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A VOZ DO ENGANO: ESTRATÉGIAS VOCAIS DE MENTIROSOS INGÊNUOS E

HÁBEIS
Autores: Luigi Anolli e Rita Cicer (adaptado)

ABSTRACT: O objetivo desta pesquisa foi analisar as principais pistas e estratégias vocais
utilizadas por um mentiroso. Pediu-se a 31 universitários do sexo masculino que tirassem dúvidas a um
especialista em direito sobre uma fotografia. Os sujeitos foram solicitados a descrever a imagem em três
condições experimentais: dizer a verdade (T) e mentir para um falante quando aquiescente (L1) e quando
suspeito (L2). Os enunciados foram então submetidos a uma análise acústica digitalizada para medir as
variáveis vocais não verbais. Variáveis verbais também foram analisadas (número de palavras, eloquência e
índice de disfluência). Os resultados mostraram que o engano provocou incremento na frequência normal,
maior número de pausas e palavras, e maiores índices de eloquência e fluência. A frequência normal
relacionada aos dois tipos de mentira — preparada e despreparada — identificou três classes de
mentirosos: “bons mentirosos”, “mentirosos tensos” (mais numerosos em L1) e “mentirosos
supercontrolados” (mais numerosos em L2). Argumenta-se que essas diferenças estão relacionadas à
complexa tarefa de mentir e à necessidade de controlar as próprias emoções durante o engano. O esforço
do mentiroso para controlar sua voz, no entanto, pode fazer com que seu tom seja excessivamente
controlado ou totalmente descontrolado (vazamento). Por fim, a pesquisa encaminha uma explanação sobre
as estratégias utilizadas pelo bom mentiroso e, em especial, trata da hipótese do autoengano.

Uma análise semântica da palavra "mentira" define este termo como um modo preciso de engano,
perpetrado ao "comunicar a alguém algo que se acredita ser falso". De fato, os componentes básicos de
uma mentira são: (Coleman & Kay, 1981)

 A falsidade do conteúdo do enunciado;


 A consciência de tal falsidade; e
 A intenção de enganar o receptor.

No entanto, o principal elemento constitutivo da mentira é “a intenção de mentir”, enquanto a


“falsificação dos fatos” constitui apenas a condição necessária para o seu cumprimento (Sweetser, 1987).
Em suas diversas formas, contar uma mentira, de acordo com o modelo Intention Hierarchy (Anolli, Balconi,
& Ciceri, 1994), é um ato interpessoal e deliberado ato de comunicação caracterizado por dois níveis de
intenção comunicativa:

 (1a) Intenção oculta: S (falante) pretende enganar H (ouvinte) por manipular a informação X;
 (2a) Intenção manifesta: S (falante) pretende comunicar X a H (ouvinte).

Isso implica que S (falante) tem duas atitudes coexistentes em relação a Searle's Sincerity Rule
(Regra da Sinceridade de Searle) (1979), segundo a qual S (falante) se compromete a acreditar na verdade
da proposição expressa. Assim, no segundo nível:

 (1b) Intenção oculta: S (falante) quebra a Regra da Sinceridade;


 (2b) Intenção manifesta: S (falante) quer que H (ouvinte) acredite que S (falante) respeitou a
Regra da Sinceridade.
Nesta perspectiva, a mentira torna-se uma atividade altamente exigente e articulada tarefa cognitiva
que requer controle preciso e constante sobre o conflito e discrepância mental entre as intenções ocultas e
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as manifestas. O mentiroso habilidoso deve, por um lado, ser capaz de manipular informações de forma que
pareça verdadeiro para o ouvinte e, por outro, deve controlar seu comportamento verbal para não revelar o
fato de que a Regra de Sinceridade é quebrada (McCornack, 1992; Reboul, 1994).
Essa complexidade cognitiva exige do mentiroso um alto grau de esforço intelectual, cujo
planejamento mental articulado pode ser realizado por meio de diferentes tipos de estratégias
comunicativas. No plano verbal, segundo alguns autores (Buller, Burgoon, Guerrero, Afifi, & Feldman, 1996),
essa manipulação da informação parece ser representada por enunciados caracterizados por reticências,
não imediatismo, retraimento (sobre a quantidade de informação), ambiguidade (Bavelas, Black, Chovin, &
Mullet, 1990), incerteza e vagueza, equívoco (sobre a franqueza das mensagens; Ebesu e Miller, 1994), e
dissociação (sobre a personalização da responsabilidade). Outros autores (Kuiken, 1981; Vrij, 1995)
apontaram estratégias baseadas em enunciados sintéticos e concisos.
Ao mesmo tempo, ao contar uma mentira, o sujeito tem que manter um controle sobre suas reações
emocionais. De fato, para nossos padrões culturais, a violação da Regra da Sinceridade – objeto de
reprovação e de sanção moral e legal – é acompanhada de excitação mais ou menos emocional ligada ao
medo de ser descoberto, à vergonha, à culpa e ao risco de perder a máscara. Quando um mentiroso
ingênuo ou um inexperiente não consegue lidar eficientemente com a mentira, os principais sinais de
vazamento são sinais não verbais, como aumento da dilatação da pupila (O'Hair, Cody, & McLoughlin,
1981), sinais frequentes (Ekman & Friesen, 1974) e piscar de olhos mais frequentemente (Ekman, Friesen,
O'Sullivan, & Scherer, 1980; Riggio e Friedman, 1983). Da mesma forma, a presença de uma pausa muito
longa ou muito frequente, ou o aparecimento de pausas preenchidas, ou então de inúmeras repetições,
erros de fala ou interrupções revelam a falta de preparo de S (falante) e sua fraqueza em lidar com suas
próprias reações emocionais (Cody, Marston, & Foster, 1984; DeTurck e Miller, 1985). Isso evidentemente
levanta as suspeitas de H (ouvinte) (Cody et al., 1984). Em contraste, Vrij (1995) observou que o esforço
exigente envolvido no enfrentamento da excitação emocional pode reduzir drasticamente os tipos de sinais
não verbais, como movimentos de braços, dedos, cabeça, tronco, pés e pernas. Também pode causar um
amolecimento do sorriso, do tom de voz e da direção do olhar, bem como uma queda nos erros de fala. Ele
explica isso como consequência do aumento do controle do mentiroso sobre suas declarações. A
capacidade de se controlar no ato de mentir parece fundamental tanto no nível cognitivo (o planejamento
estratégico da manipulação da informação) quanto no nível emocional (simulação e dissimulação da
excitação emocional). Tal habilidade permite ao S (falante), em nível interpessoal, elaborar estratégias cuja
escolha e funcionalidade se adequarão às diferentes atitudes do H (ouvinte) (Buller & Burgoon, 1994; Buller,
Burgoon, White, & Ebesu, 1994). De fato, uma coisa é mentir para um ouvinte complacente e passivo, e
outra é mentir para um ouvinte desconfiado e inquiridor (Ciceri, 1995; Anolli e Balconi, no prelo).
O objetivo desta pesquisa é indagar sobre o ato de mentir em diferentes condições relacionais,
analisando as variações nas estratégias e nas pistas de vazamento vocal transmitidas pelo mentiroso. A
escolha de focalizar os parâmetros vocais justifica-se por três motivos:
 O ato de mentir é eminentemente um ato vocal;
 É através da voz que o mentiroso hábil encena as estratégias mais eficazes de manipulação (Buller
et al., 1996) e o mentiroso ingênuo revela os sinais de vazamento mais flagrantes (Ekman, Friesen, &
Scherer, 1976); e
 Apesar de pesquisas anteriores, este é um domínio científico que ainda requer muita investigação.

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Um estudo pioneiro nesse campo é o de Ekman e colaboradores (1976). A partir da análise dos
enunciados, verificou-se que há um aumento significativo e variabilidade da frequência fundamental da voz
ao contar uma mentira em oposição à verdade. Essas são, de fato, características vocais comuns a
condições de estresse e medo (Zuckerman, DePaulo, & Rosenthal, 1981; Scherer, Feldstein, Bond, 1985;
Scherer, Wallbott, Tolkmitt, 1985). O fato de que na voz do mentiroso a frequência normal sobe já foi
confirmado (ver Streeter, Krauss, Celler, & Olson, 1977; Scherer, 1981; Ekman, 1985; Ekman, O'Sullivan,
Friesen, & Scherer, 1991) e Ekman chegou a levantar uma hipótese segundo a qual essa variação no tom
de voz poderia depender da emoção de medo sentida pelo mentiroso, ou do estado de tensão ligado a essa
experiência. Juntamente com essa interpretação, Scherer e colaboradores (1985) acreditam que a maior
frequência e o aumento da variabilidade também podem ser causados pela maior complexidade cognitiva
envolvida na transmissão de um falso enunciado com o objetivo de convencer o interlocutor.
Com o objetivo de investigar os parâmetros vocais não verbais na detecção de mentiras, Scherer
(1985) testou uma série de emissões deliberadamente verdadeiras e falsas com diferentes técnicas de
mascaramento (filtros eletrônicos, inversão de tom, fita tocada para trás, corte aleatório e reedição). A
intenção foi isolar os diversos parâmetros vocais. Essas frases mascaradas foram então examinadas por
uma amostra representativa de juízes que tiveram que decidir sobre seu nível de honestidade, juntamente
com outras características (agradabilidade e clareza). Os resultados revelaram que os examinadores
consideraram uma emissão falsa, principalmente quando perceberam nela uma alteração na qualidade
vocal do falante. Esses resultados reforçam a necessidade de explorar outras características vocais além do
nível e variação da frequência normal.
Em nossa opinião, os dados coletados a partir de pesquisas realizadas até agora têm certos limites.
Em primeiro lugar, parece que, focalizando apenas parâmetros únicos e isolados dos aspectos vocais,
pode-se chegar apenas a uma conclusão parcial e restrita desse fenômeno em questão. Em segundo lugar,
parece que até agora apenas as pistas vocais que detectam o "mentiroso ingênuo" foram descritas,
enquanto as estratégias vocais que tornam o "mentiroso capaz" crível parecem ter sido negligenciadas.
Além disso, a pesquisa vocal até agora ignorou a influência que a atitude de H (ouvinte) pode ter na escolha
de estratégias do mentiroso, em seu controle, em suas emoções e na complexa tarefa de mentir.
O objetivo principal desta pesquisa não é analisar parâmetros vocais únicos e isolados, mas sim
analisar uma configuração de perfis vocais referentes ao ato de mentir. Dessa forma, tanto os aspectos
informacionais (argumentação verbal e estrutura) quanto os traços vocais não verbais (a média e variações
da frequência normal, energia e tempo) dos falsos enunciados podem ser considerados. Baseada em mais
parâmetros, esta análise tem como objetivo descrever tanto as estratégias comunicativas do mentiroso hábil
quanto as pistas vocais do mentiroso ingênuo, de acordo com a mudança de atitudes assumida por H
(ouvinte).
Mais precisamente, as hipóteses da pesquisa são as seguintes:
(1). Quando H (ouvinte) é complacente;
 S (falante) é levado a exercer controle excessivo sobre sua produção vocal com diminuição do nível
e variação da frequência normal;
 S (falante) tende a utilizar maior número de palavras (aumento do índice de eloquência).
(2). Quando H (ouvinte) é o inquiridor,
 S (falante) tem que lidar com a excitação emocional, com um aumento subsequente no nível da
frequência normal;

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 S (falante) tende a interromper e repetir palavras com maior frequência (aumento do índice de
disfluência).
(3). Ao contar mentiras há mentirosos que são capazes de controlar sua produção vocal (não há
diferenças quando dizem a verdade e mentem; os chamados "bons mentirosos"), e mentirosos incapazes
de controlar sua produção vocal nas duas condições (diferenças aparecem nos parâmetros de frequência
normal; os chamados "maus mentirosos").
MÉTODO

PROCEDIMENTO:

O experimento consistiu em quatro fases que representam as quatro etapas que marcam a
experiência de contar uma mentira: a criação das condições motivadoras da mentira, a elaboração das
estratégias para comunicar a mentira, o relato real da mentira e a avaliação desse ato comunicativo.
Na primeira fase, o colaborador (C) do experimentador (E) telefonou para vários estudantes do
quarto ano de Direito da Universidade Estadual de Milão convidando-os a participar de um experimento em
psicologia do direito e, mais precisamente, sobre a influência que as habilidades oratórias e retóricas podem
ter na mudança da avaliação de imagens perceptivas pelo interlocutor. O colaborador destacou ainda que
para a ocasião estaria vindo um especialista em psicologia do direito da Vara da Infância e da Juventude e
que os alunos deveriam chegar pontualmente. Ele, no entanto, não deu nenhuma informação sobre as
tarefas e procedimentos do experimento.
Na segunda fase, antes do experimento propriamente dito, o sujeito (S) foi solicitado pelo
colaborador (C) a descrever uma foto em preto e branco de um homem com aparência pensativa e vestido
com um terno (imagem-estímulo). O quadro era intencionalmente ambíguo em relação à cor do cabelo
(castanho vs. preto) e à idade (jovem vs. meia idade). A imagem-estímulo foi, de fato, escolhida seguindo
dois critérios: seu conteúdo neutro em nível emocional e sua ambiguidade. A natureza ambígua do estímulo
é, na verdade, a condição que essencialmente permite que os sujeitos falsifiquem o conteúdo de seus
enunciados quando tanto o falante (S) quanto o interlocutor (E) sabem sobre o fato, evento ou objeto
falsificado (Bavelas et al., 1990). De fato, a validade intrínseca do estímulo para essas características (valor
emocional moderado e ambiguidade) foi verificada em pré-teste em uma amostra de 20 juízes, que em uma
escala de 1 a 10 atribuíram ao estímulo uma nota média de 9,24 para valor emocional e 9,17 para
ambiguidade.
O sujeito (S) recebeu o estímulo da imagem do colaborador (C) e foi solicitado a descrever, o mais
espontaneamente possível, a cor do cabelo e a idade do homem da foto escolhendo entre as alternativas
(cor do cabelo castanho vs. preto, e jovem vs. meia-idade). O colaborador (C) perguntou ao sujeito (S) se
ele tinha certeza de sua percepção (reforço de sua avaliação do quadro). Em seguida, cada sujeito (S),
utilizando seis cópias da mesma imagem-estímulo, foi solicitado a descrever a figura seis vezes ao
experimentador (E); quatro dos seis descrevendo sua percepção real da figura (em concordância com sua
percepção ingênua; condição verdadeira) e duas vezes descrevendo outra versão de sua percepção da
imagem (em discordância com sua percepção espontânea; condição de mentira). Nunca o colaborador (C)
usou o termo "mentira", nem disse ao sujeito (S) para mentir para o experimentador (E). Não seguimos o
paradigma de Ekman e colaboradores (1976) que convida o sujeito (S) a contar mentiras para outras
pessoas. O objetivo do sujeito (S) era mostrar sua capacidade retórica e oratória, levantando dúvidas e
incertezas na percepção do experimentador (E) sobre a imagem-estímulo. De fato, o suposto e aparente
(para S) propósito do experimento era estudar a capacidade do sujeito (S) de influenciar e modificar a
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percepção do experimentador (E) sobre o estímulo fornecido e, consequentemente, analisar as reações do
experimentador (E) aos enunciados contraditórios do sujeito (S). A justificativa para esta falsa história foi
induzir no sujeito (S) a intenção pessoal de contar mentiras para o experimentador (E).
Durante a explicação do experimento, o sujeito (S) foi instruído a descrever a idade e a cor do
cabelo do homem na foto usando as frases (frases padrão): "Eu posso ver um jovem com cabelo preto" ou
"Eu posso ver um homem de meia-idade com cabelo castanho" em suas quatro combinações possíveis. No
entanto, não foram dadas informações ao sujeito (S) sobre a ordem em que ele poderia optar por fornecer
os enunciados, nem informações sobre estratégias mentirosas a serem utilizadas. Por fim, o sujeito (S) teve
5 minutos para pensar as estratégias mais eficazes para influenciar o experimentador (E) e obter seu
objetivo. Durante esses 5 minutos, cada sujeito (S) decidiu e escolheu livremente a ordem em que alternar
as quatro descrições em concordância com a percepção ingênua (condição verdadeira) e as duas
descrições discordantes da percepção ingênua (condição de mentira). O colaborador (C) contou
secretamente a escolha do sujeito (S) antes da entrevista real.
Na terceira fase (o experimento real), O sujeito (S) e o experimentador (E) sentaram-se em uma
mesa de frente um para o outro, ambos em frente ao seu próprio microfone unidirecional de pé, cada um
conectado à sua própria trilha do gravador de bobina aberta (um Akay 630 G dx de quatro faixas). Foram
utilizadas fitas de alta velocidade (Maxwell 19cm/seg). Uma câmera foi colocada ao lado do sujeito (S) e
direcionada para o experimentado (E), já que o suposto objetivo do experimento era avaliar as reações do
experimentado (E). O sujeito (S) recebeu do experimentador (E) seis exemplares da mesma figura, uma
após a outra, e cada vez que era convidado a descrevê-la. O sujeito (S) seguiu a ordem que ele livremente
escolheu antes. A primeira afirmação falsa não provocou reação no experimentador (E): a atitude do
experimentador (E) em relação a isso foi, de fato, indiferente e complacente, preservando assim uma
excitação emocional moderada no sujeito (S). Com efeito, neste ponto da troca do experimentador (E) e do
sujeito (S) não parecia haver sinais que pudessem ameaçar a sensação de segurança e credibilidade do
sujeito (S). O sujeito (S) foi capaz de contar a mentira como ele tinha planejado com antecedência sem
qualquer obstáculo (experimentador sem suspeita; condição preparada; Mentira 1).
Em contraste, a segunda afirmação falsa, no entanto, fez com que o experimentador (E) duvidasse
repentinamente da declaração do sujeito (S) e levou às perguntas: "Você realmente tem certeza? O que
você pode realmente ver aqui?", convidando o sujeito (S) a repetir e justificar a descrição. Nesse caso, a
atitude indagadora, suspeita e desmascaradora do experimentado (E) – típica de quem deseja testar a
confiabilidade da declaração de um interlocutor – poderia provocar no sujeito (S) a ameaça de ser detectado
como mentiroso e uma intensificação de sua excitação emocional. No entanto, o sujeito (S) teve que
responder imediatamente às perguntas do experimentador (E), sem qualquer planejamento mental
(experimentador com suspeita; condição despreparada; Mentira 2).
Na quarta fase (pós-experimento), após a entrevista com o experimentador (E), solicitou-se ao
sujeito (S) o preenchimento de um questionário no qual, além de avaliar sua capacidade de influenciar o
experimentador (E), o sujeito (S) deveria avaliar seu grau de intenção de mentir, escolhendo de uma escala
de 0 a 5 (máximo). O sujeito (S) também relatou a ordem em que alternava livremente afirmações
verdadeiras e falsas.

SUJEITOS:

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O número original de sujeitos era de 35, todos do sexo masculino, com idade média de 24,4 anos
(estudantes do quarto ano de Direito da Universidade Estadual de Milão). No entanto, apenas 31 desses 35
sujeitos representam realmente a amostra na qual os resultados do experimento se baseiam. Quatro
sujeitos foram considerados inutilizáveis por declararem não ter tido intenção de mentir durante o
experimento. Assim, uma vez que – como foi sublinhado na primeira parte deste artigo – a intenção de
mentir constitui o principal elemento do engano, as gravações desses sujeitos que não tinham intenção de
mentir não puderam ser levadas em conta para a pesquisa.

FRASES PADRÃO:

Como já mencionado, as frases padrão que o colaborador (C) sugeriu que o sujeito (S) deveria usar
ao descrever o estímulo foram as seguintes: "Eu posso ver um jovem com cabelos pretos" ou "Eu posso ver
um homem de meia-idade com cabelos castanhos" nas quatro combinações possíveis. A escolha do
emprego de frases-padrão é motivada pela necessidade de evitar, sempre que possível, a introdução de
diferenças fonêmicas segmentais entre as expressões verdadeiras e falsas, fazendo com que a análise
acústica seja baseada apenas nos parâmetros variados das características suprassegmentais. Estas frases
padrão curtas têm também a vantagem de incluir um elevado número de vogais (uma característica que
proporciona uma oportunidade para a medição extensiva dos parâmetros de fala em segmentos sonoros) e
um número equilibrado de consoantes para articular. Além disso, embora curtas, essas frases padrão são
compostas por dois segmentos distintos (cor do cabelo e idade), fato que introduz uma característica
secundária de exame nesta análise: a maneira como esses segmentos estão conectados
(presença/ausência de pausas preenchidas ou não preenchidas; presença/ausência de um dos dois
argumentos). Finalmente, o uso de uma frase padrão "oficial" é uma maneira confiável de testar a
introdução de variações verbais ("frases padrão modificadas") pelo sujeito (S) durante a declaração falsa.
De fato, as alterações na frase padrão são pistas verbais importantes para o exame das estratégias
envolvidas no engano e estas serão vistas em pormenor mais adiante.

MEDINDO AS VARIÁVEIS VOCAIS:

 Variáveis vocais não verbais. Dentre as seis frases padrão registradas para cada sujeito, três foram
extraídas. Tratava-se de:

(a) uma afirmação verdadeira (esta "afirmação verdadeira" foi escolhida quando seguia outra
afirmação verdadeira, a fim de assegurar uma maior distância da declaração falsa e evitar influências dos
efeitos ligados à expressão falsa);
(b) enunciado falso, Mentira 1 (com interlocutor complacente); e
(c) uma segunda falsidade, a Mentira 2 (em que o sujeito teve que repetir sua fala falsa
imediatamente após ter sido questionada pelo experimentador (E); condição despreparada).
As frases foram então submetidas a uma análise acústica digitalizada usando o Speech Lab
Computer (SLC) 4000 da Kay Elemetrics Corps com seus upgrades MDVP e ASL.
 Em relação à dimensão tempo, foram consideradas as seguintes variáveis dependentes:
(a) a extensão (de toda a frase-padrão, dos segmentos falados apenas e das pausas); e
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(b) o tempo (tomado como a velocidade de fala e a velocidade da linguagem) medido em
milissegundos pelo SLC.
Quando a frase foi inserida em uma cadeia fonêmica, o comprimento da frase foi calculado a partir
do primeiro fonema até o último. Quando, em vez disso, a frase foi precedida e/ou seguida de uma pausa,
este segmento também foi levado em consideração.
Como nem todas as sentenças pronunciadas pelos sujeitos eram compostas pelo mesmo número
de sílabas, outra unidade de medida fonética foi adotada juntamente com a unidade de medida em
milissegundos: a sílaba.
Quanto às pausas, seguindo os critérios normalmente adotados na literatura passada, concordou-se
que todos os períodos de silêncio com duração de 0,1 segundo ou mais – visíveis no espectro como
ausências de energia sonora – deveriam ser levados em conta. Todos os tipos de pausas preenchidas
também foram levados em consideração, como vocalizações, inspirações e expirações, ruídos de língua,
risos e risadas e soluços.
O tempo é a regulação temporal da produção e articulação da frase (rápido/lento, interrompido por
pausas frequentes/raras). Assim, para cada afirmação, calculou-se a velocidade de fala (relação entre o
número de sílabas no enunciado e sua duração total) e a taxa de articulação (baseada na extensão da fala
excluindo pausas preenchidas e não preenchidas).
A frequência normal (F0) foi extraída utilizando-se o método de clipagem espectral e análise de
cruzamento de zero (com os parâmetros apropriados em relação à amplitude dos segmentos e ao
comprimento das janelas). Uma vez extraídos, a média, o intervalo (F0máximo - F0mínimo) e o desvio
padrão (como medida da variabilidade F0) foram calculados. Para verificar a confiabilidade desses valores
de F0, primeiramente foi necessário elaborar a média da F0 da voz de cada sujeito em condições normais, a
fim de identificar os valores basais de referência. Além disso, para evitar interferências sistemáticas e
deslocamentos dessa média F0 causados por consoantes fricativas e sibilante consoantes (áreas de ruído),
os enunciados foram sintetizados pelo programa sintetizador ASLvoice que elimina até mesmo um único
valor de F0.
A amplitude ou energia foram medidas em decibéis. Mais uma vez, a média, o intervalo e o desvio
padrão foram calculados.
Analisou-se também a estrutura verbal das frases-padrão (van Dijk, 1985) e, em particular, os
seguintes índices microestruturais:
(1) Número de argumentos (1 = cabelo; 2 = idade);
(2) O número total de palavras;
(3) O índice de eloquência (dado pela razão entre número de palavras e número de argumentos); e
(4) O índice de disfluência (dado pela soma das palavras interrompidas e repetidas).

Além disso, as seguintes variações de argumentos na frase-padrão também foram examinadas:


(1) Ausência de variações (quando as verbalizações do sujeito (S) das frases-padrão eram idênticas
àquelas indicadas pelo colaborador (C) no início do experimento);
(2) A presença de modificações (quando verbos ou advérbios foram adicionados à frase-padrão como,
por exemplo, "certamente jovem, muito jovem, um pouco mais jovem, muito jovem, etc.").
De acordo com sua função semântica, essas modificações foram então divididas em:
(a) enfatizar modificações, quando fortaleceram semanticamente a descrição (por exemplo, "muito
jovem, definitivamente de meia-idade");
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(b) suavização de modificações, quando atenuaram semanticamente e enfraqueceram a descrição
(por exemplo, "muito jovem, talvez um pouco mais jovem").
(3) A presença de equivalentes semânticos (quando os termos padrão "jovem/meia-idade" e
"pardo/preto" foram substituídos por equivalentes semânticos como "escuro" em vez de "preto",
"regular" em vez de "pardo", "idoso" em vez de "meia-idade", etc.).
Também aqui, dependendo de sua função semântica, os equivalentes foram separados em:
(a) enfatizando equivalentes semânticos, quando fortaleceram semanticamente a descrição (por
exemplo, "idosa" para "meia-idade", "justo" para "pardo"); e
(b) suavização semântica, quando estes atenuavam semanticamente a descrição (para exemplo:
"um pouco mais maduro" para "meia-idade", "traços claros em seu cabelo" para "castanho").
(4) A presença de substitutos de argumentos (quando um dos dois argumentos nas frases padrão –
cabelo, idade – foi trocado por outro termo ou expressão ambígua ou equivocada, que não foi
classificada como verdadeira ou falsa (por exemplo, se a verdade fosse cabelo "preto", um sujeito
poderia ter mentido usando o termo "grisalho" ou poderia ter dito "um homem cheio de energia" em vez
de "um jovem").

RESULTADO

ANÁLISE DE DIFERENÇAS ACÚSTICAS:

Para a análise dos dados, utilizou-se a análise de variância para medidas repetidas. Dezessete
indicadores vocais referentes ao tempo (duração e andamento), frequência normal (F0) e amplitude
(energia) foram considerados como variáveis dependentes e analisados individualmente, conforme relatado.
Em particular, os resultados mostram que não houve variação estatisticamente significativa nas
medidas de energia entre os valores médios para os três níveis deste experimento. De fato, o nível médio
de energia foi de cerca de 56db para Verdade (T), Mentira 1 (L1) e Mentira 2 (L2). Por outro lado, em
relação à frequência normal (F0), diferenças significativas foram registradas para todas as medidas de
frequência normal (F0) analisadas. De fato, foram encontradas diferenças significativas para a média de F0
(F = 7,12; p < .003), o desvio padrão (F = 3,56; p < 0,041), o intervalo -Fo (F = 4,20; p < .025) e o intervalo +
Fo (F = 5,05; p < .013). Os valores de L2 diferiram especialmente dos de T e L1, cujos valores, por outro
lado, foram bastante semelhantes.
Da mesma forma para a variável tempo, a análise de variância para medidas repetidas revelou
diferenças significativas para o número de pausas (F = 4,67; p < .012) e o número de sílabas (F = 5,69; p
< .01): para ambas as variáveis evidenciou-se um aumento nos valores de L1 em relação a T e L2. Ao
contrário, a duração média das pausas (considerando separadamente as pausas preenchidas e não
preenchidas), as médias das frases e da duração da fala, bem como a velocidade média da articulação e da
linguagem não apresentaram efeito geral significativo
Para melhor imagem dos resultados obtidos, optou-se por aprofundar a análise da frequência
normal (F0), do número de pausas e do número de sílabas, por meio da análise de contraste. Na Tabela 2,
para cada medida (F0) analisada, observam-se diferenças significativas entre os estados T e L1, T e L2, L1
e L2.
Essas diferenças parecem apontar na mesma direção:

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 Em L2 há um aumento significativo na média da F0 da voz, uma maior variabilidade e um
deslocamento para valores mais agudos na faixa.
 Em contraste, T e L1 são ambos bastante homogêneos em seus valores.

Em relação ao número de pausas e ao número de sílabas, há, ao contrário, um aumento de L1 em


relação a T e L2. Além disso, como não parece haver diferença significativa na duração média de todas as
pausas nos três níveis de experimento, os resultados mostram que as pausas segmentando a expressão de
L1 não só foram mais frequentes, como também mais breves.

ANÁLISE DE ÍNDICES VERBAIS MICROESTRUTURAIS:

Apresentados os resultados globais das variáveis acústicas, o próximo passo será expor os
resultados referentes aos índices verbais microestruturais examinados. A análise de variância para medidas
repetidas mostrou que o efeito principal do número de argumentos {F = 3,53; p < .043), do número de
palavras (F = 5,51; p < .009), do índice de eloquência (F = 3,56; p < .041) e do índice de disfluência (F =
4,57; p < .019) foi significativo.

Como pode ser observado, a análise de contraste mostra que os sujeitos de L2 tenderam a lembrar
menos argumentos em comparação com T e L1. Mais sobre a mesma condição L2 há um aumento
significativo no índice de disfluência: aqui os sujeitos produziram um maior número de palavras
interrompidas e repetidas em oposição aos enunciados T, onde esse número foi definitivamente menor.
Vale ressaltar também que, para ambas as variáveis, não houve diferenças marcantes entre T e L1, ou seja,
quando o sujeito (S) mentiu pontualmente seguindo suas estratégias de planejamento verbal sem as
perguntas indagadoras do experimentador (E).
No entanto, ao produzirem seus enunciados, os sujeitos pareceram fornecer um número
significativamente maior de palavras em L1 em oposição a T e L2. Em relação ao índice de eloquência, as
afirmativas dos sujeitos em L1 foram comparadas apenas com T, manifestando uma ligação
significativamente mais forte entre o número total de palavras e os argumentos.
No conjunto, portanto, esses índices microestruturais parecem deter um interessante poder
discriminatório que distingue a Verdade da Mentira 1 e da Mentira 2. De fato, certos fenômenos verbais
(enunciados mais longos e maior nível de índice de eloquência) aparecem mais estritamente ligados à
condição de L1, enquanto outros (omissão de argumentos e maior nível de fluência) estão mais
relacionados à condição de L2.

ANÁLISE DE VARIAÇÕES DE FRASE PADRÃO:

A última série de variáveis são as variações que os sujeitos trouxeram sobre a frase-padrão "oficial".
Essas variações são representadas pela ênfase ou suavização de "modificações" introduzidas na frase-
padrão por equivalentes semânticos, ou mesmo por novas verbalizações da frase.
Na Tabela 4, que relata em porcentagem os valores dos diferentes tipos de variações, é possível
observar que os enunciados de T respeitam mais a frase-padrão e com maior regularidade (73,77%) do que
os de L1 (45,00%) e L2 (44,44%), onde a aderência à frase oficial, fornecida pelo colaborador (C) no início

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do experimento, é definitivamente menos rigoroso. A análise de variância dos dados categóricos mostra
efeito principal significativo do fator experimental sobre o nível de respostas.
Essa maior e mais sistemática variabilidade da frase-padrão durante o engano é geralmente
expressa pela inclinação dos sujeitos em atenuar a descrição dos argumentos em L1 (33,33% somando as
modificações de suavização e os equivalentes semânticos de suavização) em vez de enfatizá-las (16,68%
adicionando as modificações de ênfase e os equivalentes semânticos de ênfase). De fato, a análise de
variância dos dados categóricos mostra que, para as modificações de amolecimento e para os equivalentes
semânticos de amolecimento isoladamente, há diferença significativa no nível das três respostas ligadas às
três condições experimentais. A análise das estimativas dos mínimos quadrados ponderados aponta que
tais diferenças dizem respeito à oposição entre verdade e mentira, e entre as duas mentiras. Isso indica que
os sujeitos estavam, portanto, inclinados a se afastar da frase-padrão e a promover mudanças linguísticas
durante o engano.

Além disso, deve-se notar que a abstenção de dizer a verdade ou de mentir usando locuções
ambíguas e equivocadas, que não são pertinentes aos estímulos a serem descritos e que não são
verdadeiras nem falsas, surgiu apenas nas condições L1 e L2. E, no entanto, quando os sujeitos diziam a
verdade, mantinham-se muito mais nas frases-padrão (73,77%) e, sempre que as modificavam, tendiam a
enfatizar seus argumentos (18,02%) ao invés de atenuá-las (8,21%). Para as afirmações falsas, essa
tendência se inverteu.

ANÁLISE DOS DIFERENTES ESTILOS COMUNICATIVOS DE ENGANO:

A fim de verificar a qualidade dos diferentes estilos comunicativos envolvidos no engano, foi
realizada uma análise mais aprofundada das diferenças na variação da frequência normal (F0) entre os
sujeitos. Assim, foi realizada uma comparação sistemática, sujeito a sujeito, das diferenças nos valores
obtidos dos sujeitos nos diversos parâmetros acústicos das três condições experimentais. Isso foi feito
usando os valores basais de frequência normal (F0), assim como Ekman (1991) haviam feito anteriormente.
Consistiu em considerar a expressão verdadeira como o ponto de vista a partir do qual as distâncias
subsequentes das afirmações falsas foram medidas. Isso verificou para cada sujeito o tamanho e a direção
das afirmações falsas da afirmação verdadeira da linha de base e anulou as diferenças médias niveladas.
Os valores basais foram estabelecidos levando-se em consideração dois critérios:
(1) as diferenças entre os valores médios de frequência normal (F0) para verdadeiro e falso,
resultando significantes na análise estatística (citada acima);
(2) os valores fornecidos pela análise acústica, como escala de medidas para os limiares
diferenciais de percepção sonora (Ferrero, 1986; Fry, 1986). Além disso, foram calculadas diferenças no
desempenho vocal entre as emissões T e L1 e entre as emissões T e L2. A Tabela 5 mostra a classificação
tipológica dos sujeitos de acordo com as diferenças obtidas a partir da comparação entre os valores médios
de T e L1 e a comparação entre os valores médios de T e L2.
Considerando o tamanho e a direção (positiva versus negativa) dessas diferenças, foram definidas
três classes de desempenho vocal: sujeitos que não manifestaram diferenças nos valores médios de F0
entre afirmações verdadeiras e falsas, sujeitos que na condição L1 manifestaram aumento das diferenças e
sujeitos que manifestaram diminuição das diferenças. O teste de Stuart-Maxwell (Maxwell, 1961) mostra
uma diferença significativa na forma como esses grupos foram distribuídos de acordo com as condições
experimentais examinadas.

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Mais especificamente, há a classe de diferenças cujos valores estão abaixo do nível basal em
ambas as comparações – entre T e L1 e entre T e L2 – para as variáveis de frequência normal (F0)
consideradas. De fato, as diferenças médias entre as médias de frequência normal (F0) em ambas as
comparações é bem inferior a 10 Hz (precisamente 0,65 Hz na comparação T e L1 e 1,31 Hz na
comparação T e L2). Da mesma forma, as diferenças médias entre os desvios-padrão em ambas as
comparações são inferiores ao valor basal fixo de 5 Hz (-1,18 entre T e L1; 0,28 Hz entre T e L2). As
performances vocais que se encaixam nessa classe, tiveram traços semelhantes em todas as três
condições vivenciadas. Os sujeitos, de fato, tinham a mesma voz ao dizer a verdade e ao mentir para o
ouvinte complacente (H) (Mentira 1) e para o H inquiridor (Mentira 2). Esses eram sujeitos particularmente
capazes, definidos como bons mentirosos, cujas variações no tom de voz não revelavam distinções entre
afirmações falsas e verdadeiras. Além disso, a partir da Tabela 5, pode-se discernir que, como se espere,
os "bons mentirosos" aparecem mais numerosos na comparação entre T e L1 (64,05%) do que na
comparação entre T e L2 (43,38%).
A segunda classe inclui as diferenças que têm valores positivos acima da linha de base. Com efeito,
as diferenças médias na comparação entre T e L1 e entre T e L2 superam em muito os valores basais
indicados tanto para a média frequência normal (F0) (+ 23,83 Hz entre T e L1; + 24,49 Hz entre T e L2)
quanto para a variância frequência normal (F0) (+12,43 Hz no desvio padrão entre T e L1; +15,11 Hz no
desvio padrão entre T e L2). Os sujeitos pertencentes a essa categoria foram, portanto, definidos como
mentirosos tensos. De fato, devido à maior ativação e tensão de suas pregas vocais, a voz desses sujeitos
tornou-se uma pista importante e clara que revelou sua intenção de mentir. Esses sujeitos, no entanto, eram
"ingênuos" porque, ao mentir, podiam controlar e regular suas emoções e planos mentais. Destaca-se,
ainda, que dentro dessa categoria os "mentirosos tensos" são mais numerosos na condição L2 (41,94%) do
que na L1 (9,70%). Evidentemente, a atitude indagadora do ouvinte (H) torna mais difícil para o falante
controlar sua voz durante o engano. Isso explica, portanto, por que sua voz se torna mais aguda e
modulada. Alternativamente, na condição de L1, onde o ouvinte (H) parece conforme, o sujeito torna-se
menos facilmente tenso e, assim, tem a oportunidade de enganar seguindo suas estratégias pré-
estabelecidas.
Por fim, a terceira classe contém os sujeitos que apresentam valores negativos acima da linha de
base. De fato, as diferenças médias entre T e L1 e entre T e L2 superam os valores basais fixos tanto para
a média frequência normal (F0) (-17,82 entre T e L1; -14,13 entre T e L2) quanto para a variância frequência
normal (F0) (-9,05 no desvio padrão entre T e L1; -9,42 no desvio padrão entre T e L2). Os sujeitos
pertencentes a essa classe têm sido definidos como maus mentirosos supercontrolados, pois a diminuição
do nível de frequência normal (F0) e as menores variações de frequência normal (F0) indicam um controle
excessivo da voz por parte dos sujeitos ao contar mentiras. Essa afirmação também encontra respaldo na
forma diferenciada como os sujeitos se distribuem nessa categoria. De fato, a maior porcentagem desses
maus mentirosos supercontrolados pertence à L1 (25,80%), onde o ouvinte (H) é aquiescente e onde os
sujeitos se tornam supercontrolados porque podem mentir seguindo sua estratégia pré-estabelecida. Esse
percentual, no entanto, é bem menor em L2 (9,68%), onde o ouvinte (H) inquiridor torna o controle da voz
uma tarefa mais difícil. Os resultados, de fato, mostram que apenas três sujeitos apresentam voz
supercontrolada na condição de L2.
Em suma, a análise sujeito a sujeito das diferenças em relação aos índices de frequência normal
(F0) nas três condições experimentais permite separar os "bons mentirosos" (32% dos sujeitos que da
verdade à mentira não manifestam diferenças de variação nos valores médios de F0) dos "maus
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mentirosos" (que da verdade à falsidade manifestam diferenças nos valores de F0). Além disso, essa
análise distingue entre os "maus mentirosos" dois estilos comunicativos diferentes de engano: para o
mentiroso tenso, um tom de voz mais alto, que tem mais variações; para o mentiroso supercontrolado, um
tom de voz médio mais profundo, rigorosamente controlado e sem variações. A frequência desses dois
estilos comunicativos diferentes depende da natureza da falsa condição. Na condição L2, quando a mentira
é mais difícil, a voz torna-se mais tensa, enquanto na condição L1, quando o indivíduo se depara com um
ouvinte (H) complacente, a voz é mais controlada do que o habitual.

DISCUSSÃO

Os resultados confirmam a validade e o valor heurístico do modelo hierárquico intencional de contar


mentiras explicado na introdução, e mostram como a mentira envolve várias e diversas funções psíquicas
que vão desde a engrenagem e emocional até a social e relacional. Em primeiro lugar, contar uma mentira
requer uma complexidade cognitiva considerável, visto que falsificar informações (ou escondê-las) requer
um planejamento mental cuidadoso. A complexidade da tarefa cognitiva reside na discrepância entre o
conhecimento privado e a declaração pública: o mentiroso (L) sabe a verdade (que não conta), mas conta
publicamente uma mentira (que não acredita, mas tem que fazer o ouvinte pensar que acredita).
O conflito cognitivo entre o conhecimento da verdade e a mensagem codificada negando-a (ou
ocultando-a), bem como a necessidade de "disfarçar" as verdadeiras crenças, implicam uma saturação das
capacidades mentais do mentiroso, tornando a tarefa do engano ainda mais complexa. Essa complexidade,
de fato, veio à tona na pesquisa por meio dos resultados do experimento na condição L1, especialmente.
Estes mostraram um aumento no número de pausas mais curtas e recorrentes que, como estudos
anteriores já demonstraram, sinalizam uma tarefa cognitiva bastante extenuante que envolve o
gerenciamento mental do sujeito de várias alternativas (Schachter, Christenfeld, Ravina, & Bilous, 1991).
Pesquisas realizadas por Goldman-Eisler (1968) e Rochester (1973) também revelaram que
interrupções frequentes no enunciado por pausas preenchidas ou não preenchidas são o sinal de uma
tarefa complexa durante a qual o sujeito está continuamente tendo que fazer escolhas para terminar sua
frase: a interrupção temporária fornece ao sujeito o tempo necessário para ler as palavras certas. Da
mesma forma, estudos de Berger e Jordan (1992) sobre a relação entre dificuldades de planejamento e
fluência verbal destacam uma correlação notável entre o número de pausas e o nível de dificuldade em
gerar um plano que cumprirá seu objetivo, como contar uma mentira. Mais pausas são registradas quando o
planejamento necessário para vencer o objetivo é mais exigente e difícil (por exemplo, o planejamento pode
exigir a capacidade de multiplicar os pontos de vista a considerar, como na persuasão e no engano) e
quando o objetivo não é habitual nem familiar.
A complexidade cognitiva envolvida durante o engano também é confirmada pelos enunciados mais
longos e eloquentes dos sujeitos na condição L1, especialmente, onde, comparado com a condição L2, o
envolvimento emocional dos sujeitos é moderado e permite maior concentração e planejamento mental da
mentira. O maior índice de eloquência destaca, de fato, o esforço linguístico do mentiroso em tentar produzir
afirmações persuasivas e críveis. Como estudos já demonstraram (Zuckerman et al., 1981; Zuckerman &
Motorista, 1985; Buller & Burgoon, 1994), o mentiroso não afirma sucintamente o que é falso por medo de
que ele possa ser descoberto, mas sim "artisticamente" afirma-lo para que seja credível.

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Além disso, a complexidade cognitiva do mentiroso consiste em escolher suas próprias estratégias
comunicativas que não apenas permitem que ele seja compreendido e pareça verdadeiro, mas também o
faça parecer crível e digno de confiança durante o engano. De fato, o mentiroso "deve" parecer natural e
espontâneo como se estivesse dizendo a verdade, porque só assim a mensagem falsa pode parecer
verdadeira e ser aceita como tal pelo H. Em outras palavras, somente seguindo esses critérios o mentiroso
tem uma boa chance de "convencer" o ouvinte.
Afinal, a mentira (sua licitude moral à parte), assim como outras formas de persuasão, constitui um
recorrente meio de comunicação "estratégico" utilizado para persuadir e influenciar os outros a fim de obter
deles bens e serviços. É também uma ferramenta útil para lidar com relações sociais positivas (Ekman,
1985; Buller & Burgoon, 1994). É um ato comunicativo estratégico porque é intencional, deliberado,
normalmente motivado, decretado de acordo com um plano codificado e direcionado para alcançar um
determinado resultado.
Para realizar esse ato comunicativo estratégico e no esforço de parecer natural e crível, o mentiroso
tem que exercer controle voluntário – verbal e não verbal – sobre a sequência de suas ações ao contar uma
mentira. No entanto, esse controle, se não bem administrado, assume uma forma rígida e excessiva que
ultrapassa razoavelmente os limites e padrões da comunicação verdadeira, transformando-se em
supercontrole, como pode ser visto pelos resultados do experimento na condição L1. Aqui, muito mais do
que na condição L2, a voz dos sujeitos descritos como "mentirosos supercontrolados" torna-se plana e
assume um tom mais profundo que tem um efeito indesejado de se tornar um indício de fuga
potencialmente revelando sua intenção de mentir. Com efeito, segundo alguns estudiosos, não é a postura,
os sinis ou as expressões faciais, mas a voz, com suas variações, que representa o canal, fornecendo
principalmente pistas de vazamento (Buller & Aune, 1987; Buller & Burgoon, 1994; Ekman e Friesen, 1969;
Zuckerman & Motorista, 1985).
E, ainda, outros processos emocionais importantes e significativos estão envolvidos no ato
comunicativo de enganar. Na verdade, mentir é transgredir os padrões culturais vigentes. A mentira também
mostra uma falta de respeito e cuidado com o receptor. Ela produz ansiedade no mentiroso ou porque
passa a ser associada a experiências passadas negativas e desagradáveis em situações semelhantes (a
teoria da resposta condicionada), ou porque é o resultado de inclinações opostas e conflitantes entre dizer a
verdade e mentir (a teoria do conflito), ou, finalmente, porque há uma antecipação da punição caso a
mentira seja detectada (a teoria da punição) (Zuckerman et al., 1981). Qualquer que seja a explicação mais
plausível, não há dúvida de que, em muitos casos, a mentira provoca excitação emocional no mentiroso.
Nesta pesquisa, tal excitação emocional aparece particularmente marcante e evidente na condição
L2, quando o Ouvinte tem um ar indagador. Genericamente, a excitação emocional e a tensão nos sujeitos
produzem uma frequência normal (F0) mais alta, um aumento na variabilidade, uma amplitude estendida,
bem como a presença de pausas curtas: todas as quais podem denotar medo na expressão vocal (Williams
& Stevens, 1972; Van Bezooijen, 1984; Anolli e Ciceri, 1992). Mais precisamente, em L2 a velocidade da
fala torna-se frequentemente interrompida por pequenas pausas que correspondem a uma taxa de
respiração alterada. Nas mesmas condições, o índice de disfluência torna-se maior (pois há maior número
de palavras interrompidas e repetidas) e os sujeitos tendem mais frequentemente a "esquecer" um dos
argumentos a mencionar.

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Essas condições de excitação emocional, típicas de várias formas de ansiedade e estresse,
fomentadas pela natureza suspeita do ouvinte, são provavelmente provocadas pelo risco de "deixar a
máscara cair" (Goffman, 1959). De fato, em nossa cultura, a detecção de uma mentira implica
intrinsecamente uma ameaça à imagem. Essa é a razão pela qual, então, esse potencial ataque à própria
autoestima se converte em emoções autoconscientes (ou morais), como culpa, vergonha e
constrangimento. No entanto, enquanto a vergonha e o constrangimento são provocados pelo risco de
serem diretamente ridicularizados ou reprovados pelo ouvinte quando detectados por um juiz externo, o
sentimento de culpa – devido à consciência de que um está enganando o outro – não é provocado pela
detecção, mas pode até estimular uma "confissão" espontânea que liberte o mentiroso de seu "juiz interno"
(Ekman & Frank, 1993).
Além de seus traços cognitivos e emocionais, a mentira também tem fortes conotações sociais. Eles
são intrinsecamente interpessoais: se alguém se esconde, naturalmente significa que há alguém de quem
se esconder. Contar mentiras é uma forma de influenciar outra pessoa e uma forma de lidar com um
relacionamento. Assim, a mentira, como todo ato comunicativo, é um jogo relacional entre dois sujeitos: em
uma extremidade, encontra-se o falante fazendo o papel de mentiroso mais ou menos capaz; na outra
extremidade, a outra pessoa no papel de vítima ou detector. Consequentemente, o sucesso da mentira
depende da interação entre a habilidade comunicativa do mentiroso e a atitude aquiescente e passiva do
ouvinte; alternativamente, sua falha é determinada pela interação oposta (a incapacidade do mentiroso de
enganar e a capacidade do ouvinte de detectá-lo). Esse jogo tão característico da mentira ficou claro nesta
pesquisa. Na condição L1, com o ouvinte complacente, há maiores chances de que a mentira dê certo. De
fato, é na comparação entre L1 e T, mais do que na comparação entre L2 e T, que o desempenho vocal dos
sujeitos permanece inalterado. Pelo contrário, quando o ouvinte assume o papel de investigador ativo (a
condição L2) as chances de que a mentira não tenha sucesso aumentam, à medida que os sinais de
vazamento do mentiroso se tornam mais numerosos e mais frequentes. De fato, na condição L2 há um
despertar emocional exacerbado que provoca mudanças no padrão vocal normal dos sujeitos, com o
aparecimento de características vocais que evocam medo e ansiedade.
Neste jogo entre dois sujeitos, a distinção entre uma mentira preparada e uma mentira
despreparada deve ser esclarecida. A mentira preparada, que se revela mais explicitamente na condição
L1, produz nos sujeitos maior eficiência cognitiva e menor excitação emocional. Isso permite que o sujeito
planeje e execute estratégias comunicativas precisas para a mentira que pretende contar, fazendo com que
seu desempenho vocal seja o mesmo nas afirmativas T e L1. Essas estratégias, com efeito, incluem a
capacidade de tornar a fronteira verdadeira/falsa nebulosa usando expressões ambíguas, como enunciados
vagos, evasivos ou obscuros, ou comportando-se de maneira reticente, o que pode incluir evitar o olhar do
ouvinte ou ser distante, etc. (Bavelas et al., 1990; Buller & Burgoon, 1994; Ebesu e Miller, 1994).
A mentira despreparada, ao contrário, mais frequentemente contada na condição L2, onde o L é
desorientado pela reação inesperada e inquiridora do ouvinte, produz no mentiroso mais excitação
emocional e menor eficácia cognitiva. Como resultado, mais pistas de vazamento aparecem. Estes
assumem a forma de variações na produção vocal entre afirmações verdadeiras e falsas, enunciados que
não respeitam padrões estruturais, repetição de palavras, erros linguísticos, interrupção de palavras, etc.,
como outras pesquisas também mostraram (DePaulo et al., 1985; Zuckerman & Motorista, 1985).

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Por fim, vale examinar alguns dos aspectos psicológicos que dizem respeito aos chamados “bons
mentirosos”, ou seja, aqueles sujeitos cujo desempenho vocal permanece inalterado em T, L1 e L2; aqueles
sujeitos que, pelo menos no que diz respeito à voz, mostram controle eficiente, não dão nenhum sinal que
possa revelar suas mentiras e preservam a "naturalidade" e a espontaneidade. Uma explicação inicial para
esse talento particular em contar mentiras repousa em suas personalidades. São extrovertidos, pessoas
dominantes e acostumadas à interação social (Riggio & Friedman, 1983; Riggio, Tucker, & Throckmorton,
1987). Ou seja, são bons atores e excelentes diretores de si mesmos. Uma segunda explicação pode ser
alcançada atribuindo a esses bons mentirosos o que se chama de personalidade maquiavélica (O'Hair et al.,
1981). Ebesu e Miller (1994), de fato, descrevem um gênero particular de mentira que se caracteriza pela
importância dada ao objetivo a ser conquistado e não aos meios utilizados para conquistá-lo. Os mentirosos
maquiavélicos possuem notável capacidade de controlar e manter as emoções à distância, o que lhes
permite distanciar-se de seu interlocutor e dos efeitos do engano. Para eles, a mentira é uma ferramenta
estratégica para alcançar seus objetivos em determinadas situações.
E, também pode haver uma explicação funcionalista para essa habilidade parcial. A capacidade do
mentiroso é tornada mais efetiva por um processo de autoengano, pelo qual o sujeito se convence de que
verdade e mentira são a mesma coisa. Em outras palavras, o sujeito modifica de forma prática suas crenças
"verdadeiras" para que coincidam com as "falsas". Trata-se de uma operação que transforma a forma de
interpretar e descrever a realidade. Assim, ao manipular a informação, esse autoengano leva a uma
correlação entre o interior e o exterior, entre a crença privada e a comunicação pública. Esse
comportamento que leva o sujeito a se tornar vítima de sua própria mentira pode ser explicado pela
necessidade do sujeito preservar uma autoestima elevada quando não suporta mais o pensamento de
mentiroso, ou quando a verdade é menos aceitável do que a mentira (Longo e Ashmore, 1995). Portanto,
mentir para si mesmo ajuda a mentir para os outros, pois torna o mentiroso mais capaz e sua comunicação
mais crível.
Esse autoengano pode ser sustentado por meio de várias estratégias que interpretam a realidade.
Por exemplo, a atenção seletiva que filtra apenas as informações que confirmam a visão enganosa das
coisas; a busca de uma conclusão lógica para suas crenças, encontrando confirmações que as sustentem;
o viés interesseiro que atribui o sucesso ao mentiroso, enquanto o fracasso é atribuído ao acaso e ao azar
(Baumeister, 1993). A leitura ambígua e nebulosa de um evento que está sendo falsificado também pode
funcionar como uma estratégia que leva ao autoengano, visto que a condição necessária para o autoengano
e o engano em geral é a falta de objetividade em relação a qualquer experiência.
Baumeister (1993) descreve a condição que permite a falsificação dos fatos com a metáfora efetiva
dos tons de cinza. Em situações normais do dia a dia, um evento não pode ser simplesmente descrito como
verdadeiro ou falso, preto ou branco, mas sim como diferentes tons de cinza, mais próximos ou mais
distantes dos dois extremos. Assim, os mentirosos capazes gradualmente passam a acreditar na mentira,
reavaliando o evento sobre o qual estão mentindo com a busca e seleção de provas que confirmem a
mentira. Portanto, não se limitam a convencer o ouvinte de que estão sendo verdadeiros, mas também se
convencem disso, exercendo sobre si mesmos a força de convicção (Boudon, 1990).

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Conclui-se que a complexidade da mentira e o grau de diferenciação na forma como ela é
vocalmente expressa confirmam sua importância na interação humana e por ser um instrumento
indispensável para um manejo equilibrado das relações sociais. De fato, apesar de a mentira ser banida das
relações sociais devido à importância que elas dão à honestidade e à naturalidade, a mentira – como esta
pesquisa paradoxalmente revelou – entra formal e concordantemente nas relações sociais como um fator
regulador e controlador na interação diária, e como um instrumento que salvaguarda e constrói a
autoestima.

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