior propensão ao convencimento das partes,
despreocupação com o tempo a ser dispendido na tentativa de acordo,
maior paciência para ouvir e aconselhar, empregam seus esforços com
mais habilidade do que os demais. Mas estes critérios são extremamente
pessoais, logo, variam de uma pessoa para outra.

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Já a persuasão, originária do termo persuadir, tem os seguintes
sentidos (HOUAISS, p. 1.480):

1- levar (alguém ou a si mesmo) a acreditar, a aceitar ou a


decidir (sobre algo); convencer(-se)

2- convencer (alguém) da necessidade ou conveniência


de; mover, induzir

3- levar (alguém) a mudar de atitude

4- fazer (alguém) ter certeza a respeito de (algo)

5- conduzir a uma solução ou situação convincente,


satisfatória; satisfazer.

A persuasão leva o juiz a convencer as partes envolvidas na


demanda, a acreditar que o acordo é a melhor atitude a ser adotada.
Mas, para isso, o próprio juiz tem que possuir séria convicção neste fator.
Como as pautas de audiências possuem um grande número de processos
inseridos num mesmo dia pelo magistrado, pela cobrança de metas e
produtividade, gera uma ausência de tempo hábil para que o profissional
se dedique totalmente a esta tarefa.

Pode-se afirmar que todo juiz achará muito mais vantajosa a


celebração de acordo, pois além de abreviar o procedimento, a parte ré se
comprometeu a pagar determinado valor, aceitando a conciliação. Sendo
assim, a possibilidade de cumprimento voluntário desta obrigação torna-
se mais flagrante, comparando com o cumprimento da obrigação forçada
(através da penosa fase de execução).

Além disso, outro aspecto positivo é que o número de conciliações


realizadas pelo magistrado é um dos critérios analisados, dentre inúmeros
outros, para a promoção por merecimento, como se verifica na Resolução
106, de 06 de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
segundo o disposto no artigo 6º, II, “b”. Verifica-se ainda no parágrafo
único, a importância da conciliação para a promoção pelo critério aludido:

Na avaliação da produtividade deverá ser


considerada a média do número de sentenças e
audiências em comparação com a produtividade
média de juízes de unidades similares, utilizando-

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se, para tanto, dos institutos da mediana e do
desvio padrão oriundos da ciência da estatística,
privilegiando-se, em todos os casos, os magistrados
cujo índice de conciliação seja proporcionalmente
superior ao índice de sentenças proferidas dentro
da mesma média.

A Resolução 126, de 22 de fevereiro de 2011, prevê no artigo 5º,


o núcleo básico mínimo para a formação inicial de magistrados, dentre
as quais se inserem no item VII, as “Técnicas de Conciliação – apresenta
as mais modernas e eficazes formas de se obter a solução negociada das
demandas judiciais”.

Esta preocupação do CNJ demonstra a mudança de paradigma,


pois a tentativa de conciliação que obtenha êxito pode influenciar na
promoção por merecimento de um juiz.

Evidente que muitos magistrados não pensam em promoção por


merecimento ou não desejam este tipo de crescimento na carreira. Mas,
este fator não impede que envidem seus esforços para obter o acordo
entre as partes, já que este fator é mais salutar não só para a unidade
jurisdicional que atua, mas para toda a sociedade.

Através de uma noção contemporânea, o juiz deve ter uma


participação mais eficaz no processo, adotando atitudes que venham a
contribuir com a solução da lide. Uma destas atitudes, seria a questão de
olvidar todos os seus esforços para que as partes conciliem. Isto está aliado
à postura “pró-ativa” do juiz, cuja noção segue:

Como postura “pró-ativa” do juiz entende-se


uma participação efetiva do juiz na condução
do processo, usando seu poder diretivo (formal
e material) e suas faculdades instrutórias, sem
se afastar, é claro, da condição e garantia que as
partes têm de ter um Juiz imparcial. (SENA, 2007, p.
145).

A postura citada também foi esclarecida da seguinte forma:

Assim, o magistrado atualizado é aquele que adota


postura de inovação, de criação, de incremento da
velocidade, de atuação pró-ativa. É rompedor de
barreiras, aberto para aprendizagem, avaliação

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de desempenho e com comprometimento ético em
relação ao Estado e à sociedade. (SCHULZE, 2011).

Embora a pessoa do juiz não seja, isoladamente, a responsável


pela decisão das partes em conciliar, a sua postura contribui grandemente
para este processo. Neste sentido, é válido esclarecer que o magistrado ou
conciliador não deve subestimar a sua presença diante das partes, pois o
processo de conciliação inicia no justo momento em que o magistrado se
faz presente junto às mesmas. Isto porque, a postura que assume diante
delas influencia a forma como as partes irão se situar no contexto da
conversa 3.

Estar em uma situação da qual depende o destino de alguém,


e que a decisão neste momento não lhe cabe, é com certeza uma fonte
geradora de ansiedade. Nesse caso, é necessário que o conciliador não se
deixe envolver pela ansiedade que por vezes acomete as partes ou uma
delas. E, ao assumir um posicionamento distanciado destas emoções,
portando-se com tranquilidade e serenidade na situação, possibilita que
o restante seja contagiado pela tranquilidade com a qual o magistrado
lida na conciliação, o que propicia a criação de um ambiente favorável ao
diálogo. Ressalta-se que esta postura depende muito das contingências
que estão controlando o comportamento do juiz no momento, ou seja,
aquilo que é privilegiado pelo magistrado, se a rapidez na resolução da
sentença, possivelmente, devido a uma auto-cobrança por produtividade,
ou se a disposição por entender o lado de cada parte e assim, promovendo
o diálogo, facilitar a resolução pela conciliação. Caso opte pelo caminho
do diálogo, os apontamentos que seguem poderão contribuir para que o
conciliador facilite este processo.

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA PARA O PROCESSO DE CONCILIAÇÃO

Como apontado anteriormente, o processo de conciliação


inicia no momento em que o magistrado se junta às partes e, nesse
sentido, seus comportamentos verbais e não verbais apresentam efeitos
expressivos sobre a postura que cada parte irá assumir. Assim, se a
intenção do magistrado for buscar uma conciliação, é preciso que assuma
comportamentos condizentes com o resultado que espera. Nesse caso,
o primeiro ponto de maior relevância está no estabelecimento de um

3 Já é consenso na comunidade científica que, estando em uma situação de interação, o


comportamento adotado por uma pessoa influencia e ao mesmo tempo é influenciado por seu
interlocutor.

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bom rapport4 , ou seja, a capacidade do conciliador em criar um ambiente
de aceitação favorável à comunicação. No contexto da conciliação,
alguns fatores contribuem para o estabelecimento de um bom rapport -
quando se tem o estabelecimento das regras da comunicação e o efetivo
cumprimento das mesmas - , tais como:

• Juiz informar como funciona o processo de conciliação,


contribuindo para que as partes diminuam o receio diante da mesma, pelo
desconhecimento inicial;

• Orientar as partes à não se utilizarem de ataques ao outro, mas


que possuem liberdade para discordar das idéias do seu interlocutor
(ANDRADE, 1999);

• Esclarecer aos participantes que aquilo que é dito não será julgado
como falso ou verdadeiro, e ressaltar a importância da escuta do outro sem
a preocupação de buscar culpados (ANDRADE, 1999);

• Marcadores verbais e não-verbais: o uso dos marcadores “aham”,


“sim”, “estou entendendo”, balanços de cabeça, são estratégias que
encorajam a verbalização. O seu uso ou não uso pode funcionar como
“motor” ou “freio” para a expressão de cada um (ANDRADE, 1999), pois
demonstram, sobretudo, o interesse e preocupação do juiz com aquilo
que está sendo dito.

A forma de tratamento dispendida às partes, por vezes mais


formal, e por outras, informal, ou então, intercalada, é uma escolha que
depende do público. Há situações em que um tratamento mais formal
pode contribuir para tornar o contexto mais tenso, acabando por inibir
a conversação. Em outras, quando a audiência é encarada com maior
seriedade pelas partes, o contexto exige um tratamento mais formal.

Embora, na maior parte das vezes, o magistrado esteja habituado


a uma linguagem hermética, o esforço em torná-la simples é outro
ponto relevante quando se tem a intenção de favorecer a comunicação
e compreensão das partes. É preciso se certificar de que aquilo que o juiz
fala está sendo compreendido pelos interlocutores. Esta postura pode
contribuir para o aumento ou diminuição da ansiedade dos presentes,
uma vez que a não compreensão do que se diz “pode produzir um estado
de confusão interna que pode bloquear os mecanismos de pensamento

4 Palavra de origem francesa que significa “relação”. No contexto da psicologia é


utilizada para formar a aliança terapêutica com o cliente, facilitar a comunicação e criar um
clima de confiança mútua.

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da pessoa”, além de promover um afastamento da mesma do diálogo,
por se sentir incapaz ou em posição inferior de argumentar com a outra
parte ou com o magistrado (ANDRADE, 1999, p. 118). Portanto, clareza
e simplicidade na linguagem são atributos que favorecem um clima de
compreensão mútua 5.

Além disso, outras intervenções do magistrado podem favorecer a


diminuição de ansiedades e a promoção do diálogo durante a audiência.
Dentre elas, destaca-se a preocupação constante de informar as partes
acerca do que está ocorrendo, para que reconheçam o lugar que ocupam
na audiência, tendo em vista que estados ansiosos comprometem a
compreensão da pessoa. Levando isso em consideração, faz-se pertinente
ao magistrado a preocupação em repetir as informações em diferentes
momentos (ANDRADE, 1999).

Esta é uma questão de extrema importância no conjunto do


processo e que, com frequência, pode passar desapercebido ao conciliador,
pois reconhecer estes estados de não compreensão, ou mesmo de
ansiedade, requer, sobretudo, o uso da sensibilidade, que neste caso se
traduz na atenção dispendida às expressões não-verbais dos sujeitos. Estas
expressões não-verbais dizem respeito ao “tom, timbre, modulação da voz,
expressão facial, postura corporal, gestos, maneira de colocar as mãos,
(…) qualidade do olhar e do sorriso, e assim por diante” (MALDONADO;
CANELLA, 2003, p. 106). Maldonado e Canella (2003) apontam que nós
possuímos maior controle sobre aquilo que é dito (elementos verbais)
do que sobre a forma como determinada coisa é expressa, ou seja, os
elementos não-verbais. Isto porque, para dizer algo nós nos valemos de
um pensamento anterior, ao passo que a forma como isto será expresso
dependerá do nosso estado emocional, sobre o qual não exercemos
controle. Neste sentido, observar possíveis incoerências entre o que é dito
e o que é expressado (elementos não-verbais) fornece importantes pistas
para entender o que se passa com o outro. Ponto este que requer especial
atenção do magistrado, à medida que as decisões que ali são tomadas
trazem importantes consequências na vida daqueles que dependem de
uma sentença.

5 A importância da linguagem adequada está presente, por exemplo, nas solicitações que são
feitas acerca de questões jurídicas. É importante que os pontos de dúvida sejam esclarecidos
com a maior objetividade, clareza e simplicidade possíveis, para facilitar a compreensão do(s)
solicitante(s) (ANDRADE, 1999).

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Outra intervenção importante por parte do conciliador diz
respeito à ação de perguntar. As perguntas podem ser caracterizadas em
abertas e fechadas, e o seu emprego depende do momento e da finalidade
almejada. Questões abertas propiciam abertura para que os envolvidos
sintam liberdade para falar e geralmente são empregadas quando se
quer conhecer algo de modo mais aprofundado (exemplo: você poderia
me falar mais sobre isso? Qual é a sua opinião?). Já as questões fechadas
são melhores usadas para clarificar pontos específicos do diálogo que não
tenham ficado claros, ou então para retomar a atenção das partes para o
foco da audiência (exemplo: quando isso ocorreu?). Embora a realização
de perguntas seja uma intervenção interessante por permitir explorar
pontos importantes do conflito e até mesmo para que a parte possa
clarificar melhor os reais motivos envolvidos na situação, vale ressaltar
que este recurso não deve ser usado em demasia, tomando o cuidado
de não transpor a situação de audiência para uma atmosfera psicológica
(ANDRADE, 1999). Tendo isso esclarecido, atribuem-se às perguntas as
seguintes funcionalidades:

• Obter informações (ANDRADE, 1999);

• Confirmar o entendimento e o nível de interesse (ANDRADE, 1999);

• Levar as partes a refletir, questionando por exemplo como os


envolvidos acreditam que o problema poderia ser resolvido (ANDRADE,
1999);

• Trazer novamente o assunto para o centro da atenção, mantendo


o foco da conversa (ANDRADE, 1999);

• Buscar pontos de acordo, a fim de sondar a flexibilidade das partes,


bem como conhecer quais aspectos são mais valorizados, e por quem
(ANDRADE, 1999);

• Reduzir a tensão, ao perguntar, por exemplo, por que uma das


partes se posiciona de forma tão contrária a um ponto em questão, o
que exigirá da pessoa maiores esclarecimentos sobre sua posição, quais
aspectos ela não considera justo ou em que momento ela está sendo
lesada, a fim de que isto possa ser levado em consideração (ANDRADE,
1999).

A abertura à expressão verbal é um ponto importante no processo


de conciliação, pois é a partir do entendimento entre as partes que será
possível chegarem a um acordo. Além disso, é por meio da fala que as

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pessoas passam a compreender melhor suas próprias vivências e cognições
envolvidas com o conflito. Nesse processo, é importante que a parte que
se mostra mais ansiosa tenha abertura para falar primeiro, para que possa
amenizar seu estado emocional e melhor organizar suas ideias. Outro
ponto relevante a ser considerado diz respeito à ausência de julgamentos
por parte do conciliador, que deve colaborar para que as partes façam
o mesmo. Neste diálogo é preciso se certificar de que as partes estejam
prestando atenção no que a outra está falando. Ao perceber que isto
possa não estar ocorrendo, o conciliador deve reafirmar a importância da
escuta atenta, ou ainda, questionar a parte sobre o que a outra disse, com
detalhes (ANDRADE, 1999).
Desenvolver a confiança das partes entre si é, também, tarefa
essencial do conciliador, uma vez que, não acreditar no que o outro diz
impede o estabelecimento de qualquer acordo com o mesmo (KELLY,
1966 apud MOORE, 1998), pois dessa forma não existem garantias de que
a parte acordante irá cumprir com o que for resolvido. A construção deste
ambiente de confiança entre as partes pode ser favorecida por ações de
encorajamento, por parte do conciliador, nos seguintes aspectos:

• Haver coerência nas declarações proferidas pelas partes, que as


mesmas sejam claras e não contrariem o que já fora dito (MOORE, 1998);

• Mesmo não concordando com as preocupações da outra parte,


demonstrar compreensão com as mesmas (MOORE, 1998);

• Preocupar-se em ajudar os outros participantes na busca dos seus


objetivos, ao passo que não desconsidera os seus próprios (MOORE, 1998);
• Pedir ajuda (MOORE, 1998);

• Evitar discursos ameaçadores à outra parte, bem como, não


prometer coisas que não terá capacidade de cumprir (MOORE, 1998).

No que se refere à postura do magistrado em relação à confiança


e comunicação, Moore (1998) aponta, ainda, as intervenções que o
conciliador pode fazer no intuito de promover um clima emocional
positivo, quais sejam:

• Não permiter interrupções ou afrontas verbais;

• Motivar as partes para que se concentrem no problema e não uma


na outra, ou seja, que as partes possam assumir um posicionamento de
distanciamento em relação ao conflito, para que olhem para o fato e não
para os aspectos pessoais e emocionais do mesmo;

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• Transformar a linguagem emocionalmente carregada em uma
linguagem inteligível, desprovida de juízos de valor;

• Levantar alternativas e possibilidades de resolução/


encaminhamento, mas jamais tomar partido de um dos lados;

• Ser empático quando houver a expressão de sentimentos de uma


das partes, sem comprometer a imparcialidade de sua posição;

• Lembrar as partes sobre os acordos comportamentais que elas


estabeleceram;

• Intervir, quando necessário, a fim de evitar o aumento do conflito.

Além destas, o exercício da empatia6 deve ocorrer toda vez


que o conciliador perceber que não há numa das partes, ou nas duas, a
preocupação em considerar como a outra parte tem sido afetada pela
situação que os levou até ali. Isto pode ser feito de forma mais direta, quando
o conciliador indica os pontos levantados pela pessoa, para que a outra a
compreenda melhor, ou então, de forma indireta, quando o magistrado
diz, por exemplo, da importância de se colocar no lugar do outro e de levar
em consideração o que o outro está vivenciando (ANDRADE, 1999).

Outra técnica pertinente para facilitar a comunicação das partes


diz respeito à “reformulação e escuta ativa”. A primeira, também conhecida
por “parafrasear”, consiste em repetir com outros termos a idéia expressa
por um dos lados, a fim de torná-la mais clara (SILVARES; GONGORA, 1998).
Vale ressaltar que parafrasear é afirmar, e não perguntar. A segunda, por
sua vez, trata de reformular as palavras proferidas pela parte, situando
a emoção presente nas mesmas. A importância desta técnica está em
mostrar que as pessoas não precisam necessariamente concordar com o
que é dito pelo outro, entretanto, não devem prescindir de aceitar o que
o outro sente e vivencia (ANDRADE, 1999). A mudança de perspectiva,
igualmente, contribui para a compreensão do conflito a partir de outros
enfoques, ao propiciar um olhar mais amplo da realidade.

Por fim, Andrade (1999) aponta técnicas que se referem ao


fechamento do processo de conciliação, quais sejam:

• Resumir: refere-se ao resumo que o conciliador faz diante do que é


expresso pelas partes, a fim de mostrar que está compreendendo o que é

6 Capacidade de se colocar no lugar do outro, de se imaginar nas mesmas circunstâncias


em que o outro se encontra.

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dito. Pode ser usado quando entra em contato com uma fala muito prolixa
ou confusa, ou então quando se quer encaminhar os debates para um
acordo final;

• Silenciar: quando o conciliador permite que as partes pensem em


silêncio e, assim, decidam com tranquilidade;

• Direcionar as partes: quando o juiz propõe um possível


encaminhamento do conflito, mas deixa muito claro que esta é uma
decisão das partes, e que as mesmas têm liberdade para concordar ou não
com a proposta.

Tendo passado por todo este processo, cabe ainda, avaliar se o


acordo estabelecido pelas partes é viável de ser implementado e se as
mesmas estão comprometidas a realizá-lo, além de verificar se o acordo
estabelecido não fere aos direitos legais irrenunciáveis pertinentes a cada
parte. Tendo considerado estas ressalvas, a opção pela conciliação é uma
escolha proveitosa para a resolução de conflitos na seara trabalhista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O texto em questão buscou ressaltar a importância da tentativa de


conciliação, inserindo-a dentro do espectro jurídico, mormente traçando
a obrigatoriedade desta busca pelo magistrado, ao menos em dois
momentos da fase de conhecimento de um processo trabalhista.

A busca da conciliação pelo juiz, que se coloca na posição de


autoridade condutora do processo trabalhista, possui uma grande
importância. As partes envolvidas, empregado e empregador, podem
estar tendentes a aceitar as opiniões do magistrado, e acabam transigindo.

Entretanto, também é possível que as partes possuam uma opinião


formada, no sentido de não realizar a transação e, se a convicção estiver
firme neste sentido, nem mesmo o juiz utilizando de seu profissionalismo
conseguirá o intento conciliatório perseguido. Mesmo neste caso, vale a
tentativa impulsionada pelo integrante do Poder Judiciário, até mesmo
pela obrigação legal que lhe pertine.
A fim de tentar contribuir para melhor desempenho e resolução
das tentativas de conciliação, o magistrado pode valer-se das técnicas ora
apresentadas, estas abordadas por um ramo da ciência não jurídica, ou
seja, da psicologia. Vale ressaltar, entretanto, que as técnicas de conciliação
apontadas neste espaço não tiveram por finalidade traduzir-se em um

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manual a ser seguido fielmente por conciliadores. São sugestões que
podem ser adotadas no processo de conciliação, quando o magistrado
julgar que o momento é pertinente ao seu uso, o que depende muito de
cada situação. É o contexto particular de cada conciliação que irá ditar a
forma como o conciliador irá proceder, e nestas poderá ou não se valer dos
recursos aqui apresentados.

REFERÊNCIAS

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Antonio Marcelo Rogoski; MACEDO JUNIOR, Francisco Luiz. Manual de
conciliação. Curitiba: Juruá, 1999, p. 103-146.

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I – Processo de conhecimento. São Paulo: LTr, 2009.

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