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RESUMO QUARTO ANO EAC 2

LUCAS FACHIN

FEBRE REUMÁTICA................................................................................................2
ARTRITES SÉPTICAS/INFECCIOSAS............................................................8
ARTRITE PÓS-INFECÇÃO/REATIVA...............................................................9
DORES DE CRESCIMENTO...............................................................................10
LUPÚS ERITEMATOSO SISTÊMICO.............................................................11
ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL.....................................................................19
SOPRO CARDÍACO................................................................................................22
A PAREDE ARTERIAL............................................................................................30
ATEROGÊNESE.........................................................................................................31
FATORES DE RISCO P/ ATEROTROMBÓSE.............................................34
CIRCULAÇÃO CORONARIANA.........................................................................42
DOR TORÁCICA.......................................................................................................47
DOR TORÁCICA NA EMERGÊNCIA................................................................57
EDEMA..........................................................................................................................69
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA.....................................................................80
DOENÇA RENAL CRÔNICA................................................................................89
DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO....................................97
GASOMETRIA ARTERIAL – ROTEIRO.......................................................103
SÍNDROMES GLOMERULARES.....................................................................105
DOENÇAS GLOMERULARES...........................................................................109

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Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
FEBRE REUMÁTICA (VOLTARELLI, DUNCAN, HARRISON, MEDCEL, GOLJAN)

 A febre reumática é uma complicação não  O risco de FR ocorre somente em casos de doença
supurativa de uma infecção pelo EβH-A - estreptococo manifesta (tem que haver orofaringite, por vezes não
beta-hemolítico do grupo A de Lancefield (quadro relatada).
reativo), caracterizada por processo inflamatório  Piodermites estreptocócicas podem causar GNDA, mas
transitório de diversos órgãos. não FR!
 O quadro clínico é composto pela combinação de 3
ETIOLOGIA
síndromes principais: reumatológica (artrite
migratória), cardiológica (cardite) e neurológica  A FR é sempre conseqüente a uma infecção
(coréia de Sydenham). A doença tende a recorrer estreptocócica (estreptococo β-hemolítico do grupo A
frente a novas infecções por estreptococos beta- de Lancefield) de orofaringe.
hemolíticos do grupo A sorologicamente distintos.  Essa bactéria é constituída por uma cápsula de
 O quadro clínico clássico da fase aguda é o de uma ácido hialurônico, pela parede celular composta por
doença febril, comprometendo intensamente o três camadas (externa, média e interna), pela
estado geral, porém autolimitada. membrana citoplasmática e pelo citoplasma.
 Raramente ocorre morte na fase aguda, mas  As estruturas antigênicas mais importantes
alguns pacientes (1 em 3) ficam com lesões encontram-se na camada externa da parede celular,
cardíacas que podem ser crônicas e são as proteínas M, R e T.
progressivas, levando à insuficiência cardíaca  A proteína M, além de ser responsável pelos
e morte muitos anos após o episódio inicial diferentes tipos do estreptococo β-hemolítico do
(30, em média). grupo A, tem uma potente ação antifagocítica.
 Outras estruturas e órgãos envolvidos em  Dentre os diferentes sorotipos, o M1, M3, M5, M6,
geral se recuperam integralmente. M14, M18, M19 e M24 estão associados com a FR.
 A gravidade da doença, portanto, reside na
gravidade da cardite. PATOGENIA
EPIDEMIOLOGIA FR  Numerosos fatores de virulência no código
genético do germe, modulados por estresses
 Embora a FR esteja quase extinta nos países ambientais e outras influências sobre a sua
desenvolvidos, ela continua sendo um problema em expressividade, interagem com elementos do
países em desenvolvimento (más condições de hospedeiro humano, em especial os governados pelos
habitação, desnutrição e a falta de assistência médica, genes HLA, tornando alguns indivíduos suscetíveis.
favorecendo a disseminação de estreptococos).
 Os estratos populacionais de maior risco para FR
são os de idades pré-escolares e escolares, nos quais
também se observa maior freqüência de faringites
estreptocócicas.
 A distribuição da FR é universal. A situação
geográfica tem pouca relação com a doença.
 Quanto ao sexo, há um discreto predomínio do
feminino, em virtude de a coréia ocorrer com maior
freqüência nas meninas.
 É mais freqüente dos 5 aos 15 anos; o primeiro
surto é raro antes dos 3 e após os 25 anos.
 Além de variações na virulência do germe, tem-se
atribuído a maior freqüência e gravidade da doença
ao apinhamento em que vivem as comunidades mais
pobres, onde também é maior a proporção de
crianças e menor o acesso aos serviços de saúde.  O mecanismo patogênico ainda é pouco
EPIDEMIOLOGIA EβH-A conhecido. Dentre as teorias que surgiram para
 Principal causa de faringites bacterianas, explicá-lo, a imunológica é a mais aceita: a FR é o
especialmente entre crianças e adolescentes. resultado de uma resposta imune anormal do
 Prevalência da bactéria é grande em assintomáticos
hospedeiro a uma infecção estreptocócica.
(70% da população escolar).

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 A hipótese de que a patogênese da FR seja  O corpúsculo de Aschoff é uma lesão
mediada por fenômenos auto-imunes ativados patognomônica da FR e consiste em uma coleção de
durante a infecção pelo EβH-A é sustentada por miócitos de Anichkov (histiócitos reativos) e células
observações que incluem: gigantes multinucleadas de Aschoff dentro da área de
1. O período de latência entre a infecção de necrose fibrinóide localizada no miocárdio, no
orofaringe pelo estreptococo e o surto de FR; endocárdio, ou em ambos.
2. A ausência do estreptococo na lesão cardíaca;  A doença valvular afeta as válvulas mitral
3. A identificação de anticorpos contra o tecido (mais comum) e aórtica, tricúspide e
cardíaco em soros de pacientes com FR; pulmonar (raro).
4. Numerosos exemplos de semelhança  Ocorrem vegetações estéreis, não embólicas,
antigênica e reação cruzada de anticorpos verrucosas ao longo das linhas de fechamento
entre antígenos do estreptococo e tecidos (margens) da válvula envolvida,
humanos (tabela abaixo). freqüentemente levando a murmúrios de
REAÇÃO CRUZADA ENTRE ESTRUTURAS DO regurgitação.
ESTREPTOCOCOS E TECIDOS HUMANOS, EM PACIENTES  Com as crises recorrentes da FR, os folhetos
COM FEBRE REUMÁTICA valvares são reparados por tecido fibroso e
Estruturas Humanas Componentes do calcificação distrófica, resultando na
Estreptococos interaderência dos folhetos valvares, levando
Epítopos das células T Proteína M
à estenose (estenose mitral, mais comum) e
Valvas cardíacas Glicoproteínas da parede
menos comumente a murmúrios de
celular
Miosina e tropomiosina Proteína M (5,6,19,24)
regurgitação (regurgitação aórtica).
Miosina e HLA de classe II Proteína 67-kDa Na estenose mitral há uma anormalidade na
abertura da válvula mitral (diástole), levando à
Citoplasma dos neurônios Membrana citoplasmática
sobrecarga volumétrica no átrio esquerdo e
do núcleo caudado e
pulmões. Os sinais/sintomas incluem:
subtalâmico
a. B1 acentuada
Proteínas cerebrais Proteína M (5,6,19)
b. Estalido de abertura seguido por sopro
Cartilagem e tecido sinovial Proteína M (1,5,18)
mesodiastólico, auscultado melhor no ápice
De que maneira, então, o indivíduo desenvolveria a c. Dispnéia e hemoptise secundárias à congestão
doença? Uma forte possibilidade seria através da pulmonar
reação cruzada, ou seja, do mimetismo molecular, na d. Fibrilação atrial secundária à dilatação atrial
qual o hospedeiro, por apresentar seqüências esquerda e à hipertrofia
antigênicas comuns entre determinadas estruturas de e. Embolização sistêmica por coágulos no átrio
seus tecidos (como o cardíaco, articular ou do SNC) e esquerdo deslocado pela fibrilação atrial
as do estreptococo, passaria a agredir o próprio f. Disfagia para sólidos devido ao aumento atrial
organismo. esquerdo
 Resumidamente, de acordo com essa teoria, esses Na regurgitação aórtica há um problema com a
sobrecarga volumétrica no ventrículo esquerdo
epítopos comuns comprometeriam a habilidade do
por uma válvula incompetente que leva o sangue
sistema imune de distinguir entre o próprio e o não de volta ao ventrículo durante a diástole.
próprio. a. Isso produz HVE com dilatação
 Recentemente, observou-se que o b. Aumento do volume de ejeção
estreptococo também apresenta semelhança (freqüentemente > 100mL) devido ao
antigênica com linfócitos circulantes e com mecanismo de Frank-Starling
determinadas moléculas HLA. c. A pressão de pulso aumenta, resultando em
Anatomia Patológica uma circulação hiperdinâmica (p.ex. pulso em
A degeneração fibrinóide é a alteração mais precoce no martelo d’água)
coração, predominando no tecido conjuntivo das valvas e
do endocárdio. Posteriormente, em algumas semanas, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
desenvolve-se o nódulo de Aschoff, que poderá persistir
por anos após a fase aguda da doença, o que parece estar  Caracteriza-se por três fases distintas que
relacionado com a tendência para desenvolver estenose compreendem:
mitral. Nas valvas cardíacas, observa-se edema e infiltrado 1. Infecção de orofaringe;
celular com presença de células CD4+ e CD8+ (resposta 2. Período de latência;
celuar) e expressão de antígenos do MHC II no endotélio 3. Doença propriamente dita (FR).
vascular e fibroblastos valvares.  A infecção de orofaringe poderá não ser referida
O nódulo subcutâneo (nódulo de Maynet) é composto por em aproximadamente 20% a 30% dos pacientes.
uma zona central de necrose fibrinóide, cercada de  O período de latência é o tempo que decorre entre
histiócitos e fibroblastos.
a infecção de orofaringe pelo estreptococo e o
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aparecimento da primeira manifestação da FR; ele  O comprometimento do pericárdio manifesta-se
varia, em media, de 7 a 14 dias (podendo ir de 0 a 45 clinicamente por dor precordial, atrito pericárdico
dias). e/ou sinais de derrame.
 Manifestações gerais, como febre, perda do  A endocardite (inflamação que gera as seqüelas
apetite e adinamia poderão não estar presentes. valvares da FR) é traduzida clinicamente pelos sopros.
 Quanto ao diagnóstico da infecção estreptocócica,  A valva mitral é a mais acometida, seguida
deve ser feito primeiramente pela clínica, baseado na pela aórtica, pela tricúspide e pela pulmonar.
presença de febre e linfonodos cervicais dolorosos em  O sopro sistólico em foco mitral é o mais
crianças > 2 anos, com ou sem pontos purulentos nas freqüente; não varia com a posição do
amígdalas. paciente ou com os movimentos respiratórios
 A presença de tosse, rouquidão, coriza e/ou e irradia para a axila e/ou dorso.
diarréia sugere amigdalite viral.  O sopro diastólico em foco mitral é raro na
fase aguda, pois é sempre manifestação de
ARTRITE estenose mitral; portanto, quando presente,
indica surto anterior.
 Geralmente é a 1ª manifestação do surto de FR.  O sopro diastólico em foco aórtico indica
 Ocorre em 75% dos surtos de FR. insuficiência aórtica. Geralmente é discreto,
 Poliartrite migratória de grandes articulações, mais de baixa freqüência, difícil de ser detectado.
severa em adolescentes e adultos jovens que em
 A ausculta normal não afasta a possibilidade
crianças menores.
de comprometimento cardíaco. Segundo
 A duração é de 1 a 5 dias em cada articulação
estudos, podemos encontrar alterações
(comportamento transitório) e, no total, de 2
ecocardiográficas sugestivas de cardite em até
a 3 semanas.
36% dos pacientes, sem qualquer evidência
 Não deixa seqüelas (exceto por atropatia
clínica desse comprometimento.
semelhante à de Jaccoud após surtos
recorrentes). CORÉIA DE SYDENHAM (DANÇA DE SÃO VITO)
 2 características importantes são a dor
intensa, geralmente desproporcional aos  Geralmente uma manifestação tardia da FR (pode
sinais flogísticos e a excelente resposta aos ser a única manifestação da FR), que pode ocorrer de
salicilatos. 1 a 9 meses após a infecção estreptocócica.
 Predomina no sexo feminino e em crianças de 8 a
CARDITE 12 anos.
 Inicialmente, o paciente poderá apresentar
 É responsável pela morbidade e pela mortalidade
labilidade emocional, caracterizada por irritabilidade e
da doença.
choro fácil, e fraqueza muscular, caracterizada por
 Pode cursar com endocardite, miocardite,
quedas freqüentes.
pericardite ou pancardite.
 Posteriormente, são observados movimentos
 Pode ser assintomática e detectável apenas com o
incoordenados involuntários (mais em face e
ecocardiograma.
extremidades), que desaparecem durante o sono e se
Pode ser classificada como cardite leve quando o volume
acentuam durante o exame e em situações de
cardíaco permanece normal na presença de taquicardia
desproporcional ao quadro febril, com abafamento de estresse.
bulhas, sopros em áreas de ventrículo esquerdo (às vezes  Pode acometer apenas um lado do corpo
difíceis de caracterizar), intervalo PR prolongado no ECG; (hemicoréia).
Cardite moderada, quando aparecem atrito pericárdico,  Disartria e dificuldades na escrita são
sopros inequívocos de regurgitação mitral, prolongamento freqüentes.
do intervalo QT, complexo QRS de voltagem mais baixa,  A presença de movimentos coréicos em crianças é
aparecimento de padrão eletrocardiográfico de sobrecarga altamente sugestiva de FR.
atrial e/ou ventricular esquerdas e aumento do volume  O surto coréico dura, em média, de 2 a 3 meses,
cardiado; e entretanto, pode prolongar-se por mais de um ano.
Cardite grave, quando acompanhada de insuficiência
 Por ser uma manifestação tardia da FR, não são,
cardíaca, geralmente com manifestação exuberante de
geralmente, observadas alterações das provas de
comprometimento cardíaco.
atividade inflamatória ou evidência de estreptococcia.
 Clinicamente, o comprometimento do miocárdio é
representado por: taquicardia desproporcional à MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS
febre, aumento da área cardíaca, ritmo de galope e
insuficiência cardíaca.  O eritema marginado é uma alteração cutânea
plana manifesta por áreas eritematosas com centros
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esbranquiçados, que ocorrem no tronco e em áreas  Discreta leucocitose e neutrofilia, sem grandes
proximais dos membros (se estende desvios à esquerda, são freqüentemente encontradas
centrifugamente), mas não na face. na FR.
 Não é pruriginoso, é fugaz (horas de duração)
e não deixa seqüelas. PROVAS DE ATIVIDADE INFLAMATÓRIA
 Os nódulos subcutâneos (nódulos de Maynet) são
 Apesar de não específicas, as alterações dessas
nódulos indolores de consistência firme que
provas estão presentes em todos os pacientes na fase
aparecem nas superfícies extensoras dos joelhos,
aguda da FR.
tornozelos, punhos, região occipital, couro cabeludo
 Velocidade de hemossedimentação (VHS): eleva-
e/ou processo espinhoso das vértebras, sem
se já nas primeiras semanas da doença; os níveis mais
comprometimento da pele que os recobre.
altos são encontrados nos pacientes com
 Aparecem 2 a 3 semanas após o inicio da
comprometimento cardíaco. Entretanto, os seus
doença.
valores podem ser alterados pela presença de anemia,
 Duração de, pelo menos, 1 semana
pela insuficiência cardíaca e pelo uso de
(raramente meses).
 Os nódulos subcutâneos e o eritema marginado antiinflamatórios hormonais e não-hormonais.
 Inútil como medida de atividade do surto,
são pouco freqüentes, ocorrendo em menos de 3%
podendo permanecer elevada, mesmo após o
dos pacientes.
final do surto.
 Para alguns autores, o seu aparecimento
 Proteína C reativa (PCR): eleva-se, precocemente,
parece estar associado aos casos de cardite.
no início da fase aguda e tende a desaparecer no final
OUTRAS MANIFESTAÇÕES da 2ª e da 3ª semana. Assim como a VHS, sofre
influência da medicação antiinflamatória.
 Apesar de não serem consideradas manifestações  Inútil como medida de atividade, podendo
específicas da FR, a epistaxe e a dor abdominal são normalizar precocemente durante evolução
comuns na fase inicial da doença. do surto.
 Pleurite seca ou serofibrinosa, embora rara,  Alfa 1 glicoproteína ácida (α1 glico): eleva-se na
poderá aparecer nos casos de má evolução e tende a fase aguda da doença e fica elevada por tempo mais
regredir com o tratamento. prolongado. Não sofre influência da medicação e é
 A pneumonite é descrita em 1% a 2% dos casos e, usada para monitorar a atividade da FR.
em necropsias, em 22%.  Alfa 2 globulina (α2 globulina): eleva-se,
 Clinicamente, caracteriza-se por tosse seca, precocemente, na fase aguda da FR e tem uma
agitação, sudorese, dispnéia e estertores evolução semelhante à da α1 glico (também pode ser
crepitantes. utilizada para o seguimento da atividade da doença).
 Mucoproteínas são o melhor exame para
EXAMES LABORATORIAIS acompanhar a resolução do surto de FR.
 Não há, até o momento, uma prova DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO ESTREPTOCÓCICA
patognomônica para o diagnóstico da FR.
 Os exames disponíveis são apenas auxiliares.  Para o diagnóstico de uma infecção estreptocócica
recente, o ideal seria a dosagem de, pelo menos, 2
HEMOGRAMA anticorpos para o estreptococos; entretanto, por
questões, principalmente de custo, usa-se apenas a
 É de pouco valor no diagnóstico da FR, mas pode
antiestreptolisina O (ASLO). Valor > 333.
ser um importante auxiliar no diagnóstico diferencial
 Inespecífica para FR (pode estar elevada em
com doenças que simulam o quadro articular da FR.
portadores assintomáticos do estreptococo) e
 Pode-se observar anemia, geralmente discreta,
não guarda relação com atividade da doença.
principalmente em crianças com comprometimento
Evidencia contato com estreptococo.
cardíaco.
 Se ASLO normal e evidencias clínicas: repetir
 Hemoglobina < 9 mg/dl é rara e, quando
em 2 a 3 semanas (ascensão).
presente na FR, está relacionada com os
 Interação ASLO após infecção por
quadros mais graves de cardite.
estreptococo:
Entretanto, deve-se ficar atento para os pacientes
com suspeita de FR, com quadro
Início: 7 a 12 dias
predominantemente articular e que apresentam Pico: 4 a 6 semanas
anemia importante; aqui, o diagnóstico diferencial Declínio: 2 a 12 meses para negativação
com leucemia ou doença falciforme se impõe.  Aproximadamente, 20% dos pacientes com FR
poderão não apresentar elevação da ASLO, Nesses
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casos, a determinação dos anticorpos para  Com a última modificação dos critérios de
hialuronidase, desoxiribonuclease B e/ou Jones (1992), houve exclusão da “história
estreptoquinase poderá ser decisiva para o anterior de FR” e com relação ao diagnóstico
diagnóstico da infecção. da infecção estreptocócica não se considera
 A estreptozima é um teste baseado na pesquisa mais a presença ou a história de escarlatina,
simultânea de vários anticorpos para o estreptococo. em virtude dos erros nesse diagnóstico.
 Apesar do entusiasmo inicial devido aos Portanto, apenas o isolamento da bactéria
estudos que referiam uma sensibilidade em através da cultura e a dosagem dos anticorpos
torno de 95% a 98%, na prática ela não se para o estreptococo são aceitos para o
mostrou superior a ASLO. diagnóstico da estreptococcia.
Culturas de orofaringe: devem ser obtidas em todos os
casos suspeitos de FR; positivas em 20% dos pacientes à
época do surto.

EXAMES COMPLEMENTARES
 A radiografia de tórax poderá evidenciar aumento
da área cardíaca nos casos de miocardite ou derrame
pericárdico de moderado a grave, o que ocorre em até
30% dos pacientes.
 No ECG, observam-se alterações da repolarização,
caracterizadas por alongamento do espaço PR e do
espaço QT.
 A freqüência dessas anormalidades também é
baixa, em torno de 25% a 30%.
 Além disso, é importante lembrar que elas
não são específicas da FR e podem estar
presentes em doenças como artrite idiopática
juvenil sistêmica e LES.
 A persistência do espaço PR alongado poderá
estar relacionada com a fibrose do tecido
cardíaco e não necessariamente com o
processo ativo, já a persistência do espaço QT
aumentado pode ter relação com os casos
mais graves e de má evolução.
 Elevações difusas de ST podem ocorrer em
pericardites.
 O ecocardiograma Doppler, de utilização mais
recente, poderá ser um auxiliar muito importante, não
apenas para o diagnóstico, mas também no
seguimento dos pacientes com cardite reumática.
 Alguns autores afirmam que é sempre pedido
na suspeita de FR, porque é bastante sensível
para detecção de alterações valvares,
alterações de contratilidade e derrame
pericárdico (a cardite pode ser assintomática).
 Através desse método, conseguimos detectar
e mensurar o grau de comprometimento
valvar, bem como a função ventricular.

DIAGNÓSTICO
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
 O diagnóstico da FR é fundamentalmente clínico.
 Os critérios de Jones foram divididos em  São inúmeras as doenças que podem mimetizar,
manifestações maiores (de maior peso para o principalmente, o quadro articular da FR, e ser motivo
diagnóstico) e manifestações menores (de menor de erro diagnóstico.
peso).
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Principais diagnósticos diferenciais da FR critérios mundialmente aceitos para o
Comprometimento Articular diagnóstico dessa doença. Até que isso
 Leucemias ocorra, todos os pacientes devem ser tratados
 Doença falciforme como FR.
 Artrites reativas ARTRITE REATIVA PÓS-ESTREPTOCOCOS
 Infecções por vírus Poliatrite migratória e febre constituem a apresentação
 Parasitose intestinal habitual da FR em adultos. Essa apresentação é distinta
 Enterobactérias daquela da artrite reativa pós-estreptocócica, que também
 Colagenoses acompanham as infecções por EβH-A, porém, não é
 Artrite idiopática juvenil migratória, tem uma duração muito maior que o máximo
 LES típico de 3 semanas da FRA e responde precariamente aos
 Dermatomiosite salicilatos.
Comprometimento Cardíaco
 Sopros funcionais TRATAMENTO
 Prolapso de valva mitral
 Endocardite bacteriana  O tratamento da FR deve começar no momento
Coréia em que o médico suspeita da doença.
 Encefalites virais  Ele compreende algumas etapas que serão
 Coréia lúpica seguidas de acordo com as manifestações clínicas e na
 Coréia de Huntington medida em que houver maior segurança no
 Outras síndromes extrapiramidais diagnóstico.
Nódulos Subcutâneos 1. Tratamento da infecção estreptocócica.
 AR juvenil 2. Antiinflamatórios (hormonais e não
 LES
hormonais).
 Tumores benignos
3. Repouso.
Eritema Marginado
 Reação a drogas
4. Tratamento da coréia.
 Exantemas virais 5. Profilaxia secundária (prevenção de
 A história clínica detalhada, o exame físico recorrencias).
minucioso, uma avaliação laboratorial adequada, com  A droga de escolha para o tratamento da infecção
a detecção da infecção estreptocócica e o estreptocócica é a penicilina G benzatina na dose de
acompanhamento do paciente, são fundamentais 600.000 U para as crianças com peso < 25 kg e
para a segurança quanto ao diagnóstico correto da FR. 1.200.000 U para aquelas com peso > 25 kg, sempre
 Nos pacientes com coréia isolada, devemos em dose única.
solicitar o fator antinúcleo (FAN) para afastarmos a  As medicações orais são menos efetivas, em
possibilidade de LES. virtude, principalmente, da aderência ao
 Quanto à artrite reativa pós-estreptocócica, para tratamento.
alguns autores, ela é considerada uma entidade  A única exceção para a penicilina benzatina se
distinta da FR, ao passo que, para outros, ela faz parte faz nos pacientes com alergia comprovada à
do mesmo espectro da doença. penicilina. Nesses casos, indica-se o estearato
 Em países onde a freqüência de FR é muito de eritromicina na dose de 30 a 40 mg/kg/dia,
baixa ou a doença está extinta, os em 4 tomadas, por 10 dias.
especialistas podem sentir-se mais  O tratamento com antiinflamatórios visa ao
confortáveis em fazer o diagnóstico de artrite controle da artrite e da cardite.
reativa pós-estreptocócica baseados em  O AAS na dose de 80 a 100 mg/kg/dia está
aspectos clínicos, os quais divergem de algum indicado nos pacientes com comprometimento
modo do conceito estabelecido da artrite da articular.
FR.  Indica-se a prednisona na dose de 1 a 2 mg/kg/dia
 Contudo, em locais onde a FR ainda é em todas as crianças com comprometimento cardíaco
prevalente, não prescrever profilaxia agudo, qualquer que seja o grau.
secundária é correr um risco muito alto de  Para o tratamento da coréia de Sydenham,
não tratar o paciente que pode evoluir com recomenda-se o haloperidol na dose inicial de 1 a 2
comprometimento cardíaco permanente. mg/dia com aumentos progressivos até 4 a 5 mg/dia,
 A falta de consenso no diagnóstico e no de acordo com a necessidade ou o ácido valpróico na
tratamento da artrite reativa pós- dose de 30 a 40 mg/kg/dia.
estreptocócica reflete a necessidade de  Ambos são eficazes no controle dos
movimentos coréicos.

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ARTRITES SÉPTICAS/INFECCIOSAS (HARRISON, MEDCEL)

 Podem ser bacterianas, fungicas, virais ou  A disseminação bacteriana (via hematogênica) pode
parasitárias. assentar-se sobre articulações, pele e tendões,
 Fatores de risco: artropatias crônicas (AR), causando a tríade de atrite, tenossinovite e dermatite.
próteses articulares, uso de drogas injetáveis, Não-gonocócicas
extremos de idade, DM, imunossupressão.  Geralmente ocorrem por disseminação hematogênica
 Bacterianas são divididas em gonocócicas (doença de foco infeccioso a distancia (50% dos casos), por
gonocócica disseminada) e não-gonocócicas. inoculação direta (traumas articulares) ou por infecção
contigua de partes moles (celulites/erisipela).
 As não-gonocócicas são emergenciais e
 Os focos mais comuns de origem são: cutâneo,
podem evoluir para destruição articular respiratório, GI e urinário.
severa se não tratada.
 As gonocócicas são de prognóstico bem mais QUADRO CLÍNICO GONOCÓCICA
favorável (evolução indolente, menor chance
de destruição articular).  Tríade: artrite, tenossinovite e dermatite.
 25% com queixas urinárias precedendo o quadro.
PATOGÊNESE  Inicio com febre, calafrios, poliartralgia migratória
com progressão para monoartrite franca ou poliartrite
 As bactérias penetram na articulação a partir da (mais raramente).
corrente sanguínea; a partir de um local contiguo da  Sítios mais comuns: joelhos, tornozelos e
infecção no osso ou tecidos moles; ou por inoculação punhos.
direta durante uma cirurgia, injeção, mordida de  Tenossinovite pode ser migratória e ocorre em 2/3
animal ou humana; ou traumatismo. dos casos (dorso das mãos, punhos, tornozelos e
 Na infecção hematogênica, as bactérias escapam joelhos).
dos capilares sinoviais (que não possuem membrana  Dermatite ocorre em 2/3 dos casos: lesões
basal limitante) e, em algumas horas provocam uma pustulosas, vesiculosas ou maculo-papulares com
infiltração neutrofilica na sinóvia. Neutrófilos e base eritematosa (pode ser tanto próxima a
bactérias entram no espaço articular; a seguir, as articulação quanto a distancia).
bactérias aderem à cartilagem articular.  Raramente: cardite, meningite, aortite,
 A degradação da cartilagem começa em 48h como pielomiosite.
resultado da maior pressão intra-articular, liberação
de proteases e citocinas pelos condrócitos e QUADRO CLÍNICO NÃO-GONOCÓCICA
macrófagos sinoviais, bem como invasão da
cartilagem por bactérias e células inflamatórias.  Classicamente: início abrupto de edema, dor, calor
 Os estudos histológicos revelam bactérias e perda funcional em uma determinada articulação,
revestindo as sinóvias e a cartilagem, assim como com febre, calafrios e queda acentuada do estado
abscessos que se estendem para o interior da sinóvia, geral.
na cartilagem (e, nos casos mais graves, no osso  Quadro mais comum é monoarticular (90%
subcondral). dos casos).
 As proliferações sinoviais resultam na formação de  Sítios mais comuns são joelhos (40-50% dos
um pano (pannus) sobre a cartilagem, com a casos), quadris (13-20%), ombros (10-15%),
ocorrência de trombose dos vasos sinoviais punhos, tornozelos e cotovelos.
inflamados.  Foco primário de infecção a distancia pode ser
 Sobre a infecção gonocócica, admite-se que as identificado em 50% dos casos.
lesões cutâneas e achados articulares representem a AG ANG
conseqüência de reação imune aos gonococos CULTURAS - LS em até 25% - LS em + de 95% dos
circulantes e à deposição de imunocomplexos nos POSITIVAS dos casos; casos;
tecidos, por isso as culturas no liquido sinovial na - Hemocultura - Hemoculturas 40-
raramente. 50%.
artrite gonocócica são sistematicamente negativos.
EVOLUÇÃO Favorável (termos Desfavorável em 30-
Gonocócicas de seqüelas 50% dos casos.
 Originam-se da disseminação de infecção mucosa articulares) em +
primária (geralmente urogenital) pelo gonococo de 95% dos casos.
(Neisseria gonorrhoeae).
 UMA MONOARTRITE AGUDA SEMPRE DEVE SER
 Somente 25% das infecções genitais primárias são
CONSIDERADA SÉPTICA ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO!
sintomáticas.
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 Portanto, a punção articular (artrocentese) é A. Contagem de celularidade;
mandatória nos casos de monoartrite aguda B. Realização de Gram e culturas; e
sem causa evidente. C. Pesquisa de cristais (afastar doenças de
 O líquido sinovial deve ser enviado para, pelo depósito).
menos:
CATEGORIAS DE LÍQUIDO SINOVIAL
NORMAL NÃO-INFLAMATÓRIO INFLAMATÓRIO SÉPTICO
COR Clara Amarelo-citrino Amarelo-turvo Purulento ou
esverdeado
VISCOSIDADE Alta Alta Baixa Geralmente baixa
3
CELULARIDADE (mm ) Até 200 200-2000 2000-5000 + de 5000
PMN’s Até 25% Até 25% 50-75% + de 75%
PROTEÍNAS TOTAIS 1a2 1a3 3a5 3a5
(g/dL)
GLICOSE (mg/dL) Próximo a glicemia Próximo a glicemia Baixa, mas > 25 Abaixo de 25
Mordedura de cães e gatos: Pasteurella multocida.
ETIOLOGIA DAS NG
EXAMES COMPLEMENTARES
 Neonatos: S. aureus, Streptococcus SP, bacilos
Gram +.  Hemoculturas: freqüentemente positivas nas
 Até 2 anos: H. influenzae, S. aureus. artrites NG (50%), mas raramente positiva nas G (5%).
 Entre 2 e 15 anos: S. aureus, S. pyogenes.  Culturas do trato gênito-urinário: auxiliares no
 Adultos: S. aureus (55-60%), estreptococos (15- diagnóstico de artrite G (quando são positivas, em
25%). 80% dos casos).
DM, alcoolismo, neoplasias: maior incidência de  Radiografias: nos casos de traumas e fraturas.
Gram negativos.  US: auxiliar quando existe duvida se há artrite de
Anemia falciforme: Salmonella, S. pneumoniae. fato ou apenas periatrite.
Usuários de drogas ilícitas: maior incidência de  TC e RM: podem ser uteis na avaliação se suspeita
pseudômonas e Serratia. de artrite séptica de sacroilíacas ou
AIDS: maior incidência de artrites fungicas e esternoclaviculares e são de valor na identificação de
micobacterianas. osteomielite adjacente

ARTRITE PÓS-INFECÇÃO/REATIVA (HARRISON, MEDCEL)

 Artrite periférica reativa soronegativa  Forte associação com HLA-B27 e HIV.


desencadeada por infecções geniturinárias ou  Maior parte dos casos resolve-se após alguns
intestinais. meses.
ESPONDILOARTROPATIAS SORONEGATIVAS
Grupo de doenças inflamatórias inter-relacionadas que são MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
caracterizadas pela ocorrência de:
1. Entesite: inflamação das inserções tendíneas e  Reiter = tríade artrite + uretrite + conjuntivite!
ligamentares nos ossos;  Uretrites e cervicites: manifestações mais
2. Artrite do esqueleto axial (artrite sacroilíacas e precoces, tanto nas formas pós-venéreas como nas
coluna vertebral); pós-entéricas.
3. Artrite periférica (geralmente oligoartrite  Úlceras orais (pálato e língua).
assimétrica);  Balanite circinada (lesões circinadas na glande).
4. Ausência de FR; e
 Queratodermia blenorrágica (25%): lesões pápulo-
5. Associação com HLA-B27.
São elas: espondilite anquilosante, artrite psoriática,
descamativas na região plantar.
artrite reativa (Sd. Reiter) e enteroartropatias.  Manifestações articulares e periarticulares:
Distinguem-se entre si por características clínicas e  Pouco mais tardia em relação ao quadro
epidemiológicas próprias. mucocutâneo.
 Agentes desencadeantes: Chlamydia trachomatis,  Oligoartrite assimétrica aditiva mais
Salmonella, Shigella, Yersínia, Campylobacter. proeminente em MMII.
 Manifestações extra-articulares freqüentes (50%).  Dactilites e entesites (especialmente em
 Inicio 1 a 4 semanas após o quadro infeccioso fáscia plantar e tendão de Aquiles – dor
(infecção genital freqüentemente é assintomática). calcânea) em 30-50% dos casos.
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Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
 Lombalgia inflamatória com sacroilíte longa duração.
geralmente unilateral (20% dos casos).  A maioria dos pacientes se recupera dentro de 6
 Oculares: conjuntivite (geralmente simultânea a meses, porém a doença recorrente prolongada é mais
uretrite), uveíte anterior aguda (geralmente comum nos casos que acompanham uma uretrite
unilateral). clamidial.
 Os antiinflamatórios ajudam a aliviar os sintomas,
 Cardiovasculares: aortite (1-2%), insuficiência
porém o papel da antibioticoterapia prolongada para
aórtica, distúrbios de condução.
eliminar da sinóvia o antígeno microbiano é
 Neurológicas (raras): neuropatia periférica, mielite controversa.
transversa, encefalopatias.
 Renais: amiloidose (em casos crônicos). LABORATÓRIO
A síndrome de Reyter (artrite+uretrite+conjuntivite), uma
poliartrite reativa, manifesta-se várias semanas após cerca  Elevação de provas de fase ativa.
de 1% dos casos de uretrite não-gonocócica e 2% das  FAN e FR negativos.
infecções entéricas, particularmente as devidas à Yersinia  HLA-B27 positivo em 50-80% dos casos.
enterocolítica, Shigella flexneri, Campylobacter jejuni e  Líquido sinovial inflamatório.
Salmonela spp.
 Uma minoria dos pacientes exibe os outros RAIO X
achados clássico como conjuntivite, úlceras orais
e erupção cutânea.  Negativos em fases iniciais.
 Os estudos identificaram o DNA ou o antígeno  Entesites: reações periostais, formação de
microbiano no liquido sinovial ou no sangue,
esporões plantares ou calcâneos.
porém a patogenia dessa condição é pouco
conhecida.
 Sacroiliíte geralmente unilateral.
 A Sd Reyter é mais comum em homens jovens e há  Sindesmofitose (não-marginais e mais grosseiras
possível fator genético predisponente. que na EA).
 Os pacientes relatam oligoartrite assimétrica dolorosa
que afeta principalmente os joelhos, tornozelos e pés.
 A lombalgia é comum, sendo evidencia radiográfica de
sacroiliíte observada nos pacientes com doença de

DORES DE CRESCIMENTO (ABC DA SAÚDE)

 É uma das causas mais comuns de consultas em mais comum dessas dores durante a infância (pode
reumatologia pediátrica. acometer crianças em qualquer idade).
 É uma situação comum ao médico, que se depara
com uma criança absolutamente normal, saudável e CAUSAS
ativa, que refere ter episódios repetitivos de dores
 Essa entidade não tem ainda causa conhecida.
nas pernas.
 Na verdade não existe consenso entre os
 Essas crises podem ser diárias ou esporádicas,
pesquisadores nem sobre o termo "Dores do
podendo estar presentes por longos períodos
crescimento", que dá a idéia de que o
antes de desaparecerem.
crescimento em peso ou em altura pode gerar
 Em geral, a dor é bilateral, descrita pela
dor.
criança como profunda, intensa e
 Apesar de não ter causa conhecida, existe uma
principalmente no final do dia ou à noite.
série de hipóteses que tentam explicar a origem
 Uma história típica é a da criança que vai
dessas dores.
dormir bem e acorda chorando com dor,
 É muito comum encontrarmos distúrbios
solicitando a presença da mãe que usa
emocionais ou simplesmente uma situação de
analgésicos ou massagens, que acabam
crise própria da idade (nascimento de um
levando ao alívio. A criança volta a dormir e
irmão, ingresso na escola, mãe que começa a
acorda bem no dia seguinte, reassumindo
trabalhar).
suas atividades normais.
 Também se viu que essas crianças são, em
 Não ocorrem sinais de inflamação articular nos
geral, filhas de pais que também tiveram
momentos de crise.
quadros semelhantes durante a infância e nas
 Costuma acometer meninos e meninas em
próprias crianças são encontradas outras
proporções parecidas, cerca de 12,5%, não havendo
situações de dor crônica como dor de cabeça
uma concordância entre os autores sobre o período
ou dor abdominal, ou seja, parece haver uma

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combinação de fatores emocionais associados  Durante as crises, mantém-se a conduta de usar
a uma "tendência" a dor crônica. analgésicos, massagens e calor.
 Não há indicação para limitar a criança em
TRATAMENTO qualquer aspecto: alimentação e atividades físicas
estão liberadas e devem, inclusive, ser estimuladas.
 A primeira coisa a ser feita é a exclusão de outras  Enfatizar a natureza benigna dessa doença, que
possibilidades diagnósticas o que é feito durante a
tende a desaparecer com o passar do tempo e que
consulta e através da avaliação laboratorial.
não traz qualquer tipo de seqüela, não predispondo o
 Após confirmado o diagnóstico, é fundamental que
paciente a outras doenças reumáticas no futuro.
se tranqüilize a família, já que se trata de uma
 Em certas situações é necessária uma abordagem
patologia benigna e auto-limitada, que não trará
mais focada nos aspectos emocionais da criança,
seqüelas e limitações e que não terá impacto no
trazendo para o tratamento auxílio de um
crescimento da criança.
psicoterapeuta.

LUPÚS ERITEMATOSO SISTÊMICO (VOLTARELLI, NETTER,


HARRISON, MEDCEL, HELBERT)

 O LES é uma doença auto-imune inflamatória lúpus cutâneo subagudo e lúpus neonatal (uma
crônica que acomete múltiplos órgãos ou sistemas. erupção transitória ou bloqueio cardíaco congênito
 Sua etiologia é multifatorial, em que a interação da observado no parto quando os anticorpos maternos
predisposição genética (vários genes de anti-Ro atravessam a placenta).
suscetibilidade) e diversos fatores, como os
hormonais (metabolismo do hormônio sexual, o EPIDEMIOLOGIA
estresse emocional envolvendo desequilíbrio do eixo
 A doença tem uma predominância feminina.
neuro-psico-imuno-endócrino ou a dieta), ambientais
 O pico da incidência ocorre durante os anos
(exposição à sílica ou à luz solar) e infecciosos, levam à
reprodutivos (15 - 40 anos), com as mulheres
perda da tolerância imunológica e à produção de
sendo afetadas até 10 vezes mais
auto-anticorpos dirigidos principalmente contra
freqüentemente do que os homens.
antígenos nucleares, alguns dos quais participam da
 Dentre as crianças e as pacientes pós-
lesão tecidual imunologicamente mediada.
menopáusicas, a proporção mulher para
 A causa do LES é desconhecida.
homem é de 2:1 até 3:1.
 Infecção por EBV, algumas drogas
 Existe um componente genético; a concordância
(procainamida, hidralazina, minociclina, β-
em gêmeos monozigóticos é tão alta quanto 25%.
bloqueadores, agentes anti-TNF), radiação UV
 Os afro-americanos têm uma incidência 3 vezes
e aumento da relação estrógeno/andrógeno
maior de LES, experimentam a doença em idades mais
são reconhecidos como possíveis fatores
precoces, com mortalidade aumentada quando
desencadeantes da doença.
Caracterizado pela produção de auto-anticorpos não-
comparados aos brancos.
órgão-específicos, incluindo os anticorpos antinucleares  Os hispânicos e os asiáticos apresentam uma
(AAN ou FAN), anticorpos antidupla hélice de DNA (anti- prevalência aumentada de LES e de nefrite.
dsDNA), anticorpos antifosfolipídicos e um autoanticorpo  Apesar de intensa investigação, as diferenças
marcador (anti-Sm). raciais na expressão do lúpus permanecem mal
 É uma moléstia com variado espectro de compreendidas.
apresentação clínica, que evolui cronicamente, com
fases de exacerbações e períodos de remissões, e a ETIOPATOGENIA
terapia pode incluir o uso extenso de corticosteróides
 Basicamente, parece haver defeito no clearance de
e outros imunossupressores.
células apoptóticas, permitindo estimulação do
 As conseqüências para a saúde incluem
sistema imunológico por apresentação de
insuficiência renal, vasculite, artrite e complicações
autoantígenos, perda da tolerância imunológica,
neuropsiquiátricas, incluindo convulsões e psicose.
ativação policlonal de linfócitos B, produção de auto-
 O LES é uma das várias formas do lúpus. As outras
anticorpos, diminuição do clearence de
formas incluem o lúpus cutâneo crônico (sem
imunocomplexos e falha nos mecanismos supressores
características sistêmicas), lúpus induzido por
e de regulação imunológica.
fármacos (uma forma autolimitada de lúpus que se
resolve quando o fármaco agressor é descontinuado),
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Em resumo, as anormalidades da função incluem  Não se conhecem as causas que levam às
hiperatividade das células B, resultando em produção anormalidades imunológicas, mas admite-se que deva
aumentada de imunoglobulinas, reconhecimento de auto- haver uma interação entre múltiplos genes que
antígenos e formação de auto-anticorpos com alteração da conferem suscetibilidade à doença e fatores
tolerância normal. Os defeitos das células T incluem a
ambientais que levam à ativação de linfócitos T e B,
função auxiliar excessiva e os defeitos na imunidade
com conseqüente formação de auto-ac e IC.
mediada por células.
 Entretanto, os auto-ac podem ocorrer em indivíduos
 A lesão tecidual no LES decorre, principalmente, da
normais. Geralmente, eles têm baixo titulo, têm baixa
formação e da deposição de imunocomplexos, da especificidade e afinidade e são da classe IgM.
ativação do sistema do complemento e conseqüente  Auto-ac de alta especificidade e afinidade, da classe
processo inflamatório. IgG, caracterizam os auto-ac patogênicos. Auto-ac
 As citopenias no LES são devidas à ação de causariam lesão tecidual, que, por sua vez, forneceria mais
anticorpos dirigidos contra antígenos de superfície de auto-antigenos que estimulariam o sistema imunológico,
membranas celulares, favorecendo a destruição perpetuando a resposta auto-imune.
dessas células pelo sistema fagocitário mononuclear.
 O paciente com LES apresenta distúrbios
imunológicos caracterizados pela produção de vários
auto-anticorpos (auto-ac) patogênicos e
imunocomplexos (IC), assim como pela falha na
depuração desses auto-ac e IC.
 Déficit na depuração de material de células
apoptóticas, propiciando situações em que
antígenos próprios possam ser apresentados
ao sistema imunológico, tem sido um dos
mecanismos aventados para a perda de
tolerância imunológica que ocorre nessa
doença.

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MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS lesões bolhosas.
 Geralmente, localizam-se em áreas expostas ao
 O comprometimento de diversos órgãos ou sol, como face, membros superiores, dorso e
sistemas pode ocorrer de forma simultânea ou região ântero-superior do tórax.
seqüencial.  As lesões caracterizadas como lúpus cutâneo subagudo
 Queixas constitucionais, como adinamia, mal-estar, são pápulas eritematosas ou pequenas placas, de aspecto
fadiga, perda de peso e febre são freqüentemente anular, que podem lembrar lesões da psoríase ou o
eritema anular centrifugo.
observadas na fase ativa da doença.
 As lesões crônicas discóides costumam iniciar corno
 A febre pode ser baixa e contínua, ou alta, em pápulas ou placas eritematosas que evoluem tomando-se
picos. espessadas e aderidas, com hipopigmentação central.
 A perda de peso geralmente é leve, contudo,  Com a progressão da lesão, ocorre formação de
em alguns casos, pode ser bastante rolha folicular e atrofia central, acompanhadas de
acentuada, levando à caquexia lúpica. alterações discrômicas.
 Também se localizam em áreas expostas ao sol.
 A fotossensibilidade tem ocorrência variada (40% a
60%) e é muito freqüente em nosso meio.

MANIFESTAÇÕES MUSCULOESQUELÉTICAS
 O envolvimento musculoesquelético é uma das
manifestações mais precoces e mais freqüentes do
lúpus.
 As artralgias e a tendinite são mais freqüentes do
que o edema da sinovite.
 A atrite de pequenas articulações das mãos, dos
punhos e dos joelhos, freqüentemente, é simétrica e
costuma ter caráter intermitente. Mais raramente, pode
ter evolução crônica, mas, caracteristicamente, não cursa
com erosões ósseas.
 O comprometimento de tecidos periarticulares é
freqüente e pode levar a deformidades articulares, como
desvio ulnar dos dedos e os dedos em pescoço de cisne.
 A osteonecrose (necrose avascular), com freqüência
afetando bilateralmente as cabeças femorais, pode se
desenvolver em até 5 a 10% dos pacientes com LES.
 Queixas de dor, principalmente em ombros, quadril e
joelhos, também podem ser causadas por necrose óssea
avascular.
 A artrite de Jacoud é uma artropatia deformante,
mas não erosiva (causada por frouxidão ligamentar)
que pode se desenvolver.
 A miosite é infreqüente (abaixo de 15%), de
gravidade leve à moderada.
 A miopatia também pode se desenvolver
MANIFESTAÇÕES CUTÂNEAS devido à terapia com corticosteróides ou,
 O sistema mucocutâneo é afetado em 80 a 90% raramente, com antimaláricos.
dos pacientes.  Também têm sido implicados o fenômeno de
 O lúpus discóide é mais comum, atingindo 15% a Raynaud, a vasculite de pequenos vasos, a embolia
30% dos pacientes com LES. gordurosa e os anticorpos anticardiolipina, embora
 Os achados cutâneos específicos do LE são vistos freqüentemente relacionados à duração e ao pico da
no contexto de LE cutâneo agudo (com eritema malar exposição aos corticosteróides.
ou uma erupção bolhosa generalizada ou de  O fenômeno de Raynaud é relatado em 20% a 40% dos
casos e, geralmente, ocorre na fase ativa da doença.
fotossensibilidade).
 A vasculite costuma comprometer artérias de pequeno
 Lesão em asa de borboleta ou vespertílio é
calibre, afetando, sobretudo, mucosa oral ou nasal e
caracterizada por ter início agudo, ser eritematosa, com
polpas digitais de mãos e pés.
localização em regiões malares e dorso do nariz.
 Outras lesões agudas são as lesões eritêmato-
maculares, papulares ou máculo-papulares e as
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MANIFESTAÇÕES HEMATOLÓGICAS  Alteração do sedimento urinário e/ou proteinúria
ocorre em cerca de 50% dos pacientes ao longo da
 A anemia em pacientes com LES, freqüentemente, evolução da doença.
é normocrômica e normocítica, sendo atribuída à  A nefrite lúpica pode variar desde uma leve
doença crônica e à atividade inflamatória da doença. proteinúria assintomática até uma glomerulonefrite
 Em menos de 15%, a anemia é do tipo rapidamente progressiva associada com doença renal
hemolítica auto-imune. terminal.
 A leucopenia e a linfopenia são referidas em mais  O aparecimento precoce da doença renal a
de 50% dos casos, ao longo da evolução da doença. partir do momento da apresentação e um
 Plaquetopenia grave, abaixo de 50.000 indicador de mau prognóstico.
plaquetas/mm3, ocorre em menos de 10% dos casos. Outras características prognósticas de um
 Muito raramente, pancitopenia pode ocorrer por desfecho ruim incluem pouca idade, sexo
aplasia medular devido a mecanismo imunológico. masculino, azotemia persistente e alta pontuação
de atividade e cronicidade na biópsia renal. O LES
MANIFESTAÇÕES NEUROPSIQUIÁTRICAS não é uma contra-indicação para transplante
renal. O risco de recorrência da nefrite lúpica no
 Todos os níveis do sistema nervoso central e transplante é menor que 10%.
periférico podem estar envolvidos, se manifestando  Cerca de 10% dos pacientes com nefrite lúpica
em 24 a 59% dos casos de LES. evoluem para insuficiência renal terminal
 Os problemas mais comuns incluem cefaléias, após 5 anos.
convulsões (focal e difusa) e várias aberrações da
psique (transtornos afetivos, psicoses e doença SEROSITES
cerebral orgânica).
 Pleurisia e/ou pericardite são encontradas em
MANIFESTAÇÕES RENAIS cerca de 50% dos pacientes durante a evolução da
doença, quando a investigação incluir exames
 O envolvimento renal é altamente variável na subsidiários mais sensíveis, como a radiografia do
apresentação histológica: tórax ou o ecocardiograma.
Classificação Nefrite Lúpica (OMS)
Classe I: GN mesangial mínima; MANIFESTAÇÕES PULMONARES
Classe II: GN proliferativa mesangial;
Classe III: GN proliferativa focal;  A pleurite é mais freqüentemente encontrada.
Classe IV: GN proliferativa difusa (segmentar ou global);  Febre, dispnéia e tosse, com ou sem cianose
Classe V: GN membranosa (pode ser pura ou associada às ou escarro hemoptóico, são manifestações
classes III e IV); que podem ocorrer na pneumonite aguda
Classe VI: Glomeruloesclerose. lúpica.
 O exame radiológico, geralmente, mostra
CLASSE ACHADOS ACHADOS infiltrado alveolar difuso, com predomínio nas
CLÍNICOS LABORATORIAIS bases, podendo ou não ser acompanhado de
I e II (mesangial) Geralmente s/ Proteinúria e derrame pleural.
sintomas, hematúria  Uma síndrome de perda progressiva do volume
PA normal discretas,
pulmonar (pulmão que encolhe) devido à disfunção
Cr normal
III (prolif. focal) HAS, síndrome Proteinúria e
diafragmática é cada vez mais reconhecida.
nefrítica/nefrótica hematúria,
Cr elevada
MANIFESTAÇÕES CARDÍACAS
IV (prolif. difusa) HAS, síndrome Proteinúria e
 Embora o diagnóstico clínico de miocardite seja
nefritica/nefrótica hematúria,
(+ q na III) Cr elevada
feito em menos de 10% dos pacientes, exames
(+ q na III) subsidiarios, como a cintilografia miocárdica ou o
V (membranosa) Síndrome Proteinúria ecocardiograma, mostram disfunção miocárdica em
nefrótica, nefrótica, Cr maior número de pacientes em fase ativa da doença.
PA normal geralmente  O envolvimento do endocárdio (endocardite de
normal Libman-Sacks) é mais freqüentemente diagnosticado
em autópsias ou sugerido por alterações no
 O envolvimento renal é caracterizado pela ecocardiograma.
presença de proteinúria > 0,5 g/24 horas, cilindrúria  A endocardite asséptica verrucosa está
anormal ou pelo aumento dos níveis séricos de associada à presença de anticorpos
creatinina sem outra causa.
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antifosfolípides e pode se complicar com seja causada por doença arteriosclerótica
infecção secundária. acelerada.
 A coroniarite é uma manifestação muito rara, e a  O processo inflamatório corrente parece ser
aterosclerose é a causa mais freqüente de um fator de risco independente, separado das
comprometimento coronário, mesmo em pacientes co-morbidades de hipertensão,
na pré-menopausa. hipercolesterolemia, terapia com
 Aparentemente a segunda parte da curva corticosteróides e diabete.
bimodal reconhecida da mortalidade do lúpus

ou trombocitopenia transitória. O bloqueio cardíaco é


OUTRAS MANIFESTAÇÕES irreversível. A contracepção para as pacientes com lúpus
deve considerar o risco aumentado de trombose, que e
 Aumento de linfonodos pode ser encontrado em visto com os anticorpos antifosfolipídicos. Se estes
cerca de 40% dos pacientes com LES em atividade. estiverem presentes, devem ser evitados os
 Geralmente, o aumento é discreto, indolor e contraceptivos contendo estrógenos.
não aderente, ocorrendo em região cervical
ou axilar. DIAGNÓSTICO
 Eventualmente, pode ocorrer adenomegalia
 Sem manifestação clínica patognomônica ou teste
importante, que pode cursar com necrose
laboratorial sensível e específico, o diagnóstico de LES
inflamatória central, não-caseosa.
é dificultado pelo pleiomorfismo das manifestações.
 Hepatomegalia é descrita em 10% a 30% e
 Deve-se suspeitar desse diagnóstico em
esplenomegalia, em 20% dos casos.
pacientes com manifestações características,
 Inflamação aguda do peritônio pode causar dor
como lesões cutâneas típicas, que apresentem
abdominal e ascite asséptica; muito raramente, pode
comprometimento de múltiplos órgãos ou
evoluir com peritonite crônica.
tenham queixas sistêmicas, sem causa
 Pancreatite aguda, vasculite mesentérica ou
aparente.
isquemia intestinal podem ocorrer devido à vasculite
 Os critérios para classificação do LES, conforme as
abdominal.
revisões de 1982 e 1997 pelo American College of
 Dor abdominal, náuseas e vômitos podem ocorrer
Rheumatology, são utilizados no mundo todo.
devido à doença ativa ou a efeitos colaterais de
 Esses critérios permitem a comparação dos
antiinflamatórios ou corticosteróides.
pacientes por meio de estudos clínicos e não
 Conjuntivite (1O%), uveíte (2%) e vasculite
são critérios clínicos diagnósticos.
retininana (9%) podem ocorrer.
 Os pacientes podem apresentar menos das 4
É normal a fertilidade no LES não-complicado. As
exacerbações do lúpus não tem-se demonstrado mais características e ainda ter LES sem outra
freqüentes ou mais graves durante a gravidez; contudo, característica clínica ou sorológica; pacientes
existe uma freqüência aumentada de abortos no segundo com síndrome de anticorpos antifosfolipídicos
trimestre (15%), prematuridade aumentada (20%) e primários podem ter 4 ou mais critérios, e não
natimortalidade (5%). A síndrome de lúpus neonatal pode ter LES.
estar associada com erupção, bloqueio cardíaco completo
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La, Sm e RNP e contra outros componentes celulares.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS  O DNA das células em apoptose geralmente é
eliminada pelo sistema imunológico natural.
 Por serem as manifestações do LES tão  Quando os mecanismos do sistema imunológico
pleiomórficas, há vários diagnósticos diferenciais, natural falham, o sistema imunológico adquirido é
sendo os mais freqüentes: exposto ao DNA de dupla hélice.
1. Outras doenças difusas do tecido conjuntivo:  As células B podem, então, produzir anticorpos IgG
artrite reumatóide, polimiosite/ contra o DNA de dupla hélice.
dermatomiosite, sindrome de Sjögren, doença  Complexos IgG-DNA são formados nos tecidos e na
mista do tecido conjuntivo e vasculites circulação, desencadeando a inflamação.
sistêmicas primárias; Os anticorpos IgM contra do DNA de cópia única são
produzidos em níveis baixos em algumas pessoas
2. Doenças infecciosas: moléstia de Hansen,
saudáveis, e não parecem causar doença. As células B
endocardite bacteriana subaguda, sífilis normalmente não são expostas ao DNA de dupla hélice
secundária, AIDS, infecção por citomegalovírus, porque, quando as células morrem por apoptose, o DNA
parvovirus B19 e por vírus da hepatite B ou C; fica dentro das vesículas que são rapidamente fagocitadas.
3. Outras doenças: pênfigo, porfiria, linfoma, Qualquer DNA que extravase das células ativa o
hepatite crônica ativa, doença de Kikuchi. complemento e a lecitina ligante de manose, sendo
RESUMO DA VISÃO IMUNOLÓGICA NO LES opsonizado e rapidamente fagocitado. Esses mecanismos
O LES é uma doença auto-imune causada por complexos garantem que o DNA seja rapidamente seqüestrado
imunes circulantes: hipersensibilidade do tipo 3. O (escondido) pelo sistema imunológico inato. O sistema
principal antígeno nos complexos imunes é o DNA de imunológico adquirido normalmente não entra em contato
dupla hélice, e os anticorpos são IgG anti-DNA. Também com o DNA de dupla hélice e não desenvolve tolerância a
existem anticorpos contra proteínas ribonucléicas ele. O LES é mais comum em pacientes com defeitos na
(proteínas nucleares associadas ao DNA) chamadas de Ro, apoptose, complemento e lecitina ligante de manose:
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quando esses mecanismos falham, as células B prematuridade e retardo de crescimento
reconhecem o DNA de dupla hélice e começam a produzir intra-uterino devido à insuficiência
anticorpos IgG. placentária), caracterizando a síndrome do
anticorpo antifosfolípide secundário.
EXAMES LABORATORIAIS  Anticorpos anticardiolipina são positivos em
 Anticorpo antinúcleo (AAN ou FAN): virtualmente cerca de 40% dos pacientes com LES. O teste
universal no LES (mais de 95% dos pacientes com LES de ELISA para sua detecção está bem
em atividade). padronizado e são valorizados títulos
 Quando negativo: presença exclusiva de anti- moderados e altos (≥40 GPL ou MPL) de
Ro ou anti-ss DNA. anticorpos anticardiolipina da classe IgG e/ou
 Anticorpo anti-ds DNA: especifico para LES, IgM.
associado à atividade renal, freqüência de 40-70% dos  O anticoagulante lúpico tem positividade variável
casos. na dependência do teste utilizado para sua detecção.
 Anticorpo anti-ss DNA e anti-histona: inespecíficos
MANEJO E TERAPIA
para LES, porém freqüentes (anti-histona é quase
universal no lúpus induzido por drogas).  O lúpus é um distúrbio clinicamente heterogêneo,
 Anticorpo anti-Sm: específico do LES, mas sua com alguns pacientes experimentando o problema na
frequencia é de apenas 30%. pele ou nas articulações e outros com
 Anticorpo anti-RPN:inespecífico, freqüência de 30- comprometimento renal ou neurológico
40%, relacionado à ocorrência de fenômeno de potencialmente fatal.
Raynoaud.  O foco do tratamento baseia-se nas manifestações
 Anticorpo anti-Ro/SS-A: inespecífico, freqüência clínicas individuais.
de 30%, relacionado ao lúpus cutâneo subagudo,  É essencial determinar a atividade e a gravidade da
fotossensibilidade, lúpus neonatal e plaquetopenia. doença (p. ex., ativa ou em remissão) e o
 Anticorpo anti-La/SS-B: inespecífico, freqüência de envolvimento potencial dos órgãos vitais, para
10%, aparece em associação com anti-Ro. escolher a terapia apropriada.
 Anticorpo anti-P: específico para LES, freqüência  A evidência de um processo inflamatório pode
de 10%, associado ao LES psiquiátrico. necessitar da terapia imunossupressora imediata e a
AUTO-ANTICORPOS ESPECÍFICOS PARA LES: anticoagulação para os eventos trombóticos ou
1. Anti-ds DNA (anti DNA de dupla hélice) embólicos.
2. Anti-Sm
 A educação do paciente sobre o espectro da
3. Anti-P
doença e os desfechos em longo prazo é essencial
AUTO-ANTICORPOS MARCADORES DE ATIVIDADE DA
DOENÇA: para recrutá-lo como um parceiro ativo no
1. Anti-ds DNA reconhecimento das alterações clínicas e dos riscos
2. Anti-P importantes.
 O fator reumatóide está presente em cerca de  Os pacientes devem ser instruídos a evitar o
25% a 30% dos casos. excesso de exposição à luz ultravioleta, por
 A dosagem de complemento hemolítico total ou exemplo, com o uso de bloqueador solar alto
dos componentes do complemento mostra que mais (30+) ou a proteção das fontes de luz
de 50% dos pacientes apresentam diminuição dos fluorescente.
mesmos ao longo da evolução da doença.  Os sujeitos com lúpus estão em risco aumentado
 Queda dos níveis de complemento é um dos para infecção, mesmo na ausência de
parâmetros de atividade da doença. corticosteróides; as febres devem ser avaliadas
 Entretanto, algumas de suas frações também completamente, em vez de serem atribuídas
podem estar diminuídas ou até ausentes, por inicialmente ao LES.
deficiência geneticamente determinada,  A fadiga é comum e pode ser intensa.
como a deficiência congênita de C2, C4, C1q  É importante excluir outras causas como
ou C1r/s. doença da tireóide, fibromialgia coexistente,
 Anticorpos antifosfolípides podem ser detectados insuficiência supra-renal após a retirada do
como anticoagulante lúpico, em testes funcionais, ou esteróide ou depressão.
como anticorpos anticardiolipina.  O seguimento regular a longo prazo deve ser
 Apresentam associação com fenômenos provido, incluindo o exame de urina, pois o
trombóticos venosos ou arteriais e morbidade envolvimento renal pode ser assintomático até que
gestacional (abortamentos de repetição, óbito esteja bem estabelecido.
intra-uterino, eclâmpsia, pré-eclâmpsia,

17
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
 Os pacientes com LES têm um risco aumentado de  O lúpus está associado a um risco aumentado de
doença cardiovascular prematura por sua doença osteoporose, mesmo sem a terapia com esteróides, e
inflamatória subjacente. é muito importante a prevenção ou tratamento da
 Os pacientes devem ser encorajados a tomar perda óssea.
rigorosa atenção para minimizar os fatores de
risco tradicionais.

18
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
 Os benefícios incluem a redução de lipídeos e
AGENTES FARMACOLÓGICOS os possíveis efeitos antitrombóticos.
 Os fármacos imunossupressores (p. ex.,
 Os AINEs são úteis no controle dos sintomas
azatioprina, ciclofosfamida, micofenolato mofetil e
articulares (artralgias, artrite), pleurite, pericardite e
ciclosporina A) são usados para doença grave e devido
cefaléias. aos seus efeitos poupadores de esteróides.
 Os inibidores seletivos da COX-2 não têm sido
 Suas toxicidades potenciais obrigam a uma
estudados especificamente no LES, mas
monitorização contínua.
provavelmente mostram a mesma toxicidade GI
 O metotrexato tem sido crescentemente utilizado
diminuída apresentada nas outras populações de
para a artrite ou doença cutânea grave, novamente
pacientes.
com a monitorização apropriada.
 Os efeitos colaterais dos COX-2, bem como
 É necessária uma atenção à contracepção
dos inibidores não-seletivos da cicloxigenase,
durante a terapia, pelo risco de
incluem efeitos adversos sobre o rim, o fígado
teratogenicidade.
e a função do SNC, que podem imitar a
atividade aumentada do LES.  Os pontos principais do manejo do LES incluem:
 Muitas das características clínicas do LES
1. O LES é uma doença de remissões e
respondem aos corticosteróides, que podem ser
exacerbações. Os pacientes que estejam em
administrados por via oral, parenteralmente por
remissão clínica não devem receber terapia.
injeção intramuscular, injeção intralesional nas lesões
2. A ciclofosfamida não deve ser usada nas
cutâneas, injeção intra-articular na artrite ou via pulso
situações sem risco de vida devido a gravidade de
(intravenosa).
seus efeitos colaterais, os quais incluem ablação
 Os riscos em longo prazo incluem
gonadal, alopecia, hemorragia vesical e
suscetibilidade aumentada a infecções,
malignidade.
catarata, hipertensão, diabete e osteoporose.
3. A troca de plasma (plasmaférese) não tem
 Os fármacos antimaláricos podem ser úteis e
demonstrado benefícios na nefrite Iúpica grave,
incluem a hidroxicloroquina ou, mais raramente, a
mas tem mostrado respostas eventuais no
cloroquina ou a quinacrina.
tratamento de situações agudas potencialmente
 Tais agentes são mais úteis quando forem
fatais (p. ex., vasculite disseminada). Nos
predominantes as características cutâneas,
pacientes com púrpura trombocitopênica
articulares, pleurais ou pericárdicas.
trombótica concomitante esta terapia pode
 São essenciais os exames oftalmológicos
salvar a vida.
regulares para monitorizar possível
toxicidade.

ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL (VOLTARELLI)

 O termo AIJ foi adotado para substituir os termos  A classificação proposta pela Liga
artrite crônica juvenil e artrite reumatóide juvenil, Internacional de Associações para o
anteriormente usados, respectivamente, na Europa e Reumatismo (ILAR) é a mais recente e divide a
nos Estados Unidos. AIJ em 7 subtipos: sistêmico, oligoarticular,
 AIJ não é uma doença única, mas um termo amplo poliarticular fator reumatóide (FR) positivo,
que engloba todas as formas de artrite crônica (com poliarticular FR negativo, artrites relacionadas
duração maior do que 6 semanas) de etiologia com as entesites, artrite psoriásica e artrites
desconhecida que começam antes dos 16 anos. indiferenciadas.
 Trata-se, portanto, de um diagnóstico de  O objetivo dessa nova classificação é
exclusão. identificar subtipos homogêneos de pacientes
 Diferentes classificações têm sido utilizadas para com artrite crônica e permitir o avanço das
identificar subgrupos diferentes de pacientes com pesquisas relacionadas com etiologia,
artrite crônica. patogênese, epidemiologia, história natural e
terapêutica.

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Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
Critérios para o Diagnóstico e Classificação das AIJ segundo a ILAR
Definição
Artrite com duração mínima de 6 semanas em 1 ou + articulações, idade de inicio inferior a 16 anos e exclusão de outras causas
de artrite
Classificação em Tipos ou Categorias
(Definidas pelas Manifestações Clínicas durante os Primeiros 6 Meses da Doença; Mutuamente Exclusivas)
1. Artrite sistêmica (Doença de Still)
- Definição: artrite em 1 ou + articulações acompanhada ou precedida por febre de duração mínima de 2 semanas e
acompanhada por, pelo menos, 1 das seguintes manifestações:
- Exantema evanescente (não fixo), adenomegalia generalizada, hepato e/ou esplenomegalia
- Serosite.
- Exclusões: a, b, c, d
2. Oligoartrite
- Definição: artrite em 1 a 4 articulações durante os 6 primeiros meses de doença. 2 subcategorias são reconhecidas:
- Oligoartrite persistente: compromete até 4 articulações durante todo o curso da doença
- Oligoartrite estendida: compromete 5 ou mais articulações após os 6 primeiros meses de doença
- Exclusões: a, b, c, d, e
3. Poliartrite fator reumatóide (FR) negativo
- Definição: artrite em 5 ou mais articulações durante os 6 primeiros meses de doença; teste para FR negativo
- Exclusões: a, b, c, d, e
4. Poliartrite FR positivo
- Definição: artrite em 5o ou mais articulações durante os 6 primeiros meses de doença; 2 ou mais testes para FR positivos, com
intervalo de, pelo menos, 3 meses, durante os primeiros 6 meses de doença
- Exclusões: a, b, c, e
5. Artrite psoriásica
- Definição: artrite e psoríase ou artrite e pelo menos 2 dos seguintes critérios: dactilite; sulcos ou depressões ungueais (nail
pitting) ou onicólise; ou psoríase em um parente de primeiro grau
- Excusões: b, c, d, e
6. Artrite relacionada com a entesite
- Definição: artrite e entesite ou artrite ou entesite acompanhada de pelo menos 2 dos seguintes critérios: história de dor na
articulação sacro-ilíaca; presença do antígeno HLA-B27; início da artrite em menino após os 6 anos de idade; uveite anterior
aguda sintomática; história de espondilite anquilosante, artrite relacionada com a entesite, sacroiliíte com doença intestinal
inflamatória, síndrome de Reiter ou uveite anterior aguda em um parente de primeiro grau
- Exclusões: a, d, e
7. Artrites indiferenciadas
- Definição: artrite que não preenche critérios para qualquer das categorias anteriores ou que preenche critérios para 2 ou mais
categorias
* Lista de exclusões: a - psoríase no paciente ou em parente do primeiro grau; b - artrite em menino HLA-B27 positivo, após os 6 anos de
idade; c - espondilite anquilosante, artrite relacionada com entesite, sacroiliíte com doença intestinal inflamatória, síndrome de Reiter ou
uveite anterior aguda, ou presença de qualquer uma das manifestações descritas em um parente de primeiro grau; d - presença de fator
reumatóide IgM em, pelo menos, duas ocasiões com intervalo de três meses; e - presença de AIJ sistêmica no paciente
 Os fatores ambientais possivelmente associados ao
EPIDEMIOLOGIA desenvolvimento de AIJ são os agentes infecciosos, os
traumas físicos, os fatores hormonais e psicológicos.
 A AIJ acomete crianças e adolescentes em todos os
 Entre os vírus implicados na etiologia da AIJ
países do mundo.
estão o Epstein-Barr, o parvovírus BI9, os vírus
 Trata-se da doença reumática crônica mais
influenza, os da rubéola e o herpes simples, o
freqüente em crianças.
vírus coxsackie e o adenovírus.
 Quanto à faixa etária, existe uma distribuição
 Estimulos ambientais, através de mecanismos
bimodal da AIJ, com um pico de incidência entre 1 e 3
mediados pelo sistema imune, podem
anos e outro entre 8 e 10 anos.
desencadear uma resposta inflamatória em
 Não existem estudos populacionais sobre a
um individuo geneticamente suscetível,
prevalência da AIJ no Brasil.
levando a destruição articular na AIJ.
ETIOPATOGENIA  A presença de células T CD4+ no liquido
sinovial de adultos com AR e crianças com AIJ
 A multiplicidade das características clínicas, comprovam a participação da imunidade
evolutivas, imunológicas e imunogenéticas dessa celular nessa doença.
doença heterogênea sugere que as diferentes formas  Por outro lado, vários trabalhos
clinicas representem, na realidade, entidades clínicas demonstraram a presença de altos níveis de
distintas com mecanismos etiopatogênicos próprios.
20
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6 e TNF-α) e afastar causas específicas de artrite nessa
no líquido sinovial de crianças com AIJ. faixa etária.
 Além disso, foi também observado que níveis  Trata-se de um diagnóstico de exclusão, uma vez
de IL-6 estão significativamente mais elevados que não existem sinais, sintomas ou exames
em pacientes com AIJ de início sistêmico, laboratoriais exclusivos dessa doença.
quando comparados aos pacientes com AIJ  Muitas outras doenças podem causar artrites
oligoarticular e adultos com AR. em crianças e adolescentes e os diagnósticos
 Essas citocinas têm papel fundamental na diferenciais mais importantes para a AIJ são:
inflamação crônica e na destruição da Trauma
articulação e constituem alvo de novas formas Doenças hematológicas e neoplásicas
de tratamento. - Anemia falciforme
 Outras evidências da participação do sistema - Hemofilia
- Leucemias
imune na patogênese da AIJ são a presença de hiper-
- Linfoma
gamaglobulinemia, anticorpos antinucleares, fator
- Neuroblastoma
reumatóide e imunocomplexos circulantes, também - Granuloma eosinofílico
no líquido sinovial. - Tumores ósseos
 Vários aspectos dos mecanismos patogênicos Outras causas
responsáveis pelas manifestações clínicas da AIJ - Dores de crescimento
necessitam de melhores esclarecimentos. - Síndrome de hipermobilidade articular
- Dores músculo-esqueléticas não-orgânicas:
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS fibromialgia, distrofia simpatico-reflexa,
reumatismo psicogênico
 A criança com AIJ pode apresentar, além da artrite - Epifisiólise da cabeça do fêmur
crônica, manifestações extra-articulares variáveis, - Sinovite por corpo estranho
dependendo do tipo de início da doença. - Sinovite transitória do quadril
 Em qualquer tipo de inicio, os joelhos são as - Sindrome de Osgood-Schlatter
articulações mais freqüentemente acometidas. - Doenças do tecido conjuntivo
- Lúpus eritematoso sistêmico
 O componente doloroso da artrite, às vezes, é
- Dermatomiosite
pouco intenso, o que pode dificultar o - Esclerose sistêmica
reconhecimento do problema articular. Infecções
 Estudo recente mostrou que edema articular e - Osteomielite
alterações de marcha foram as causas mais - Artrite séptica
freqüentes de encaminhamento de crianças que, - Artrite tuberculosa
posteriormente, foram diagnosticadas como - Artrites virais
portadoras de AIJ. - Artrites pós-infecciosas
 No mesmo estudo, foi observado que a - Artrite reativa
referência de dor como queixa principal entre - Febre reumática
- Doença de Lyme
as crianças com AIJ ocorreu em apenas 12%
- Sindrome de Reiter
dos casos. Doenças intestinais inflamatórias
 Crianças menores têm dificuldade de - Retocolite ulcerativa e doença de Crohn
identificar o local da dor e, muitas vezes, o Vasculites sistêmicas
problema articular é notado por causa da - Vasculite de hipersensibilidade
diminuição das atividades habituais, - Púrpura de Henoch-Schonlein
alterações da marcha, dificuldade ou choro à - Poliarterite nodosa
movimentação de determinados segmentos - Doença de Kawasaki
dos membros e rigidez matinal. Causas genéticas e metabólicas
- Displasias esqueléticas, mucopolissacaridoses
DIAGNÓSTICO - Raquitismo, diabetes, hipo/hipertireoidismo
 Um estudo multicêntrico recente, no nosso meio,
 A AIJ constitui um desafio diagnóstico. mostrou que o atraso no diagnóstico de AIJ, assim
 Sua identificação depende de uma avaliação como no encaminhamento para o reumatologista
clinica minuciosa e, na maioria das vezes, do pediátrico, ocorre em um número significante de
seguimento prospectivo do paciente. pacientes.
 Assim, é possível caracterizar o tipo de  Isso é preocupante, visto que o diagnóstico e
comprometimento articular e o tempo de tratamento precoces são medidas essenciais
duração da artrite, essenciais ao diagnóstico, para diminuir os impactos físico, emocional e
social da AIJ.
21
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
QUADROS DE CONCEITOS DO MEDCURSO
RESUMINDO AS FORMAS DA AIJ

CONSIDERAÇÕES SOBRE MANEJO


 A abordagem adequada de crianças e adolescentes
com AIJ é complexa e requer um grupo
multiprofissional com experiência no manejo desse
tipo de doença. Os objetivos principais do tratamento
da AIJ são reduzir a dor e suprimir o processo
inflamatório e os efeitos desse processo nas
articulações, de tal forma a permitir o crescimento e o
desenvolvimento adequados.
 Assim, é possível melhor qualidade de vida no
que diz respeito aos aspectos físicos,
intelectuais, emocionais e socioculturais.
 Para que esses objetivos sejam atingidos,
tanto o tratamento medicamentoso como a
fisioterapia e a terapia ocupacional são
igualmente importantes e devem ser iniciados
precocemente.
 É ideal que os pacientes e seus familiares
tenham acesso a acompanhamento e suporte
psicológico especializados.
 Outro objetivo do tratamento é a prevenção de
alterações visuais conseqüentes à uveíte.
 A uveíte relacionada com a AIJ é, geralmente,
assintomática, razão pela qual as crianças e os
adolescentes devem ser acompanhados por
oftalmologistas.
 Esses pacientes também precisam ser
monitorados quanto à toxicidade ocular
conseqüente ao uso de corticosteróides e
hidroxicloroquina.

SOPRO CARDÍACO (BRAUNWALD)

 Os sopros cardíacos são causados por vibrações septal ventricular ou ducto arterioso
audíveis que se devem a um aumento da turbulência. permeável.
 Essa turbulência pode ser causada por fluxo  Eles são tradicionalmente definidos em termos de
sanguíneo acelerado através de orifícios sua sincronização no ciclo cardíaco.
normais ou anormais, fluxo através de um  Os sopros sistólicos começam com a primeira
orifício estreito ou irregular em um vaso ou bulha cardíaca (B1) ou após esta e terminam no
câmara dilatados ou por fluxo retrógrado componente, ou antes dele (A2 ou P2) da segunda
através de uma valva incompetente, defeito bulha cardíaca (B2) que corresponde a seu lado de
origem (esquerdo ou direito, respectivamente).
22
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
 Os sopros diastólicos começam com ou após o pode ser difícil em um contexto de
componente associado de B2 e terminam na B1 taquiarritmia, caso no qual as bulhas cardíacas
subseqüente ou antes dela. podem ser distinguidas por palpação
 Os sopros contínuos não estão restritos a uma ou simultânea do pulso arterial carotídeo (o
outra fase do ciclo cardíaco, eles começam na sístole pulso deve ocorrer imediatamente após B1).
precoce e continuam através de B2 por toda a
diástole, ou parte dela. DURAÇÃO
 A duração de um sopro cardíaco depende do
tempo durante o qual, no ciclo cardíaco, existe
diferença de pressão entre duas câmaras cardíacas, o
ventrículo esquerdo e a aorta, o ventrículo direito e a
artéria pulmonar ou os grandes vasos.
 A magnitude e variabilidade dessa diferença
de pressão determina a velocidade do fluxo, o
grau de turbulência e a conseqüente
freqüência, configuração e intensidade do
sopro.

FREQUÊNCIA
 O sopro diastólico da insuficiência aórtica crônica
(IAo) é um episódio de sopro de alta freqüência,
enquanto o sopro da estenose mitral (EM), indicativo
de gradiente de pressão diastólica atrial esquerda-
ventricular esquerda, é um evento de baixa
freqüência, auscultado como um ruflar prolongado
com a campânula do estetoscópio.
 Os componentes da freqüência de um sopro
cardíaco podem variar em diferentes locais de
ausculta.
 O sopro sistólico áspero de estenose aórtica
(EAo) pode ter um som mais agudo e mais
acusticamente puro no ápice (efeito de
Gallavardin).
 Alguns sopros podem ter uma qualidade
incomum, como um som “de buzina”
reconhecido em alguns pacientes com
Diagrama que representa os principais sopros cardíacos. insuficiência mitral (IM) devido a prolapso da
A. Sopro pré-sistólico de estenose mitral ou tricúspide. valva mitral (PVM).
B. Sopro holossistólico (pansistólico) de insuficiência mitral
ou tricúspide ou de defeito septal ventricular. CONFIGURAÇÃO
C. Sopro de ejeção aórtica que começa com um clique de
ejeção e diminui de intensidade antes da segunda bulha  A configuração de um sopro cardíaco pode ser em
cardíaca. crescendo, decrescendo, crescendo-decrescendo ou
D. Sopro sistólico da estenose pulmonar que se espalha de platô.
através da segunda bulha aórtica, sendo que o  A configuração em decrescendo do sopro de IAo
fechamento da valva pulmonar é retardado.
crônica (item E da figura 1) pode ser compreendida
E. Sopro diastólico aórtico ou pulmonar.
em termos do declínio progressivo do gradiente de
F. Sopro diastólico longo de estenose mitral após o
pressão diastólica entre a aorta e o ventrículo
estalido de abertura.
G. Sopro com influxo mesodiastólico curto após uma
esquerdo.
terceira bulha cardíaca.  A configuração em crescendo-decrescendo do
H. Sopro contínuo de ducto arterioso permeável. sopro de EAo reflete as mudanças no gradiente de
 A sincronização precisa dos sopros cardíacos é o pressão sistólica entre o ventrículo esquerdo e a aorta
primeiro passo na sua identificação. à medida que ocorre a ejeção.
 A distinção entre B1 e B2, e portanto sístole e  Já a configuração de platô do sopro da IM
diástole, em geral é um processo direto, mas reumática crônica (item B da figura 1) é compatível

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Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
com a grande e quase constante diferença de pressão
entre o ventrículo esquerdo e o átrio esquerdo.

INTENSIDADE
 A intensidade do sopro cardíaco é graduada em
uma escala de 1 a 6 (ou I-VI).
 O de grau 1 é muito suave e é auscultado com
grande esforço.
 O de grau 2 é facilmente audível, mas não é
particularmente alto.
 O de grau 3 é alto, mas não é acompanhado
de frêmito palpável sobre o local de
intensidade máxima.
 O de grau 4 é muito alto e acompanhado de
frêmito.
Intensidade máxima e irradiação de 6 sopros sistólicos
 O de grau 5 é alto o suficiente para ser isolados. CMOH, cardiomiopatia obstrutiva hipertrófica;
auscultado apenas com a extremidade do IM, insuficiência mitral; EP, estenose pulmonar; EAo,
estetoscópio tocando o tórax. estenose aórtica; CIV, comunicação interventricular.
 O de grau 6 é alto o suficiente para ser ouvido
removendo-se o estetoscópio do contato com
o tórax.
 Os sopros de grau 3 ou de maior intensidade em
geral significam cardiopatia estrutural importante e
indicam alta velocidade do fluxo sanguíneo no local da
produção do sopro.
 As comunicações interventriculares pequenas
(CIV), por exemplo, são acompanhadas de
sopros sistólicos hiperfonéticos, em geral de
grau 4 ou mais, à medida que o sangue é
ejetado em alta velocidade do ventrículo
esquerdo para o direito.
 Os eventos de baixa velocidade, como o shunt
esquerda-direita ao longo de uma comunicação
interatrial (CIA), em geral são silenciosos.
 A intensidade de um sopro cardíaco também pode
ser diminuída por qualquer processo que aumente a
distância entre a origem intracardíaca e o
estetoscópio na parede torácica, como obesidade,
doença pulmonar obstrutiva e derrame pericárdico
extenso.
 A intensidade de um sopro também pode ser
ilusoriamente suave quando o débito cardíaco é
significativamente reduzido.

LOCALIZAÇÃO E IRRADIAÇÃO
 O reconhecimento da localização e irradiação do
sopro contribui para facilitar sua identificação precisa.
 Sons adventícios, como o clique sistólico ou o
estalido diastólico, ou anormalidades de B1 ou B2,
podem fornecer indícios adicionais.
 A atenção cuidadosa às características do sopro e a
outros sons cardíacos durante o ciclo respiratório e o
desempenho de manobras simples à beira do leito,
quando indicado, completam o exame auscultatório.

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Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
 O músculo papilar póstero-lateral está
envolvido de 6 a 10 vezes mais
freqüentemente do que o músculo papilar
anterolateral.

SOPROS MESOSSISTÓLICOS
 Os sopros mesossistólicos começam em um
intervalo curto após B1, terminam antes de B2 e em
geral apresentam formato em crescendo-
decrescendo.
 A estenose aórtica é a causa mais comum de sopro
mesossistólico em adultos.
 O sopro de EAo em geral é mais alto no lado
direito do esterno, no segundo espaço
intercostal (área aórtica), e se irradia para as
carótidas.
 A transmissão do sopro mesossistólico para o
ápice, onde se torna mais agudo, é comum (efeito de
Gallavardin).
 Outros achados auscultatórios de EAo grave
SOPROS CARDÍACOS SISTÓLICOS incluem A2 suave ou ausente, desdobramento
paradoxal de B2, B4 apical e sopro sistólico de pico
SOPROS SISTÓLICOS PRECOCES tardio.
 Em crianças, adolescentes e adultos jovens
 Os sopros sistólicos precoces começam com B1 e com EAo valvar congênita, um som (clique) de
estendem-se por um período variável de tempo, ejeção precoce em geral é audível, mais
terminando logo antes de B2. freqüentemente ao longo da borda esternal
 Há relativamente poucas causas para eles. esquerda do que na base.
 A IM grave aguda em um átrio esquerdo  Sua presença significa uma valva bicúspide
relativamente não complacente de tamanho normal flexível, não calcificada e localiza a obstrução
resulta em um sopro sistólico precoce em do fluxo ventricular esquerdo no nível valvar
decrescendo melhor auscultado no impulso apical ou (e não sub ou supravalvar).
apenas medialmente a ele.  Um sopro mesossistólico de grau 1 ou 2 isolado,
 Essas características refletem a atenuação auscultado na ausência de sinais ou sintomas de
progressiva do gradiente de pressão entre o cardiopatia, é mais freqüentemente um achado
ventrículo esquerdo e o átrio esquerdo benigno para o qual não há necessidade de nenhuma
durante a sístole devido a rápida elevação da avaliação adicional.
pressão atrial esquerda causada pela súbita  O exemplo mais comum de sopro desse tipo
carga de volume em uma câmara não em um paciente adulto idoso é o sopro em
preparada e contrasta agudamente com as crescendo-decrescendo da esclerose da valva
características auscultatórias da IM crônica. aórtica, audível no segundo interespaço
 As situações clínicas nas quais ocorre IM aguda e direito.
grave são:  Um sopro mesossistólico de grau 1 ou 2 pode com
1) Ruptura do músculo papilar que complica o freqüência ser auscultado na borda esternal esquerda
infarto agudo do miocárdio, em caso de gravidez, hipertireoidismo ou anemia,
2) Ruptura de cordões tendíneos em caso de estados fisiológicos que estão associados a fluxo
doença da valva mitral mixomatosa (PVM), sanguíneo acelerado.
3) Endocardite infecciosa e  O sopro de Still refere-se a um sopro
4) Traumatismo fechado da parede torácica. mesossistólico vibratório, de grau 2, benigno, na
 A IM grave e aguda de ruptura de músculo papilar borda esternal inferior esquerda de crianças e
em geral acompanha o IAM inferior, posterior ou adolescentes normais.
lateral e ocorre 2 a 7 dias após a apresentação.
 Freqüentemente é sinalizada por dor torácica, SOPROS SISTÓLICOS TARDIOS
hipotensão e edema pulmonar, mas pode
haver ausência de sopro em até 50% dos  Um sopro sistólico tardio, que é mais bem audível
casos. no ápice ventricular esquerdo, é freqüentemente
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Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
causado pela PVM. Muitas vezes, esse sopro é  Manobras à beira do leito que reduzem a pré-carga
introduzido por um ou mais cliques de não-ejeção. ventricular esquerda, como ficar de pé, farão com que
 A irradiação do sopro pode ajudar a identificar o clique e o sopro da PVM aproximem-se da primeira
o folheto mitral específico envolvido no bulha cardíaca, já que o prolapso do folheto ocorre
processo de prolapso, ou flail. mais cedo na sístole.
 O termo flail refere-se ao movimento feito  A posição de pé também faz com que o sopro
por uma porção não sustentada do folheto fique mais alto e mais longo.
após perda de sua(s) fixação(ões) ao cordão.  Na posição de agachamento, a pré-carga
 Com prolapso ou flail do folheto posterior, o ventricular esquerda e a pós-carga são
jato resultante de IM é dirigido anterior e aumentadas abruptamente e o clique e sopro
medialmente, o que faz com que o sopro se abandonam a primeira bulha cardíaca, à
irradie para a base do coração e mascare-se medida que o prolapso do folheto é
como EAo. retardado. O sopro fica mais suave e
 O prolapso ou flail do folheto anterior resulta apresenta duração mais curta.
em um jato de IM direcionado  Um sopro sistólico apical tardio indicativo de IM
posteriormente que se irradia para as axilas pode ser auscultado transitoriamente no contexto de
ou para a região infra-escapular esquerda. isquemia miocárdica aguda.
 O flail do folheto está associado a um sopro  Ele é causado por retração apical e má
de intensidade de grau 3 ou 4 que pode ser coaptação dos folhetos em resposta a
auscultado em todo o precórdio nos pacientes alterações estruturais e funcionais do ânulo
com tórax magro. ventricular e mitral.
 A presença de uma B3 ou de um sopro  A intensidade do sopro varia como função da
mesodiastólico curto e com ruflar significa pós-carga ventricular esquerda e aumentará
que há IM grave. em caso de hipertensão.

SOPROS HOLOSSISTÓLICOS
 Os sopros holossistólicos (item B da figura 1)
começam com B1 e continuam durante a sístole até
B2.
 Eles em geral são indicativos de insuficiência
crônica da valva mitral ou tricúspide ou de
CIV.
 O sopro holossistólico da IM crônica é mais
bem auscultado no ápice do ventrículo
esquerdo e se irradia para as axilas. Em geral
tem um tom agudo e configuração em platô
devido à ampla diferença entre a pressão
ventricular esquerda e a pressão atrial
esquerda em toda a sístole.
 Ao contrário da IM aguda, a complacência
atrial esquerda é normal ou mesmo
aumentada na IM crônica. Como resultado, há
apenas um pequeno aumento na pressão
atrial esquerda para qualquer aumento do
volume regurgitante.
 Existem vários distúrbios associados a IM crônica e
a um sopro holossistólico apical, como a cicatrização
Um som de não-ejeção mesossistólico (C) ocorre no reumática dos folhetos, a calcificação anular mitral e o
prolapso da valva mitral e é seguido por um sopro sistólico grande aumento da câmara ventricular esquerda.
tardio que se mantém crescente até B2. A posição de pé
 A gravidade da IM é acentuada por qualquer
reduz o retorno venoso; o coração fica menor; C move-se
contribuição do deslocamento apical dos
para mais perto da B1 e o sopro regurgitante mitral tem um
início mais precoce. Com o agachamento imediato, o músculos papilares e retração dos folhetos.
retorno venoso aumenta; o coração fica maior; C move-se  Pelo fato de o ânulo mitral ser contíguo ao
em direção a B2 e a duração do sopro fica mais curta. endocárdio atrial esquerdo, o aumento
gradual do átrio esquerdo devido à IM crônica

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resultará em mais estiramento do ânulo e separação do cordão após realização de
mais IM e, portanto, “IM gera IM”. biopsia endomiocárdica ventricular direita.
 A IM grave crônica resulta em aumento e  O sopro holossistólico de uma CIV é mais alto na
deslocamento para a esquerda do batimento borda esternal esquerda de medial a inferior e irradia-
do ápice do ventrículo esquerdo. se amplamente.
 O sopro holossistólico da IT crônica em geral é  Ocorre um frêmito no local de intensidade
mais suave do que o da IM, é mais alto na borda máxima na maioria dos pacientes.
esternal esquerda inferior e em geral aumenta de  Não há mudanças na intensidade do sopro
intensidade com a inspiração (sinal de Carvallo). com a inspiração.
 As causas de IT primária incluem doença  A intensidade do sopro varia como função do
mixomatosa (prolapso), endocardite, doença tamanho anatômico do defeito.
reumática, carcinóide, anomalia de Ebstein e

Diagnóstico diferencial de um sopro holossistólico. B1, primeira bulha cardíaca; B2, segunda bulha cardíaca; A2, componente
aórtico da segunda bulha cardíaca; P2, componente pulmonar da segunda bulha cardíaca.
valvar primária, como aquela causada por
SOPROS CARDÍACOS DIASTÓLICOS doença bicúspide congênita, prolapso ou
endocardite, o sopro diastólico tende a se
SOPROS DIASTÓLICOS PRECOCES irradiar ao longo da borda esternal esquerda.
Quando a IAo é causada por doença da raiz
 A IAo crônica resulta em sopro agudo, em assovio,
aórtica, o sopro diastólico pode irradiar-se ao
em decrescendo, de precoce a mesodiastólico, que
começa após o componente aórtico de B2 (A2) e é longo da borda esternal direita.
mais bem auscultado no segundo interespaço direito.  As doenças da raiz aórtica causam dilatação
ou distorção do ânulo aórtico e falha de
 O sopro pode ser suave e difícil de auscultar, a
menos que a ausculta seja realizada com o coaptação do folheto. As causas incluem a
síndrome de Marfan com formação de
paciente inclinado para frente e com a
aneurisma, ectasia ânulo-aórtica, espondilite
expiração completa.
ancilosante e dissecção aórtica.
 Esta manobra leva a raiz aórtica para mais
 A IAo grave, crônica, também pode produzir um
perto da parede torácica anterior.
sopro diastólico de grau 1 ou 2, de tom mais grave, de
 A irradiação do sopro pode fornecer um
médio a tardio no ápice (sopro de Austin Flint), que,
indício para a causa da IAo. Com doença
acredita-se, reflete turbulência na área de influxo
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mitral devido à mistura de fluxo sanguíneo gradiente de pressão diastólica aórtica-
regurgitante (aórtico) e anterógrado (mitral) (item G ventricular esquerda.
da figura 1).  A pressão diastólica ventricular esquerda
 Este sopro diastólico apical de tom mais grave pode aumentar suficientemente até resultar
pode ser distinguido daquele causado por EM em fechamento prematuro da valva mitral e
pela ausência de um estalido de abertura e em uma primeira bulha cardíaca suave.
pela resposta do sopro a um vasodilatador.
 A intensidade do sopro diastólico da estenose
mitral pode continuar constante ou aumentar
com a redução da pós-carga, devido ao
aumento reflexo do débito cardíaco e do fluxo
da valva mitral.

Contraste entre os achados auscultatórios na insuficiência


aórtica crônica e aguda. Na insuficiência aórtica crônica, um
sopro de ejeção sistólico proeminente que resulta do grande
volume sistólico anterógrado é auscultado na base e no ápice e
termina bem antes da B2. O sopro regurgitante diastólico
aórtico começa com B2 e continua em configuração
decrescente, terminando antes da B1. No ápice, o componente
mesodiastólico do sopro de Austin Flint (AF) é introduzido por
uma B3 proeminente. Um componente pré-sistólico do AF
Na estenose mitral branda, o gradiente diastólico através da valva também é audível. Na insuficiência aórtica aguda há uma
é limitado a duas fases de enchimento ventricular rápido na redução significativa da intensidade do sopro de ejeção sistólico
diástole precoce e pré-sístole. O ruflar pode ocorrer durante um se comparado com aquele da insuficiência aórtica crônica
ou outro período ou em ambos. À medida que o processo de devido à redução do volume sistólico anterógrado. B1 é
estenose torna-se grave, há um gradiente maior de pressão acentuadamente reduzida em intensidade devido ao
através da valva durante todo o período de enchimento diastólico fechamento prematuro da valva mitral; no ápice, há ausência de
e o ruflar persiste por toda a diástole. À medida que a pressão componente pré-sistólico do sopro AF. O sopro diastólico
atrial esquerda torna-se maior, o intervalo entre A2 e o estalido precoce na base termina logo antes de B1 devido ao equilíbrio
de abertura encurta-se. Na estenose mitral grave, desenvolve-se entre a pressão ventricular esquerda e a aórtica diastólica final.
hipertensão pulmonar secundária que resulta em P2 Em geral, constata-se a presença de taquicardia significativa.
hiperfonético e o intervalo de desdobramento em geral estreita-  A insuficiência da valva pulmonar (IP) resulta em
se. um sopro de precoce a mesodiastólico em
 Embora a EAo e a IAo possam coexistir, um sopro decrescendo (sopro de Graham Steell) que começa
mesossistólico em crescendo-decrescendo de grau 2 após o componente pulmonar de B2 (P2), é mais bem
ou 3 freqüentemente é auscultado na base do coração auscultado no segundo interespaço esquerdo e se
em pacientes com IAo grave isolada e é causado por irradia ao longo da borda esternal esquerda.
aumento do volume e da taxa de fluxo sistólico.  A intensidade do sopro pode aumentar com a
 Na ausência de insuficiência cardíaca, a IAo grave inspiração.
crônica é acompanhada de vários sinais periféricos de  Mais comumente, a IP é causada por dilatação
escoamento diastólico significativo, incluindo uma do ânulo valvar devido à elevação da pressão
pressão de pulso ampla, pulso carotídeo em martelo da artéria pulmonar.
d’água (pulso de Corrigan) e pulsações de Quincke dos  Sinais de hipertensão pulmonar, como a
leitos ungueais. elevação do ventrículo direito e uma B2
 O sopro diastólico da IAo grave aguda é hiperfonética estão presentes. Essas
notavelmente de duração mais curta e de tom mais características também ajudam a distinguir a
grave do que o sopro da IAo crônica. IP da IAo como causa de um sopro diastólico
 Pode ser muito difícil de avaliar na presença em decrescendo audível ao longo da borda
de uma freqüência cardíaca rápida. esternal esquerda.
 Esses atributos refletem a taxa abrupta de
elevação da pressão diastólica dentro do SOPROS MESODIASTÓLICOS
ventrículo não preparado e não complacente
e a queda correspondentemente rápida do  Os sopros mesodiastólicos (itens G e H da figura 1)
resultam de obstrução e/ou fluxo aumentado no nível

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da valva mitral ou tricúspide. A febre reumática é a bulha (B3) de enchimento rápido e suave
causa mais comum de EM (primeira figura da página seguida de um sopro apical mesodiastólico
anterior). curto e de tom grave.
 Em pacientes mais jovens com valvas flexíveis,  Um sopro mesodiastólico curto raramente é
a B1 é hiperfonética e o sopro começa após auscultado durante um episódio de febre reumática
um estalido de abertura, que é um som agudo aguda (sopro de Carey-Coombs) e é causado por
que ocorre imediatamente após B2. aumento do fluxo através de uma valva mitral
 A distância entre o componente pulmonar da edematosa.
segunda bulha cardíaca (P2) e o estalido de  Não há presença de estalido de abertura na
abertura é inversamente relacionada com a fase aguda e o sopro dissipa-se com a
magnitude do gradiente de pressão atrial resolução do ataque agudo.
esquerdo e ventricular esquerdo.  O bloqueio cardíaco completo com ativação atrial e
 O sopro de EM é de tom grave e, portanto, ventricular dissincronizada pode estar associado a
mais bem auscultado com a campânula do sopros mesodiastólicos ou diastólicos tardios
estetoscópio. intermitentes se a contração atrial ocorrer quando a
 É mais alto no ápice do ventrículo esquerdo e valva mitral estiver parcialmente fechada.
freqüentemente é reconhecido apenas  Os sopros mesodiastólicos indicativos de aumento
quando o paciente está virado em posição de do fluxo da valva tricúspide podem ocorrer com IT
decúbito lateral esquerdo. isolada grave e com CIA grandes e shunt esquerda-
 Em geral tem intensidade de grau 1 ou 2, mas direita significativo.
pode estar ausente quando o débito cardíaco  Registram-se outros sinais de CIA, como o
está gravemente reduzido apesar de desdobramento fixo de B2 e um sopro
obstrução significativa. mesossistólico na borda esternal esquerda
 A duração do sopro reflete a extensão de média ou superior.
tempo durante a qual a pressão atrial
esquerda excede a pressão ventricular SOPROS CONTÍNUOS
esquerda.
 Sopros contínuos (item H da figura 1 e próxima
 Um aumento da intensidade do sopro
figura) começam na sístole, atingem o pico próximo à
imediatamente antes de B1, um fenômeno
segunda bulha cardíaca e continuam em toda ou parte
conhecido como acentuação pré-sistólica
da diástole.
(item A da figura 1 e primeira figura da página
 Sua presença em todo o ciclo cardíaco implica
anterior) ocorre em pacientes em ritmo
um gradiente de pressão entre duas câmaras
sinusal e é causado por um aumento tardio do
ou vasos durante a sístole e a diástole.
fluxo transmitral com contração atrial.
 O sopro mesodiastólico associado a estenose
tricúspide é mais bem auscultado na borda esternal
esquerda inferior e aumenta de intensidade com a
inspiração.
 Este sopro é muito difícil de auscultar e
freqüentemente é obscurecido pelos eventos
acústicos do lado esquerdo.
 Existem várias outras causas para os sopros
mesodiastólicos.
 Mixomas atriais esquerdos de tamanho Comparação entre sopro contínuo e sopro de ida e volta.
grande podem sofrer prolapso ao longo da Durante a comunicação anormal entre sistemas de alta
valva mitral e causar graus variáveis de pressão e de baixa pressão, existe um grande gradiente de
obstrução ao influxo ventricular esquerdo. pressão em todo o ciclo cardíaco, que produz um sopro
contínuo. Um exemplo clássico é o ducto arterioso patente. Às
 O sopro associado a um mixoma atrial pode
vezes, esse tipo de sopro pode ser confundido com um sopro
mudar de duração e intensidade com de ida e volta, que é uma combinação de sopro de ejeção
alterações na posição do corpo. Não há sistólica e de um sopro de incompetência de valva semilunar.
presença de estalido de abertura e não há Um exemplo clássico de sopro de ida e volta é a estenose e a
acentuação pré-sistólica. insuficiência aórticas. Um sopro contínuo ocorre em
 Um fluxo diastólico mitral aumentado pode crescendo próximo à B2, enquanto o sopro de ida e volta tem
ocorrer com IM grave isolada ou com um dois componentes. O componente de ejeção mesossistólica
grande shunt esquerda-direita no nível ocorre em decrescendo e desaparece à medida que se
ventricular ou de grande vaso e produzir uma aproxima de B2.

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 O sopro contínuo associado a um ducto arterioso  Ele é melhor avaliado na fossa supraclavicular
patente é mais bem auscultado na borda esternal direita e pode ser obliterado por compressão
esquerda superior. digital sobre a veia jugular interna direita ou
 Shunts grandes e não corrigidos podem levar a fazendo com que o paciente vire-se em
hipertensão pulmonar, ate obliteração do direção ao médico.
componente diastólico do sopro, reversão do fluxo do  O sopro mamário contínuo da gravidez é
shunt e cianose diferencial dos membros inferiores. criado por um aumento do fluxo arterial
 Um aneurisma rompido do seio de Valsalva cria um através de mamas ingurgitadas e em geral
sopro contínuo de início abrupto na borda esternal aparece durante o último trimestre ou no
direita superior. puerpério. O sopro é mais alto na sístole.
 A ruptura tipicamente ocorre em uma câmara
cardíaca direita e o sopro é indicativo de uma
diferença de pressão contínua entre a aorta e
o ventrículo direito ou o átrio direito.
 Um sopro contínuo também pode ser audível ao
longo da borda esternal esquerda com uma fístula
arteriovenosa coronariana e no local de uma fístula
arteriovenosa usada para acesso a hemodiálise.
 O aumento do fluxo através das artérias colaterais
intercostais aumentadas de pacientes com coarctação
aórtica pode produzir um sopro contínuo ao longo do
curso de uma ou mais costelas.
 Um ruído cervical com componentes sistólicos
e diastólicos (um sopro de ida e volta) em
geral indica uma estenose de artéria carotídea Estratégia para a avaliação de sopros cardíacos. *Se um
de alto grau. eletrocardiograma ou raios X de tórax tiverem sido obtidos e
 Nem todos os sopros contínuos são patológicos. forem anormais, a ecocardiografi a é indicada. ETT,
ecocardiografia transtorácica; ETE, ecocardiografia
 Um zumbido venoso contínuo pode ser
transesofágica; RM, ressonância magnética.
auscultado em crianças e adultos jovens
sadios, especialmente durante a gravidez.

A PAREDE ARTERIAL (ROBBINS)

 No metabolismo hormonal;
 Na regulação de reações imunes e
inflamatórias; e
 Na regulação do crescimento de outros tipos
celulares (células musculares lisas).
 Células endoteliais estruturalmente intactas
podem responder a vários estímulos fisiopatológicos
ajustando suas funções habituais (constituitivas) e
expressando novas propriedades adquiridas
(induzidas).
 As células endoteliais, chamadas coletivamente de  O processo é denominado ativação endotelial.
endotélio, formam revestimento continuo, com  As células endoteliais influenciam a vaso-
espessura de uma única célula, de todo o sistema reatividade das células musculares lisas subjacentes
cardiovascular. pela produção de fatores de relaxamento (NO) e de
 O endotélio vascular é um tecido versátil e contração (endotelina).
multifuncional, que possui diversas propriedades  Lesões vasculares (perda aguda de células
sintéticas e metabólicas, sendo um participante ativo endoteliais ou lesão/disfunção endotelial crônica)
nas interações entre o sangue e os tecidos. estimulam o crescimento de células musculares lisas.
 As células endoteliais exercem papel:  A reconstituição da parede vascular lesionada é
 Na manutenção da interface sangue-tecido uma resposta fisiológica de cicatrização que inclui a
não-trombogênica; formação de uma neo-íntima e:
 Na modulação do fluxo sanguíneo e na
resistência vascular;
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 Migração das células musculares lisas da  Síntese e deposição de matriz extracelular
túnica média para a íntima; realizada por essas células.
 Proliferação das células musculares lisas na
túnica íntima; e

 Durante a resposta de cicatrização, as células  As células musculares lisas da íntima podem


musculares lisas sofrem alterações semelhantes a retornar ao seu estado não-proliferativo após
uma desdiferenciação. a reconstituição da camada endotelial
 Na íntima, deixam de ser contráteis e subjacente após a lesão aguda ou quando a
adquirem capacidade de proliferar. estimulação crônica cessar.
 Ao mesmo tempo, há redução dos filamentos  Entretanto, uma resposta exagerada de
contráteis e aumento das organelas cicatrização provoca o espessamento ou a
envolvidas na síntese protéica, como RER e hiperplasia da íntima, podendo resultar em
aparelho golgiense. estenose ou oclusão dos vasos de pequeno ou
médio calibre.

ATEROGÊNESE (ROBBINS, GOLJAN, NETTER, DIRETRIZ)

 A aterosclerose é caracterizada por lesões na túnica íntima, denominadas ateromas (placas ateromatosas ou
fibrogordurosas), que invadem e obstruem o lúmen vascular e enfraquecem a média subjacente.
 A classificação da American Heart Association divide as lesões ateroscleróticas em 6 tipos:

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 A aterosclerose é uma doença inflamatória crônica onde se diferenciam em macrófagos, que por sua
de origem multifatorial que ocorre em resposta à vez captam as LDL oxidadas.
agressão endotelial, acometendo a camada íntima de H. Os macrófagos repletos de lípides são chamados
artérias de médio e grande calibre. células espumosas e são o principal componente
A. A formação da placa aterosclerótica inicia-se com das estrias gordurosas, lesões macroscópicas
a agressão ao endotélio vascular devida a iniciais da aterosclerose.
diversos fatores de risco como elevação de I. Alguns mediadores da inflamação estimulam a
lipoproteínas aterogênicas (LDL, IDL, VLDL, migração e proliferação das células musculares
remanescentes de quilomícrons), HAS ou lisas da camada média arterial.
tabagismo. J. Os miócitos, ao migrarem para a íntima, passam
B. Como conseqüência, a disfunção endotelial a produzir não só citocinas e fatores de
aumenta a permeabilidade da íntima às crescimento, como também matriz extracelular
lipoproteínas plasmáticas favorecendo a que formará parte da capa fibrosa da placa
retenção das mesmas no espaço subendotelial. aterosclerótica.
C. Retidas, as partículas de LDL sofrem oxidação, K. A placa aterosclerótica plenamente desenvolvida
causando a exposição de diversos neo-epítopos, é constituída por elementos celulares,
tornando-as imunogênicas (também: ao entrar componentes da matriz extracelular e núcleo
na intima, os LDL's se desligam do agente lipídico. O núcleo lipídico, rico em colesterol e a
antioxidante plasmático que estava ligado a elas, capa fibrosa, rica em colágeno.
o que favorece oxidação). L. As placas estáveis caracterizam-se por
D. O depósito de lipoproteínas na parede arterial, predomínio de colágeno, organizado em capa
processo-chave no início da aterogênese, ocorre fibrosa espessa, escassas células inflamatórias e
de maneira proporcional à concentração dessas núcleo lipídico de proporções menores.
lipoproteínas no plasma. M. As instáveis apresentam atividade inflamatória
E. Além do aumento da permeabilidade às intensa, especialmente nas suas bordas laterais,
lipoproteínas, outra manifestação da disfunção com grande atividade proteolítica, núcleo lipídico
endotelial é o surgimento de moléculas de proeminente e capa fibrótica tênue.
adesão leucocitária na superfície endotelial, N. A ruptura desta capa expõe material lipídico
processo estimulado pela presença de LDL altamente trombogênico, levando à formação de
oxidada. um trombo sobrejacente. Este processo, também
F. As moléculas de adesão são responsáveis pela conhecido por aterotrombose, é um dos
atração de monócitos e linfócitos para a parede principais determinantes das manifestações
arterial. clínicas da aterosclerose.
G. Induzidos por proteínas quimiotáticas, os
monócitos migram para o espaço subendotelial

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 A lesão avançada da aterosclerose representa cápsula fibrosa ou dos capilares de paredes finas que
risco de desenvolver as seguintes alterações vascularizam a placa.
patológicas de importância clínica:  A trombose superposta, que ocorre em lesões
 A ruptura focal, ulceração ou erosão da superfície rompidas (ruptura, ulceração, erosão ou hemorragia),
luminal das placas ateromatosas, induzindo formação pode obstruir o lúmen parcial ou completamente. Os
de trombos ou a liberação de fragmentos na corrente trombos se incorporam na placa da túnica íntima e
sanguínea (êmbolos). aumentam seu tamanho.
 A hemorragia nas placas, principalmente nas artérias  A dilatação aneurismática pode resultar da atrofia
coronárias, pode ser provocada pela ruptura da induzida por aterosclerose da média subjacente,
havendo perda de tecido elástico, resultando em
fraqueza e ruptura em potencial.

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FATORES DE RISCO PARA DOENÇA
ATEROTROMBÓTICA (BRAUNWALD, UNIFESP, CADERNO 14-MS, DIRETRIZ)

 São marcadores genéticos ou ambientais que se  Pessoas saudáveis podem apresentar certas
associam à maior probabilidade de desenvolver a características que se relacionam à ocorrência de
doença. doença coronária. Essas características podem ser
 Para um fator de risco ser causal, o marcador de definidas pela expressão “fatores de risco”, que
interesse precisa preceder o início da doença. podem ser modificáveis e não modificáveis.
 O fator de risco de interesse pode ser um  Quando um indivíduo desenvolve sintomas
comportamento adquirido (como tabagismo), de DAC, os fatores de risco contribuem para
um traço herdado (como hiperlipidemia o desenvolvimento e pior prognóstico da
familiar) ou uma medida laboratorial (como doença.
colesterol ou proteína C reativa). FATORES DE RISCO NÃO-MODIFICÁVEIS
 Aderir a um estilo de vida saudável pode prevenir  Sexo;
muitos casos de doença coronariana. Então, abordar a  História familiar de DAC ou outra doença
redução do risco através de uma modificação do estilo aterosclerótica prematura em parentes de primeiro
de vida em indivíduos que possuem grupos de fatores grau:
de risco parece um objetivo primário sensato para a Homem < 55 anos;
Mulher < 65 anos;
prática cardiovascular preventiva em pacientes
 Idade:
ambulatoriais. Homem ≥ 45 anos;
 A cardiologia está passando por um processo de Mulher ≥ 55 anos;
transição entre conduta intervencionista e preventiva.  Raça.
 Estudos têm revelado que a terapêutica médica FATORES DE RISCO MODIFICÁVEIS
agressiva sobre os fatores de risco reduziu  HAS;
substancialmente a ocorrência de eventos novos e,
 LDL ↑;
conseqüentemente, o numero de hospitalizações e de
 HDL ↓;
procedimentos.
 Triglicérides ↑;
 A prioridade da cardiologia preventiva deve ser
 DM;
direcionada para:
 Obesidade;
 Pacientes com doença arterial coronária (DAC)
 Fatores trombogênicos;
estabelecida ou outra doença aterosclerótica;
 Indivíduos sem história prévia de evento  Estilo de vida:
isquêmico, mas com alta probabilidade de Dieta rica em gordura saturada e calórica;
apresentá-lo por causa de uma combinação de Tabagismo;
Consumo de álcool;
fatores de risco, como tabagismo, HAS,
hipercolesterolemia, DM ou histórico familiar Sedentárismo.
importante para DAC. FATORES DE RISCO INDEPENDENTES (PRINCIPAIS)
 Pacientes cujos parentes próximos tenham  Tabagismo;
desenvolvido doença aterosclerótica precoce.  HAS;
 Certos estilos de vida, tais como dieta rica em gordura  LDL ↑;
saturada e calórica, pouca atividade física e  HDL ↓;
tabagismo, desempenham função importante no  DM;
desenvolvimento da doença aterosclerótica,  Idade avançada.
especialmente a coronariana.
 Esse estilo de vida leva a mudanças adversas nas TABAGISMO
características bioquímicas e fisiológicas do organismo
que contribuem à aterosclerose e aterotrombose.  Além da idade avançada, o tabagismo é o fator de
 Há também um componente genético importante na risco isolado mais importante para doença arterial
suscetibilidade individual para o desenvolvimento da coronariana.
aterosclerose.  Tem sido reconhecido que a fumaça inalada,
 Essa suscetibilidade genética pode interferir nas por exposição passiva ou por consumo de
características bioquímicas e fisiológicas, como charutos ou cachimbo, também aumenta o
nível de colesterol sérico, PA e, quando associada risco coronariano.
a um estilo de vida adverso, aceleração do  Estudos sugerem que, comparados aos não
processo aterogênico.
fumantes, pessoas que consomem 20 ou

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mais cigarros por dia tem risco 2 a 3 vezes HIPERTENSÃO
maior de apresentar doença coronariana.
 Quanto a doença coronariana, o risco  A hipertensão costuma ser um fator de risco
aumenta diretamente com o numero de cardiovascular silencioso.
cigarros consumidos.  Contrastando com a hiperlipidemia, a prevalência
 O tabagismo atua sinergicamente com os ACO’s, de hipertensão está aumentando e as taxas de
colocando mulheres jovens em um risco relativo ainda tratamento continuam pequenas, destacando a
mais elevado. necessidade de programas que visem à prevenção.
 Além dos efeitos agudos sobre a PA e sobre o  A PA sistólica e a pressão de pulso parecem ser
tônus simpaticomimético e uma redução na oferta mais importantes do que a PA diastólica,
miocárdica de oxigênio, o fumo afeta a aterotrombose contrariamente ao que se aceitou por décadas.
através de vários outros mecanismos:  O tratamento da hipertensão sistólica é bem
 Além de acelerar a progressão da tolerado, mesmo nos pacientes idosos.
aterosclerose, o tabagismo a longo prazo A hipertensão sistólica isolada parece representar um
pode causar aumento da oxidação do LDL e estado fisiopatológico distinto, no qual a PA elevada
prejudicar a vasodilatação endotélio reflete a redução da elasticidade arterial não
necessariamente associada ao aumento da resistência
dependente das coronárias (associado à
vascular periférica ou a uma elevação da PA média. No
síntese disfuncional de NO que acompanha o Framíngharn Heart Study, mesmo uma PA normal alta (PA
consumo de cigarros). sistólica de 130 a 139 mmHg, PA diastólica de 85 a 89
 O tabagismo possui efeitos hemostáticos e mmHg ou ambos) aumentou o risco de doença
inflamatórios adversos, incluindo aumento cardiovascular 2 vezes, em comparação com níveis de PA
dos níveis de PCR, da molécula de adesão mais baixos.
intercelular-1 (ICAM-1), do fibrinogênio e da Reduções modestas da PA da ordem de 4 a 5 mmHg
homocisteína. resultam em reduções grandes e clinicamente significativas
 Efeito adicional do tabagismo está associado no risco de AVC, mortalidade vascular, insuficiência
à agregação plaquetária espontânea, cardíaca congestiva e coronariopatia entre os idosos e em
grupos de alto risco, como aqueles com diabetes e doença
aumento de adesão de monócitos às células
arterial periférica.
endoteliais e alterações adversas em fatores
 O sucesso, em longo prazo, da abordagem não
fibrinolíticos e antitrombóticos derivados do
farmacológica da hipertensão demonstrou ser, muitas
endotélio, como o ativador tecidual do
vezes, desapontador.
plasminogênio e do inibidor da via do fator
 Ao contrário, terapias relativamente simples,
tecidual.
como a utilização dos diuréticos em baixas
 Comparado a não fumantes, os fumantes têm
doses, podem representar um grande
uma prevalência aumentada de espasmo
beneficio para a saúde pública.
coranariano.
Embora o tratamento combinado de drogas
 O abandono do consumo de cigarros constitui a reduza de forma mais significativa a PA, nenhuma
intervenção isolada mais importante na cardiologia das outras medicações de primeira opção para o
preventiva. tratamento de hipertensão, inclusive os
 Dados recentes indicam que o abandono do betabloqueadores, os inibidores da enzima
tabagismo reduziu a mortalidade por conversora da angiotensina ou os bloqueadores
coronariopatia em 36%, quando comparada à dos canais de cálcio, foi significativamente melhor
mortalidade nos indivíduos que continuaram do que os diuréticos em baixas doses.
fumando, independente de idade, sexo ou  O relato mais recente do JNC VII continua a
país de origem. reforçar a necessidade do controle de peso, da
adoção da dieta DASH com restrição de sódio e
 A suspensão do ato de fumar traz benefícios para todos aumento da ingesta de alimentos ricos em potássio e
os indivíduos, independente da idade. em cálcio, a moderação do consumo de álcool para
 Após 20 minutos do ultimo cigarro fumado, a PA se menos de dois drinques diariamente e o aumento da
estabiliza; atividade física.
 Em cerca de 8 horas, o CO atinge níveis normais;
 Os pacientes com obesidade, com a síndrome
 Depois de 1 ano da suspensão do hábito, os riscos
de eventos cardiovasculares diminuem
metabólica e com diabetes franco representam
significativamente, e em 5 anos praticamente grupos de alto risco. Para todos esses pacientes, a
desaparecem; pressão arterial-alvo deve estar na faixa “ótima”, ou
 Após 10 anos de abstinência, o risco de morte seja, abaixo de 120/80 mmHg.
relacionado ao tabagismo se iguala ao de pessoas
que nunca fumaram.

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aterosclerótica e o risco de eventos isquêmicos nos
próximos 10 anos, conforme escore de Framingham.

Hiperlipidemia e Colesterol de Lipoproteína de


Baixa Densidade Elevada (↑LDL)
 Altos níveis de colesterol predizem
consistentemente o risco de futuros eventos
cardiovasculares nas populações.
 A intervenção proposta nos grandes ensaios
clínicos para reduzir o colesterol LDL de
vários modos (p. ex., resinas de ligação aos
ácidos biliares, cirurgia de derivação ileal,
inibidores da HMG-CoA redutase) mostrou
uma redução significativa dos eventos
cardiovasculares.
 O LDL é considerado um dos agentes
etiológicos responsáveis pela aterosclerose.
 Diversas linhas de evidências independentes
sugerem que o que rotulamos como níveis “normais”
de colesterol na sociedade ocidental por estes
critérios excedem os níveis que a boa saúde exige.
 Estudos clínicos demonstraram que níveis de
colesterol LDL até 70 mg/dL fornecem
resultados ideais, pelo menos naqueles
pacientes com doença estabelecida.
 Em alguns grupos de alto risco, como nos
COLESTEROL diabéticos, a terapia com estatina parece ser
efetiva, mesmo na ausência de hiperlipidemia
 É muito importante o controle dos níveis séricos de franca.
colesterol, tanto nos pacientes que já tiveram um  Os níveis de colesterol na terceira década de vida
evento isquêmico agudo como nos que possuem risco se correlacionam com o risco de infarto do miocárdio
importante de desenvolvê-lo, pois o LDL-colesterol é o a longo prazo.
foco principal na patogênese da aterosclerose.  Evidências substanciais sugerem que a carga de
 Para decidir entre a utilização de medicamentos risco para a doença cardiovascular começa no jovem.
para redução dos níveis de colesterol ou a simples  A aterosclerose afeta até mesmo os
orientação de mudanças no estilo de vida, deve-se adolescentes, em nossa sociedade.
considerar o numero de fatores de risco para doença

 Na verdade, os pacientes com coronariopatia


Colesterol de Lipoproteína de Alta Densidade comprovada angiograficamente apresentam
(HDL) e Apolipoproteínas mais freqüentemente baixos níveis de HDL do
que altos níveis de colesterol LDL, conforme
 Inúmeros estudos demonstraram uma forte definido pelos critérios atuais.
relação inversa entre o HDL e o risco vascular.  O processo de transporte reverso do
 Em geral, o aumento do colesterol HDL em 1 colesterol pode explicar, em parte, o
mg/dL está associado a uma diminuição de aparente papel protetor do HDL contra a
2% a 3% no risco total de doença morte de causa coronariana. De acordo com
cardiovascular. esse conceito, o HDL poderia transportar o

36
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
colesterol da parede do vaso, incrementando lipoproteínas ricas em triglicerídios, tais como
o seu catabolismo periférico. O HDL também as lipoproteínas com densidade muito baixa
pode carregar enzimas antioxidantes que (VLDL), pode constituir um fator para o
reduzem os níveis de fosfolipídios oxidados desenvolvimento da aterosclerose, que seria
nas lesões ateromatosas capazes de perdido quando avaliado o perfil dos lipídios
desenvolver a aterogênese. séricos em jejum.
Diversos pesquisadores sugeriram que a dosagem das  Por essas razões, entre outras, as diretrizes
apolipoproteínas A-I e B-100 poderia predizer o risco atuais não estabelecem um valor-alvo para os
cardiovascular melhor do que o colesterol HDL e LDL triglícerídios. Entretanto, alguns estudos
na prática clínica. Entretanto, os estudos também sugeriram que os triglicerídios efetivamente
encontraram que o colesterol não-HDL (definido fornecem informações importantes sobre o
como colesterol total menos o colesterol HDL) risco em certas populações. Em vista da forte
fornecia informações pelo menos tão importantes ligação entre os níveis dos triglicerídios com
quanto as da apolipoproteína B-100, uma observação os fatores de risco já conhecidos para a
que não surpreende, uma vez que o colesterol não aterosclerose (nível baixo de HDL, diabetes
HDL se correlaciona intimamente com os níveis de não controlado, hipotireoidismo), o achado
apolipoproteína B-100. Além disso, os estudos de níveis de triglicerídios acentuada e
encontraram que a razão de colesterol total/HDL-c persistentemente elevados deveria entrar na
permanecia um fator preditivo de risco bastante avaliação global do risco individual e
forte, superior talvez até mesmo a razão estimular considerações sobre a razão da sua
apolipoproteína B-100/apolipoproteína A-I. Portanto, elevação.
apesar das evidências favorecendo as lipoproteínas  Uma abordagem cautelosa em relação à
A-I e B-100 como substitutas para o colesterol HDL e redução dos triglicerídios parece ser a mais
LDL na análise univariada, ainda há poucos dados prudente, uma vez que dados randomizados
clínicos mostrando que o uso destas medidas usando fenofíbrato em pacientes diabéticos
melhora a previsão do risco global se comparado ao com níveis elevados de triglicerídeos
teste padrão de perfil lipídico. As apolipoproteínas falharam em demonstrar reduções
poderão, porém, ter um uso especial no significativas no risco usando esta
monitoramento do tratamento com estatinas. abordagem.
Ainda não é claro se estes novos métodos de
avaliação lipídica acrescentam dados importantes a SÍNDROME METABÓLICA, RESISTÊNCIA À
triagem lipídica padrão rotina ou se devem INSULINA E DIABETES
permanecer como ferramentas especializadas para a
 O DM é considerado grande fator de risco para DCV. O
pesquisa e clínica de lipídios.
DM tipo 2 é particularmente preocupante, porque
acomete um numero maior de pacientes e ocorre em
TRIGLICERÍDIOS
indivíduos de meia-idade ou idade avançada, nos
quais em geral outros fatores de risco estão presentes.
 Contrastando com as evidências convincentes que
 Como o prognóstico do paciente diabético que
favorecem um papel causal para o LDL na
desenvolve DAC é mau, torna-se imperativo uma
aterogênese, o papel dos triglicerídios nesse cenário abordagem mais agressiva dos outros fatores de risco,
ainda desperta controvérsias. quando presentes.
 Em primeiro lugar, como os níveis de  Os objetivos a serem alcançados são:
triglicerídios tendem a variar inversamente
com os níveis de HDL, a demonstração de um
efeito inequivoco dos triglicerídios sobre os
eventos cardiovasculares e sobre a
mortalidade, independentemente dos níveis
de HDL, comprovou ser evasiva.
 Em segundo lugar, o nível de triglicerídios no
sangue depende sensivelmente da dieta. A  A resistência a insulina e o diabetes figuram entre
coleta de soro para os níveis de triglicerídios os principais fatores de risco cardiovascular; em um
no estado de jejum evita a variabilidade grande estudo, a presença de diabetes conferiu um
dessa medida. No entanto, a maioria dos risco equivalente a envelhecer 15 anos, um impacto
indivíduos se encontra em estado pós- maior até mesmo que o do tabagismo.
prandial grande parte do dia. A real  Os pacientes com diabetes têm taxas 2 a 8 vezes
exposição da parede arterial a partículas de mais elevadas de futuros eventos cardiovasculares,
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em comparação com indivíduos não diabéticos da endotélio vascular, uma etapa inicial critica
mesma idade e etnia, e 75% de todos os óbitos entre no desenvolvimento da aterogênese.
pacientes diabéticos resultam de coronariopatia.  A nefropatia diabética, detectada pela
 Embora a hiperglicemia esteja associada à doença presença de microalbuminiiria, acelera estes
microvascular, a própria resistência a insulina processos adversos.
promove a aterosclerose mesmo antes do diagnóstico  Em indivíduos com diabetes não insulino-
clínico do diabetes e as evidências confirmam o papel dependente, a microalbuminúria prediz
da resistência a insulina como fator de risco mortalidade cardiovascular e por todas as
independente para a aterotrombose. causas.
Esse achado tem incitado recomendações para o  Anormalidades da fibrinólise endógena
aumento da vigilância sobre a síndrome metabólica, também são prevalentes entre os diabéticos
uma situação em que a intolerância à glicose e a e pré-diabéticos.
hiperinsulinemia são acompanhadas de  Essas anormalidades, juntamente com o
hipertrigliceridemia, baixos níveis de HDL, comprometimento da vasodilatação
hipofibrinólise, hipertensão, microalbuminúria, uma dependente do endotélio (mediado pelo
predominância de partículas pequenas e densas de óxido nítrico) comum entre pacientes
LDL e obesidade central. Embora tenham sido diabéticos, contribuem para a disfunção das
propostos vários critérios diagnósticos da síndrome células endoteliais e para a aterogênese
metabólica, a definição adotada pelo National acelerada.
Cholesterol Education Program Adult Treatment  Conforme demonstrado recentemente, o
Panel exige pelo menos 3 dos 5 requisitos seguintes: tratamento intensivo do diabetes por um período de
1. Medida da cintura acima de 102 cm nos 6,5 anos reduziu o risco de DCV em 42%.
homens e de 88 cm nas mulheres;  Infelizmente, o fraco controle dos fatores de
2. Níveis de trigliceridios acima de 150 mg/dL, risco concomitantes nos pacientes diabéticos
3. Colesterol HDL abaixo de 40 mg/dL nos representa um grande desafio; no estudo
homens e de 50 mg/dL nas mulheres; mais recente do NHNES dos EUA, apenas 31%
4. PA acima de 130/85 mmHg; e dos participantes alcançaram o objetivo de
5. Glicemia igual ou maior que 110 mg/dl. uma HbA1c menor do que 7,0%, apenas 36%
Vários estudos demonstraram que os indivíduos conseguiram atingir alvos de pressão arterial
portadores da síndrome metabólica têm elevadas menores do que 130/80 mmHg e em mais da
taxas de eventos vasculares. metade os níveis de colesterol total foram
Mais importante, a inflamação endotelial agora é acima de 2OO mg/dL; além disso, apenas 7%
reconhecida como um componente essencial da de todos os adultos com diabetes no estudo
síndrome metabólica e a definição mais recente da conseguiram alcançar estes 3 objetivos
síndrome metabólica pelo National Heart inclui um principais juntos.
estado pró-inflamatório. Portanto, marcadores
biológicos como a PCR us podem ajudar ainda mais a EXERCÍCIO, PERDA DE PESO E OBESIDADE
estratificar o risco clinico e melhorar o valor
 O exercício físico regular reduz a demanda de
prognóstico da síndrome metabólica. Nível de PCR us
oxigênio pelo miocárdio e aumenta a tolerância ao
superior a 3 mg/L agrega importantes informações de
esforço e ambas as situações se correlacionam com
prognóstico ao risco cardiovascular em todos os
níveis mais baixos de risco coronariano.
níveis da síndrome metabólica, enquanto aqueles
 Os efeitos cardioprotetores da atividade
com níveis abaixo de 1 mg/L têm um risco
física incluem a redução do peso, a
substancialmente menor. Esta observação é
diminuição na incidência de DM, a redução
importante, uma vez que níveis de proteina C reativa
da PA e a da dislipidemia, bem como da
ultrassensivel também são capazes de predizer o
inflamação vascular.
desenvolvimento do diabetes tipo 2.
 Os exercícios também favorecem a
 Além das anormalidades metabólicas sistêmicas, a
normalização da disfunção endotelial,
hiperglicemia também causa acúmulo de produtos
melhoram a sensibilidade a insulina e a
finais avançados da glicação, conhecidos como
fibrinólise endógena.
causadores de lesão vascular.
 Os níveis de exercícios obtidos com não mais do
 Pacientes diabéticos têm acentuado
que 30 minutos de caminhada diária conferem
comprometimento da função endotelial e da
grandes benefícios na redução do risco de DAC.
musculatura lisa e parecem cursar com
 O Women's Health Initiative demonstrou que
aumento da adesão de leucócitos ao
andar rapidamente por 30 minutos 5 dias por

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semana esteve associado a uma redução de risco para a doença cardiovascular, uma vez que o seu
30% de eventos vasculares durante um impacto sobre o risco vascular é mediado através de
acompanhamento de 3,5 anos. inter-relacionamentos com a intolerância à glicose, a
 Nos homens que participaram do The Health resistência à insulina, a HAS, a inatividade física e a
Professional Follow Study, 30 minutos de dislipidemia.
caminhada diária se associaram a uma  Entretanto, a obesidade da meia-idade é um
redução de 18% do risco coronariano. Nesse forte presságio de hospitalização e futuras
estudo, contrariamente às recomendações complicações da doença coronariana, mesmo
médicas habituais, o exercício com entre aqueles com poucos ou nenhum outro
resistência e a musculação também fator de risco maior.
conferiram benefício cardiovascular.  De um ponto de vista epidemiológico, a
 Episódios isolados de exercício, mesmo que obesidade isoladamente se associa a um risco
breves, desde que repetidos ainda demonstram vascular elevado, independentemente dos
benefício, sugerindo que o trabalho vigoroso níveis de atividade física e da relação cintura-
prolongado não seja necessário para a redução do quadril.
risco.
 Um problema surgido com os “30 minutos de RESUMO OBESIDADE
caminhada por dia” para a redução do risco vascular é  A obesidade está associada a altas taxas de
que esta quantidade modesta de exercícios pode não morbimortalidade, tanto por DAC como por
ser adequada para reduzir o peso corporal ou manter outras causas. Em adultos, geralmente leva à
um IMC saudável. HVE, hiperinsulinemia e resistência a insulina.
 Tem sido descrito que a redução do peso a  O tipo de obesidade que mais se relaciona com
longo prazo exige abordagem mais agressiva DAC é a visceral, por estar geralmente associada
para pacientes obesos. à síndrome metabólica.
 Exercícios regulares modificam favoravelmente RESUMO SEDENTARISMO
múltiplos fatores de risco para a aterosclerose.  O sedentarismo está associado a aumento do
 Exercícios aeróbicos se associam a uma risco cardiovascular.
redução média da PA sistólica de 5 mmHg  A atividade física promove uma serie de
entre os hipertensos. benefícios para o organismo, como melhora da
 Embora os exercícios tenham sido vistos função cardíaca (se deve a aumento do DC, ↓ da
tradicionalmente como capazes de ter efeitos resistência a insulina, do LDL, dos triglicerídeos e
modestos sobre os níveis de colesterol total e dos níveis da PA).
de LDL, a melhora do nível de HDL e as  Indivíduos fisicamente inativos possuem risco
reduções dos triglicerídios ocorrem para DAC 8 vezes superior ao daqueles
consistentemente e dados mais recentes fisicamente ativos.
indicam um aumento no tamanho médio das
partículas de LDL sem alteração da ESTRESSE MENTAL E DEPRESSÃO
concentração de LDL no plasma. Esses efeitos
ocorrem até mesmo na ausência de perda de  O estresse mental e a depressão predispõem um
peso significativa e foram relacionados mais aumento do risco vascular.
fortemente com a quantidade do que com a  A estimulação adrenérgica, causada pelo
intensidade do exercício. estresse mental, pode aumentar a demanda
 O exercício ainda melhora a sensibilidade a de oxigênio pelo miocárdio e agravar a
insulina e o controle glicêmico, trazendo isquemia do miocárdio.
grandes benefícios para os pacientes  O estresse mental pode causar
diabéticos. vasoconstrição coronariana, particularmente
 Finalmente, o exercício regular reduz os nas artérias coronárias ateroscleróticas
níveis de PCR, melhora a função endotelial e influenciando também na oferta de oxigênio
parece beneficiar a hemostasia, inclusive o ao miocárdio.
ativador do plasminogênio do tipo tecidual, o  Estudos recentes ainda ligam o estresse mental a
fibrinogênio, o fator de von Willebrand, o disfunções plaquetárias e endoteliais, à síndrome
dímero D da fibrina e a viscosidade metabólica e à indução de arritmias ventriculares.
sanguínea. O estresse agudo, como o associado a catástrofes naturais,
é reconhecido há muito tempo como fator de risco para
 Persiste ainda a controvérsia quanto ao verdadeiro
eventos coronarianos. Mais recentemente, o estresse
papel da obesidade (definida como um índice de relacionado com o trabalho passou a ser reconhecido
massa corporal maior ou igual a 30) como um fator de como fator de risco cardiovascular. O estresse do trabalho
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tem dois componentes: a tensão do trabalho (que combina estimado para cada indivíduo e não pelo valor de um
altas demandas de trabalho com dificuldade de cumprir as determinado fator. Em termos práticos, costuma-se
tarefas) e o desequilíbrio entre o esforço e a recompensa classificar os indivíduos em 3 níveis de risco - baixo,
(que reflete mais os fatores econômicos ligados ao moderado e alto - para o desenvolvimento de eventos
trabalho). Ambos os componentes se associam
cardiovasculares maiores (morte por causa vascular,
aproximadamente a uma duplicação do risco de infarto do
infarto do miocárdio e AVC).
miocárdio e de AVC.
 Para o MS (caderno) considera-se:
 Outras medidas de estresse psicológico incluindo a
raiva e a hostilidade, também se associam a um risco
cardiovascular elevado.
 A depressão clínica se associa fortemente à
coronariopatia. Uma metanálise de 11 estudos
envolvendo indivíduos saudáveis demonstrou que
aqueles com depressão tiveram um risco
significativamente mais elevado de desenvolver
coronariopatia durante o período de
acompanhamento, sendo a depressão clínica mais
importante que o humor depressivo.
 Embora a depressão também esteja associada a
um aumento da prevalência de HAS, tabagismo e de
inatividade física, seus efeitos sobre o risco global não
se modificaram após o ajuste para estes e outros
fatores de risco tradicionais.
 Deste modo, os achados de que indivíduos
com depressão também têm aumento da
ativação plaquetária, elevação dos níveis de
PCR us e diminuição da variabilidade da
freqüência cardíaca reforçam o papel da
depressão como preditor independente de
eventos cardiovasculares.
Clinicamente, o benefício do tratamento agressivo da
depressão parece ser grande tanto para o paciente
como para os seus familiares, mas este componente
dos cuidados ao paciente geralmente é ignorado na
prática cardiovascular.

CLASSIFICAÇÃO DO RISCO CARDIOVASCULAR


 Para a diretriz considera-se:

 Indivíduos mais jovens (homens com menos de 45


anos e mulheres com menos de 55 anos), sem
manifestação de doença ou sintomas e sem nenhum
dos fatores intermediários descritos caracterizados
como sendo de BAIXO RISCO.
 A intensidade das intervenções preventivas deve  Estes indivíduos não se beneficiam de
ser determinada pelo grau de risco cardiovascular exames complementares

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 Homens com idade superior a 45 anos e mulheres
com mais de 55 anos requerem exames laboratoriais
para estimar mais precisamente o risco
cardiovascular, assim como indivíduos mais jovens
que já apresentam 1 ou mais fatores de risco.
 Embora não exista consenso no escore a ser
utilizado para estimativa de risco global, recomenda-
se aplicar o modelo de Framingham, revisto em 2005.

 A partir deste instrumento, os indivíduos são


classificados em risco de desenvolver um evento
cardiovascular maior (infarto do miocárdio ou morte
por causa cardiovascular).
 Essa determinação de risco exige a obtenção de
pelo menos 2 exames complementares: glicemia de
jejum e colesterol total.
 A determinação do perfil lipídico completo,
com dosagem de triglicerídeos, HDL e
estimativa de LDL torna a predição um pouco
mais precisa.
 Para pacientes com HAS ou DM, solicita-se ainda
creatinina, exame de urina tipo I e eletrocardiograma.
 Naqueles com diabete ainda deve ser solicitado
teste Hemoglobina glicada (A1c) e microalbuminúria,
se ausência de proteinúria no exame de urina.
 A presença de qualquer uma das condições abaixo
também indica alto risco:
 Nefropatia (proteinúria >300mg/dia ou
200mg proteína/g Cr urinária ou Cr>1,5 mg/dl
para homens e 1,3 mg/dl para mulheres OU

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albuminúria > 30mg/24 horas ou 30mg/gr Cr  Hipertrofia de ventrículo esquerdo ao ECG ou
urinária); ecocardiograma.

CIRCULAÇÃO CORONARIANA (GUYTON, SBC, MEDCURSO)

 As principais artérias coronárias encontram-se na


superfície do coração e só as pequenas artérias FLUXO SANGUÍNEO CORONÁRIO NORMAL
penetram na massa muscular cardíaca.
 O fluxo sanguíneo coronário em repouso nos seres
 É quase totalmente por essas artérias que o
humanos é, em média, de cerca de 225 ml/min, o que
coração recebe seu suprimento sanguíneo.
representa 4 a 5% do débito cardíaco total.
 Nos exercícios vigorosos, o coração aumenta seu
DC até 4 a sete 7, bombeando esse sangue contra
uma PA maior que a normal.
 Por conseguinte, o trabalho produzido pelo
coração em condições severas pode aumentar
por até 6 a 8 vezes.
 O fluxo sanguíneo coronário aumenta 3 a 4
vezes para suprir os nutrientes adicionais
necessários ao coração.

Note, por esse diagrama, que o fluxo sanguíneo no


ventrículo esquerdo cai para um valor baixo durante a
sístole, o contrário do fluxo em outros leitos vasculares do
corpo. A razão disso é a forte compressão do músculo
 A artéria coronária esquerda supre principalmente ventricular esquerdo em volta dos vasos intramusculares
as partes anterior e lateral do ventrículo esquerdo, durante a sístole.
enquanto a artéria coronária direita supre a maior  Durante a diástole, o músculo cardíaco se relaxa
parte do ventrículo direito, assim como a parte totalmente e não mais obstrui o fluxo sanguíneo pelos
posterior do ventrículo esquerdo em 80 a 90% de capilares do ventrículo esquerdo, de modo que o
todas as pessoas. sangue agora flui rapidamente durante toda a
 Em cerca de metade dos seres humanos, há diástole.
um maior fluxo sanguíneo pela artéria  Durante a contração cardíaca, todo o músculo
coronária direita que pela esquerda; em cerca cardíaco se aperta em direção ao centro dos
de 30% deles, as artérias são ventrículos.
aproximadamente iguais; e em 20% a artéria  Durante a sístole, portanto, desenvolve-se um
esquerda predomina. gradiente de pressão tecidual no próprio
 A maior parte do fluxo sanguíneo venoso do músculo cardíaco, sendo a pressão no
ventrículo esquerdo sai por meio do seio coronário (o músculo subendocárdico quase tão alta
que constitui cerca de 75% do fluxo sanguíneo quanto à no interior do ventrículo, enquanto a
coronário total) e a maior parte do sangue venoso do pressão na camada mais externa do músculo
ventrículo direito flui pelas pequenas veias cardíacas cardíaco é apenas pouco superior à pressão
anteriores diretamente até o átrio direito, não tendo atmosférica.
ligação com o seio coronário.

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 A importância desse gradiente de pressão é tecidos, especialmente nos músculos
que a pressão intramiocárdica nas camadas esqueléticos do corpo.
mais internas do músculo cardíaco é tão mais  Especula-se que a redução da concentração de
alta que aquela nas camadas mais externas oxigênio no coração faz com que substâncias
que comprime os vasos sanguíneos vasodilatadoras sejam liberadas pelas células
subendocárdicos, bem mais que os vasos mais musculares e que elas dilatem as arteríolas.
externos.  A substância com a maior tendência
Na superfície do músculo cardíaco as grandes artérias vasodilatadora é a adenosina.
coronárias epicárdicas suprem o coração. Artérias  Na presença de concentrações muito baixas
intramusculares menores penetram no músculo, suprindo de oxigênio nas células musculares, grande
os nutrientes necessários a caminho do endocárdio. proporção do ATP celular é degradada a AMP;
Situado então imediatamente abaixo do endocárdio
em seguida, pequenas frações desse AMP são
encontra-se o plexo de artérias subendocárdicas. Durante
adicionalmente degradadas, liberando
a sístole, o fluxo sanguíneo pelo plexo subendocárdico do
ventrículo esquerdo, no qual a força contrátil do músculo é adenosina nos líquidos teciduais do músculo
muito grande, cai praticamente a zero. Para compensar cardíaco, causando vasodilatação.
essa ausência quase total de fluxo durante a sístole, o  A adenosina não é o único produto
fluxo arterial subendocárdico é mais extenso que as vasodilatador já identificado. Outros incluem
artérias nutrientes nas camadas média e externa do fosfato de adenosina, íons potássio, íons
coração. Por esta razão, durante a diástole, o fluxo hidrogênio, dióxido de carbono, bradicinina e,
sanguíneo nas artérias subendocárdicas é possivelmente, prostaglandinas e NO.
consideravelmente maior que o fluxo sanguíneo nas  A estimulação dos nervos autonômicos para o
artérias mais externas.
coração pode afetar o fluxo sanguíneo coronário
direta e indiretamente.
 Os efeitos diretos decorrem da ação direta
das substâncias transmissoras nervosas,
acetilcolina dos nervos vagos e norepinefrina
dos nervos simpáticos, sobre os próprios
vasos coronários.
 Os efeitos indiretos decorrem de alterações
secundárias no fluxo sanguíneo coronário,
causadas pelo aumento ou diminuição da
atividade do coração.
 Os efeitos indiretos, que são em sua maior
parte opostos aos efeitos diretos e têm o
papel mais importante no controle normal do
fluxo sanguíneo coronário.
 A estimulação simpática que libera
norepinefrina, aumenta tanto a freqüência
como a contratilidade cardíacas assim como
seu metabolismo.
A maior atividade do coração, por sua vez,
desencadeia mecanismos reguladores do fluxo
sanguíneo local para dilatar os vasos coronários e
CONTROLE DO FLUXO SANGUÍNEO CORONÁRIO o fluxo sanguíneo aumenta de forma
aproximadamente proporcional às necessidades
 O fluxo sanguíneo pelo sistema coronário é metabólicas do músculo cardíaco. Em contraste, a
regulado quase que totalmente pela resposta vascular estimulação vagal, com sua liberação de
às necessidades locais de nutrição da musculatura acetilcolina, lentifica o coração, tendo também
cardíaca. ligeiro efeito depressivo sobre a contratilidade
 Sempre que aumenta o vigor da contração, cardíaca. Esses dois efeitos reduzem o consumo
independentemente da causa, a intensidade cardíaco de oxigênio, contraindo, pois,
indiretamente as coronárias.
do fluxo sanguíneo coronário aumenta
 A distribuição das fibras nervosas parassimpáticas
simultaneamente e, inversamente, a menor
(vagais) para o sistema coronário ventricular é tão
atividade se acompanha de redução do fluxo
escassa que a estimulação parassimpática tem apenas
sanguíneo coronário.
efeito direto muito pequeno de dilatação das
 Essa regulação local do fluxo sanguíneo é
coronárias.
quase idêntica à que ocorre em muitos outros
43
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 Por outro lado, a inervação simpática dos vasos quantidade de ácido lático no tecido cardíaco,
coronários é muito mais extensa. o que é provavelmente uma das causas das
 As substâncias transmissoras simpáticas dores cardíacas em condições de isquemia
norepinefrina e epinefrina podem ter efeitos cardíaca.
constritores ou dilatadores, dependendo da  Como ocorre com outros tecidos, mais de 95% da
presença ou ausência de receptores energia metabólica liberada a partir dos alimentos são
específicos nas paredes dos vasos sanguíneos. empregados para formar ATP nas mitocôndrias.
 Os receptores constritores são denominados  Esse ATP, por sua vez, fornece a energia para
receptores alfa e os dilatadores são a função celular.
designados receptores beta.  Na isquemia coronária muito grave, o ATP é
 Existem nos vasos coronarianos tanto degradado a ADP, AMP e adenosina.
receptores alfa como beta. Em geral, os vasos  Como a membrana celular é permeável a
coronários epicárdicos têm preponderância adenosina, grande parte dela pode ser
de receptores alfa, enquanto as artérias perdida pelas células musculares para o
intramusculares podem ter preponderância sangue circulante.
de receptores beta.  Supõe-se que essa adenosina liberada seja
 A estimulação simpática pode, pelo menos uma das substâncias que causam a dilatação
teoricamente, causar ligeira constrição ou das arteríolas coronarianas durante a hipóxia
ligeira dilatação global das coronárias, porém, coronária, como foi discutido antes.
em geral, mais constrição.  Entretanto, a perda de adenosina também
 Em algumas pessoas, os efeitos tem conseqüência celular muito séria.
vasoconstritores alfa parecem ser  Dentro de até meia hora de isquemia
desproporcionalmente intensos, podendo coronária grave, como ocorre após infarto do
essas pessoas ter isquemia miocárdica miocárdio ou durante parada cardíaca, cerca
vasoespástica durante períodos de de metade da base adenina pode ser perdida
estimulação simpática excessiva, pelas células musculares cardíacas.
freqüentemente com a conseqüente dor  Além disso, ela só pode ser reposta por nova
anginal. síntese de adenina, à razão de apenas 2% por
 Deve-se ressaltar que fatores metabólicos hora.
(especialmente o consumo miocárdico de oxigênio) Portanto, após uma isquemia grave ter persistido por
são os principais controladores do fluxo sanguíneo aproximadamente meia hora, o alívio da isquemia cardíaca
miocárdico. pode ser demasiado tardio para salvar a vida das células
 Portanto, sempre que os efeitos diretos da cardíacas. Isto é talvez uma das principais causas de morte
celular cardíaca após isquemia miocárdica, sendo também
estimulação nervosa alteram o fluxo
uma das causas mais importantes da debilidade cardíaca
sanguíneo coronário, os fatores metabólicos
em etapas avançadas do choque circulatório.
geralmente sobrepujam esses efeitos
nervosos coronários diretos e fazem o fluxo CIRCULAÇÃO COLATERAL DO CORAÇÃO
voltar praticamente ao normal em segundos
ou minutos.  O grau de lesão do coração causada ou pelo lento
desenvolvimento de constrição aterosclerótica das
CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DO METABOLISMO artérias coronárias ou por oclusão súbita é
DO MÚSCULO CARDÍACO determinado, em grande parte, pelo grau da
circulação colateral que já se desenvolveu ou que se
 Em condições de repouso, o músculo cardíaco pode desenvolver num curto período após a oclusão.
utiliza normalmente para fins energéticos mais ácidos  No coração normal quase não existe comunicação
graxos que carboidratos, com aproximadamente 70% entre as artérias coronárias maiores.
do metabolismo normal derivando de ácidos graxos.  Contudo, há muitas anastomoses entre as
 Entretanto, em condições anaeróbicas ou artérias menores.
isquêmicas, o metabolismo cardíaco tem de  Quando ocorre oclusão súbita numa das
recorrer ao mecanismo da glicólise anaeróbica artérias coronárias maiores, essas pequenas
para obter energia, podendo suprir muito anastomoses dilatam-se dentro de alguns
pouca energia adicional, relativamente às segundos.
grandes necessidades energéticas do coração.  O fluxo sanguíneo por esses diminutos vasos
 Da mesma forma, a glicólise consome uma colaterais é geralmente de menos da metade
quantidade enorme da glicose sanguínea, do necessário para manter vivo o músculo
formando, ao mesmo tempo, grande cardíaco que eles suprem; infelizmente, o
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diâmetro dos vasos colaterais não aumenta  Quando a obstrução é leve, não há repercussão na
adicionalmente nas 8 a 24 horas seguintes. Aí, perfusão miocárdica, nem em repouso, nem durante
então, o fluxo colateral começa realmente a um estresse físico ou metabólico.
aumentar, dobrando por volta do segundo ou  Obstruções luminais maiores que 50% podem
terceiro dia e atingindo freqüentemente o comprometer significativamente a reserva
fluxo coronariano normal ou praticamente coronariana para uma determinada área do
normal no músculo antes isquêmico dentro de miocárdio.
cerca de 1 mês.  Ou seja, apesar de o fluxo coronariano ser
 É devido ao desenvolvimento desses canais suficiente para perfundir o miocárdio no
colaterais que os pacientes muitas vezes se estado de repouso, é insuficiente durante o
recuperam de diversos tipos de oclusão estresse físico ou metabólico (MVO2 alta),
coronária quando a área de músculo afetada levando à isquemia estresse-induzida em
não é demasiado grande. determinada região.
 Quando a aterosclerose estreita lentamente as  O que acontece, na verdade, é que o território
artérias coronárias num período de muitos anos, em miocárdico suprido pela coronária estenosada
vez de subitamente, os vasos colaterais podem já possui uma vasodilatação arteriolar máxima
desenvolver-se simultaneamente à aterosclerose. (que foi aumentando insidiosamente).
 Por esta razão, o indivíduo pode deixar de  Assim, durante o esforço físico, não há mais
apresentar episódio agudo de disfunção como aumentar o fluxo sanguíneo, pois a
cardíaca. reserva coronariana já foi esgotada.

CONCEITO DE RESERVA CORONARIANA


 Reserva Coronariana é a capacidade fisiológica de
o leito arteriolar miocárdico dilatar-se, de forma a
aumentar a perfusão proporcionalmente ao aumento
da demanda metabólica.
 Durante o esforço físico, a utilização da reserva
coronariana mantém equilibrada a relação
oferta/consumo de oxigênio, evitando o
desenvolvimento de isquemia.  A quantidade de estresse físico ou metabólico
 Em indivíduos normais, essa reserva pode chegar a necessária para induzir a isquemia miocárdica é
6, isto é, o fluxo de sangue pode aumentar em até 6 denominada limiar de isquemia e depende de 2
vezes. fatores básicos:
1. Grau de obstrução coronariana
2. Capacidade da rede de vasos colaterais
A circulação colateral coronariana liga os leitos vasculares
das principais artérias epicárdicas. Seus pequenos vasos já
estão presentes desde o nascimento, porém encontram-se
colabados. Quando se desenvolve uma estenose
coronariana progressiva, o miocárdio nutrido por essa
artéria pode ser protegido, até certo ponto, pela abertura
e proliferação da rede de colaterais. Isso explica por que 2
pessoas diferentes com o mesmo grau de estenose
ESTENOSE DAS CORONÁRIAS EPICÁRDICAS coronária apresentam sintomatologia distinta.
 As coronárias epicárdicas são as artérias de médio ESTENOSE VARIÁVEL
calibre que nutrem o miocárdio.
 Temos a descendente anterior  A placa aterosclerótica geralmente não se estende
(interventricular anterior), a circunflexa, a por toda a circunferência da artéria, deixando uma
coronária direita e os seus respectivos ramos. porção da parede livre.
 Quando a musculatura lisa desta porção
ESTENOSE FIXA contrai (vasoconstricção), a obstrução torna-
se transitoriamente mais grave, reduzindo o
 A causa de mais de 95% das estenoses
limiar de isquemia miocárdica (isquemia de
coronarianas fixas é a placa aterosclerótica.
limiar variável).

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 Se esta vasoconstricção for muito acentuada, DISFUNÇÃO SISTÓLICA SEGMENTAR
a isquemia pode surgir mesmo durante o
repouso.  A isquemia miocárdica tem como primeira e
 Pela disfunção endotelial, o segmento principal conseqüência fisiopatológica a
coronariano comprometido pela placa comprometimento agudo e transitório da
aterosclerótica fica mais propenso à contratilidade miocárdica.
vasoconstricção, geralmente desencadeada  Como o principal gasto energético do miocárdio é
por estímulos como o frio, o fumo, o estresse para o processo de contração muscular, este é o mais
físico e emocional. comprometido pela perfusão insuficiente.
 A maioria dos quadros de angina estável tem  O grau de piora da contratilidade é
limiar variável, explicado por esse fenômeno. proporcional à gravidade da isquemia.
 Os diversos graus de disfunção sistólica de um
CONSEQUÊNCIAS DA ISQUEMIA MIOCÁRDICA segmento miocárdico isquêmico, em ordem de
intensidade e gravidade:
 A isquemia miocárdica possui efeitos na
performance cardíaca, diminuindo sua contratilidade,
atrasando seu relaxamento e reduzindo sua
complacência.
 A isquemia estresse-induzida (lesão coronariana
fixa) atinge especialmente a porção subendocárdica
da parede ventricular, a chamada isquemia
subendocárdica.
 Essa região é muito mais suscetível à isquemia
do que a porção subepicárdica.
As coronárias epicárdicas emitem artérias perfurantes,
que mergulham perpendicularmente do epicárdio ao
endocárdio, emitindo ramículos laterais que originam
arteríolas:
A. Hipocinesia: contrai-se menos que os outros
segmentos;
B. Acinesia: não se contrai, o segmento
permanece parado na sístole;
C. Discinesia: movimento paradoxal, isto é, um
abaulamento sistólico.
 A isquemia subendocárdica costuma causar
hipocinesia, enquanto a isquemia transmural pode
levar à acinesia ou discinesia.
 O fluxo sanguíneo segue o mesmo sentido,  Uma isquemia transmural prolongada pode levar à
atingindo por último o subendocárdio. necrose miocárdica (infarto).
 Tal camada, por sua vez, também recebe o  Dependendo do tamanho da área isquêmica,
efeito direto da pressão intracavitária, a qual a disfunção contrátil segmentar pode ser
dificulta o fluxo sanguíneo. suficiente para levar a uma disfunção sistólica
 Por causa disso o subendocárdio é mais global do VE, às vezes com manifestação
propenso à isquemia (necessita de uma maior clínica aguda de insuficiência ventricular
pressão na coronária epicárdica para vencer a esquerda congestiva (dispneia, ortopneia,
pressão intracavitária e manter uma boa estertoração pulmonar, B3).
perfusão).  A disfunção contrátil é o primeiro evento que
 A isquemia decorrente de uma oclusão acontece após a isquemia coronariana.
coronariana aguda (como ocorre no IAM e na angina  A sucessão de eventos é a seguinte:
de Prinzmetal) acomete toda a extensão da parede 1. Disfunção contrátil;
miocárdica (subendocárdio + subepicárdio), sendo 2. Alterações eletrocardiográficas;
denominada isquemia transmural. 3. Angina.
 Suas conseqüências são mais intensas e  Esta é a denominada cascata isquêmica.
graves do que as da isquemia subendocárdica.

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DISFUNÇÃO DIASTÓLICA  O que acontece é uma redução do gasto
energético do segmento comprometido, de
 A isquemia miocárdica também altera as modo a manter equilibrada a relação fluxo
propriedades diastólicas do ventrículo. coronariano/demanda metabólica e, assim,
 O segmento envolvido apresenta um déficit prevenir a isquemia.
de relaxamento e redução de sua elasticidade.  Esse mecanismo de auto-proteção se dá à
 Se a área isquêmica for suficientemente grande, a custa de redução na contratilidade.
complacência ventricular, como um todo, torna-se  Ainda não se conhece bem o mecanismo
reduzida, levando as altas pressões de enchimento a bioquímico deste processo.
causar uma síndrome congestiva desproporcional ao CORONÁRIAS E ÁREAS DE IRRIGAÇÃO
déficit sistólico. Originam-se da raiz da aorta a Coronária Direita (CD)
 A disfunção diastólica é ainda mais comum e e o Tronco da Coronária Esquerda (TCE). O TCE
precoce que a sistólica. subdivide-se em duas grandes artérias: a
Descendente Anterior (DA) e a Circunflexa (Cx). As
MIOCÁRDIO HIBERNANTE coronárias epicárdicas CD, DA e Cx possuem calibres
semelhantes e emitem ramos para irrigar os diversos
 O chamado miocárdio hibernante consiste na
territórios do miocárdio.
disfunção contrátil crônica de um segmento
miocárdico irrigado por uma coronária estenosada, Coronária Direita (CD): irriga o miocárdio do VD e,
totalmente reversível após o restabelecimento do quando é dominante (70% dos casos), irriga também
fluxo coronariano para este segmento. a porção basal do septo, a parede inferior e posterior
 Este fenômeno pode explicar a hipocontratilidade do VE. O que caracteriza uma artéria como
crônica de um ou mais segmentos miocárdicos em dominante é o fato de ela dar origem aos ramos
pacientes com doença coronariana. posteriores: artéria do nódulo AV e a descendente
 Após um procedimento de revascularização posterior (interventricular posterior). Seus outros
miocárdica (angioplastia ou cirurgia), um ou mais ramos são: artéria conal, artéria do nódulo sinusal e
segmentos de miocárdio podem recuperar a marginais direitas.
contratilidade, melhorando, muitas vezes, a função Circunflexa (Cx): irriga a parede lateral do VE e,
ventricular global. quando é dominante (30% dos casos), irriga também
 O déficit contrátil crônico, no entanto, pode a porção basal do septo, a parede inferior e posterior
ser conseqüente à fibrose miocárdica (cicatriz do VE. Os seus principais ramos são as marginais
de infarto prévio) e não por miocárdio esquerdas, sendo a artéria do nódulo AV e a
hibernante. descendente posterior ramos de uma Cx dominante.
 Para diferenciar entre essas duas entidades Descendente Anterior (DA): irriga quase todo o septo
(fibrose versus miocárdio hibernante), utiliza- IV, a parede anterior e a região apical do VE. Seus
se o termo “miocárdio viável” para aquele principais ramos são as artérias septais e as
segmento que pode recuperar a sua função diagonais. Quando a 1° diagonal origina-se na
após revascularização. bifurcação entre a DA e a Cx, chama-se diagonalis. A
 Na verdade, no miocárdio hibernante não ocorre DA é extremamente importante porque irriga a
isquemia. maior parte do miocárdio do VE.

DOR TORÁCICA (HARRISON, DUNCAN, PORTO, PROTOCOLO UFPR 2010)

 A dor torácica é definida como dor ou desconforto  Em todos os pacientes deve ser pensada e
em qualquer local entre a mandíbula e a cicatriz descartada a possibilidade de causas associadas a um
umbilical, incluindo-se os membros superiores e o maior risco de vida (próximo item do resumo).
dorso.
 É um sintoma comum, com um espectro de MECÂNISMO DA DOR
manifestações que varia desde situações agudas em
 A dor torácica é causada por excitação de nervos
serviço de emergência até investigação ambulatorial
viscerais ou somáticos:
de rotina.
 Representa um desafio para o médico pela ampla  Vias somáticas:
diversidade de diagnósticos possíveis, alguns benignos a) Estimulação de nervos da pele e de
e outros com uma elevada morbimortalidade. estruturas superficiais.
b) Por traumatismo.
c) Por condições neuromusculares.

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 Vias viscerais:
a) Estimulação de nervos aferentes viscerais
por isquemia, inflamação, distensão de
órgão oco, espasmo muscular ou tração.
b) Os aferentes viscerais conduzem informação
nociceptiva para os gânglios da raiz dorsal na
medula espinhal.
c) Aí, tanto os nervos viscerais como os
somáticos sensoriais primários convergem
para os neurônios espinhais comuns.
d) Causam atividade nas vias espinhais DOR TORÁCICA DE ORIGEM CARDÍACA
ascendentes, que é mal interpretada à
 Como as doenças cardiovasculares são a principal
medida que se originam de estruturas
causa de mortalidade no Brasil, é importante
somáticas.
diagnosticar precisamente a dor torácica de origem
CAUSAS DA DOR cardíaca (principalmente a angina pectoris e o IAM).
 O infarto se mostra fatal em 1/3 dos pacientes,
trazendo também conseqüências psicossociais e
econômicas, já que acomete indivíduos nos seus anos
mais produtivos.
 Estima-se que somente 10 a 15% dos
pacientes que vêm à emergência por dor no
peito apresentam realmente infarto.
 No entanto, as estatísticas americanas
mostram que 2 a 8% dos pacientes com
infarto são liberados da emergência para casa
sem o diagnóstico adequado.
 Deve-se suspeitar de dor torácica de origem
cardíaca nos pacientes com mais de 30 anos que se
apresentem com dor, desconforto ou pressão
torácica; com ou sem irradiação para mandíbula,
membros superiores ou abdômen superior;
acompanhados ou não de náuseas, sudorese,
dispnéia, tonturas ou síncope, sem evidência de
outras causas que explicariam o quadro clínico
(doenças agudas infecciosas, trauma, lesões de pele).
 Por ser uma dor visceral, é freqüentemente mal-
localizada, difícil de descrever e nem sempre referida
como “dor” (angina significa “pressão”, não dor).

DOR CARDÍACA POR ISQUEMIA E LESÃO


MIOCÁRDICA
 Ocorre isquemia miocárdica quando a oferta de
oxigênio e nutrientes é insuficiente para atender as
 As prevalências das causas mais comuns de dor demandas metabólicas.
torácica variam de acordo com o contexto de  A causa mais comum de isquemia miocárdica é
atendimento. doença aterosclerótica envolvendo as artérias
 Pacientes atendidos em serviços de pronto- coronarianas.
atendimento e de emergência têm um  Situações nas quais ocorre um aumento da
percentual maior de origem cardíaca do que o necessidade de consumo de oxigênio podem
observado em ambulatórios. resultar em isquemia, assim como os casos
 O inverso é observado nas doenças agudos de redução do fluxo coronariano por
musculoesqueléticas, muito mais freqüentes obstrução aguda.
no contexto ambulatorial.

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ANGINA PECTORIS  Na maioria dos pacientes, os sintomas
refletem isquemia miocárdica por uma
 A dor anginosa é descrita como dor ou doença de artéria coronária epicárdica.
desconforto, peso, pressão na região precordial ou A classificação usualmente utilizada para angina é da
subesternal, podendo ser irradiada para mandíbula, Sociedade Canadense de Cardiologia (CCS), que
ombros, dorso ou membros superiores e estabelece 4 categorias:
acompanhada de outros sintomas como sudorese, Classe I: Atividades comuns não causam angina,
dispnéia, tonturas, náuseas e vômitos. como caminhar, subir escadas. Ocorre com esforços
 Na descrição dos sintomas, devem ser extenuantes e/ ou prolongados no trabalho ou lazer.
considerados localização, características, duração e Classe II: Limitação leve às atividades comuns. Angina
fatores precipitantes e de alívio da dor torácica. para caminhar mais que 2 quadras no plano ou subir
A partir desses dados, é possível classificar a dor em 3 mais que 1 lance de escadas.
grupos: Classe III: Limitação marcada as atividades comuns,
1. Angina típica (definida): desconforto torácico com angina para caminhar 1 ou 2 quadras e/ou subir
como recém-descrito, que é: 1 lance de escadas.
a. Subesternal, Classe IV: Angina com qualquer atividade física,
b. Provocado por exercício ou estresse podendo estar presente mesmo em repouso.
emocional e  De acordo com características da dor, idade do
c. Aliviado rapidamente em repouso ou com paciente, sexo e achados do exame clínico e,
nitratos. eventualmente, do ECG, é possível estabelecer a
2. Angina atípica (provável): preenche apenas 2 das probabilidade de os sintomas serem atribuídos a
3 características recém-enumeradas. isquemia miocárdica.
3. Dor torácica não-cardíaca: apresenta apenas 1 ou  Indivíduos com probabilidade muito baixa devem
nenhuma dessas três características. ser investigados em busca de outras etiologias dos
 A angina é denominada estável se as sintomas.
características da dor estão presentes há pelo menos  Aqueles com probabilidade muito elevada baseada
2 meses. na história clínica não necessitam de testes adicionais
 A angina estável é geralmente desencadeada e devem ser imediatamente tratados.
por exercício, estresse emocional e refeições  Um número significativo encontra-se em faixas
fartas e alivia em minutos com repouso ou intermediárias de risco e, para esses, testes não-
com nitroglicerina sublingual. invasivos de isquemia miocárdica podem auxiliar a
elucidar o diagnóstico.

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paraesternais aumentam as chances de os
sintomas serem de origem cardíaca.
 O ECG de repouso é fundamental nos
pacientes com suspeita de angina. Na
presença de alterações isquêmicas (presença
de onda Q, alterações de segmento ST), esses
pacientes devem ser encaminhados ao
cardiologista.
Os pacientes com suspeita de angina instável ou
infarto agudo do miocárdio devem receber AAS 160-
325 mg (mastigado), dinitrato de isossorbida 5 mg
sublingual até 5 vezes com intervalo de 5 minutos e
opióide (morfina 5-10 mg IV), para alívio da dor, se
disponível, devendo ser encaminhados
ANGINA INSTÁVEL E IAM imediatamente para avaliação em nível hospitalar.
 Na evolução natural da doença isquêmica cardíaca,
OUTRAS CAUSAS CARDÍACAS
o quadro pode tornar-se instável, o que na maioria
dos casos é provocado por ruptura de uma placa  A isquemia miocárdica também pode ser causada
aterosclerótica e formação de trombo intraluminal. por miocardiopatia hipertrófica ou hipertensiva, ou
Indivíduos com síndrome isquêmica aguda, que pode estenose aórtica com sintomas semelhantes aos de
variar desde casos de angina instável até IAM angina pectoris.
transmural, apresentam um risco de morte iminente,  Outros achados da história e do exame físico
devendo ser prontamente identificados e podem auxiliar no diagnóstico diferencial.
encaminhados para serviços de emergência.
 A angina instável pode apresentar-se: PERICARDITE
1. Em repouso, usualmente com duração
superior a 20 minutos, dentro de 1 semana;  Pericardite é a inflamação do pericárdio, e suas
ou manifestações clínicas dependem da sua etiologia,
2. Com sintomas mesmo aos pequenos esforços, além da quantidade e do tipo de derrame pericárdico.
com início ou aumento de sua gravidade nos  A causa mais comum é infecção viral, que
últimos dois meses (CCSC classe III). geralmente se resolve em poucas semanas sem
 Esses pacientes têm uma probabilidade muito seqüelas.
maior de eventos coronarianos agudos em  Outras causas descritas são infecção
curto prazo. bacteriana (comum em tuberculose),
 Se não forem tratados, o risco de morte e malignidade, trauma, uremia, doenças do
infarto pode chegar a 15 a 20% em 30 dias. colágeno (especialmente lúpus eritematoso
 No IAM, a dor na maioria das vezes é intensa e sistêmico), hipotireoidismo, infarto (entre o
algumas vezes insuportável. segundo e o quarto dia pós-infarto), fármacos
 Sua duração é prolongada, de 30 minutos até (mais comum hidralazina), cirurgia ou
várias horas. radioterapia.
 O desconforto é descrito como compressão,  Os pacientes apresentam dor aguda, contínua,
esmagamento, sufocamento ou aperto, ventilatório-dependente, que melhora na posição
associado geralmente com sudorese, náuseas sentada com o corpo flexionado para frente,
e vômitos, tonturas, sensação de morte especialmente nos casos de origem viral.
iminente.  Atrito pericárdico pode ou não estar presente.
 Em alguns pacientes (principalmente idosos e  O acúmulo rápido e agudo de líquido no
diabéticos), os sintomas principais são pericárdio causa sinais de comprometimento
dispnéia, mal-estar, síncope, arritmias e, hemodinâmico no tamponamento cardíaco,
eventualmente, parada cardíaca. com taquicardia, hipotensão, pulso paradoxal
 O exame físico usualmente é inespecífico, (queda ≥ 10 mmHg na pressão arterial
podendo ser normal e não excluir o sistólica durante a inspiração) e turgência
diagnóstico. Se realizado durante o episódio jugular.
de dor, pode ser mais sensível.  Ao contrário dos pacientes com insuficiência
 A presença de hipotensão, terceira bulha, cardíaca, a ausculta pulmonar pode ser
estertores pulmonares, diaforese, sopro de normal.
regurgitação mitral transitório ou impulsões
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 Na pericardite constritiva crônica, há uma marcada  A ruptura da aorta pode manifestar-se como
turgência jugular que aumenta na inspiração, sem tamponamento cardíaco ou derrame pleural.
evidência de pulso paradoxal.  O exame físico pode revelar diferença de
 Um estalido chamado knock pericárdico pode pulsos arteriais entre os membros superiores
ser ouvido precocemente na diástole. ou inferiores, bem como manifestação de
 Apesar dos pulmões limpos, devido à diminuição do fluxo em outras áreas afetadas.
congestão da veia cava inferior, há  Por ser uma condição com elevada mortalidade
hepatomegalia, ascite e edema de MMII. (1% por hora nas primeiras 24 horas e 25% na
 O diagnóstico da pericardite e suas complicações primeira semana), o paciente deve ser encaminhado
só é feito quando o clínico mantém um alto índice de imediatamente para atendimento de emergência
suspeita para esse diagnóstico, e pode ser confirmado hospitalar.
por ECG, raio X de tórax, ecocardiograma e exames
laboratoriais. PNEUMOTÓRAX
 As alterações eletrocardiográficas
 No pneumotórax, a dor tem início súbito e é
(supradesnível do segmento ST difuso com
concavidade para cima, infradesnível do acompanhada de dispnéia e dor em pressão no
hemitórax afetado, que piora com inspiração
segmento PR) confirmam o diagnóstico.
profunda ou tosse.
 Ao contrário do infarto, não há alterações em
 Na ausculta pulmonar, observa-se murmúrio
“espelho” nem inversão de onda T no
vesicular diminuído ou ausente no lado
segmento ST.
afetado.
 No tamponamento cardíaco e na pericardite
 O raio X de tórax confirma o diagnóstico.
constritiva crônica, há baixa voltagem do complexo
 Um paciente com pneumotórax espontâneo
QRS, com alterações difusas do impulso elétrico.
primário pode ser observado em nível ambulatorial se
 No raio X de tórax, há alargamento da silhueta
tiver um acompanhamento freqüente e confiável.
cardíaca em derrames com mais de 250 mL, e
 Se o pneumotórax for secundário ou
calcificações pericárdicas podem ser vistas
associado a sintomas significativos, o paciente
nos casos crônicos (tuberculose).
deve ser hospitalizado para observação.
 A maioria dos pacientes com pericardite viral pode
 Pacientes com pneumotórax maior que 10 a 20%
ser manejada com antiinflamatórios não-esteróides
do campo pulmonar geralmente necessitam de
(indometacina, ibuprofeno, aspirina) por 7 a 10 dias.
drenagem de tórax.
 Alguns podem necessitar corticosteróide
(prednisona 5-10 mg/ dia) por uma ou duas EMBOLIA PULMONAR
semanas ou colchicina.
 Casos em que existe suspeita de derrame com  As manifestações clínicas de embolia pulmonar são
repercussão clínica devem ser encaminhados taquipnéia (freqüência respiratória > 20 mpm),
para a emergência, enquanto situações de dispnéia, dor torácica pleurítica, taquicardia,
suspeita de pericardite constritiva devem ser apreensão, tosse e hemoptise.
avaliadas por especialista.  Pode-se suspeitar de embolia pulmonar quando a
história médica ou o exame clínico sugerem trombose
DISSECÇÃO DE AORTA venosa profunda dos MMII.
 Os fatores sugestivos da trombose são:
 Dissecção de aorta é uma situação rara com risco
iminente de vida.
 Ocorre na maioria dos casos por ruptura da
íntima da artéria com separação entre as
camadas íntima e média.
 Entre as causas não-traumáticas, a HAS é o
fator associado mais comum.
 A dissecção de aorta se manifesta como dor
intensa, excruciante, tipo lacerante com irradiação
para o dorso, podendo acompanhar-se de síncope ou
outras alterações neurológicas.  Pacientes com suspeita de tromboembolismo
 Eventualmente pode haver sintomas de pulmonar sempre devem ser encaminhados para
comprometimento da circulação em órgãos confirmação do diagnóstico e tratamento em nível
abdominais e membros inferiores. hospitalar de emergência.

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PNEUMONIA E PLEURISIA  A dor torácica pode resultar também de outras
alterações do trato gastrintestinal, incluindo úlcera
 Pacientes com pneumonia podem ter dor péptica, doença das vias biliares e pancreatite.
pleurítica ventilatório-dependente.
 Esses pacientes queixam-se de doença respiratória CONDIÇÕES MUSCULOESQUELÉTICAS
de via aérea superior prodrômica curta, seguida de
febre, calafrios, dor torácica pleurítica com escarro  Problemas musculoesqueléticos caracterizam-se
purulento ou “ferruginoso”. por dor na parede torácica, reprodutível à palpação,
 O exame físico pode revelar sinais de consolidação que acompanha um dermátomo ou um grupo
que são confirmados pela radiografia de tórax. muscular.
 As síndromes costocondrais e condroesternais são
DOENÇAS GASTROESOFÁGICAS causas comuns de dor torácica anterior não-cardíaca.
 A maioria dos casos apresenta-se com
 Dor esofágica causada por refluxo do conteúdo sintoma predominante de dor.
gástrico do estômago, espasmo ou obstrução são  Eventualmenre pode haver, além da dor,
causas comuns de dor torácica não-cardíaca. edema, rubor e calor das articulações
 Aproximadamente 20% da população adulta costoesternais (sindrome de Tietze).
refere queimação ou ardência em algum  A digitopressão das articulações reproduz a
momento da vida. dor e auxilia no diagnóstico.
 Os sintomas de refluxo são queimação  O tratamento consiste em AINE’s para
retroesternal ou sensação de aperto em torno resolução dos sintomas.
do pescoço e regurgitação ácida.  Contusão muscular também é freqüente.
 Quando os dois sintomas são dominantes, a  Geralmente há história recente de trauma ou
especificidade é alta o suficiente (89% e 95%, esforço alem do usual com aquele grupo
respectivamente) para estabelecer o diagnóstico de muscular em questão.
refluxo.  O tratamento é sintomático.
 A presença de refluxo ácido para a boca
(pirose) ou disfagia aumenta ainda mais a HERPES ZOSTER
probabilidade de doença esofágica.
 Outros sintomas incluem sialorréia  O herpes zoster caracteriza-se por rash cutâneo
(hipersalivação associada com um episódio de doloroso com vesículas umbilicadas em pacientes com
exposição ao ácido), disfagia e sensação de história prévia de varicela, freqüentemente
globus. exacerbadas nos períodos de imunodepressão e
 Freqüentemente ocorrem após alimentação, acompanhando o trajeto do dermátomo.
em especial após grandes refeições.  É extremamente doloroso e, como a dor precede
 Esses sintomas pioram quando o paciente se as lesões em geralmente 24 a 48 horas, pode, nesse
deita e geralmente melhoram com antiácidos. período, lembrar infarto do miocárdio, úlcera péptica
 É necessária investigação adicional em pacientes e abdômen agudo.
com sintomas gastrintestinais inespecíficos para  Algumas vezes, mesmo após o desaparecimento
ajudar a estabelecer o diagnóstico, assim como das lesões, o paciente permanece com dor por vários
naqueles que não melhoram com tratamento clinico, meses, um quadro de difícil tratamento chamado
em razão da chance de apresentarem outras neuralgia pós-herpética.
patologias subjacentes.
 Também está indicada investigação
TRANSTORNOS EMOCIONAIS E PSIQUIÁTRICOS
diagnóstica para os pacientes que, mesmo  Estima-se que aproximadamente 10% dos
com sintomas típicos, apresentam os pacientes que procuram atendimento de emergência
seguintes agravantes: sintomas com mais de por dor torácica apresentam síndrome de
10 anos de duração, disfagia, hematêmese ou hiperventilação aguda como diagnóstico primário.
melena, perda de peso ou inicio da  Ocorre mais freqüentemente em mulheres do
sintomatologia após os 65 anos de idade. que em homens (7:1), com pico de incidência
 Evidências recentes validaram o teste terapêutico de idade entre 15 e 55 anos.
com altas doses de inibidor da bomba de prótons  A dor torácica psicogênica localiza-se tipicamente
(omeprazol 60 mg/dia por 7 dias) para os pacientes na projeção do ictus cordis, é persistente, dura horas
com dor torácica de origem não-cardíaca, ficando os e piora ou alterna com crises de dor aguda
testes diagnósticos invasivos (endoscopia, inframamária esquerda de 1 a 2 segundos, quase
monitorização do pH e manometria) reservados para sempre desencadeadas por estresse emocional.
os casos irresponsivos ou complicados.
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Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
 O paciente pode apresentar-se com grande 2. Sudorese;
agitação e ansiedade e com sensação de 3. Tremor ou abalos;
sufocação. 4. Respiração curta ou sufocação;
 As manifestações são parestesias em 5. Sensação de engasgo;
6. Dor ou desconforto no peito;
extremidades (geralmente bilaterais) e região
7. Náusea ou mal-estar abdominal;
perioral, sincope, convulsões, sensação de
8. Sensação de tontura, desequilíbrio, cabeça oca ou
despersonalização e mesmo alucinações desmaio;
visuais. 9. Sensação de irrealidade ou despersonalização (sentir-
 Alguns pacientes podem referir outros sintomas se fora do próprio corpo);
psiquiátricos, como história de depressão ou ideação 10. Medo de perder o controle ou enlouquecer;
suicida, medo de perder o controle de si mesmos ou 11. Medo de morrer;
sensação de despersonalização. 12. Parestesias (dormência ou formigamento); e
 Muitos sofrem de transtorno obsessivo- 13. Calafrios ou ondas de calor.
compulsivo, dificuldades sexuais e conjugais e  Cumpre ressaltar que, não raramente, a dor
má adaptação ao estresse. psicogênica e dor originada em lesão cardíaca
 Nos casos crônicos, os pacientes podem “orgânica” se superpõem, bastando lembrar que o
apresentar sintomas que lembram doenças orgânicas sentir-se doente perturba emocionalmente qualquer
graves, mas com características atípicas. pessoa, em particular quando a doença é do coração.
 As principais complicações dessa doença são Falam em favor de dor psicogênica as seguintes
ligadas aos procedimentos invasivos gerados características:
pela investigação para afastar outras causas  É mal localizada e, quando irradia, não segue
distribuição metamérica,
orgânicas (p. ex., cineangiocoronariografia) ou
 Muda de lugar sem razão aparente,
aos sintomas produzidos indiretamente pela
 Varia muito de intensidade na dependência de fatores
hiperventilação (p. ex., quedas durante um emocionais,
episódio de síncope).  Não se modifica com analgésicos,
 Não é aconselhável a re-respiração em sacos de  Melhora com tranqüilizantes, antidepressivos e férias,
papel, pois foram relatadas mortes de pacientes com  Provoca repetidas investigações diagnósticas sem que
IAM, pneumotórax e tromboembolismo pulmonar se encontre uma causa que a explique
confundidos com hiperventilação e tratados com re- satisfatoriamente,
respiração.  Representa ganho secundário, do ponto de vista
 O paciente deve ser orientado a esvaziar emocional, para justificar desajustes conjugais,
completamente o tórax superior (com dificuldades financeiras e insatisfação com o trabalho,
compressão física, se necessário) para  Acompanha-se de outras manifestações relacionadas
diminuir a hiperinsufiação pulmonar e respirar com ansiedade ou depressão.
somente usando o diafragma.
ESTRATÉGIAS DIAGNÓSTICAS
 O uso de benzodiazepínicos para o alívio da crise e
dos sintomas desencadeantes é efetivo (alprazolam  O raciocínio diagnóstico do paciente com dor
0,5 mg VO ou lorazepam 1-3 mg VO), e o paciente torácica deve inicialmente identificar as causas de
deve ser encaminhado para psicoterapia. maior risco de vida.
 A longo prazo, são usados também beta-  São quatro os passos (tabelas próximas pgs):
bloqueadores, antidepressivos tricíclicos e 1. Dor de origem cardiovascular,
ISRS, com bons resultados no controle dos 2. Dor de origem pulmonar,
sintomas. 3. Dor de origem gastresofágica e
Existem evidencias de que as alterações do SNC que 4. Dor por outras etiologias freqüentes na
desencadeiam o ataque do pânico podem causar espasmo prática clínica.
em pequenas artérias coronarianas, produzindo quadros
 Em atenção primária, há uma prevalência
de verdadeira isquemia miocárdica.
maior de pacientes com dor torácica situados
A Associação Americana de Psiquiatria estabelece os
seguintes critérios para o diagnóstico do ataque do pânico: no quarto grupo.
1 episodio bem caracterizado de medo ou desconforto  Mesmo assim, em todos os pacientes deve ser
acentuados, no qual 4 ou mais dos seguintes sintomas pensada e descartada a possibilidade de
aparecem repentinamente e atingem um ponto máximo causas associadas a um maior risco de vida.
dentro de 10 minutos:
1. Palpitações, coração batendo forte ou taquicardia;

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DOR TORÁCICA NA EMERGÊNCIA (SILVA, PROTOCOLO UFPR
2010, DIRETRIZ DOR TORÁCICA NA SALA DA EMERGÊNCIA)

 Causas de dor torácica COM alto risco! OUTRAS:


 O que devo diagnosticar ou descartar no menor Isquemia mesentérica (abdome agudo), de MMII ou
tempo possível: MMSS (insuficiência arterial periférica aguda),
1. SCA; isquemia medular (paraplegia) ou isquemia renal
2. Dissecção de aorta; (oliguria)
3. TEP;  ECG:
4. Pneumotórax hipertensivo;  Normal em 1/3 dos pacientes;
5. Pericardite/tamponamento; e  Achados + comuns: sobrecarga de VE e
6. Mediastinite (rotura esofágica). alterações de repolarização;
 42% - alterações inespecíficas de ST;
 EXAME OBRIGATÓRIO: ECG  15% - alterações isquêmicas (parede inferior).
 ↓ custo;  Rx tórax:
 SCA em 1/3 das dores torácicas em PS;  90% tem alguma alteração;
 33% dos IAM não tem dor típica!  76% - mediastino alargado: sinal do cálcio na
aorta;
 ↑ RISCO = SALA DE EMERGÊNCIA.  Outras: derrame pleural esquerdo,
Monitor (PA, FC, SAT) tamponamento cardíaco, congestão
Oxigênio (ver necessidade) pulmonar.
Veia (acesso p/ exames e medicação)
ENTÃO... DISSECÇÃO AORTA:

DISSECÇÃO AORTA Quadro Clínico típico + Rx alterado  83% de certeza!

 Para diferenciar SCA de dissecção de aorta (que QC típico + alteração PA ou pulsos  93% de certeza!
pode ter supra de ST também): QC típico + Rx alterado + alt. De PA ou pulsos  100%
 Pulso nos 4 membros,
 PA nos 2 braços e de certeza!
 Rx (alargamento mediastino).  Outros exames:
Rx: sempre que o diagnóstico não é obvio.  TC 98% sensível (pacientes estáveis que
1 em cada 5 pacientes com dor torácica tem podem ser transportados)
alteração no Rx; desses, 20% indicam outra conduta!  RNM 98% sensível (↑ custo)
 50%: diferença PAS> 20 mmHg  ECO TE 98% sensível (pacientes instáveis)
 32%: sopro de insuficiência aórtica
 15%: diferença de pulso TROMBOEMBOLISMO PULMONAR
 Dor torácica súbita, intensa, cortante!
 AP: HAS, tabagismo, >70 anos, Marfan, coarctação  Fatores de risco p/ TEV:
aorta, uso de cocaína e cirurgia aórtica previa.  Imobilização prolongada;
 Sinais/sintomas complicações dissecção  Cirurgia ortopédica de MMII (>30 min,
(dependem do local dissecado): quadril, joelho);
ROTURA DE VASOS:  Trauma;
Rotura aorta (principal causa de óbito)  CA/ quimio;
p/ saco pericárdico (tamponamento)  Gestantes e puerperas;
p/ pleura (DP esquerdo)  Trombofilias (paciente jovem);
p/ mediastino e retroperitônio  Uso de ACO.
INSUFICIÊNCIA AORTICA AGUDA:  História e exame físico p/ TEP (sintomas muito
Extensão em direção a valva aórtica produzindo inespecificos se não lembrar não faz o diagnóstico):
distorções de suas comissuras (diferencia pelo sopro)  97% - dispnéia ou taquipnéia ou dor pleurítica
DISSECÇÃO DAS CORONÁRIAS:  90% - dispnéia ou taquipnéia ou sinais de TVP
Geralmente à direita, produzindo IAM (+ inferior)  73% - dispnéia
EXTENSÃO P/ VASOS CERVICAIS:  66% - dor torácica (pleurítica)
Pode causar AVC  37% - tosse
 13% - hemoptise
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 ECG (sinais inespecíficos):  Mediastino desviado;
 1/3 não tem alteração;  Pneumomediastino; e
 Taquicardia sinusal (+ sensível);  Linha pneumotórax desloca inspiração/
 S1 Q3 T3 (10% dos casos): também é padrão expiração (2 Rx, um insp e outro exp só para
de desvio do eixo para direita; pacientes estáveis e quando há dúvida).
 FA, onda P pulmonale, desvio do eixo para  Pneumotórax CATAMENIAL: pcte c/ endometriose,
direita (R em V1), VQ de ramo direito. após a menstruação (raro, só se desconfia em
 Rx tórax (sinais inespecíficos): paciente jovem e mulher).
 Alteração em até 80% dos casos.
 Sinais clássicos: SÍNDROME CORONARIANA AGUDA
- Velamento em cunha / Giba de Hampton
 A característica anginosa da dor torácica tem sido
associado a infarto pulmonar; e
identificada como o dado com maior poder preditivo
- Sinal de Westermark (oligoemia): +
de doença coronariana aguda.
especifico e + raro.
DOR TORÁCICA:
 Outros sinais (+ comuns):
- Derrame pleural;  Definitivamente anginosa
- Elevação de cúpula frênica (atelectasia); e  Provavelmente anginosa
- Infiltrados.  Possivelmente anginosa
 TC tórax (tomo elicoidal contrastada):  Definitivamente não-anginosa
 > 95% de sensibilidade e especificidade  Exame físico completamente inespecífico!
(grande chance de fechar o diagnóstico) Pacientes com sintomas atípicos (33% dos casos):
 Falha de preenchimento na luz dos vasos. idosos, mulheres, DM, psiquiátricos!
 CATETERISMO PRÉVIO S/ LESÃO OU C/ LESÕES DE
PNEUMOTÓRAX ATÉ 25%: 98% dos casos não tem IAM em até 10
anos!
 História e exame físico:  Ausência de fator de risco não exclui o diagnóstico
 Típico: homem, jovem, longilíneo (“jogador de (a característica da dor é mais específica).
basquete”).  A melhora da dor com coquetéis para dispepsia
 Associado c/ tabagismo, HIV (pneumocistose), com xilocaína não exclui o diagnóstico (alteração da
TB, fibrose pulmonar, bronquiectasia, DPOC, sensibilidade visceral).
endometriose, mergulho (grandes  Alívio com nitrato pode ocorrer em doença
profundidades). esofágica (não pode definir o diagnóstico).
 Dor súbita, pleurítica, sem qualquer  ECG:
desencadeante, sem melhora  1 ECG: sensibilidade 45-60% (sempre repetir
 ↓ ou ausência de MV à ausculta + se alta probabilidade);
hipertimpanismo.  ECG’s seriados (3/3h): aumentam a
 SINAIS PNEUMOTÓRAX HIPERTENSIVO (PH): sensibilidade do diagnóstico de IAM p/ 95%.
 Distensão jugular  ECG normal ou inespecífico : 1 a 5% dos casos
 Desvio de traqueia tem IAM e 4 a 23% tem angina instável.
 Desvio do Ictus cordis  Rx tórax:
 Sinais de choque  Sem achados específicos.
 Sinais de insuficiência respiratória hipoxêmica  Descarta outros diagnósticos.
 São todos sinais de descompensação cardio-  Enzimas:
respiratória!  Troponina (fica elevada até 14 dias)
Não esperar pelo Rx para definir tratamento em Sensibilidade 96,9%
paciente c/ história e exame físico compatíveis Especificidade 94,5%
com PH!!! Valor preditivo negativo 99,8% (6h de dor)
Puncionar o segundo espaço intercostal (tirar o
 Mioglobina
paciente da instabilidade)
Especificidade 80%
 ECG:
Valor preditivo negativo: 100% c/ 4h de dor
 Nenhuma especificidade;
 CKMB
 Ajuda a descartar outras possibilidades.
Melhor papel no reinfarto
 Rx tórax:
 Hiperpenetração em alguma área;

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 Exame físico: REG/MEG, ↑FC, ↓PA, ↑FR, ↓Sat
O2, presença de enfisema subcutâneo.
PERICARDITE  Resposta inflamatória, possível sepse
(taquicárdica, taquipnéica, hipotensa, febril).
 Jovens e meia-idade. Dor torácica retroesternal ou
hemitórax esquerdo, piora à inspiração e decúbito
 Rx tórax:
dorsal, melhora na posição sentada ou inclinada para
 Pneumomediastino;
frente.
 Contraste baritado no esôfago (se houver
 Atrito pericárdico não ausculta sempre.
tempo) c/ perda da continuidade e
 ECG:
extravasamento p/ mediastino posterior.
 Supra ST difuso associado a infra de PR.
TAMPONAMENTO NA EVOLUÇÃO
CONCLUSÕES DOR TORÁCICA
 Dissecção aorta, pericardite, uremia, neoplasia,
infecção, hipotireoidismo.  Todo paciente com dor torácica deve ser avaliado
 ECG: baixa voltagem, alternância elétrica (QRS de em caráter de urgência.
tamanhos diferentes).  A abordagem visa diagnosticar ou descartar casos
 Rx tórax: bota holandesa (↑ silhueta cardíaca, c/ graves de dor torácica (SCA, dissecção aorta, TEP,
ângulo agudo c/ diafragma no lado direito). pneumotórax hipertensivo, pericardite/
tamponamento, mediastinite).
MEDIASTINITE POR ROTURA DE ESÔFAGO  História e exame físico são fundamentais e devem
ser feitos de forma adequada (palpar pulsos, PA
 Ingesta de cáusticos (tentativa suicídio, acidental);
nos dois membros).
 Sd Boerhaave (bulimia, força vômitos).
 Deve-se fazer ECG em até 10 minutos da chegada.
 Quadro dramático, associado à sepse grave com
 O Rx pode ser importante aliado no diagnóstico.
mortalidade de até 42% (evolui em poucas horas).
 Os exames complementares devem ser
 IAM é de 8% em 30 dias.
direcionados para a queixa, de forma
 Paciente com antecedente de bulimia, geralmente
racionalizada.
após provocar vômitos, evolui com intensa dor
torácica em facada, de forte intensidade, associada a
febre e queda do estado geral.

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 A característica anginosa da dor torácica tem
RESUMO DIRETRIZ (DAQUI PRA FRENTE) sido identificada como o dado com maior
poder preditivo de doença coronariana aguda.
 Muitos emergencistas internam a maioria dos
 O exame físico no contexto da doença
pacientes que tenha alguma possibilidade de
coronariana aguda não é expressivo.
síndrome coronariana aguda. Esta atitude está Entretanto, alguns achados podem aumentar
embasada nos seguintes fatos:
a sua probabilidade, como a presença de uma
1) Cerca de 15 a 30% desses pacientes com dor
4ª bulha, um sopro de artérias carótidas, uma
torácica na verdade tem IAM ou angina
diminuição de pulsos em membros inferiores,
instável;
um aneurisma abdominal e os achados de
2) Apenas cerca da metade com IAM apresenta
seqüela de acidente vascular encefálico.
alterações clássicas de supradesnível do
 A descrição clássica da dor torácica na
segmento ST no eletrocardiograma (ECG) de
síndrome coronariana aguda é a de uma dor
chegada;
ou desconforto ou queimação ou sensação
3) Menos da metade dos pacientes com IAM
opressiva localizada na região precordial ou
sem supradesnível de ST apresentam elevação retroesternal, que pode ter irradiação para o
sérica da creatinoquinase - MB (CK-MB) na
ombro e/ou braço esquerdo, braço direito,
admissão.
pescoço ou mandíbula, acompanhada
 Nos EUA cerca de 2 a 3% dos pacientes que
freqüentemente de diaforese, náuseas,
realmente estão sofrendo um IAM acabam sendo
vômitos, ou dispnéia.
liberados da sala de emergência por não ter a sua
 A dor pode durar alguns minutos (geralmente
doença reconhecida ou suspeitada.
entre 10 e 20) e ceder, como nos casos de
 Em países onde os médicos emergencistas
angina instável, ou mais de 30min, como nos
têm menos experiência ou conhecimento no
casos de infarto agudo do miocárdio.
manejo de pacientes com dor torácica, ou que
 O paciente pode também apresentar uma
por razões conjunturais são menos propensos
queixa atípica como mal estar, indigestão,
a interná-los para uma adequada
fraqueza ou apenas sudorese, sem dor.
investigação, a taxa de IAM não reconhecida
 Pacientes idosos e mulheres freqüentemente
pode chegar a 20%.
manifestam dispnéia como queixa principal
Por todos estes motivos os médicos se vêem defrontados
no infarto agudo do miocárdio, podendo não
com o dilema de admitir ao hospital a maioria dos
pacientes com dor torácica que procura a sala de
ter dor ou mesmo não valorizá-la o suficiente.
emergência, ou de liberar para casa aqueles com uma
baixa (mas não desprezível) probabilidade de doença
cardiovascular de risco.

CAUSAS DE DOR TORÁCIDA E DIFERENCIAL


 A variedade e possível gravidade das condições
clínicas que se manifestam com dor torácica faz com
que seja primordial um diagnóstico rápido e preciso
das suas causas.
 Esta diferenciação entre as doenças que
oferecem risco de vida (dor torácica com
potencial de fatalidade), ou não, é um ponto
crítico na tomada de decisão do médico
emergencista para definir sobre a liberação ou
admissão do paciente ao hospital e de iniciar
o tratamento, imediatamente
 Como a síndrome coronariana aguda (infarto
agudo do miocárdico e angina instável) representa
quase 1/5 das causas de dor torácica nas salas de  A dissecção aguda da aorta ocorre mais
emergência, e por possuir uma significativa morbi- freqüentemente em hipertensos, em portadores de
mortalidade, a abordagem inicial desses pacientes é síndrome de Marfan ou naqueles que sofreram um
sempre feita no sentido de confirmar ou afastar este traumatismo torácico recente.
diagnóstico.  A dor é súbita, descrita como “rasgada”,
geralmente iniciando-se no tórax anterior e
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com irradiação para dorso, pescoço ou  O diagnóstico é feito pelo ecocardiograma
mandíbula. transtorácico.
 No exame físico podemos encontrar um sopro  O ECG geralmente mostra hipertrofia
de regurgitação aórtica. ventricular esquerda, com ou sem alterações
 Pode haver um significativo gradiente de de ST-T.
amplitude de pulso ou de pressão arterial  As doenças do esôfago podem mimetizar a doença
entre os braços. coronariana crônica e aguda.
 A embolia pulmonar apresenta manifestações  Pacientes com refluxo esofagiano podem
clínicas muito variáveis. apresentar desconforto torácico, geralmente
 O sintoma mais comumente encontrado é a em queimação (pirose), mas que às vezes é
dispnéia, vista em 73% dos pacientes, sendo a definido como uma sensação opressiva,
dor torácica (geralmente súbita) encontrada localizada na região retroesternal ou
em 66% dos casos. subesternal, podendo se irradiar para o
 Ao exame clínico, o paciente pode apresentar pescoço, braços ou dorso, às vezes associada
dispnéia, taquipnéia e cianose. à regurgitação alimentar, e que pode
 A dor torácica no pneumotórax espontâneo melhorar com a posição ereta ou com o uso
geralmente é localizada no dorso ou ombros e de antiácidos, mas também com nitratos,
acompanhada de dispnéia. bloqueadores dos canais de cálcio ou
 Grande pneumotórax pode produzir sinais e repouso.
sintomas de insuficiência respiratória e/ ou  A dor da úlcera péptica geralmente se localiza na
colapso cardiovascular (pneumotórax região epigástrica ou no andar superior do abdômen,
hipertensivo). mas às vezes pode ser referida na região subesternal
 Ao exame físico podemos encontrar dispnéia, ou retroesternal.
taquipnéia e ausência de ruídos ventilatórios  Estas dores geralmente ocorrem após uma
na ausculta do pulmão afetado. refeição, melhorando com o uso de
 O sintoma clínico mais comum da pericardite é a antiácidos.
dor torácica, geralmente de natureza pleurítica, de  Na palpação abdominal geralmente
localização retroesternal ou no hemitórax esquerdo, encontramos dor na região epigástrica.
mas que, diferentemente da isquemia miocárdica,  A ruptura do esôfago é uma doença grave e rara
piora quando o paciente respira, deita ou deglute, e na sala de emergência.
melhora na posição sentada e inclinada para frente.  Pode ser causada por vômitos incoersíveis,
 No exame físico podemos encontrar febre e como na síndrome de Mallory-Weiss.
um atrito pericárdico (que é um dado  Encontramos dor excruciante em 83% dos
patognomônico). casos, de localização retroesternal ou no
 No prolapso da válvula mitral a dor tem andar superior do abdômen, geralmente
localização variável, ocorrendo geralmente em acompanhada de um componente pleurítico à
repouso, sem guardar relação nítida com os esforços, esquerda.
e descrita como pontadas, não apresentando  Apresenta alta morbi-mortalidade e é de
irradiações. evolução fatal se não tratada.
 O diagnóstico é feito através da ausculta  O diagnóstico é firmado quando encontramos
cardíaca típica, na qual encontramos um à radiografia de tórax um pneumomediastino,
clique meso ou telessistólico seguido de um ou um derrame pleural à esquerda de
sopro regurgitante mitral e/ou tricúspide aparecimento súbito.
 A estenose aórtica também produz dor torácica  Enfisema subcutâneo é visto em 27% dos
cujas características se assemelham à da doença casos.
coronariana.  Em avaliação prospectiva em pacientes com dor
 A presença de um sopro ejetivo aórtico e torácica não relacionada a trauma, febre ou
hipertrofia ventricular esquerda no ECG indica malignidade, 30% tiveram o seu diagnóstico firmado
a presença da estenose aórtica, mas não como decorrente de costocondrites.
afasta a possibilidade de síndrome  Geralmente esta dor tem características
coronariana aguda. pleuríticas por ser desencadeada ou
 Na miocardiopatia hipertrófica a dor torácica exacerbada pelos movimentos dos músculos
ocorre em 75% dos pacientes sintomáticos, e pode ter e/ou articulações produzidos pela respiração.
características anginosas.  Palpação cuidadosa das articulações ou
 No exame físico podemos encontrar uma 4ª músculos envolvidos quase sempre reproduz
bulha e um sopro sistólico ejetivo aórtico. ou desencadeia a dor.
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 A dor psicogênica (melhor no cap. anterior) não  Em pacientes com dor torácica, sua
tem substrato orgânico, sendo gerada por sensibilidade para detectar pacientes com
mecanismos psíquicos, tendendo a ser difusa e IAM foi significativamente maior do que a do
imprecisa. ECG de admissão (68% vs 55%), com uma
 Geralmente os sinais de ansiedade são elevadíssima especificidade (95%).
detectáveis e com freqüência se observa  A acurácia diagnóstica do monitor de ST também
utilização abusiva e inadequada de tem se mostrado muito boa para detectar reoclusão
medicações analgésicas. coronariana pós-terapia de reperfusão, com
sensibilidade de 90% e especificidade de 92%.
DISCUSSÃO SOBRE O PAPEL DO ECG  O monitor de ST também tem-se mostrado como
método de grande utilidade para estratificação de
 O ECG exerce papel fundamental na avaliação de
risco em pacientes com angina instável ou mesmo
pacientes com dor torácica, tanto pelo seu baixo custo
com dor torácica de baixo risco e de etiologia a ser
e ampla disponibilidade como pela relativa
esclarecida, constituindo-se num preditor
simplicidade de interpretação.
independente e altamente significativo de morte,
 Um ECG absolutamente normal é encontrado na infarto agudo do miocárdio não-fatal ou isquemia
maioria dos pacientes que se apresenta com dor
recorrente.
torácica na sala de emergência. Assim é recomendado:
 A incidência de síndrome coronariana aguda 1) Todo paciente com dor torácica visto na sala de
nesses pacientes é de cerca de 5%. emergência deve ser submetido imediatamente a um ECG,
 Estudos têm demonstrado que a sensibilidade do o qual deverá ser prontamente interpretado;
ECG de admissão para infarto agudo do miocárdio 2) Um novo ECG deve ser obtido no máximo 3h após o 1º
varia de 45% a 60% quando se utiliza o supradesnível em pacientes com suspeita clínica de síndrome
do segmento ST como critério diagnóstico, indicando coronariana aguda ou qualquer outra doença
que perto da metade dos pacientes com infarto agudo cardiovascular aguda, mesmo que o ECG inicial tenha sido
do miocárdio não são diagnosticados com um único normal, ou a qualquer momento em caso de recorrência
ECG realizado à admissão. da dor torácica ou surgimento de instabilidade clínica;
 Esta sensibilidade poderá ser aumentada para 3) Devido à sua baixa sensibilidade para o diagnóstico de
síndrome coronariana aguda, o ECG nunca deve ser o
70%-90% ao se utilizar as alterações de
único exame complementar utilizado para confirmar ou
infradesnível de ST e/ou alterações
afastar o diagnóstico da doença, necessitando de outros
isquêmicas de onda T, e para até 95% quando testes simultâneos, como marcadores de necrose
se realizam ECG’s seriados com intervalos de miocárdica, monitor do segmento ST, ecocardiograma e
3-4h nas primeiras 12h pós-chegada ao testes de estresse;
hospital. 4) Se disponível, o monitor de tendência do segmento ST
 Embora a probabilidade de infarto agudo do deve ser utilizado, simultaneamente, ao ECG em pacientes
miocárdio em pacientes com ECG normal seja com dor torácica e suspeita clínica de síndrome
pequena (5%), o diagnóstico de angina instável é um coronariana aguda sem supradesnível do segmento ST
fato possível (e estes pacientes têm uma taxa de 5 a para fins diagnóstico e prognóstico;
20% de evolução para infarto agudo do miocárdio ou 5) Para pacientes com IAM com supradesnível do
morte cardíaca ao final de 1 ano). segmento ST que tenham recebido terapia de reperfusão
coronariana o monitor do segmento ST poderá ser
 Se o método não tem acurácia diagnóstica
utilizado para detectar precocemente a ocorrência de
suficiente para IAM ou angina instável, ele por recanalização ou o fenômeno de reoclusão coronariana.
si só é capaz de discriminar os pacientes de
alto risco daqueles de não-alto risco de DISCUSSÃO SOBRE O PAPEL DOS MARCADORES
complicações cardíacas, inclusive em DE NECROSE MIOCÁRDICA
pacientes com síndrome coronariana aguda
sem supradesnível de ST.  Os marcadores de necrose miocárdica têm um
 Em virtude da natureza dinâmica do processo papel importante não só no diagnóstico como
trombótico coronariano, a obtenção de um único ECG também no prognóstico da síndrome coronariana
geralmente não é suficiente para avaliar um paciente aguda.
no qual haja forte suspeita clínica de isquemia aguda
do miocárdio. MIOGLOBINA
 O recente desenvolvimento e adoção da
monitorização contínua da tendência do segmento ST  Esta é uma proteína encontrada tanto no músculo
têm sido demonstrados como de valiosa importância cardíaco como no esquelético, que se eleva
na identificação precoce de isquemia de repouso. precocemente após necrose miocárdica, podendo ser

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detectada no sangue de vários pacientes, já na como o marcador padrão-ouro para o
primeira hora pós-oclusão coronariana. diagnóstico de IAM.
 A mioglobina tem uma sensibilidade diagnóstica  Entretanto, é preciso frisar que a troponina
para o IAM significativamente maior que a da CK-MB miocárdica pode ser também liberada em
nos pacientes que procuram a sala de emergência situações clínicas não-isquêmicas, que causam
com menos de 4h de início dos sintomas. necrose do músculo cardíaco, como
 Estudos têm demonstrado uma sensibilidade miocardites, cardioversão elétrica e trauma
para a mioglobina de 60-80% imediatamente cardíaco.
após a chegada do paciente ao hospital.  Além disso, as troponinas podem se elevar em
 Sua relativamente baixa especificidade (80%), doenças não-cardíacas, tais como as miosites,
resultante da alta taxa de resultados falso- a embolia pulmonar e a insuficiência renal.
positivos, encontrados em pacientes com  Como as troponinas são os marcadores de necrose
trauma muscular, convulsões, cardioversão miocárdica mais lentos para se elevarem após a
elétrica ou insuficiência renal crônica, limitam oclusão coronariana, sua sensibilidade na admissão é
o seu uso isoladamente. muito baixa (20-40%), aumentando lenta e
 Entretanto, um resultado positivo obtido 3-4h progressivamente nas próximas 12h.
após a chegada ao hospital sugere fortemente  Sua especificidade global varia de 85 a 95%, e o seu
o diagnóstico de IAM (valor preditivo positivo valor preditivo positivo de 75 a 95%.
> 95%).  Devido à baixa sensibilidade das troponinas nas
 Da mesma forma, um resultado negativo primeiras horas do infarto, o seu valor preditivo
obtido 3-4h após a chegada torna improvável negativo na chegada ao hospital também é baixo (50-
o diagnóstico de infarto (valor preditivo 80%), não permitindo que se afaste o diagnóstico na
negativo > 90%), principalmente em paciente admissão.
com baixa probabilidade pré-teste de doença  Além da sua importância diagnóstica, as
(valor preditivo negativo > 95%). troponinas tem sido identificadas como um forte
marcador de prognóstico imediato e tardio em
CREATINOFOSFOQUINASE-MB pacientes com síndrome coronariana aguda sem
supradesnível do segmento ST.
 A creatinofosfoquinase é uma enzima que catalisa
 Esta estratificação de risco tem importância
a formação de moléculas de alta energia e, por isso,
também para definir estratégias terapêuticas
encontrada em tecidos que as consomem (músculos
médicas e/ou intervencionistas mais
cardíaco e esquelético e tecido nervoso).
agressivas a serem utilizadas nestes pacientes.
 A sensibilidade de uma única CK-MB obtida
 A baixa sensibilidade diagnóstica da troponina
imediatamente na chegada ao hospital em pacientes
obtida nas primeiras horas também não permite a
com dor torácica para o diagnóstico de IAM é baixa
avaliação do risco destes pacientes na admissão
(30-50%).
hospitalar, além do que resultados negativos não
 Já a sua utilização dentro das primeiras 3h de
excluem a ocorrência de eventos imediatos.
admissão aumenta esta sensibilidade para Assim, é recomendado:
cerca de 80 a 85%, alcançando 100% quando 1) Marcadores bioquímicos de necrose miocárdica devem
utilizada de forma seriada, a cada 3-4h, desde ser mensurados em todos os pacientes com suspeita
a admissão até a 9ª hora (ou 12h após o início clínica de síndrome coronariana aguda, obtidos na
da oclusão coronariana). admissão à sala de emergência ou à Unidade de Dor
 A especificidade da CK-MB de 95% decorre de Torácica e repetidos, pelo menos, uma vez nas próximas 6
alguns resultados falso-positivos encontrados a 9h. Pacientes com dor torácica e baixa probabilidade de
principalmente quando a metodologia é a da doença podem ter o seu período de investigação dos
atividade da CK-MB e não da massa. marcadores séricos reduzido a 3h;
2) CK-MB massa e/ou troponinas são os marcadores
TROPONINAS bioquímicos de escolha para o diagnóstico definitivo de
necrose miocárdica nesses pacientes;
 As troponinas cardíacas são proteínas do complexo 3) Embora a elevação de apenas um dos marcadores de
miofibrilar encontradas somente no músculo cardíaco. necrose citado seja suficiente para o diagnóstico de IAM,
pelo menos 2 marcadores devem ser utilizados no
 Devido à sua alta sensibilidade, discretas elevações
processo investigativo: um marcador precoce (com melhor
são compatíveis com pequenos (micro) infartos, sensibilidade nas primeiras 6h após o início da dor
mesmo em ausência de elevação da CK-MB. torácica, como é o caso da mioglobina ou da CK-MB) e um
 Por este motivo tem-se recomendado que as marcador definitivo tardio (com alta sensibilidade e
troponinas sejam atualmente consideradas especificidade global, a ser medido após 6h – como é o
caso da CK-MB ou das troponinas);
65
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4) Idealmente, a CK-MB deve ser determinada pelo  Embora o uso do teste ergométrico possa abreviar
método que mede sua massa (e não a atividade) enquanto o tempo de hospitalização de pacientes com dor
a troponina deve ser pelo método quantitativo torácica ao identificar aqueles de baixo risco (ausência
imunoenzimático (e não qualitativo); de isquemia miocárdica), a relativamente alta taxa de
5) As amostras de sangue devem ser referenciadas em
resultados falso-positivos nesta população pode levar
relação ao momento da chegada do paciente ao hospital e,
à realização de outros exames para confirmar a
idealmente, ao momento do início da dor torácica;
6) O resultado de cada dosagem dos marcadores de positividade, encarecendo o processo diagnóstico.
necrose miocárdica deve estar disponível e ser
comunicado ao médico do paciente poucas horas após a CINTILOGRAFIA MIOCÁRDICA DE REPOUSO
colheita do sangue para que sejam tomadas as medidas
clínicas cabíveis;
 A cintilografia de perfusão miocárdica de repouso,
7) Em pacientes com dor torácica e supradesnivelamento realizada imediatamente após a chegada à sala de
do segmento ST na admissão a coleta de marcadores de emergência, também tem se mostrado uma
necrose miocárdica é desnecessária para fins de tomada ferramenta importante na avaliação dos pacientes
de decisão terapêutica (p. ex., quando se vai utilizar com dor torácica e ECG não-diagnóstico, com
fibrinolítico ou não). sensibilidade variando entre 90 e 100% e
especificidade entre 65 e 80% para IAM.
OUTROS MÉTODOS DIAGNÓSTICOS ACESSÓRIOS  Uma cintilografia de repouso negativa
praticamente exclui este diagnóstico nestes
 Os métodos diagnósticos acessórios, disponíveis
pacientes com baixa probabilidade de doença.
nas salas de emergência para a avaliação de pacientes
 Além da excelente acurácia diagnóstica a
com dor torácica são o teste ergométrico, a
cintilografia fornece importantes informações
cintilografia miocárdica e o ecocardiograma.
prognósticas.
 Estes testes são usados com finalidade diagnóstica:
 Aqueles pacientes com perfusão miocárdica
para identificar os pacientes que ainda não têm seu
normal apresentam baixíssima probabilidade
diagnóstico estabelecido na admissão ou que tiveram
de desenvolvimento de eventos cardíacos
investigação negativa para necrose e isquemia
sérios nos próximos meses.
miocárdica de repouso, mas que podem ter isquemia
 A larga utilização da cintilografia miocárdica
sob estresse.
imediata de repouso é limitada pela indisponibilidade
 Os protocolos ou algoritmos que recomendam o
do método nas salas de emergência, pela demora na
uso de métodos de estresse precocemente, antes da
sua realização após um episódio de dor torácica e
alta hospitalar, o fazem para um subgrupo de
pelos seus custos.
pacientes com dor torácica considerados de baixo a
 Entretanto, alguns grupos têm preconizado a
moderado risco.
realização do exame para pacientes com
 A seleção destes pacientes baseia-se na
média ou baixa probabilidade de IAM, já que
inexistência de dor recorrente, na ausência de
um exame negativo praticamente afasta este
alterações eletrocardiográficas e de elevação
diagnóstico, permitindo a liberação imediata
de marcadores de necrose miocárdica à
destes pacientes com conseqüente redução
admissão e durante o período de observação.
dos custos hospitalares.
TESTE ERGOMÉTRICO
ECOCARDIOGRAMA
 No modelo das Unidades de Dor Torácica o teste
 Para o diagnóstico de IAM a sensibilidade varia de
ergométrico tem sido o mais recomendado e utilizado
70 a 95%, mas a grande taxa de resultados falso-
devido a seu baixo custo e sua ampla disponibilidade
positivos torna o valor preditivo positivo baixo.
nos hospitais.
 Quando se busca também o diagnóstico de angina
 Além disso, a segurança do exame é muito
instável (além de infarto) em pacientes com dor
boa quando realizado em uma população de
torácica e ECG inconclusivo, a sensibilidade do
pacientes clinicamente estáveis e de baixo a
ecocardiograma passa a variar de 40 a 90%.
moderado risco, apresentando baixíssima taxa
 Nesses pacientes, um ecocardiograma normal
de complicações.
não parece agregar informações diagnósticas
 Além da sua importância na exclusão de doença
significativas, além daquelas já fornecidas
coronariana, o principal papel do teste ergométrico é
pela história e ECG.
estabelecer o prognóstico dos pacientes onde
Assim, é recomendado:
diagnósticos de IAM e angina instável de alto risco já 1) Nos pacientes com dor torácica inicialmente suspeita
foram afastados durante a investigação na Unidade de de etiologia isquêmica, que foram avaliados na sala de
Dor Torácica. emergência e nos quais já se excluem as possibilidades de

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necrose e de isquemia miocárdica de repouso, um teste TRATAMENTO INICIAL DA SCA
diagnóstico pré-alta deverá ser realizado para afastar ou
confirmar a existência de isquemia miocárdica esforço-  A abordagem do paciente com suspeita de SCA na
induzida; sala de emergência inicia-se pela rápida avaliação das
2) Por ser um exame de ampla disponibilidade, fácil características da dor torácica e de outros sintomas
execução seguro e de baixo custo, o teste ergométrico é o concomitantes, pelo exame físico e pela imediata
método de estresse de escolha para fins diagnóstico e/ou
realização do ECG (em 5-10min após a chegada ao
prognóstico em pacientes com dor torácica e com
hospital).
baixa/média probabilidade de doença coronária;
3) O ecocardiograma de estresse ou a cintilografia de  Se o paciente estiver em vigência de dor e o ECG
estresse poderá ser realizado em pacientes nos quais o evidenciar supradesnível do segmento ST deve-se
teste ergométrico foi inconclusivo ou quando não se pôde iniciar imediatamente um dos processos de
realizá-lo (incapacidade motora, distúrbios da condução recanalização coronariana: trombolítico ou
no ECG); angioplastia primária.
4) A cintilografia miocárdica imediata de repouso poderá  Se o ECG não evidenciar supradesnível do
ser realizada em pacientes com dor torácica com baixa segmento ST mas apresentar alguma alteração
probabilidade de doença coronariana com o objetivo de compatível com isquemia miocárdica iniciamos o
identificar ou afastar IAM, sendo que aqueles com teste
tratamento anti-isquêmico usual e estratificamos o
negativo poderão ser liberados para casa sem necessidade
de dosagem seriada de marcadores bioquímicos de
risco de complicações, que orientará o tratamento
necrose miocárdica. adequado a seguir.
 Se o ECG for normal ou inespecífico, mas a dor
torácica for sugestiva ou suspeita de isquemia
miocárdica, o tratamento anti-isquêmico pode ser
iniciado ou então protelado (principalmente se a dor
não mais estiver presente na admissão), mas o uso de
aspirina está indicado.
 O tratamento inicial tem como objetivo agir sobre
os processos fisiopatológicos que ocorrem na SCA e
suas conseqüências, e compreende:
1) Contenção ou controle da isquemia
miocárdica;
2) Recanalização coronariana e controle do
processo aterotrombótico.

CONTENÇÃO OU CONTROLE DA ISQUEMIA


MIOCÁRDICA
 Oxigenioterapia - Pacientes com SCA em vigência
de dor ou sintomas e sinais de insuficiência
respiratória devem receber oxigênio suplementar,
principalmente se medidas objetivas da saturação de
O2 (oximetria de pulso ou gasometria arterial) forem <
90%.
 Analgesia e sedação - Para o controle da dor (se a
mesma já não foi aliviada com o uso de nitrato
sublingual ou endovenoso) e sedação utiliza-se o
sulfato de morfina EV na dose de 1 a 5mg, podendo-se
repetir 5-30min após se não houver alívio.
 Nitratos - A dose é de 5mg do dinitrato de
isossorbida por via SL, podendo ser repetido 5-10min
após se não houver alívio da dor, até o máximo de
15mg.
 Para a nitroglicerina, pode-se utilizar o spray
nasal, ou a via parenteral na dose de 10 a até
200 microgramas/min em infusão contínua
EV, ajustando-se a mesma a cada 5-10min de
acordo com a pressão arterial.

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 Betabloqueadores - Existem alguns grandes  Na sala de emergência os pacientes devem
ensaios clínicos randomizados que demonstraram o ser rapidamente avaliados quanto aos
benefício da utilização imediata dos critérios de inclusão e exclusão para o uso de
betabloqueadores no IAM com supradesnível do fibrinolíticos, principalmente os relacionados
segmento ST (redução de mortalidade imediata e às complicações hemorrágicas atribuídas às
tardia, de reinfarto e de isquemia recorrente). drogas.
 São utilizados na SCA sem supradesnível do  Pacientes com mais de 12h de início da dor
segmento ST baseados em estudos. ininterrupta geralmente não se beneficiam do
 Os betabloqueadores não podem ser uso de fibrinolíticos.
utilizados em pacientes com sinais e/ou  O tratamento deve ser iniciado na própria sala
sintomas de insuficiência ventricular esquerda de emergência.
(mesmo incipiente), com bloqueio AV, com  A droga de escolha (pela maior rapidez de
broncoespasmo ou história de asma ação e mais elevada taxa de recanalização) é o
brônquica. rt-PA, usada na dose de 15mg EV em bolus
 Metoprolol é dado na dose de 5mg EV em 1 a seguida de infusão inicial de 0,75mg/kg
2min e repetido, se necessário, a cada 5min (máximo de 50mg) durante 30min, e de outra
até completar 15mg (objetivando alcançar infusão de 0,50mg/kg (máximo de 35mg)
uma freqüência cardíaca 60), passando-se a durante 60min. Heparinização plena
seguir para a dose oral de 25 a 50mg de concomitante é necessário por 48h.
12/12h.  A outra droga disponível é a estreptoquinase,
 O atenolol é administrado na dose de 5mg EV administrada na dose de 1,5 milhão de
e repetido em 5min (completando 10mg), unidades em infusão EV durante 30 a 60min,
seguido da dose oral de 50-100mg/dia. não requerendo uso concomitante de
 Quando administrado por via EV é heparina.
imprescindível uma cuidadosa monitorização  Angioplastia coronariana percutânea primária -
da freqüência cardíaca, pressão arterial, Com o aperfeiçoamento da técnica e dos stents
ausculta pulmonar e ECG. coronarianos, não parece haver maiores dúvidas de
 Antagonistas dos canais de cálcio - Os que a angioplastia coronariana percutânea é o
benzotiazepínicos (diltiazem) parecem ter um efeito método de eleição para a recanalização coronariana
benéfico no IAM com e sem supradesnível do em pacientes com IAM com supradesnível do
segmento ST e sem insuficiência cardíaca (redução de segmento ST, desde que o procedimento possa ser
mortalidade e reinfarto) e na angina instável, o realizado dentro dos primeiros 60 a 90min após a
mesmo se observando com as fenilalquilaminas chegada do paciente à sala de emergência.
(verapamil). Já os dihidropiridínicos (nifedipina,  Fator tempo que deve ser cuidadosamente
amlodipina) só podem ser utilizados considerado pelo médico emergencista na
concomitantemente com os betabloqueadores, pois tomada de decisão quanto ao uso de uma
isoladamente aumentam o consumo de O2 miocárdico estratégia alternativa de recanalização
e causam roubo coronariano. coronariana (fibrinolíticos) na eventualidade
 Podem ser uma alternativa quando houver da indisponibilidade ou inexistência do
contra-indicação ao uso de betabloqueador laboratório de cateterismo cardíaco em seu
ou nitrato. hospital.
 As doses a serem utilizadas são de 60mg via  Aspirina - Não havendo contra-indicação (alergia,
oral 3 a 4 vezes/dia para o diltiazem e 80mg intolerância gástrica, sangramento ativo, hemofilia ou
via oral 3 vezes/dia para o verapamil. úlcera péptica ativa) a aspirina deve ser sempre
utilizada em pacientes com suspeita de SCA
RECANALIZAÇÃO CORONÁRIA E CONTROLE DO imediatamente após a chegada na sala de
PROCESSO ATEROTROMBÓTICO emergência.
 Tem comprovação de seu benefício na
 Fibrinolíticos - Pacientes com dor torácica redução da mortalidade imediata e tardia,
prolongada sugestiva de isquemia miocárdica aguda e infarto e reinfarto na SCA.
que apresentam supradesnível do segmento ST no  A dose inicial é de 200-300mg por via oral
ECG (ou um padrão de bloqueio de ramo esquerdo) mastigada, seguida de uma dose de
são candidatos à terapia de recanalização coronariana manutenção de 100 a 200mg/dia.
visto que mais de 75% desses pacientes têm IAM e  Tienopiridínicos (clopidogrel, ticlopidina) -
mais de 85% têm oclusão de uma artéria coronária. Atualmente, o clopidogrel é a droga de primeira
escolha na substituição ou no uso concomitante com
68
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a aspirina em pacientes com SCA sem supradesnível vez ao dia; a dalteparina na dose de 200
do segmento ST que irão ou não à intervenção U/kg/dia SC; e a nadroparina na dose de
coronariana percutânea, devendo ser iniciada logo 85U/kg SC de 12/12 h ou 170 U/kg uma vez ao
após a chegada ao hospital ou quando o diagnóstico dia.
de SCA for estabelecido.  Bloqueadores dos receptores da glicoproteína
 Para o clopidogrel, a dose inicial é de 300- IIb/IIIa (abciximab, tirofiban) - Diversos ensaios
600mg VO, seguida da dose de manutenção clínicos têm demonstrado efeitos benéficos com o uso
de 75mg/dia. dos bloqueadores da glicoproteína IIb-IIIa em
 Para a ticlopidina, a dose inicial é de 500mg pacientes com SCA em relação à redução de IAM,
VO, seguida de dose de manutenção de reinfarto, isquemia miocárdica recorrente e
250mg de 12/12h. necessidade de revascularização miocárdica, não se
 Anticoagulantes (heparina não-fracionada, observando, entretanto, redução da mortalidade.
heparina de baixo peso molecular) - Vários ensaios  Firma-se a indicação do tirofiban quando não
clínicos e metanálises demonstram o indiscutível há uma atitude invasiva planejada em
benefício do uso das heparinas na SCA. pacientes com alto ou médio risco, ou seja,
 A heparina não-fracionada requer com persistência da isquemia, troponina
monitorização laboratorial constante do elevada outras variáveis de risco.
tempo de tromboplastina parcial ativado  Já o abciximab parece ser melhor indicado
(PTTa), devendo ser utilizados regimes quando houver uma atitude invasiva imediata
terapêuticos ajustados ao peso do paciente. planejada, independentemente do risco.
Já as heparinas de baixo peso molecular não  Os inibidores da glicoproteína IIb/IIIa podem
necessitam de controle do PTTa. ser usados, concomitantemente, com a
 A heparina não-fracionada é administrada aspirina, o clopidogrel e a heparina.
como bolus EV de 60-70 U/kg (máximo de  O tirofiban é administrado na dose de 0,4
5.000 U) seguido de infusão de 12-15 U/kg/h microgramas/kg/min EV por 30min, seguida
(máximo de 1.000 U/h), mantendo-se o PTTa de 0,1 microgramas/kg/min por 48 a 96h. O
entre 1,5-2 vezes o controle. abciximab é administrado em bolus EV na
 As heparinas de baixo peso molecular não dose de 0,25mg/kg, seguida de 0,125
equivalem entre si em relação às doses. microgramas/kg/min (máximo de 10
Assim, a enoxaparina é administrada na dose microgramas/min) por 12 a 24h.
de 1mg/kg SC de 12/12h ou 1,5mg/kg uma

EDEMA (HARRISON, COELHO)

 O edema é definido clinicamente como um


aumento aparente do volume de liquido intersticial, PATOGENIA
que pode ser de vários litros a mais antes que a
Cerca de 35% da água corporal total são confinadas no
anomalia se torne evidente (ganho ponderal de vários
espaço extra-celular. Aproximadamente 75% desta são
quilos precede as manifestações evidentes do constituídos pelo líquido intersticial, e o restante é o
edema). plasma.
 Anasarca é um edema maciço e generalizado.  Para que o edema ocorra, deve haver uma quebra
 Ascite é acumulo excessivo de liquido no dos mecanismos que controlam a distribuição do
peritônio. volume de líquido no espaço intersticial.
 Hidrotórax é acúmulo excessivo de liquido nas  Essa desregulação pode ser localizada e
cavidades pleurais. envolver apenas os fatores que influenciam o
 De acordo com sua causa e mecanismo, o edema fluxo de fluido ao longo do leito capilar, ou,
pode ser localizado ou apresentar distribuição ainda, pode ser secundária a alterações dos
generalizada. mecanismos de controle do volume do
 Em sua forma generalizada apresenta inchaço compartimento extracelular e do líquido
da face, evidente nas áreas periorbitais, e corporal total (edema generalizado).
persistência de uma reentrância da pele após Starling descreveu as forças fisiológicas que controlam o
compressão (cacifo do edema) movimento de fluidos ao longo do leito capilar, e que,
quando alteradas, podem gerar o edema.
Edema = acúmulo de líquido no espaço intersticial! As forças que regulam a disposição de líquidos entre os 2
componentes (intravascular e intersticial) do

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compartimento extracelular são denominadas forças de compartimentos intravascular e intersticial, ainda que
Starling e dependem dos gradientes de pressão que atuam ocorra uma grande troca entre eles. Entretanto, caso o
através do endotélio capilar, da área de superfície gradiente de pressão hidrostática ou oncótica sofra
disponível para transferência de liquido e da alteração significativa, ocorrerá um movimento final
permeabilidade da parede capilar às proteínas. adicional de liquido entre os 2 componentes do espaço
 O fluxo dos fluidos, no nível capilar, depende da extracelular. Então, o aparecimento de edema depende de
permeabilidade da parede capilar, definida pela uma ou mais alterações das forças de Starling, de modo
constante Kf, e pela diferença entre as variações da que haja um aumento do fluxo de líquido do sistema
vascular para o interstício ou para uma cavidade corporal.
pressão hidrostática e da pressão oncótica ao longo
do leito capilar.  O edema secundário a um aumento da pressão
capilar pode resultar de elevação da pressão venosa
devido à obstrução para a drenagem venosa e/ou
linfática.
 Um aumento na pressão capilar pode ser
generalizado, como ocorre na ICC.
 As forças de Starling também podem estar
desequilibradas quando a pressão oncótica do
plasma estiver reduzida, devido a qualquer
fator que possa induzir a hipoalbuminemia, tal
como a desnutrição grave, doença hepática,
perda de proteína na urina ou pelo trato
gastrintestinal, ou estado catabólico intenso.
 Em condições fisiológicas, espera-se que a pressão
hidrostática, na extremidade arteriolar do leito capilar, seja LESÃO CAPILAR
maior que a pressão oncótica do plasma.
 O edema também pode resultar de lesão do
 Esse gradiente de pressão faz com que haja fluxo de fluido
do compartimento intravascular para o interstício. endotélio capilar, que aumenta sua permeabilidade e
 Ao longo do capilar, a pressão hidrostática se reduz de permite o transporte de proteínas para o
forma significativa. compartimento intersticial.
 Além disso, a saída do fluido intravascular faz com que a  A lesão da parede capilar pode resultar do uso de
concentração de proteínas intracapilares se eleve, o que medicamentos, agentes virais ou bacterianos, e
acarretará um discreto aumento da pressão oncótica. traumatismo térmico ou mecânico.
 Assim, somados esses fatores, ocorrerá inversão do  A permeabilidade capilar aumentada também
gradiente de pressão na extremidade venosa da rede pode ser conseqüência de reação de
capilar, ou seja, a pressão oncótica torna-se maior que a hipersensibilidade e sua lesão imune típica.
pressão hidrostática.  A lesão do endotélio capilar é, possivelmente,
 O eventual excesso de líquido no espaço intersticial será
responsável pelo edema inflamatório, que em geral
drenado através dos vasos linfáticos.
não produz cacifo, sendo localizado e acompanhado
DETALHANDO FORÇAS DE STARLING
As forças que regulam a disposição dos líquidos entre os 2
de outros sinais de inflamação (rubor, calor e dor).
componentes do compartimento extracelular são
conhecidas como forças de Starling. A pressão hidrostática
REDUÇAO DO VOLUME ARTERIAL EFETIVO
no interior do sistema vascular e a pressão oncótica no
 Em muitas formas de edema, o volume sanguíneo
líquido intersticial tendem a promover o movimento de
líquido do espaço vascular para o extravascular. Por outro
arterial efetivo, um parâmetro que representa o
lado, a pressão oncótica exercida pelas proteínas enchimento da árvore arterial, fica reduzido.
plasmáticas e a pressão hidrostática no interior do liquido  O enchimento insuficiente da árvore arterial pode
intersticial, designada tensão tecidual, promovem a ser causado por uma redução do débito cardíaco e/ou
movimentação de liquido para o interior do da resistência vascular sistêmica.
compartimento vascular. Como conseqüência dessas  Como conseqüência do enchimento insuficiente, é
forças, há um movimento de água e solutos difusíveis a acionada uma série de respostas fisiológicas voltadas
partir do espaço vascular na extremidade arteriolar dos para restabelecer o volume arterial efetivo normal.
capilares. O líquido retorna do espaço intersticial para o  Um elemento fundamental dessas respostas é
sistema vascular na extremidade venosa dos capilares e
a retenção de NaCl e, em conseqüência, de
por intermédio dos vasos linfáticos. A menos que esses
canais sejam obstruídos, o fluxo linfático aumenta à
H2O, levando por fim ao edema.
medida que o movimento final de líquido do
compartimento vascular para o interstício também se
torna maior. Esses fluxos normalmente estão equilibrados,
de modo que existe uma estabilidade dinâmica entre os
70
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
FATORES RENAIS E O SISTEMA RENINA- circulantes, que também estimulam a
ANGIOTENSINA-ALDOSTERONA (RAA) liberação de renina.
 Esses três mecanismos geralmente atuam em
 A retenção renal de Na+ é fundamental para o conjunto para aumentar a retenção de Na+ e,
desenvolvimento de edema generalizado. portanto, contribuir para a formação de
 O fluxo sanguíneo renal diminuído (característico edema.
dos estados nos quais o volume de sangue arterial  A AII que penetra na circulação sistêmica estimula
efetivo está reduzido) é traduzido pelas células a produção de aldosterona pela zona glomerulosa do
justaglomerulares renais (células mioepiteliais córtex supra-renal.
especializadas em torno da arteríola aferente) como  A aldosterona aumenta a reabsorção de Na+
um sinal para maior liberação de renina, uma enzima (e a excreção de K+) pelo túbulo coletor.
que age no seu substrato, o angiotensinogênio, uma  Em pacientes com insuficiência cardíaca, não
globulina α2 sintetizada pelo fígado, para liberar só a secreção de aldosterona fica elevada,
angiotensina I, um decapeptídio processado em mas também a meia-vida biológica dela é
angiotensina II (AII), um octapeptídio. prolongada, o que leva em seguida a um
 A AII possui propriedades vasoconstritoras aumento do nível plasmático do hormônio.
generalizadas; é especialmente ativa sobre as  A ativação do sistema RAA é mais acentuada
arteríolas eferentes. na fase inicial da insuficiência cardíaca aguda
 Essa constrição das arteríolas eferentes reduz e grave, sendo menos intensa nos pacientes
a pressão hidrostática nos capilares com insuficiência cardíaca crônica
peritubulares, enquanto a fração de filtração compensada e estável.
aumentada eleva a pressão osmótica coloidal NATRIURESE DE PRESSÃO
nesses vasos, aumentando, assim, a  Quantidades aumentadas de aldosterona são
reabsorção de NaCl e H2O nos túbulos secretadas na insuficiência cardíaca e em outros estados
proximais, assim como no ramo ascendente edematosos, e o bloqueio da ação da aldosterona pela
da alça de Henle. espironolactona (um antagonista da aldosterona) ou pela
+
 O sistema RAA além de sistema hormonal também amilorida (um bloqueador dos canais epiteliais de Na )
opera em nível local. A AII produzida no interior do muitas vezes induz a uma diurese moderada nos estados
edematosos.
rim contribui para a constrição arteriolar eferente
glomerular, e essa retroalimentação tubuloglomerular  Ainda, níveis persistentemente elevados de
aldosterona (ou outros mineralocorticóides) isolada nem
leva à retenção de sal e água.
sempre promovem o acúmulo de edema, conforme
 Tais efeitos renais da AII são mediados pela comprovado pela ausência de retenção hídrica significativa
ativação dos receptores de AII do tipo I, que na maioria dos casos de aldosteronismo primário.
podem ser bloqueados por antagonistas  Além disso, embora os indivíduos normais retenham
específicos [bloqueadores do receptor de certa quantidade de NaCl e H2O com a administração de
angiotensina (BRA)]. um mineralocorticóide potente, como o acetato de
 Os mecanismos responsáveis pela liberação desoxicorticosterona ou a fludrocortisona, esse acúmulo é
aumentada de renina, quando o fluxo sanguíneo renal auto-limitado apesar da continuidade da exposição ao
se encontra reduzido, incluem: esteróide, fenômeno conhecido como escape de
1. Uma resposta dos barorreceptores, na qual a mineralocorticóide.
redução da perfusão renal resulta no  Nos indivíduos normais que recebem altas doses de
enchimento incompleto das arteríolas renais e mineralocorticóides, a incapacidade de acumular grandes
quantidades de líquido extracelular e desenvolver o
diminuição da compressão das células
edema é provavelmente uma conseqüência de um
justaglomerulares, um sinal que aumenta a
aumento na taxa de filtração glomerular (natriurese de
elaboração e/ou liberação de renina; pressão) e da atuação de substâncias natriuréticas.
2. Redução da filtração glomerular, a qual  A secreção continuada de aldosterona pode ser mais
diminui a carga de NaCl que alcança os importante para o acúmulo de líquido nos estados
túbulos renais distais e a mácula densa, edematosos, visto que os pacientes com edema
células presentes nos túbulos contorcidos secundário à insuficiência cardíaca, síndrome nefrótica e
distais que agem como quimiorreceptores e cirrose hepática geralmente são incapazes de corrigir o
que enviam sinais para que as células déficit do volume sanguíneo arterial efetivo.
justaglomerulares vizinhas secretem renina;  Em conseqüência, eles não desenvolvem
3. A ativação dos receptores β-adrenérgicos nas natriurese de pressão.
células justaglomerulares pelo sistema
nervoso simpático e pelas catecolaminas

71
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
ARGININA-VASOPRESSINA (AVP ou ADH)  Sua concentração mostra-se elevada na
insuficiência cardíaca e contribui para a
 A secreção de AVP ocorre em resposta a um vasoconstrição renal, a retenção de Na+ e o edema na
aumento da concentração osmolar intracelular e insuficiência cardíaca.
mediante a estimulação dos receptores V2.
 A AVP aumenta a reabsorção de água livre nos PEPTÍDEO NATRIURÉTICO ATRIAL
túbulos renais distais e no ducto coletor,
 A distensão atrial e/ou uma carga de Na+ levam à
aumentando, assim, a água corporal total.
liberação na circulação do peptídeo natriurético atrial
 A AVP circulante fica elevada em muitos pacientes
(ANP), um polipeptídio.
com insuficiência cardíaca, secundariamente a um
 Um precursor do ANP de alto peso molecular é
estímulo não-osmótico associado à diminuição do
armazenado nos grânulos secretores no interior dos
volume arterial efetivo.
miócitos atriais.
 Tais pacientes deixam de apresentar a
 A liberação do ANP causa:
redução normal de AVP com uma redução da
1. A excreção de sódio e água pelo aumento da
osmolalidade, contribuindo para a formação
TFG, da inibição da reabsorção de sódio no
de edema e hiponatremia.
túbulo proximal e da inibição da liberação de
ENDOTELINA renina e aldosterona; e
2. Dilatação arteriolar e venosa pela
 Esse potente peptídeo vasoconstritor é liberado neutralização das ações vasoconstritoras da
pelas células endoteliai. All, AVP e estimulação simpática.

72
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 Por isso, o ANP tem a capacidade de opor-se à aumenta, de modo que uma quantidade anormal de
retenção de Na+ e à elevação da pressão líquido é transferida do espaço vascular para o
arterial nos estados hipervolêmicos. intersticial.
 Como a via alternativa (i. e., os canais
PEPTÍDEO NATRIURÉTICO CEREBRAL linfáticos) também pode estar obstruída ou
preenchida no seu nível máximo, ocorrendo
 É armazenado primariamente no miocárdio um aumento do volume do líquido intersticial
ventricular, sendo liberado quando a pressão no membro (aprisionamento de líquido na
diastólica ventricular aumenta. extremidade).
 Suas ações são semelhantes às do ANP.  A tensão tecidual aumenta no membro
acometido até que contrabalance as
Os níveis circulantes de ANP e BNP encontram-se elevados
alterações primárias nas forças de Starling,
na ICC e na cirrose com ascite, porém obviamente não o
suficiente para prevenir a formação de edema. Além disso,
momento em que não há mais acúmulo de
nos estados edematosos ocorre uma resistência anormal líquido.
às ações dos peptídeos natriuréticos.  O efeito final é um aumento local no volume
de líquido intersticial, causando edema local.
SEMIOTÉCNICA  O deslocamento de fluido para um membro
pode ocorrer em detrimento do volume
 Uma história clínica e um exame físico cuidadoso sanguíneo no resto do corpo, reduzindo,
são suficientes, na maioria dos casos, para o portanto, o volume sanguíneo arterial efetivo
esclarecimento diagnóstico em pacientes com edema. e levando à retenção de NaCl e H2O até que o
 O primeiro passo a ser dado visa à busca de pistas déficit do volume plasmático tenha sido
diagnósticas para a identificação de edemas corrigido.
localizados ou generalizados.  Essa mesma seqüência ocorre na ascite e no
 Edemas generalizados são acompanhados do hidrotórax, em que o líquido é aprisionado ou
aumento do peso e esse é um importante parâmetro acumula-se no espaço cavitário, diminuindo o
para avaliação da eficácia terapêutica. volume intravascular e levando à retenção
 Estima-se que sejam necessários cerca de 4 a secundária de sal e líquido.
5% de aumento do peso corpóreo para que o  ICC: Nessa patologia, o esvaziamento sistólico
edema seja clinicamente detectável. deficiente do(s) ventrículo(s) e/ou a diminuição do
 O sinal do cacifo ou de Godet é realizado, relaxamento ventricular promovem um acúmulo de
comprimindo-se a região pré-tibial com o polegar por sangue na circulação venosa à custa do volume
cerca de 10 seg e observando se há formação de arterial efetivo, desencadeando a seqüência de
depressão. eventos da figura anterior.
 A profundidade da depressão pode ser  Na insuficiência cardíaca leve, um pequeno
comparada com escala de cruzes, variando de aumento do volume sanguíneo total pode
+ a ++++. corrigir o déficit do volume arterial e
 A intensidade máxima (++++) é atribuída a estabelecer uma nova estabilidade dinâmica.
edemas que formam depressões maiores ou  Por meio da ação da lei de Starling no
iguais a uma polpa digital. coração, um aumento do volume diastólico
 Uma segunda informação pode ser obtida, ventricular promove uma contração mais
observando-se o tempo necessário para o vigorosa e pode, assim, restabelecer o débito
desaparecimento da depressão após a cardíaco.
remoção da compressão digital.  Entretanto, se a doença cardíaca for mais
Caso a depressão desapareça em um grave, a retenção hídrica continuará, e o
tempo menor que 15 seg, suspeita-se incremento do volume sanguíneo irá
de baixa pressão oncótica, ou seja, acumular-se na circulação venosa.
hipoalbuminemia. Com a redução do débito cardíaco, a
Tempos maiores que esse sugerem diminuição da inibição do centro
edema secundário ao aumento da vasomotor mediado pelo barorreflexo
pressão hidrostática. ativa os nervos vasoconstritores
renais e o sistema RAA, levando à
CAUSAS COMUNS DO EDEMA retenção de Na+ e H2O.
 Obstrução da drenagem venosa (e linfática) de  O esvaziamento ventricular incompleto
um membro: Nesta situação, a pressão hidrostática (insuficiência cardíaca sistólica) e/ou o relaxamento
no leito capilar a jusante da obstrução (proximal)
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ventricular inadequado (insuficiência cardíaca banha os átrios cardíacos, o ventrículo esquerdo (VE),
diastólica) elevam a pressão diastólica ventricular. o arco aórtico, o seio carotídeo e a arteríola aferente
 Caso a deficiência da função cardíaca acometa renal, é crítico para o controle da volemia, pois esses
principalmente o ventrículo direito, as são segmentos providos de receptores de volume e
pressões nas veias e capilares sistêmicos se pressorreceptores que acusam um maior ou menor
elevam, levando a um aumento da enchimento do lado arterial da circulação.
transudação de líquido para o interior do A queda do DC na ICC acarreta uma elevação da
espaço intersticial, e aumentando a pressão venosa sistêmica e distúrbio do equilíbrio das
probabilidade de edema periférico. forças de Starling nos capilares periféricos.
A pressão venosa sistêmica elevada é Prevalecendo a pressão hidráulica intravascular na
transmitida para o ducto torácico, extremidade venosa do capilar, fica dificultado o
com a conseqüente redução da retorno do líquido intersticial para o capilar, e água
drenagem linfática, aumentando acumula-se no interstício. Essa redistribuição do fluido
ainda mais o acúmulo de edema. extracelular concorre para a formação de edemas.
 Se o comprometimento da função cardíaca Outra conseqüência da queda no DC é a diminuição
(esvaziamento ventricular incompleto e/ou do VAES, ou seja, ocorrerá um enchimento deficiente
relaxamento inadequado) atingir do leito vascular arterial, com sensibilização de
principalmente o ventrículo esquerdo, as pressorreceptores.
pressões venosa e capilar pulmonares  Clinicamente, é um edema gravitário por
aumentarão. excelência, por causa da pressão venosa elevada nas
A pressão arterial pulmonar subirá, o extremidades e, portanto, acentua-se com a
que irá interferir no esvaziamento do ortostase, no correr do dia (edema vespertino).
ventrículo direito, gerando um  Em um paciente com edema generalizado, o
aumento das pressões diastólica diagnóstico de insuficiência cardíaca é realizado na
ventricular direita bem como venosas presença de história de dispnéia progressiva, que se
central e sistêmica, aumentando, inicia aos grandes esforços e culmina com ortopnéia; a
desse modo, a probabilidade de presença de episódios de dispnéia paroxística
formação de edema periférico. noturna; as queixas de nictúria, hemoptise, tosse ou
A elevação da pressão capilar cianose; os antecedentes pessoais de doenças
pulmonar pode causar edema cardíacas (Chagas, doença isquêmica do miocárdio,
pulmonar, que diminui a troca gasosa. miocardiopatias, hipertensão arterial e febre
A resultante hipoxemia pode reumática entre muitas outras) e aos achados do
prejudicar ainda mais a função exame físico (taquicardia com ritmo de galope, 3°
cardíaca, às vezes causando um bulha, desvio do ictus cordis, estase jugular,
círculo vicioso. estertores pulmonares crepitantes, derrame pleural e
DETALHAMENTO EDEMA CARDÍACO hepatomegalia).
 Síndrome nefrótica e outros estados
hipoalbuminêmicos: A principal alteração nessa
doença é uma diminuição da pressão oncótica coloidal
devido à perda de grandes quantidades de proteína
na urina.
 Com a hipoalbuminemia grave e a
conseqüente redução da pressão osmótica
coloidal, o NaCl e a H2O retidos não podem
ser mantidos no interior do compartimento
vascular, e os volumes total e efetivo do
sangue arterial diminuem.
 Este processo inicia a seqüência de eventos
descritos anteriormente, formadora do
edema, incluindo a ativação do sistema RAA.
Fundamentalmente, o que leva à formação desse
 Seqüência semelhante de eventos ocorre em
edema é a queda do débito cardíaco, em
outros distúrbios que levam à
conseqüência da falência do miocárdio. Como
hipoalbuminemia grave, como:
resultado, eleva-se a pressão venosa sistêmica ao
A. Os estados de deficiência nutricional grave;
mesmo tempo em que se reduz o volume arterial
B. A doença hepática crônica grave; e
efetivo de sangue (VAES). O volume de sangue, que
C. A enteropatia perdedora de proteína.
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DETALHAMENTO EDEMA NEFRÓTICO dissipar-se com o correr do dia) além do inchaço de
membros inferiores, que (ao contrário) se exacerba
com o passar das horas, constituindo um edema
vespertino.
 Pacientes nefróticos com albumina plasmática
muito baixa podem apresentar edema generalizado,
intenso e extenso (anasarca), inclusive com derrames
cavitários (serosites: ascite, derrames pleural e/ou
pericárdico).
DETALHAMENTO EDEMA NEFRÍTICO

 Sempre que uma doença renal tiver a presença de


lesões específicas da membrana basal glomerular
e/ou dos pedicelos das células epiteliais glomerulares,
haverá um aumento da permeabilidade glomerular às
macromoléculas.
 Nessas condições, as proteínas plasmáticas são
filtradas em grandes quantidades e a perda urinária
(proteinúria) ultrapassa 3,5 g/24 h.
 Clinicamente, manifesta-se por urina espumosa
(proteinúria) e edemas.
 Esse é um quadro que pode estar presente nas
manifestações de várias doenças, portanto é chamado
de Síndrome Nefrótica.  Nas síndromes nefríticas agudas, das
 O edema reflete a redução na pressão oncótica do glomerulonefrites agudas, por exemplo, que se
plasma, o que irá acarretar uma menor reabsorção do manifestam com edema, hematúria, hipertensão -
fluido intersticial, na extremidade venosa do leito sem proteinúria importante (acima de 3,5 g/dia) - a
capilar. causa fundamental do edema é a redução da TFG.
A hipoproteinemia, resultante da perda urinária de  Essa queda da filtração pode ser discreta em
proteínas, é agravada pelo catabolismo aumentado da alguns pacientes (com creatinina sérica
albumina, que acontece na síndrome nefrótica. A normal), mas pode ser mais grave em outros,
redução da pressão oncótica do plasma, resultante da sendo que alguns ficam até anúricos
hipoproteinemia, por si só, leva ao aparecimento de (necessitando diálise).
edema. Além disso, pode provocar contração do  O edema é tão mais grave quanto maior for a
volume intravascular, que pode acarretar redução do redução da TFG, pois, como conseqüência desta,
débito cardíaco (redução da pré-carga) e conseqüente ocorrerá uma diminuição muito acentuada da carga
redução da perfusão renal. Esta, por sua vez, leva à filtrada de sódio (solutos) que será ainda mais
ativação do SRAA, reduzindo a excreção renal de reduzida após a maior reabsorção tubular desse íon.
sódio. A queda da PA ou do volume plasmático pode,  Assim, a pequena oferta distal de sódio permitirá a
ainda, estimular a liberação de ADH, que irá provocar reabsorção quase total do Na+ tubular no nefro distal.
retenção de água e hiponatremia. Nessas condições,  Cai a excreção renal de sódio e acontece, desse
haverá maior reabsorção de Na+ e de água pelos modo, retenção de Na+ (e água).
túbulos renais, com retenção de sódio e água.  Se fizermos restrição dietética de NaCl (rigorosa),
Quando houver maior atividade antidiurética, poderá pode não se formar edema - pois equilibrar-se-ia a
ocorrer retenção de água (livre de solutos), que ingestão com a baixa excreção, sem retenção.
promoverá diluição do extracelular, causando  Mas se o consumo de sódio for liberal,
hiponatremia. Esse fluido retido representa um efeito ocorrerá retenção de Na+ e expansão do
diluidor das proteínas plasmáticas, agravando a volume do extracelular (VEC).
redução da pressão oncótica do plasma e reciclando o  Nessas condições, haverá edema e
estímulo à formação de edema. hipertensão arterial.
 Clinicamente, o edema renal caracteriza-se pela  Nos casos de insuficiência renal aguda (necrose
localização facial, particularmente com a presença de tubular aguda) pode haver ou não a formação de
edema palpebral (é um edema matinal, que tende a edema.
75
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 Essa doença cursa com destruição das células que dificultam o livre fluxo de sangue e linfa
tubulares e pode evoluir desde oligoanúria até nos sinusóides hepáticos - resultado disto é o
poliúria. aumento da pressão no território venoso
 Assim, a presença de edema dependerá da (portal) e linfático (intra-hepático), que se
associação entre a redução da TFG, a redução conhece por hipertensão portal.
na carga excretada de sódio e o aporte de  Essa dificuldade de trânsito venoso
sódio na dieta. através do fígado faz com que o
 Cabe lembrar que a presença de IRA é comum em sangue busque vias alternativas de
pacientes críticos, sujeitos a grande aporte de líquidos tráfego, forçando o aparecimento de
por infusão parenteral, ricos em sódio, fator que pode circulação colateral venosa, que
levar a expansão do volume extracelular, aumento da promoverá um aumento da
pressão hidrostática capilar e edema. capacitância (venosa) esplâncnica,
 Cirrose: Esse distúrbio caracteriza-se por bloqueio acarretando aprisionamento de
do fluxo venoso hepático, o qual expande o volume sangue no território mesentérico.
sanguíneo esplâncnico e aumenta a formação  Esse sangue, seqüestrado no leito
hepática de linfa. venoso ampliado, irá prejudicar o
 A hipertensão intra-hepática atua como um enchimento vascular arterial,
estímulo potente à retenção renal de Na+ e causando redução do volume efetivo.
redução do volume sanguíneo arterial efetivo.  Além disso, a hipoalbuminemia
 Essas alterações são freqüentemente provocada pela deficiente síntese de
complicadas pela hipoalbuminemia albumina reduz a pressão oncótica do
secundária à redução da síntese hepática plasma e concorre para a formação do
assim como pela vasodilatação sistêmica, que edema.
reduzem mais o volume sanguíneo arterial C. Formação de shunts arteriovenosos: A
efetivo, levando à ativação do sistema RAA, insuficiência hepática é acompanhada de um
dos nervos simpáticos renais e de outros tônus vascular, deslocado para uma condição
mecanismos da retenção de NaCl e H2O. de relaxamento devido à redução do
 A concentração da aldosterona circulante metabolismo de várias substâncias
mostra-se freqüentemente elevada pela vasodilatadoras e ao aumento da produção de
incapacidade do fígado de metabolizar esse óxido nítrico.
hormônio.  Assim, com a redução da resistência
 No início, o excesso de líquido intersticial vascular periférica, há redução do
localiza-se preferencialmente proximal (a VAES e ativação dos mecanismos de
montante) do sistema venoso portal congesto controle de volume extracelular no
e linfáticos hepáticos obstruídos, isto é, na sentido de retenção renal de água e
cavidade peritonial (ascite). sódio.
 Nos estágios avançados, particularmente  Nesse sentido, são sólidas as
quando há hipoalbuminemia grave, pode evidências que mostram uma
ocorrer edema periférico. hiperatividade simpática e a ativação
 Na cirrose, a produção excessiva de do RAA, com conseqüente
prostaglandinas (PGE2 e PGI2) atenua a hiperaldosteronismo secundário, em
retenção renal de Na+. Quando a síntese pacientes cirróticos com ascite.
dessas substâncias é inibida por AINE, a
função renal se deteriora, e a retenção de Na+
aumenta.
DETALHAMENTO EDEMA CIRRÓTICO
 O processo cirrótico (resposta hepática a vários
tipos de agressão que leva à fibrose e regeneração
nodular do fígado) afeta a função hepática em
conseqüência de:
A. Alterações do funcionamento dos hepatócitos
por causa das lesões celulares (necrose,
proliferação), comprometendo, assim, a
síntese de albumina.
B. Destruição da arquitetura lobular, canalicular
e vascular, levando a distorções estruturais,  A existência de hipertensão portal torna o
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território esplâncnico mais vulnerável na presença de  Tais alterações ponderais diurnas importantes
hipoalbuminemia, daí a ocorrência de transudação sugerem um aumento da permeabilidade
líquida para a cavidade peritonial, formando ascite capilar, cuja intensidade parece variar e ser
com maior exuberância nos pacientes cirróticos - que agravada pelo clima quente.
é uma das características clínicas desse tipo de  Existem algumas evidências de que ocorre
edema. uma redução do volume plasmático nesse
 Principais achados clínicos em pacientes cirróticos: distúrbio, com a ativação secundária do
Icterícia sistema RAA e deficiência no bloqueio da
Eritema Palmar liberação de AVP.
Encefalopatia Hepática  O edema idiopático deve ser distinguido do
Hálito Hepático edema cíclico ou pré-menstrual, no qual a
Equimoses retenção de NaCl e H2O pode ser secundária à
Hematêmese/Melena estimulação estrogênica excessiva.
Esplenomegalia Também há alguns casos em que o edema
Aranhas Vasculares (Spiders) parece ser induzido por diuréticos. Propôs-se
Hipotrofia Muscular que, nesses pacientes, a administração
Alopecia, Ginecomastia e Atrofia Testicular crônica de diuréticos leva a uma depleção
(Homens) discreta do volume sanguíneo, que causa
Ascite hiper-reninemia crônica e hiperplasia
Circulação Colateral ("Cabeça de Medusa") justaglomerular. Os mecanismos de retenção
 Edema Induzido por Fármacos: Um grande de NaCl parecem sobrepujar os efeitos diretos
número de fármacos amplamente utilizados pode dos diuréticos. Então, a suspensão súbita de
provocar edema: diuréticos pode levar a um desbloqueio das
forças de retenção de Na+, acarretando
retenção hídrica e edema. A atividade
dopaminérgica diminuída bem como excreção
urinária reduzida de calicreínas e cininas têm
sido relatadas nesse distúrbio, podendo,
também, ter importância patogênica.
O tratamento do edema cíclico idiopático
consiste na redução da ingestão de NaCl,
repouso em decúbito durante várias horas por
dia e o uso de meias elásticas (que devem ser
colocadas ao levantar-se pela manhã).
Vários agentes farmacológicos, como os
IECA, a progesterona, o agonista dos
receptores da dopamina bromocriptina e a
amina simpaticomimética dextroanfetamina
são considerados úteis quando administrados
aos pacientes que não respondem às medidas
mais simples.
Os diuréticos podem ser úteis no início,
 Os mecanismos consistem em vasoconstrição mas podem perder sua eficácia com o uso
renal (AINE e ciclosporina), dilatação continuado; assim, devem ser utilizados com
arteriolar (vasodilatadores), aumento da parcimônia, caso o sejam.
reabsorção de Na+ (hormônios esteróides) e A suspensão dos diuréticos leva
lesão capilar (IL-2). paradoxalmente a uma diurese no edema
 Edema Idiopático: Esta síndrome, que ocorre induzido por diuréticos, descrito antes.
quase exclusivamente em mulheres, caracteriza-se
por episódios periódicos de edema (sem relação com DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
o ciclo menstrual), freqüentemente acompanhados de
EDEMA LOCALIZADO
distensão abdominal.
 As alterações diurnas do peso ocorrem com a  O edema originário de inflamação ou
retenção ortostática de NaCl e H2O, de modo hipersensibilidade costuma ser prontamente
que a paciente pode pesar alguns quilos a identificado.
mais após várias horas em posição ortostática.
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 O edema localizado devido a obstrução venosa ou EDEMA GENERALIZADO
linfática pode ser causado por tromboflebite,
linfangite crônica, ressecção dos linfonodos regionais,  A grande maioria dos pacientes com edema
filariose etc. generalizado sofre de doenças cardíaca, renal,
 O linfedema é particularmente intratável, hepática ou nutricional avançadas.
porque a restrição do fluxo linfático resulta  Em conseqüência, o diagnóstico diferencial do
em aumento da concentração de proteína no edema generalizado deve ser direcionado à
líquido intersticial, circunstância que agrava a identificação ou exclusão dessas várias
retenção hídrica. patologias.

Edema da insuficiência cardíaca: o edema resulta principalmente da retenção de NaCl


A presença de uma cardiopatia, manifestada por e H2O pelos rins em conseqüência da insuficiência
cardiomegalia e um ritmo de galope, junto com renal. Esse distúrbio diferencia-se da ICC pelo fato de
evidências de insuficiência cardíaca, como dispnéia, se caracterizar por um débito cardíaco normal (ou, às
estertores basais, distensão venosa e hepatomegalia, vezes, ainda aumentado) e uma diferença
geralmente indica que o edema resulta de arteriovenosa de oxigênio normal.
insuficiência cardíaca. Testes não-invasivos, como o Os pacientes com edema secundário à insuficiência
ecocardiograma, podem ser úteis no renal comumente apresentam evidências de
estabelecimento do diagnóstico de doença cardíaca. hipertensão arterial e congestão pulmonar nas
O edema da insuficiência cardíaca ocorre tipicamente radiografias de tórax mesmo na ausência de
nas porções dependentes do corpo. cardiomegalia, mas podem não ter ortopnéia. Os
Edema da Síndrome Nefrótica: pacientes com insuficiência renal crônica também
Observam-se proteinúria acentuada (> 3,5 g/dia), podem desenvolver edema devido principalmente a
hípoalbuminemia (< 35 g/L) e, em alguns casos, retenção renal de NaCl e H2O.
hipercolesterolemia. Esta síndrome pode ocorrer no Edema da Cirrose:
curso de várias doenças renais, como a A ascite e as evidências bioquímicas e clínicas de
glomerulonefrite, glomeruloesclerose diabética e doença hepática (circulação venosa colateral,
reações de hipersensibilidade. História de doença icterícia e telangiectasias) caracterizam o edema de
renal prévia pode ou não ser obtida. origem hepática. A ascite com freqüência é refratária
Edema da glomerulonefrite aguda e outras formas de ao tratamento, porque se acumula em conseqüência
insuficiência renal: da associação entre obstrução da drenagem linfática
O edema que ocorre nas fases agudas da do fígado, hipertensão portal e hipoalbuminemia.
glomerulonefrite é tipicamente associado à Um acúmulo considerável de líquido ascítico pode
hematúria, proteinúria e hipertensão arterial. aumentar a pressão intra-abdominal e impedir o
Embora algumas evidências apóiem a hipótese de retorno venoso dos membros inferiores, o que tende
que a retenção hídrica se deva a um aumento da a promover acúmulo de edema também nessa
permeabilidade capilar, na maioria das circunstâncias região.

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Edema de Origem Nutricional: FATORES ADICIONAIS NO DIAGNÓSTICO
Uma dieta francamente pobre em proteínas durante
um período prolongado pode produzir  A cor, espessura e sensibilidade da pele são
hipoproteinemia e edema. O último pode ser significativas.
intensificado pelo desenvolvimento da cardiopatia  A hipersensibilidade local e o calor sugerem
devida ao beribéri, também de origem nutricional, inflamação.
em que múltiplas fístulas arteriovenosas periféricas  A cianose local pode significar obstrução
reduzem a perfusão sistêmica e o volume sanguíneo venosa.
arterial efetivos, aumentando, desse modo, a  Nos indivíduos que apresentaram episódios
formação de edema. repetidos de edema prolongado, a pele nas
O edema pode agravar-se quando indivíduos áreas acometidas pode ficar espessada,
famintos recebem pela primeira vez uma dieta endurecida e, com freqüência, avermelhada.
adequada. A ingestão de mais alimentos pode  A estimativa da pressão venosa é importante na
aumentar a quantidade de NaCl ingerida, retida em avaliação do edema.
conjunto com a H2O. O chamado edema da  Em geral, um aumento generalizado
realimentação também pode estar relacionado com significativo da pressão venosa pode ser
um aumento da liberação de insulina, que aumenta reconhecido pelo ângulo em que as veias
diretamente a reabsorção tubular de Na+. cervicais se colapsam.
Além da hipoalbuminemia, a hipopotassemia e o  Nos pacientes com obstrução da veia cava
déficit calórico podem estar envolvidos no edema da superior, o edema limita-se à face, ao pescoço
desnutrição. e aos membros superiores, nos quais a
Outras Causas de Edema: pressão venosa se mostra elevada em
Incluem o hipotireoidismo, no qual o edema comparação com a dos membros inferiores.
(mixedema) se localiza tipicamente na região pré-  A insuficiência cardíaca grave pode causar
tibial e que também pode estar associado à tumidez ascite, que pode ser distinguida da causada
periorbital; ao hiperadrenocortismo exógeno; à por cirrose hepática por meio da pressão
gravidez; e à administração de estrogênios e venosa jugular, geralmente elevada na
vasodilatadores, em particular as diidropiridinas, insuficiência cardíaca e normal na cirrose.
como a nifedipina.  A determinação da concentração sérica de
albumina ajuda sobremodo na identificação dos
DISTRIBUIÇAO DO EDEMA pacientes em que o edema se deve, pelo menos em
parte, à diminuição da pressão oncótica intravascular.
 A distribuição do edema é um indício importante  A presença da proteinúria também fornece indícios
para a sua causa. importantes.
 O edema limitado a uma perna ou a um ou ambos  A ausência de proteinúria exclui a síndrome
os braços em geral resulta de obstrução venosa e/ou nefrótica, mas não as causas não-
linfática. proteinúricas de insuficiência renal.
 O edema resultante da hipoproteinemia é  Uma proteinúria leve a moderada é a regra
tipicamente generalizado, porém especialmente nos pacientes com insuficiência cardíaca.
evidente nos tecidos muito flácidos das pálpebras e na ABORDAGEM AO PACIENTE
face, tendendo a ser mais pronunciado pela manhã Uma primeira questão importante consiste em se o edema
devido à posição de decúbito assumida durante a é localizado ou generalizado. Caso seja localizado, devem-
noite. se considerar os fenômenos locais que podem estar
 As causas menos freqüentes do edema facial implicados. Se o edema for generalizado, deverá ser
determinado inicialmente se há hipoalbuminemia grave,
são a triquinelose, as reações alérgicas e o
isto é, albumina sérica < 25 g/L. Caso positivo, a anamnese,
mixedema.
o exame físico, o exame de urina e outros dados
 Já o edema associado à insuficiência cardíaca laboratoriais ajudarão a avaliar as hipóteses de cirrose,
tende a ser mais extenso nas pernas e acentuado ao desnutrição grave ou síndrome nefrótica, como a doença
anoitecer, característica também fortemente subjacente. Se não houver hipoalbuminemia, deverá ser
determinada pela postura. determinado se há evidências de insuficiência cardíaca
 Quando os pacientes com insuficiência congestiva grave o suficiente para produzir edema
cardíaca são mantidos no leito, o edema pode generalizado. Finalmente, será preciso determinar se o
ser mais acentuado na região pré-sacral. paciente apresenta um débito urinário adequado ou se há
 A paralisia reduz as drenagens linfática e venosa no oligúria significativa ou anúria.
lado acometido, podendo ser responsável por edema
unilateral.

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INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA (CECIL, HARRISON, PORTH,
ROBBINS, DIRETRIZ, MARTINS, ABDULKADER)

A insuficiência renal aguda (IRA) é uma síndrome


caracterizada pela deterioração abrupta e persistente
da função renal, que resulta na incapacidade dos rins
em excretar escórias nitrogenadas e em manter a
homeostase hidroeletrolítica. Apesar de ser uma
síndrome de prevalência e morbimortalidade
elevadas, ainda hoje não há consenso em relação ao
diagnóstico da IRA e classificação de gravidade
A diminuição da função renal na IRA está associada
ao aumento absoluto na creatinina sérica de
0,3mg/dl ou a um aumento percentual de 50% da
creatinina sérica. Alem disso, a redução do volume
urinário (oligúria) de menos de 0,5ml/kg/h por mais
de 6h, preenche os critérios diagnósticos de IRA.
 A insuficiência renal é condição onde os rins se
tornam incapazes de remover os produtos finais do
metabolismo do sangue e de regular o equilíbrio
eletrolítico e do pH dos líquidos extracelulares. IRA PRÉ-RENAL
 A causa subjacente pode consistir em doença
renal, doença sistêmica ou defeitos urológicos  Forma mais comum de IRA, caracterizada por
de origem não renal. hipoperfusão renal.
 A IRA é de inicio abrupto, geralmente reversível se  As causas incluem depleção profunda do volume
for reconhecida precocemente e tratada. vascular (hemorragia, perda de volume do LEC),
 Já a doença renal crônica é o resultado final comprometimento da perfusão devido a insuficiência
de lesão irreparável dos rins (lentamente no cardíaca e choque cardiogênico e diminuição do
transcorrer de anos). enchimento vascular, devido a um aumento da
 O indicador mais comum de IRA é a azotemia capacidade vascular (anafilaxia ou sepse).
(acúmulo de produtos nitrogenados como o  Alguns mediadores vasoativos, fármacos e agentes
nitrogênio proveniente da uréia, acido úrico e diagnósticos estimulam uma intensa vasoconstrição
creatinina) no sangue e diminuição da TFG. intrarrenal e podem induzir hipoperfusão glomerular
 A excreção de produtos nitrogenados e insuficiência pré-renal (endotoxínas, agentes de
apresenta-se reduzida, e não é possível contraste, ciclosporina, epinefrina e altas doses de
manter o equilíbrio hidroeletrolítico. dopamina).
 As diversas causas de IRA estão divididas em 3  Diversas classes de fármacos podem comprometer
categorias anatômicas: os mecanismos renais de adaptação, podendo
converter uma hipoperfusão renal compensada em
insuficiência pré-renal.
 Os IECA e os bloqueadores dos receptores de
angiotensina reduzem os efeitos da renina
sobre o fluxo sanguíneo renal; quando
associados a diuréticos podem causar
insuficiência pré-renal em indivíduos com
diminuição do fluxo sanguíneo.
 As PGs exercem um efeito vasodilatador sobre os
vasos sanguíneos renais.
 Os AINEs podem, então, reduzir o fluxo
sanguíneo renal através da inibição da síntese
de PGs.
 Em indivíduos com perfusão renal diminuída,
os AINEs podem precipitar insuficiência pré-
renal.

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 Em condições normais, os rins recebem 22% do débito IRA INTRÍNSECA OU RENAL
cardíaco.
 Esse grande suprimento é necessário para  Resulta de condições que provocam lesão das
remover os produtos de degradação do estruturas no interior do rim (glomerular, tubular ou
metabolismo e regular os líquidos e eletrólitos. intersticial).
 À medida que o fluxo sanguíneo renal é reduzido, a TFG  As causas são variadas e podem envolver qualquer
cai, a quantidade de sódio e de outras substancias filtradas
porção do néfron e do interstício renal.
pelos glomérulos é reduzida, assim como o gasto de
 As principais causas consistem em isquemia
energia para reabsorvê-las.
 Quando a TFG e o débito urinário aproximam-se de associada à insuficiência pré-renal, lesão
zero, o consumo de oxigênio pelos rins aproxima-se do tóxica das estruturas tubulares do néfron e
necessário para manter as células tubulares renais vivas. obstrução intratubular.
 Quando o fluxo sanguíneo cai abaixo desse nível  A glomerulonefrite aguda e a pielonefrite aguda
(25% do normal), há isquemia. também constituem causas intrarrenais de IRA.
 As células tubulares renais são mais vulneráveis a  Mas a lesão das estruturas tubulares do
lesões isquêmicas em virtude de sua elevada néfron (necrose tubular aguda) constitui a
taxa metabólica. causa mais comum.
 Se não for tratada apropriadamente, a hipoperfusão
 A necrose tubular aguda (NTA) caracteriza-se por
renal prolongada pode levar a necrose tubular isquêmica.
destruição das células epiteliais tubulares, com
 No inicio da IRA pré-renal, o parênquima renal
permanece intacto e funcional. Durante esta fase, os supressão aguda da função renal.
mecanismos autorreguladores dos rins mantêm a TFG e o  A NTA pode ser causada por lesão tubular aguda
fluxo sanguíneo renal alterando o tônus vascular das devido à isquemia, sepse, efeitos nefrotóxicos de
arteríolas aferente e eferente dos glomérulos. fármacos, obstrução tubular e toxinas de uma
 Especificamente, a hipoperfusão renal inicia uma infecção maciça.
cascata neuro-humoral que resulta na dilatação da  A lesão tubular que ocorre na NTA é
arteríola aferente e na constrição da eferente. Assim, a freqüentemente reversível, a depender da
TFG permanece praticamente intacta. recuperação das células danificadas, da remoção das
 Mas sem a intervenção médica terapêutica precoce, a células necróticas e cilindros intratubulares e da
progressão da piora da isquemia leva à lesão celular
regeneração das células renais para restaurar a
tubular e à IRA intrínseca (depende da gravidade e
duração da agressão fisiológica). continuidade normal do epitélio tubular.
 Uma baixa excreção fracional de sódio (<1%)
sugere que a oligúria se deve a uma redução da
perfusão renal e que os néfrons estão respondendo
através de uma redução da excreção de sódio,
tentando preservar o volume vascular.

IRA PÓS-RENAL
 A IRA pós-renal (após a formação do filtrado
glomerular) é classificada como intra-renal (obstrução
do fluxo do fluido tubular) ou extra-renal.
 A precipitação intratubular de cristais insolúveis ou
proteínas leva à obstrução intratubular, aumentando
assim a pressão intratubular que se opõe à pressão
hidrostática glomerular, com conseqüente diminuição
da pressão de ultrafiltração e redução na FG.
 De forma semelhante, a obstrução das vias
urinárias em qualquer nível extra-renal (pelve,
ureteres, bexiga e uretra) pode levar a IRA pós-renal.
 No caso de obstrução de pelve ou ureter,
somente ocorrerá IRA quando a obstrução
for bilateral ou quando ocorrer em rim único
funcionante.
 A reversibilidade da IRA pós-renal depende da
duração e da intensidade da obstrução, o que aponta
para a necessidade de tratar rapidamente.

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 A NTA isquêmica surge em indivíduos submetidos  A evolução da NTA pode ser dividida em 3:
à cirurgia de grande porte, que sofrem hipovolemia 1. Fase inicial: +/- 36 horas, vai do evento
grave ou sepse maciça, traumatismo ou queimaduras. iniciante ate a lesão tubular (há leve oligúria).
 A sepse produz isquemia ao provocar uma 2. Fase de manutenção: diminuição sustentada
combinação de vasodilatação sistêmica e na eliminação da urina (40-400ml/dia),
hipoperfusão intrarrenal. A sepse também sobrecarga de sais e água, hipercalemia,
leva à geração de toxinas, que sensibilizam acidose metabólica. A acentuada redução da
as células tubulares aos efeitos lesivos da TFG causa retenção de metabolitos (uréia,
isquemia. sulfato, potássio e creatinina). A retenção de
 A NTA como complicação de traumatismo e líquidos leva a edema, intoxicação hídrica e
queimaduras é de origem multifatorial, congestão pulmonar (pode desenvolver
resultando de efeitos combinados de hipertensão). As manifestações neurológicas
hipovolemia, mioglubinúria e outras toxinas da uremia evoluem da irritabilidade
liberadas do tecido lesado. neuromuscular até convulsões, sonolência,
 A NTA nefrotóxica é a injúria tóxica direta aos coma e morte.
túbulos por drogas, corantes radiocontrastes, 3. Fase de recuperação: reparação do tecido
radiação. renal, com aumento do debito urinário e
 A presença de mioglobina (traumatismo muscular), declínio nos níveis séricos de creatinina
hemoglobina (reações a transfusão de sangue e (indicando que os néfrons se recuperaram
outras crises hemolíticas), ácido úrico ou cadeias de possibilitando excreção de urina). O aumento
mieloma na urina causa NTA devido à obstrução do volume urinário (3L/dia) gera perda de
intratubular. grandes quantidades de água, sódio e
potássio.

Causas de IRA pré-renal, renal e pós-renal


Alteração primária Exemplos clínicos
Hemorragias, perdas cutâneas (queimaduras e sudorese profusa), perdas
Hipovolemia
gastrointestinais (diarréia e vômitos), perdas renais (uso de diuréticos e
absoluta
IRA pré- descompensação diabética)
renal Hipovolemia
Insuficiência cardíaca, insuficiência hepática, anafilaxia e sepse
relativa
Vasculites, microangiopatia, hipertensão maligna,
eclâmpsia, síndrome hemolítico urêmica, contraste iodado
Microvascular
e uso de drogas (anfotericina B, ciclosporina, tacrolimus,
Vascular
antiinflamatórios e inibidores da ECA)
Oclusão de artérias renais bilateralmente, doenças da
Macrovascular
aorta
Glomerular Glomerulonefrite aguda, associada ou não a doenças sistêmicas
Inflamação túbulo-intersticial causada por drogas (por exemplo, penicilina,
IRA renal Nefrite
cefalosporinas, ciprofloxacino, rifampicina, alopurinol, diuréticos tiazídicos,
intersticial
furosemida), infecções e radiação
Isquêmica Hipotensão, sepse, baixo débito cardíaco
Mioglobinúria (rabdomiólise), hemoglobinúria (reação
Proteínas endógenas transfusional, crise falciforme, coagulação intravascular
NTA
disseminada), rim do mieloma
Antibióticos (aminoglicosídeos, anfotericina B), cisplatina,
Nefrotoxinas
ciclosporina, tacrolimus e contrastes iodados
Obstrução ureteral
Cálculos, coágulos, fibrose retroperitoneal, tumores,
(tem de ser bilateral
Obstrução compressão extrínseca
para causar IRA)
extra-renal
IRA pós- Hiperplasia prostática, prostatite, coágulo, cálculo,
Obstrução uretral
renal neoplasias, corpo estranho
Obstrução Precipitação intratubular de cristais: ácido úrico (síndrome da lise tumoral) ou
intra-renal drogas (aciclovir, sulfonamidas, metotrexate e indinavir)
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 Na prática, uma definição bastante usada para o
PONDERAÇÕES SOBRE O DIAGNÓSTICO diagnóstico de IRA é a elevação de 0,5 mg/dl da
creatinina sérica para pacientes cujo valor basal seja
 Um dos principais problemas para o diagnóstico da
inferior ou igual a 1,5 mg/dl, e a elevação de 25% em
IRA é a ausência de marcadores sensíveis e específicos
seus valores para aqueles cuja creatinina sérica basal
de função renal. seja superior a 1,5 mg/dl.
 A creatinina sérica é o exame mais utilizado para
 A creatinina, apesar de suas limitações no
avaliação da função renal, mas tem algumas
diagnóstico de IRA, é um excelente parâmetro para o
desvantagens, pois se eleva acima dos limites normais
acompanhamento da função renal, uma vez
apenas quando a filtração glomerular (FG) encontra-
estabelecido esse diagnóstico, pois variações em seus
se abaixo de 50% e é dependente de massa muscular,
valores representam variações da FG.
idade, sexo e raça.
 No paciente ambulatorial, diversas outras formas MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
de medida de FG mais acuradas estão disponíveis,
como a depuração de creatinina ou uréia endógenas  Didaticamente, pode-se dividir os achados clínicos
ou mesmo fórmulas que estimam a FG por meio da entre aqueles relacionados à causa de base da IRA e
creatinina sérica, mas que consideram outras variáveis que, portanto, são fundamentais para que se elabore
como sexo, idade, raça, peso corpóreo e albumina uma hipótese diagnóstica, e aqueles relacionados à
sérica, como a equação de Cockcroft-Gault: insuficiência renal per se.
Clearance estimado de creatinina =
(140 – idade) x peso / 72 x creatinina
Multiplica o resultado por 0,85 para mulheres
Dados de história e exame físico sugestivos da causa de IRA
Dados de história e exame físico Causas possíveis
Hipotensão, choque, sangramentos, sede, mucosas secas, perda abrupta de IRA pré-renal por hipovolemia
peso, queimaduras, diarréia, uso de diuréticos absoluta
Turgência jugular e ritmo de galope, edemas (disfunção cardíaca). Ascite
IRA pré-renal por má
volumosa e outros sinais de hepatopatia, síndromes infecciosas ou choque
perfusão/hipovolemia relativa
séptico
História de trauma com possível componente de necrose muscular
(rabdomiólise), uso de medicamentos (como os aminoglicosídeos), instabilidade NTA
hemodinâmica, hipotensão arterial, desidratação grave
Peritonite bacteriana espontânea
Sinais de hepatopatia, ascite volumosa
ousíndrome hepato-renal
Síndrome nefrítica, hipertensão
Hipertensão
maligna ou pela própria IRA
História de doenças sistêmicas, urina espumosa, artrite, artralgias, exantema,
IRA por causas glomerulares (por
fotossensibilidade, emagrecimento, neuropatias periféricas, hematúria
exemplo, lúpus, vasculites,
microscópica, uveíte, drogas ilícitas, hepatite B, hepatite C, HIV. Ao exame pode
endocardite)
haver artrite, úlceras orais, lesões cutâneas, edema, derrames cavitários
Uso de medicações (antibióticos, alopurinol), infecções recentes. Pode haver
Nefrite intersticial
febre e exantema
Doença valvar, prótese valvar ou usuário de drogas endovenosas. Pode haver
Endocardite
novo sopro cardíaco
Nefrite intersticial, vasculites,
Rash ou púrpura lúpus, ateroembolismo,
endocardite
Vasculites (como na
Sintomas respiratórios e em seios da face
granulomatose de Wegner)
Dor óssea em idoso Mieloma múltiplo ou CA próstata
Rabdomiolise ou hipovolemia
Trauma
por sangramento
Esclerose múltipla, AVC, outras doenças neurológicas ou diabetes Bexiga neurogênica
NTA por isquemia renal,
Cirurgia ou procedimento recente
ateroembolismo ou endocardite

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Diminuição da perfusão renal,
Medicações: inibidores de enzima conversora de angiotensinao (IECA),
NTA ou Nefrite intersticial
antiinflamatórios, antibióticos, aciclovir, contrastes endovenosos
alérgica
Sintomas de prostatismo, hematúria macroscópica, história de litíase ou tumores
IRA pós-renal por obstrução
ginecológicos. Pode haver anúria, distensão vesical, massas pélvicas e alterações
extra-renal
no exame ginecológico ou da próstata
Uso de medicações (indinavir, aciclovir, metotrexate, sulfas) ou quimioterapia IRA pós-renal por obstrução
(síndrome de lise tumoral) intra-renal
 Um dos sinais mais comuns da hipervolemia é a
ACHADOS CLÍNICOS DA IRA hipertensão, que pode chegar a valores extremos, gerando
quadros de emergências hipertensivas.
 A IRA é habitualmente acompanhada por redução  Os quadros congestivos podem ser muito graves,
de diurese. causando edema agudo de pulmão e insuficiência
 A oligúria é definida como diurese inferior a respiratória aguda.
400ml/24h e pode anteceder as alterações  Além disso, como é comum a ocorrência de IRA
dos marcadores laboratoriais de FG. em pacientes cardiopatas e como a própria
 Quando há manutenção da diurese a despeito uremia piora o desempenho cardíaco, as
complicações congestivas são extremamente
da perda de função, denominamos a IRA
comuns.
como não-oligúrica (comum na NTA
 A hipervolemia também pode ocorrer como resultado
nefrotóxica). da manutenção de uma expansão intensa, que é
 A instalação súbita de anúria, definida como recomendada somente para o tratamento precoce da
diurese inferior a 50ml/24h, é incomum e sepse.
sugere a ocorrência de obstrução pós-renal DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS
total, trombose arterial bilateral, trombose A IRA cursa com uma série de alterações eletrolíticas,
venosa bilateral ou necrose cortical. sendo as mais comuns a hiponatremia, com risco de
 O quadro clínico da IRA é muito variável. alterações sensoriais; a hipercalemia, com risco de
 Praticamente todos os órgãos e sistemas do arritmias cardíacas; a acidose metabólica, responsável pelo
surgimento de náuseas, piora da hipercalemia e risco de
organismo podem ser acometidos como conseqüência
arritmias; hiperfosfatemia, hipocalcemia e hiperuricemia, à
de uremia, hipervolemia ou distúrbios
semelhança do que observamos em nefropatias crônicas;
hidroeletrolíticos: e, mais raramente, a hipercalcemia (a IRA por
UREMIA rabdomiólise pode cursar inicialmente com hipocalcemia
A elevação da uréia e de inúmeras outras toxinas associa- e, posteriormente, com hipercalcemia).
se à disfunção celular de diversos sistemas:
 Neurológico: a encefalopatia urêmica é uma EXAMES COMPLEMENTARES
manifestação comum da IRA. Varia entre formas
 O diagnóstico etiológico da IRA é essencialmente
sutis, como alterações intelectuais e de memória, até
clínico, mas alguns exames complementares são úteis
quadros mais graves, com a presença de alterações
sensoriais, hiper-reflexia, tremores, mioclonias, na diferenciação entre as diferentes etiologias
convulsões, mal epiléptico e coma; possíveis.
 Cardiovascular: a uremia pode gerar pericardite, com  Dentre os mais importantes, encontram-se
risco de tamponamento e piora de função cardíaca, a urinálise com análise de sedimento urinário,
entidade conhecida como miocardiopatia urêmica. o cálculo das frações de excreção de sódio e
Somam-se aqui as complicações congestivas e uréia, os exames de imagem e a biópsia renal.
hipertensivas;  O exame de urina é simples e deve ser solicitado
 Hematológico: equimoses e outros sangramentos em todos os casos de IRA, principalmente para afastar
podem ocorrer pela redução da adesividade
causas glomerulares e túbulo-intersticiais.
plaquetária. A anemia também é freqüente e
secundária à deficiência da eritropoetina e Sedimento urinário Causas possíveis
diminuição da vida média das hemácias; Normal Causas pré e pós-renais
 Gastrointestinal: anorexia progressiva, náuseas e Hematúria,
vômitos são os sintomas mais comuns da IRA; dismorfismo Glomerulopatias, vasculites,
 Respiratório: pleurite e pneumonite podem ocorrer, eritrocitário, cilindros microangiopatia trombótica
sendo esta última mais rara. Outra manifestação hemáticos, proteinúria
comum é a respiração de Kusmaull, em função da
acidose.
Nefropatia obstrutiva,
HIPERVOLEMIA Leucocitúria pielonefrite, Nefrite
 Com a redução da diurese, passa a ocorrer um balanço intersticial
positivo diário de água e sódio, resultando em ganho de Nefrite intersticial alérgica,
Eosinofilúria
peso progressivo, edema e congestão. ateroembolismo
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Cilindros granulares trimetoprim) e presença de agentes que
NTA, mioglobinúria,
pigmentados, células interfiram na dosagem de creatinina (cetonas,
hemoglobinúria
tubulares metildopa, ácido ascórbico).
Cristalúria Drogas, ácido úrico  As frações de excreção de sódio e uréia são úteis
 Um parâmetro útil e simples na diferenciação de na diferenciação de IRA renal de IRA pré-renal.
IRA renal de IRA pré-renal é a relação uréia/creatinina.  Como na IRA pré-renal a função tubular está
 Na IRA pré-renal ocorre aumento na preservada, ocorre intensa reabsorção de
reabsorção proximal de uréia, o que gera uma sódio e uréia, principalmente em túbulo
desproporção entre a elevação de uréia e proximal, em resposta à hipovolemia.
creatinina no plasma (a relação Assim na IRA pré-renal as frações de
uréia/creatinina normal de aproximadamente excreção dessas duas substâncias
20 pode atingir um valor acima de 40). estão diminuídas enquanto na NTA
 No entanto, pode haver muitos interferentes elas estão aumentadas.
nessa relação, pois a relação uréia/creatinina  Notar que a fração de excreção de sódio na
pode se elevar também em estados IRA pré-renal pode estar aumentada pelo uso
hipercatabólicos, como em infecções, após de diuréticos ou em situações de depleção
cirurgias, em pacientes em uso de corticóide volêmica com bicarbonatúria, como vômitos e
(principalmente se em dose elevada) ou em perdas prolongadas por sonda gástrica aberta.
sangramentos de trato digestivo. Nessas circunstâncias, podemos
 Mas alguns fatores podem reduzir a relação utilizar a fração de excreção de uréia,
uréia/creatinina e mascarar estados de que não sofre influência de diuréticos
hipovolemia, como diminuição na produção ou bicarbonatúria.
da uréia (jejum prolongado, hepatopatia  Alguns estudos sugerem que a fração de
avançada), aumento na produção de excreção de uréia seja um índice mais sensível
creatinina (rabdomiólise), diminuição na e específico para o diagnóstico de IRA pré-
eliminação da creatinina (cimetidina, renal do que a fração de excreção do sódio.

Cálculo de frações de excreção de sódio e uréia


fração de excreção de sódio (FENa) = [Sódiourinário / Sódio sérico x creatininaurinária / creatininasérica] X 100
Normal: 0,5 a 1%
fração de excreção de uréia (FEU) = [Uréiaurinária / Uréiasérica x creatininaurinária / creatininasérica] X 100
Normal: >35%

Diagnóstico diferencial da IRA baseado em índices urinários


IRA pré-renal IRA renal (exemplo: NTA)
*
Relação U/Cr > 40:1 < 40:1 (ou <20:1)
*
UNa (mEq/l) < 20 > 20
*
FENa (%) <1 >1
FEUréia (%)* < 35 > 50
Osmolalidade U (mOsm/kg) > 500 250-500
Densidade urinária > 1.020 1.010-1.020
sedimento urinário Cilindros hialinos Cilindros granulares
Relação U/Cr = relação uréia/creatinina séricas; UNa= sódio urinário; FENa= fração de excreção do sódio; FEUréia=
fração de excreção da uréia
 Exames de imagem, em especial o US, são hiperecogênicos são compatíveis com doença
importantes para o diagnóstico diferencial da IRA. renal crônica.
 Por meio do US pode-se confirmar ou afastar  A tomografia computadorizada sem contraste
o diagnóstico de IRA por obstrução extra- pode ajudar na avaliação de hidronefrose
renal ou a presença de litíase. quando a causa não for bem identificada ao
 Rins hiperecogênicos com tamanhos normais ultra-som abdominal.
sugerem nefrite intersticial aguda ou  O eco-Doppler de artérias renais, ressonância
pielonefrite. Rins com tamanhos reduzidos, magnética nuclear ou arteriografia são
alteração da camada córtico-medular e necessários para o diagnóstico de obstrução
arterial renal.

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 A biópsia renal está indicada em casos de IRA de dentro de 4 a 6 semanas após o diagnóstico, sem que
etiologia incerta, suspeita de glomerulonefrites, ocorram novos insultos renais nesse período).
Nefrite intersticial e em casos de IRA prolongada  Outros exames podem ajudar no diagnóstico
(definida como a não-recuperação da função renal diferencial da IRA:

Alterações em exames laboratoriais que podem sugerir a causa de IRA


Alteração no exame laboratorial Possível causa
Aumento de CPK e mioglobinúria rabdomiólise
Litíase por hiperuricemia, neoplasia,
Aumento de ácido úrico
síndrome de lise tumoral
Aumento de cálcio Neoplasia
Pico monoclonal em eletroforese de proteína Mieloma múltiplo
HIV positivo Nefropatia do HIV
ASLO positivo (antiestreptolisina O) Glomerulonefrite pós-estreptocócica
Evidências de hemólise (esquisócitos em sangue periférico, aumento de
Síndrome hemolítico-urêmica, púrpura
DHL, aumento de bilirrubina indireta, diminuição de haptoglobina),
trombocitopênica trombótica
trombocitopenia
Eosinofilúria Nefrite intersticial alérgica
FAN e anti-DS-DNA positivos Lúpus eritematoso sistêmico
Lúpus eritematoso sistêmico,
Complemento baixo endocardite, Glomerulonefrite pós-
infecciosa
Anticorpo antimembrana basal positivo Síndrome de Goodpasture
ANCA positivo Granulomatose de Wegner
Hemoculturas positivas, alterações valvares em ecocardiograma
Endocardite
transesofágico ou transtorácico
PSA aumentado Câncer de próstata

Medidas gerais para prevenção de IRA


MEDIDAS PREVENTIVAS A prescrição médica deve ser revista constantemente
 Como a IRA tem impacto significativo sobre a e a administração de drogas sabidamente nefrotóxicas
morbimortalidade do paciente, é muito importante evitada sempre que possível. A dose de todas as
que o clínico e o intensivista estejam atentos às medicações prescritas deve ser corrigida de acordo
medidas preventivas, habitualmente simples. com a FG medida ou calculada.
 Essas medidas baseiam-se na manutenção da Quando o uso de drogas nefrotóxicas é indispensável,
volemia, otimização de débito cardíaco e não- devemos corrigir a dose de acordo com a função renal
utilização de drogas nefrotóxicas. do paciente. Algumas drogas podem ter sua
 Deve-se dar especial atenção a pacientes concentração plasmática monitorizada.
pertencentes a grupos de risco para desenvolvimento O uso de dopamina em dose “renal” (1-3
de IRA: idosos, desnutridos, cardiopatas, hepatopatas, mcg/kg/min), ainda utilizado em alguns centros, não é
diabéticos, portadores de neoplasia maligna, recomendado. Diversos estudos provaram que seu
disfunção renal crônica ou estenose de artéria renal uso não reduz a morbidade ou mortalidade nesses
conhecida. pacientes, e alguns mostraram que até pode
 Lembrar que um valor de creatinina sérica aumentá-las.
considerado “normal”, principalmente nesses O uso de diuréticos na conversão de IRA oligúrica para
pacientes, não significa que a FG esteja não-oligúrica é controverso. Não há evidências de que
preservada, já que o valor da creatinina eles diminuam a mortalidade ou morbidade pela IRA,
depende de massa muscular, idade, sexo e embora facilitem o manuseio volêmico desses
raça do paciente, além de se elevar somente pacientes.
quando a FG estiver 50% abaixo do normal.

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TRATAMENTO  Quando houver desenvolvimento de IRA oligo-
anúrica, restringir potássio na dieta e em infusões
 O conhecimento da etiologia da IRA permite que endovenosas, evitando o uso de medicações que
sejam adotadas medidas específicas para seu contenham potássio ou provoquem elevação de seu
tratamento, com o intuito de reverter o mecanismo nível sérico.
gerador da lesão e, assim, estabelecer a recuperação  Investigação e tratamento de complicações agudas
da função renal. como hipercalemia, hiponatremia, hiperfosfatemia,
 Algumas medidas gerais e de suporte sempre acidose e congestão pulmonar.
devem ser aplicadas, independentemente da etiologia  Consultar o nefrologista assim que a IRA for
da IRA. diagnosticada.
 Estudos mostram que o atraso no chamado
MEDIDAS GERAIS do nefrologista está associado ao aumento da
 Estar sempre atento a possíveis fatores pré ou pós- morbimortalidade em pacientes com IRA em
UTI.
renais que estejam associados com ou ocasionando a
IRA e corrigi-los assim que identificados. MEDIDAS ESPECÍFICAS
 Para tanto, deve-se avaliar com freqüência o
estado de hidratação do paciente e otimizar o  IRA pré-renal: o tratamento consiste basicamente
débito cardíaco sempre que possível, na reposição volêmica, na otimização hemodinâmica e
mantendo uma PAM adequada e utilizando nas medidas gerais citadas acima.
parâmetros objetivos para avaliação da  IRA pós-renal: deve ser tratada com o
perfusão tecidual, como lactato e saturação procedimento desobstrutivo adequado, o qual deve
venosa central. ser realizado rapidamente.
 Pacientes submetidos à sondagem vesical de  A IRA é, em geral, prontamente reversível
demora que desenvolvem anúria súbita devem ter quando a desobstrução é feita em horas a
excluída a possibilidade de obstrução da sonda antes poucos dias.
da utilização de diuréticos ou hidratação vigorosa. Entretanto, obstruções prolongadas,
 Monitorizar o balanço hídrico e pesar diariamente de semanas a meses, podem
o paciente. determinar lesão crônica, de caráter
 Pacientes oligo-anúricos devem ser irreversível.
submetidos à restrição de líquidos e de sal,  Devemos prestar particular atenção à fase
visando manter um balanço hídrico zerado ou poliúrica da recuperação da IRA pós-renal,
manutenção do seu peso. quando há risco de distúrbios eletrolíticos,
 O desenvolvimento de hiponatremia, quando desidratações importantes e IRA pré-renal,
não identificada outra causa, deve ser com nova piora da função.
acompanhado da limitação da ingesta/infusão  IRA renal: o tratamento depende da etiologia.
de água livre.  O tratamento de vasculites e glomerulopatias
 A utilização de diuréticos para transformar a IRA é complexo e baseia-se no uso de
oligúrica em não-oligúrica ainda é assunto imunossupressores e corticosteróides.
controverso na literatura, e seu uso deve ser,  Em casos de Nefrite intersticial aguda, além
portanto, criterioso. da suspensão da droga causadora, a
 Introdução precoce e manutenção de suporte administração de corticosteróide pode ser
nutricional adequado. útil.
 Deve ser oferecido aporte calórico adequado A dose e o tempo de tratamentos são
para evitar que as proteínas endógenas sejam discutíveis, mas a maioria utiliza
utilizadas na gliconeogênese. 1mg/kg de prednisona por período ao
 O aporte protéico adequado depende do redor de um mês, seguido de
estado clínico do paciente. desmame total da droga.
 Controle glicêmico rigoroso, evitando o O uso do corticóide deve ser
desenvolvimento e a manutenção de estados ponderado em idosos e diabéticos,
hiperglicêmicos. podendo ser utilizado em doses
 Busca ativa de possíveis infecções e menores.
estabelecimento precoce de tratamento, assim que  O ateroembolismo não tem tratamento
diagnosticadas. específico, mas deve-se sempre que possível
 Verificação diária de catéteres e cuidado com suspender os anticoagulantes.
seu manuseio.

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O uso de estatinas parece estar sangüínea renal, seja por hipovolemia absoluta (por
associado à melhor recuperação da exemplo, sangramentos, diarréia) ou hipovolemia
função renal nesses casos. relativa (por exemplo, sepse, insuficiência cardíaca,
 A IRA relacionada à síndrome hepato-renal hepatopatia).
deve ser inicialmente tratada com suspensão  A IRA renal pode ter origem isquêmica ou
de diuréticos, uso de albumina e suspensão nefrotóxica. A principal causa de IRA renal é a NTA.
de drogas nefrotóxicas.  A IRA pós-renal é classificada como intra-renal
Outro recurso atualmente disponível (obstrução do fluxo do fluido tubular) ou extra-renal.
é a terlipressina, droga com ação  A IRA é habitualmente acompanhada por redução de
vasoconstritora sobre a região diurese. A oligúria é definida como diurese inferior a
esplâncnica. 400 ml/24h e pode anteceder as alterações dos
No entanto, o tratamento definitivo marcadores laboratoriais de FG.
para a síndrome hepato-renal é o  Praticamente todos os órgãos e sistemas do
transplante hepático. organismo podem ser acometidos como
TERAPIA DE REPOSIÇÃO RENAL conseqüência de uremia, hipervolemia ou distúrbios
Apesar de ainda haver muita discussão na literatura, hidroeletrolíticos causados pela IRA.
para a IRA ainda não existe consenso sobre o  Dentre os exames mais importantes no diagnóstico
momento ideal para o início da diálise, o melhor etiológico da IRA encontram-se a urinálise com
método dialítico a ser utilizado e a dose (adequação) análise de sedimento urinário, o cálculo das frações
de diálise a ser administrada. Ainda assim, sabemos de excreção de sódio e uréia, os exames de imagem
que o procedimento dialítico não deve ser iniciado (em especial a ultra-sonografia) e a biópsia renal.
tardiamente, quando as complicações urêmicas e  As principais preventivas gerais para se evitar a IRA
congestivas já estão avançadas, expondo o paciente a são manutenção da volemia, otimização de débito
riscos desnecessários. cardíaco e não-utilização de drogas nefrotóxicas.
As indicações clássicas para o início de diálise são:  É necessário Identificar os pacientes de risco: idosos,
edema pulmonar não responsivo a tratamento desnutridos, cardiopatas, hepatopatas e pacientes
conservador; hipercalemia não responsiva a com neoplasia maligna.
tratamento conservador; acidose metabólica não  Previne-se IRA por contraste hidratando-se bem o
responsiva a tratamento conservador; uremia paciente, utilizando-se N-acetil-cisteína e mediante
sintomática (encefalopatia e pericardite). infusão de solução de bicarbonato de sódio. Essas
medidas devem ser utilizadas principalmente em
TÓPICOS IMPORTANTES – RESUMÃO DE IRA pacientes de alto risco para IRA.
 Previne-se IRA por peritonite bacteriana espontânea
 A IRA é uma síndrome caracterizada pela
evitando-se desidratação, utilizando-se
deterioração abrupta e persistente da função renal,
antibioticoterapia apropriada e mediante infusão
que resulta na incapacidade dos rins em excretar
endovenosa de albumina.
escórias nitrogenadas e em manter a homeostase
 As principais medidas para se prevenir IRA por
hidroeletrolítica.
síndrome de lise tumoral são hidratação vigorosa,
 A creatinina sérica é o exame mais utilizado para
alopurinol, alcalinização da urina e correção dos
avaliação da função renal, mas se eleva acima dos
distúrbios hidroeletrolíticos.
limites normais apenas quando a FG encontra-se
 Sempre corrigir as doses das medicações para a FG
abaixo de 50% e é dependente de massa muscular,
medida ou calculada.
idade, sexo e raça.
 A base do tratamento da IRA é a correção dos
 Uma definição bastante usada para o diagnóstico de
fatores precipitantes e a manutenção de volemia e
IRA é a elevação de 0,5 mg/dl da creatinina sérica
débito cardíaco.
para pacientes cujo valor basal seja inferior ou igual
a 1,5 mg/dl, e elevação de 25% em seus valores para  Especial atenção à correção dos distúrbios
aqueles cuja creatinina sérica basal seja superior a hidroeletrolíticos e ácido-básicos associados.
1,5 mg/dl.  O nefrologista deve ser chamado precocemente
 O desenvolvimento de IRA aumenta a gravidade dos quando houver aumento agudo da creatinina ou
pacientes, sendo um fator independente para o oligúria. O encaminhamento tardio está associado à
óbito. piora de prognóstico nesses pacientes.
 A IRA pode ser classificada em pré-renal, renal ou  As indicações clássicas para o início de diálise são
pós-renal. edema pulmonar não responsivo a tratamento
conservador, hipercalemia não responsiva a
 A IRA pré-renal ocorre como uma resposta
tratamento conservador, acidose metabólica não
fisiológica do rim à diminuição na perfusão
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Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
responsiva a tratamento conservador e uremia  A dose de diálise deve ser avaliada, uma vez que, se
sintomática (encefalopatia e pericardite). inadequada, compromete a evolução do paciente.
 A terapia de reposição renal, quando indicada, deve
ser iniciada precocemente.

DOENÇA RENAL CRÔNICA (SETTE, TITAN, ABENSUR)

 O termo insuficiência renal crônica (IRC) foi Definição de DRC


substituído pelo termo doença renal crônica (DRC), Critérios
que designa tanto condições nas quais há perda Lesão renal = 3 meses definida por anormalidades
insidiosa da função renal, quanto condições nas quais estruturais ou funcionais com ou sem diminuição no
há lesão renal com função ainda preservada. RFG, manifestadas por:
 Diversas doenças sistêmicas e primárias renais • Anormalidades histopatológicas renais
culminam em agressão lenta do parênquima renal, o • Marcadores de lesão renal, como anormalidades
qual acaba sendo substituído por tecido fibroso, lesão urinárias (proteinúria); anormalidades sanguíneas
esta irreversível. (síndromes tubulares renais); alterações em exames
 Se não tratada, a DRC progride para insuficiência de imagem (hidronefrose)
renal terminal, acarretando morbimortalidade OU
elevada, principalmente pelo alto risco cardiovascular, 2
RFG < 60 mL/min/1,73 m por = 3 meses
piora da qualidade de vida e altos custos para o
RFG = ritmo de filtração glomerular.
sistema de saúde.

Classificação da DRC (National Kidney Foundation)


Depuração da creatinina
Fases Descrição Ação (incluindo as precedentes)
(mL/min/1,73m2)
> 90 e fatores de risco para
Aumento de risco Rastreamento e redução no risco de DRC
DRC
Diagnóstico e tratamento, tratamento de
Lesão renal* com RFG normal
1 > 90 comorbidades, redução na progressão,
ou aumentado
redução de risco cardiovascular
2 Redução discreta no RFG 60 a 89 Estimativa de progressão
3 Redução moderada no RFG 30 a 59 Avaliação e tratamento das complicações
4 Redução grave no RFG 15 a 29 Preparação para terapia substitutiva renal
5 Falência renal < 15 (ou diálise) Terapia substitutiva
* Diagnóstico por história clínica e/ou presença de hematúria glomerular e/ou proteinúria (microalbuminúria,
proteinúria glomerular ou tubular).
hepatite C, HIV, esquistossomose
ETIOLOGIA Nefrite intersticial crônica secundária
Doenças a drogas, pielonefrite de repetição e
 Diversas doenças podem causar DRC: tubulointersticiais doença de refluxo, rim do mieloma
Diabetes melito Nefropatia diabética múltiplo, tuberculose renal
Nefropatia hipertensiva, nefropatia Granulomatose de Wegener,
isquêmica, hipertensão maligna, poliangeíte microscópica, Churg-
Vascular esclerodermia, síndrome hemolítico- Vasculites Strauss, vasculite por drogas,
urêmica primária ou secundária, poliarterite nodosa, arterite de
toxemia gravídica Takayasu
Glomerulonefrite membranosa, Doenças císticas Doença de rins policísticos, doença
glomerulonefrite hereditárias cística medular e outras nefronoftises
Glomerulonefrites membranoproliferativa, nefropatia Síndrome de Alport, doença de Fabry,
primárias de IgA, glomeruloesclerose Doenças
esclerose tuberosa e anemia
segmentar e focal, glomerulopatia hereditárias
falciforme
fibrilar, pós-GNDA Câncer renal, tumor de células
Nefrite lúpica, crioglobulinemia Tumores transicionais, tumor de Wilms,
Glomerulonefrites essencial ou secundária, doença de linfomas renais
secundárias cadeia leve, doença de cadeia Doenças Cistinose, oxalose, nefrocalcinose,
pesada, amiloidose, hepatite B, metabólicas erros inatos do metabolismo
89
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
 As doenças que podem causar DRC são formação destes in situ, ativação de complemento, por
classificadas em: agressão de resposta imunocelular, ou mesmo por
1. Primárias (glomerulonefrites, doenças císticas mecanismos humorais não mediados por
renais, doenças tubulointersticiais etc.) ou imunocomplexos. No entanto, uma vez iniciado o insulto e
ocorrendo lesão significativa do parênquima, a lesão
Secundárias (DM, HAS, lúpus eritematoso
hemodinâmica passa a ter importância pela sobrecarga e
sistêmico, hepatite B, C, HIV etc);
hipertensão intraglomerular em néfrons remanescentes.
2. Localização anatômica: patologias
 A proteinúria, anteriormente vista apenas como
glomerulares, tubulointersticiais, vasculares,
um marcador de nefropatia crônica, tem um papel
obstrutivas ou tumorais; e
importante na fisiopatologia da DRC.
3. Adquiridas ou hereditárias.
 A presença contínua de proteína em
 Entre todas as causas, a nefropatia diabética, a quantidade anormal na luz tubular ativa as
nefropatia hipertensiva, as glomerulonefrites vias inflamatórias peritubulares.
crônicas e a doença renal policística são as  Essa ativação resulta em fibrose
etiologias mais freqüentes. tubulointersticial.
 Logo, a proteinúria além de bom marcador de
FISIOPATOLOGIA
gravidade da doença (influenciando decisões
 A função primaria do rim em manter constante a terapêuticas), é também parâmetro clínico de
composição do meio extracelular é bem preservada resposta a tratamento.
até que haja perda significativa da massa renal.
 Quando isto acontece, seja por alguma
doença ou ablação cirúrgica, os néfrons
remanescentes apresentam resposta
fisiológica de hipertrofia e hiperfluxo
compensatórios.
 A redução de massa renal é acompanhada
não apenas de aumento significativo na
função dos néfrons remanescentes, mas
também nos túbulos, responsáveis pelo ajuste
fino da excreção de água, eletrólitos, ácidos e
produtos do catabolismo protéico.
 O regime de hiperfluxo, a princípio vantajoso,
acarreta uma série de alterações patogênicas,
que podem resultar em glomeruloesclerose,
fibrose tubulointersticial e, portanto, perda
progressiva da função renal. Mecanismos patogênicos comuns às diversas causas de DRC
 Essa lesão de natureza hemodinâmica é
considerada o principal mecanismo patogênico nas MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
nefropatias crônicas em geral.
 A lesão hemodinâmica não atua unicamente  A DRC se manifesta de forma insidiosa e seus sinais
por meio de lesão mecânica, mas também por e sintomas se apresentam de forma lenta e
ativação contínua de uma série de progressiva, tendo como seu marco final a DRC
mediadores inflamatórios. terminal, que pode se manifestar desde sinais e
 A lesão à célula endotelial é acompanhada por sintomas inespecíficos como náuseas e vômitos, até
lesão da célula mesangial e podocitária, emergências clínicas como edema pulmonar agudo.
resultando em ativação de vias inflamatórias e  Habitualmente, a falência renal se apresenta
aumento na expressão de citocinas, fatores de clinicamente quando o RFG cai abaixo de
crescimento, lesão por estresse oxidativo e 30mL/min/1,73m2, ou seja, nos estágios 4 e 5 da DRC.
recrutamento de células inflamatórias.  Nessa fase, as alterações hematológicas,
 Em última instância, esse processo endócrinas, neurológicas, gastrintestinais,
inflamatório crônico resulta em dermatológicas e hidroeletrolíticas são mais
glomeruloesclerose e fibrose evidentes.
tubulointersticial. Durante a consulta, o médico deve estar atento a sintomas
Há doenças nas quais a lesão hemodinâmica não é a e sinais de doenças sistêmicas possivelmente envolvidas
principal forma de agressão. Em muitas glomerulonefrites, na perda da função renal, como DM, HAS, LES e outras
a agressão imunológica é predominante, por meio de doenças autoimunes, infecções virais, hepatopatias,
vários mecanismos: deposição de imunocomplexos, mieloma múltiplo e outras disproteinemias.
90
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Sintomas e sinais da DRC
Noctúria (perda da capacidade de concentração urinária), fadiga, perda de apetite, soluços,
Geral
redução na massa muscular, caquexia, edema, hipertensão arterial, cãibras
Distúrbios do sono, redução da atenção e de capacidade cognitiva, alterações de memória,
Neurológico
lentificação, mioclonias, convulsões, confusão mental e coma
Periférico Neuropatia sensitivo-motora, síndrome das pernas inquietas
Cardiovascular Pericardite, tamponamento pericárdico, miocardiopatia urêmica, aceleração da ateroesclerose
Pulmonar Pleurite, pneumonite, edema pulmonar, respiração de Kusmaull
Gastrintestinal Náuseas, vômitos, gastrite erosiva, pancreatite, ascite, parotidite
Hematológico Anemia por deficiência de eritropoietina, disfunção plaquetária, alteração de função neutrofílica
Hiperparatireoidismo secundário, alteração no metabolismo ósseo (osteodistrofia renal),
Endócrino-metabólico calcificações vasculares em partes moles e vasos, impotência e redução de libido, alteração de
ciclo menstrual, hiperprolactinemia, dislipidemias, intolerância à glicose
Dermatológico Hiperpigmentação, prurido, pele seca, pseudoporfiria cutânea
Hidroeletrolítico Hiponatremia, hipercalemia, hipocalcemia, hiperfosfatemia, acidose metabólica
 Com a progressão do distúrbio, surgem uma série níveis sanguíneos de triglicérides e baixos de
de sinais e sintomas decorrentes de edema, HDL.
congestão, alterações hidroeletrolíticas, distúrbios do  Assim como na hipertensão, o tratamento da
equilíbrio ácido-básico e toxicidade de produtos de dislipidemia pode ter benefício no retardo da
catabolismo protéico e lipoproteico, como uréia e progressão da DRC.
amônia.
 Os sintomas mais comuns são fadiga, náuseas DRC E RISCO CARDIOVASCULAR
(principalmente pela manhã) e vômitos.
 É bastante comum o paciente notar
alterações em memória, padrão de sono e
surgimento de lentificação (em idosos, estes
sintomas podem não ser valorizados,
atrasando o diagnóstico).
 A perda de peso pode ser exuberante,
obrigando o diagnóstico diferencial com
outras síndromes de caquexia.

HIPERTENSÃO
 Entre 50 a 70% dos pacientes com DRC estágios 3
a 5 são hipertensos.
 O controle adequado da HAS é o principal
fator implicado no retardo da progressão da
DRC em suas mais diversas etiologias, além de
ser importante em diminuir o dano causado a
outros órgãos-alvo.
 A retenção hídrica está mais pronunciada nos
estágios 4 e 5 da DRC e uma droga diurética deve ser
incluída no tratamento destes pacientes.
 Diuréticos poupadores de potássio e IECA
devem ser usados com cautela neste grupo de
pacientes.

DISLIPIDEMIA
 Pacientes com DRC a partir do estádio 3
apresentam alterações no metabolismo das
lipoproteínas e triglicérides.
 É caracterizado pelo acúmulo de moléculas de
VLDL parcialmente metabolizadas e distúrbios  A DRC confere alto risco cardiovascular, sendo esta
na metabolização do HDL, ocasionando altos a principal causa de óbito tanto nos pacientes pré-
dialíticos quantos naqueles já em terapia renal
substitutiva.
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 Seja pela presença de fatores de risco em
comum, seja pela intensificação da
aterosclerose depois do surgimento do estado
urêmico, esses pacientes apresentam
incidência e prevalência elevadas de doença
coronariana e de insuficiência cardíaca.

ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS
 A anemia da DRC é multifatorial e tem como fator
mais importante a deficiência na produção de
eritropoietina.
 Tem como característica ser normocítica e  Outras complicações, além dos efeitos
normocrômica com redução da massa cardiovasculares, podem ser correlacionadas com a
eritrocitária. anemia, destacando-se a progressão da DRC e o
 Outros fatores que contribuem para anemia aumento no risco de bacteremias.
são deficiência de ferro, diminuição do tempo
de meia-vida das hemácias (ocasionado por ALTERAÇÕES OSTEOMETABÓLICAS
produtos urêmicos), hemólise e perda crônica
 Apesar de não ser um sintoma inicial da DRC, o
ocasionados durante diálise.
espectro de alterações ósseas associados à DRC,
O guia prático da National Kidney Fondation’s define
anemia em adultos como níveis de Hb < 13,5 g/dL em denominado distúrbio mineral ósseo da doença renal
homens e < 12 g/dL em mulheres. crônica (DMO-DRC), também faz parte de seu quadro
A prevalência de anemia varia de acordo com o clínico.
estádio em que a DRC se encontra, acometendo cerca  O termo osteodistrofia renal fica reservado
de 15% dos pacientes no estádio 3 e 50 a 70% nos para as alterações na histologia óssea avaliada
estádio 4 e 5. por biópsia.
 A anemia também é mais prevalente nos  A gênese da DMO-DRC é multifatorial, destacando-
pacientes acometidos por DRC de etiologia se:
diabética macroalbuminúricos. 1. Retenção de fósforo e hiperfosfatemia,
 Relativamente incomum em pacientes nos estágios 2. Déficit de vitamina D (diminuição da produção
iniciais da DRC, a prevalência da anemia aumenta de 1,25-(OH) vitamina D3),
significativamente quando o clearance de creatinina 3. Hipocalcemia,
(ClCr) está abaixo de 60mL/min e torna-se mais 4. Alterações funcionais nos receptores de cálcio
freqüente e severa quando se aproxima de 30mL/min, e vitamina D das paratireoides,
necessitando tratamento. 5. Além da resistência óssea à ação do PTH.
 Portanto, o screening deve ser iniciado em  Outros fatores, como uso de corticoide,
pacientes com DRC estádio 3. desnutrição, idade, intoxicação por alumínio,
 Os pacientes anêmicos apresentam sintomas ferro e outras toxinas urêmicas, também
como fadiga, dispneia, diminuição da contribuem para o processo.
atividade intelectual, depressão, perda de O processo tem início com a retenção de fósforo devido à
libido, distúrbios do sono, anorexia, entre incapacidade de sua excreção ocasionada pela queda no
RFG (clearance em torno de 60 mL/min). Associado a isso,
outros sintomas que levam a uma perda
há diminuição da conversão da vitamina D em sua forma
importante da qualidade de vida. ativa pelo rim e conseqüente hipocalcemia. Estas
 A anemia confere um risco cardiovascular e de alterações iniciais acarretam elevação do PTH (hormônio
morte importantes. responsável pela manutenção da calcemia numa estreita
 A hipertrofia ventricular esquerda está faixa dita fisiológica).
presente em 45% dos pacientes com ClCr < 25 Os estados de hipocalcemia e hiperfosfatemia crônicos são
mL/min e é diretamente associada aos níveis estímulos para o desenvolvimento de hiperplasia das
de Hb em pacientes com DRC devido ao efeito paratireoides, que, por conseguinte, diminuem a
compensatório de aumento do débito expressão dos receptores de cálcio e calcitriol, tornando-
cardíaco. se a glândula menos responsiva às elevações séricas do
cálcio e desta vitamina.
 A queda dos níveis de Hb em 1 g/dL
Outros fatores que contribuem para patogênese do
corresponde a um risco relativo de 6% no
hiperparatireoidismo são a resistência óssea à ação do PTH
desenvolvimento de hipertrofia ventricular e a acidose metabólica.
esquerda.

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 A DMO-DRC pode ser classificada como de alta  A encefalopatia urêmica se refere a sinais e
remodelação, baixa remodelação ou doença mista. sintomas decorrentes da perda da função renal que se
 O padrão-ouro para o diagnóstico de cada inicia geralmente quando o RFG está abaixo de
tipo de acometimento ósseo é a biópsia óssea 10mL/min.
(análise histomorfométrica).  O paciente apresenta-se com alteração de
 A DMO-DRC manifesta-se por meio de dores memória, retardo cognitivo, lentificação de
ósseas e articulares, miopatia, lesões e roturas em fala e raciocínio, além de distúrbio na
ligamentos e tendões, perda funcional de articulações percepção e humor.
e, mais tardiamente, risco de fraturas patológicas.  Apesar de vários fatores influenciarem o
 Muitas vezes, a doença é oligo ou surgimento da encefalopatia, não há
assintomática, sendo identificada apenas correlação entre o grau de acometimento do
quando a agressão ao osso já é exuberante. SNC com nenhum marcador bioquímico
 Quadros de deformidades graves = fácies associado à disfunção renal.
leonina, escolioses e cifoses, alterações em  A neuropatia periférica acomete 65% dos
caixa torácica, deformidades em quadril e pacientes com DRC no estágio 5. Podem variar desde
tumores marrons. alterações oligossintomáticas detectadas por
 Além disso, a elevação do produto cálcio-fósforo eletroneuromiografia até disfunção sexual,
pode causar calcificações metastáticas em pele e parestesias e pré-síncope.
partes moles, com risco de ulcerações, gangrenas e  A neuropatia é distal e simétrica (bota e luva),
amputações. e está associada à desmielinização secundária
 A presença de calcificação metastática em da porção posterior da medula espinhal.
vasos no paciente com DRC foi recentemente  O exame físico revela perda do reflexo
associada à maior risco cardiovascular. tendíneo profundo, além de diminuição de
 A doença de alta remodelação (osteíte fibrosa) é sensibilidade a dor, vibração e pressão.
secundária ao hiperparatireoidismo secundário.
 No osso, o PTH gera uma ativação na ACIDOSE METABÓLICA
remodelação óssea e, em longo prazo,
 A acidose metabólica se deve sobretudo à
substituição da medula óssea por tecido
incapacidade renal de excretar íons hidrogênio e pode
fibroso (daí o nome osteíte fibrosa).
ser composta ainda de bicarbonatúria nos casos de
 Este processo está comumente associado ao
doenças em que há acometimento intersticial.
agravamento da anemia por aumento da
 O desenvolvimento da acidose metabólica agrava a
resistência à ação da eritropoietina
hipercalemia, inibe o anabolismo protéico e acelera a
 A doença de baixa remodelação compreende a
perda óssea de cálcio, acentuando a DMO-DRC.
osteomalácia (defeito na mineralização óssea com
acúmulo de osteoide não mineralizado) e a doença DESNUTRIÇÃO
adinâmica (osteoide normal, porém com taxa muito
baixa de remodelação óssea).  A desnutrição é freqüente nos pacientes com DRC
e está associada a aumento na mortalidade.
ALTERAÇÕES ENDOCRINOLÓGICAS  Vários fatores influenciam seu desenvolvimento,
incluindo anorexia, acidose, resistência a insulina,
 As anormalidades endócrinas na DRC têm
estado pró-inflamatório e proteinúria.
patogênese complexa e se dá por diminuição no
 Os marcadores bioquímicos são albumina sérica,
clearance renal dos hormônios (p.ex., insulina,
transferrina e colesterol.
glucagon, PTH, calcitonina e prolactina); diminuição
 Nos estágios 4 e 5 da DRC, os níveis de
da secreção renal (eritropoietina, renina e 1,25
creatinina podem permanecer estáveis, a
(OH)2 vitamina D3), redução da atividade de outras
despeito da perda progressiva da função renal
glândulas (p.ex., testosterona, estrogênio e
em decorrência da diminuição da massa
progesterona) e alteração no tecido alvo de ação
muscular.
hormonal (p.ex., PTH e eritropoietina).

ALTERAÇÕES NEUROLÓGICAS ALTERAÇÕES IMUNOLÓGICAS


 As manifestações clínicas incluem aumento da
 As alterações neurológicas são comumente
suscetibilidade a infecções bacterianas, aumento do
observadas nos pacientes com DRC.
risco de reativação da tuberculose e incapacidade de
 O espectro destas alterações inclui anormalidades
no sensório, disfunção cognitiva, fraqueza eliminar os vírus das hepatites B e C.
generalizada e neuropatia periférica.
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 As infecções são a segunda maior causa de óbito significativamente quando a perda na função
nos pacientes com DRC. do órgão já é de aproximadamente 50%.
 Há deficiência na resposta antigênica dos linfócitos  Além disso, a creatinina é produzida
T, causada parcialmente pela incapacidade de endogenamente a partir de catabolismo
apresentação dos antígenos pelos monócitos. muscular e varia imensamente de acordo com
 A ativação neutrofílica é deficiente e, apesar dos a massa muscular (dependente do sexo do
níveis séricos de imunoglobulinas serem normais, a indivíduo, idade, grau de atividade física,
resposta vacinal é pobre. estado nutricional e eventual presença de
amputações).
EXAMES COMPLEMENTARES Assim, o mesmo valor de creatinina
sérica de 1mg/dL pode refletir um
MEDIDAS LABORATORIAIS DE FUNÇÃO RENAL RFG de 120 mL/min num jovem do
 A principal forma de medição da função do rim é a sexo masculino, como de 40mL/min
numa senhora de 80 anos desnutrida
medida do ritmo de filtração glomerular (RFG).
ou até mesmo um RFG de 10mL/min
 Medidas de avaliação de função tubular,
num neonato.
capacidade de concentração e acidificação
urinárias e metabolismo hormonal também EXAMES NA AVALIAÇÃO ETIOLÓGICA DA DRC
refletem a função do órgão, mas o RFG
consagrou-se como o principal parâmetro  Exame de urina: pode revelar a presença de
clínico e experimental. proteinúria, hematúria com ou sem dismorfismo
 Uma vez que o RFG não pode ser medido eritrocitário, leucocitúria, cilindrúria, glicosúria, entre
diretamente, a taxa de depuração de algumas outras alterações.
substâncias pode ser usada como estimativa  É de fundamental importância no decorrer da
da filtração glomerular. investigação da doença renal crônica,
 O padrão-ouro para medida do RFG até hoje é a podendo direcionar a suspeita clínica para
taxa de depuração da inulina, mas sua realização é doenças específicas, assim como o
extremamente trabalhosa e inviável na prática clínica. seguimento do tratamento (controle de cura e
 Outros métodos de estimativa de RFG são precisos recidivas).
(125I-iotalamato, 51Cr-EDTA, iotalamato e iohexol), mas  Proteinúria de 24 horas.
ainda caros e pouco disponíveis.  Microalbuminúria: exame bastante sensível, mas
 A creatinina apresenta boa correlação com a pouco específico no diagnóstico etiológico da DRC, é o
depuração de inulina, mas pode estar superestimada marcador mais precoce da nefropatia diabética (nesta
quando a redução no RFG é grave (conforme há doença, deve ser avaliada anualmente).
redução no RFG, a creatinina passa a ser secretada  Vale lembrar que é redundante a solicitação
pelos túbulos). de exame de microalbuminúria em pacientes
 É feita habitualmente em coleta de 24 horas. que já apresentem proteinúria em fase de
 As equações mais utilizadas para estimativa macroalbuminúria.
do RFG são as de Cockcroft-Gault e do MDRD.  Emergiu também como um marcador
 Outra forma de estimar o RFG é fazer a média importante de risco cardiovascular e
entre as taxas de depuração de creatinina e mortalidade geral, provavelmente por
ureia, uma vez que a primeira superestima e a sinalizar a presença de lesão endotelial difusa.
segunda subestima o RFG nas fases mais  Fundoscopia: exame simples que sugere o
adiantadas da DRC. diagnóstico nos casos de retinopatias diabética,
(140 – idade) x peso / 72 x creatinina hipertensiva e estigmas de nefroesclerose maligna.
Cockroft-
sérica  ECG, Rx tórax e ecodopplercardiograma para
Gault
* x 0,85 se sexo feminino avaliação de lesão em órgãos-alvo (HAS, DM e
#
170 x Cr sérica x idade x SUN x albumina doenças de depósito, como amiloidose).
MDRD *x 0,762 se sexo feminino
 US de rins e vias urinárias, que permite identificar
** x 1,18 se raça negra
sinais de:
# SUN = ureia (mg/dL) / 2,14.
A. Cronicidade (alteração em ecogenicidade,
 O uso da creatinina sérica como marcador isolado
diferenciação corticomedular e tamanho
de função renal é usual pela sua simplicidade, mas
renal);
deve ser feito com muito critério.
B. Assimetria renal (compatível com nefropatia
 A creatinina sérica tem relação exponencial
isquêmica, rim hipoplásico ou pielonefrite
com o RFG e seus valores apenas se alteram
crônica, doença renovascular);

94
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
C. Aumento no tamanho renal (compatível com  Dosagem de cálcio, fósforo, vitamina D e PTH.
nefropatia diabética, doença policística,  A partir de 60 mL/min/1,73 m2 de RFG, alguns
infiltração neoplásica e doenças de depósito, pacientes já começam a apresentar distúrbios
como amiloidose); e no metabolismo de cálcio, fósforo, vitamina D
D. Presença de cistos, tumores, malformações, e PTH.
prostatismo, obstrução de via urinária por  Esses distúrbios tendem a agravar-se em fases
cálculos e hidronefrose. mais avançadas da DRC, principalmente na
 Exames específicos frente a suspeita de nefrites e fase pré-dialítica e no período dialítico.
vasculites, como: eletroforese de proteínas séricas, Assim, nas fases 3 e 4 da DRC, estão
imunoeletroforese de proteínas no sangue e na urina recomendados monitoração dos
(paraproteinemia), sorologias para hepatite B, C e HIV, valores de cálcio e fósforo, dosagem
complemento sérico, pesquisa de autoanticorpos de 25-hidroxivitamina D anualmente e
(FAN, ANCA), pesquisa de crioglobulina, Coombs dosagem de PTH 1 a 2 vezes por ano.
direto e indireto, sinais de microangiopatia
(plaquetopenia, anemia hemolítica, esquizócitos). Valores esperados de PTH nas diferentes fases da DRC
2
 Doppler renal, angiorressonância de artérias Fase RFG (mL/min/1,73 m ) PTH intacto (pg/mL)
renais, cintilografia com captopril e arteriografia, 3 30 a 59 35 a 70
quando houver assimetria renal ou sinais clínicos 4 15 a 29 70 a 110
sugestivos de estenose de artéria renal. 5 < 15 ou diálise 150 a 300
 Angiorressonância apresenta um índice de
falso-positivo não desprezível, sendo a  Gasometria venosa para verificação de acidose
arteriografia renal o padrão-ouro. metabólica.
 O Doppler renal também é útil na suspeita de  Resultante da perda de capacidade de
trombose de veia renal e, mais recentemente, excreção de ácidos fixos, causa náuseas,
na avaliação de síndrome hepatorrenal. perda de apetite, desmineralização óssea e
 Uretrocistografia miccional, estudo urodinâmico e agravamento da hipercalemia e
cintilografia renal morfológica, quando houver hipercalcemia.
suspeita de refluxo, bexiga neurogênica e pielonefrite  A solicitação do ânion gap é útil no
crônica. diagnóstico diferencial com outros tipos de
acidose.
EXAMES PARA AVALIAÇÃO DE DISTÚRBIOS  Na insuficiência renal, ânion gap mostra-se
SECUNDÁRIOS À DRC elevado por acúmulo de ânions não medidos
(fosfatos, uratos etc).
 Dosagem de sódio e potássio, para avaliar  Avaliação da anemia secundária à deficiência na
presença de hiponatremia e hipercalemia. produção de eritropoietina e ao aumento na
 A hiponatremia pode intensificar a presença resistência à ação desse hormônio.
de sintomas neuropsiquiátricos,  Atualmente, sabe-se que, além de trazer um
principalmente se em valores inferiores a 125 grande prejuízo na qualidade de vida dos
mEq/L. pacientes, a anemia também é
 A hipercalemia, assintomática, ocorre tanto frequentemente um fator de
pela redução na excreção do potássio, como descompensação cardíaca, agravando a
por redistribuição entre os compartimentos miocardiopatia urêmica.
intra e extracelular frente à acidose  Sua avaliação inclui a monitoração constante
metabólica. do perfil de ferro, bem como a exclusão de
Está associada a risco de arritmias e outras causas de anemia, como deficiência de
parada cardiorrespiratória. ácido fólico, anemia falciforme, mieloma
As alterações eletrocardiográficas que múltiplo.
podem ser encontradas são: onda T
apiculada, redução na amplitude da
onda P e alargamento do complexo
QRS, até que este adquira a forma
sinusoidal (risco iminente de parada
cardíaca, habitualmente em atividade
elétrica sem pulso ou assistolia).

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Exames importantes no diagnóstico e seguimento da DRC
Avaliação etiológica Seguimento geral da DRC
Urinálise FAN, anti-DNA, ANCA Sódio e potássio
Sorologia para hepatites C e B e
Microalbuminúria PTH, cálcio, fósforo e vitamina D
HIV
Fundoscopia Pesquisa de crioglobulina Gasometria venosa
Hemograma, ferro, ferritina e
ECG, radiografia de tórax, ecocardiograma Eletroforese de proteínas
saturação de transferrina
USG de rins e vias urinárias Complemento sérico Ureia e creatinina
Doppler renal, angiorressonância, Pesquisa de esquizócitos,
angiotomografia, cintilografia, arteriografia haptoglobina e Coombs
Imunoeletroforese de sangue e
Uretrocistografia miccional
urina
 Todas as medidas do tratamento conservador
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL devem ser otimizadas no período pré-dialítico
imediato (controle de pressão arterial, congestão,
 O diagnóstico diferencial é feito com dados de
anemia, produto cálcio-fósforo, PTH).
anamnese, exame físico e poucos exames
 Os pacientes devem ser avaliados e indagados
complementares.
quanto à possibilidade de transplante renal,
 A realização de biópsia renal, padrão-ouro permitindo a inscrição mesmo já na fase pré-dialítica
para o diagnóstico, só é feita em suspeitas de
(no Brasil, o Ministério da Saúde autoriza a inscrição
glomerulonefrites ou quando a etiologia não
na lista de transplante a partir de 20 mL/min de
está clara.
depuração de creatinina).
Uma doença que merece particular menção em relação ao
seu curso clínico é a nefropatia diabética. Líder entre as
causas de nefropatia terminal em vários países, a
nefropatia diabética é antecedida em muitos anos pela
presença de hiperfiltração glomerular (que pode ser
detectada em exames laboratoriais), alteração ainda
reversível, mas que anuncia o risco de instalação da
nefropatia crônica propriamente dita. Esta, por sua vez, é
didaticamente dividida em três fases: a primeira,
denominada nefropatia incipiente, corresponde a uma
fase assintomática, na qual se nota apenas a presença de
microalbuminúria, com proteinúria de 24 horas inferior a
300 mg. A segunda, denominada nefropatia clínica ou
instalada, cursa com proteinúria de 24 horas já superior a
300 mg/dia e perda progressiva da função renal. Por
último, ocorre a DRC terminal, que pode ser antecedida ou
não por síndrome nefrótica franca,

TÓPICOS SOBRE O TRATAMENTO


 O diagnóstico e o acompanhamento das fases
iniciais da DRC são feitos habitualmente pelo clínico
geral, dada a prevalência da doença.
 No entanto, nas fases 3 e 4 da DRC, o paciente
deve ser encaminhado para avaliação nefrológica.
Casos de risco elevado para progressão, aqueles com
glomerulonefrites e vasculites, portadores de estenose de
artéria renal e aqueles com depuração de creatinina
inferior a 20 mL/min devem ser acompanhados pela
especialidade.
 A Terapia Renal Substitutiva é iniciada quando o
RFG encontra-se entre 10 e 15 mL/min/1,73 m2 e/ou
quando surgem sinais e sintomas de uremia.
 O início da diálise não deve ser feito em
caráter de urgência, mas sim de forma
programada.
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TÓPICOS IMPORTANTES – RESUMÃO DE DRC  A ativação neutrofílica é deficiente e, apesar
dos níveis séricos de imunoglobulinas serem
 A evolução desfavorável da DRC pode normais, a resposta vacinal é pobre.
freqüentemente ser prevenida ou retardada por  A taxa de depuração de creatinina tornou-se a
meio da detecção e do tratamento precoce. forma mais usual de estimativa do RFG e provou
 Os estágios precoces da doença renal crônica ser a mais prática e custo-efetiva.
podem ser detectados por meio de dosagens  O uso dos IECA requer alguns cuidados, como
laboratoriais simples de rotina. monitoração da concentração sérica de potássio,
 O reconhecimento da etiologia é fundamental na pelo risco de hipercalemia, e atenção à piora súbita
abordagem terapêutica, uma vez que muitas de função renal.
causas de nefropatia crônica têm tratamento  Estes episódios podem ser precipitados
específico. pelo uso de diuréticos ou estados
 O sinal mais precoce da DRC é o surgimento de hipovolêmicos, mas também podem
noctúria, em função da perda de capacidade de ocorrer em função do efeito
concentração urinária, intensificada pela presença hemodinâmico próprio da droga.
de edema.  Pacientes com DRC apresentam tendência a
 A principal causa de óbito em pacientes dialíticos é sangramento, mesmo com plaquetas e fatores de
cardiovascular. coagulação em níveis normais.
 A ação do PTH se faz em dois sítios principais:  Há uma deficiência na adesão e agregação
1) Nos rins: estimulando a alfa-1-hidroxilase plaquetária.
no túbulo contorcido proximal elevando a  A preservação da função renal residual é
produção de calcitriol e consequente importante mesmo após o início do tratamento
absorção gastrintestinal deste íon; dialítico e confere maior sobrevida aos pacientes
aumenta a excreção de fósforo e a anúricos.
reabsorção de cálcio iônico;  A terapia renal substitutiva é iniciada quando o
2) No tecido ósseo: aumenta o efluxo de RFG encontra-se entre 10 e 15 mL/min/1,73
cálcio, portanto, aumentando a calcemia. m2 e/ou quando surgem sinais e sintomas de
 As infecções são a segunda maior causa de óbito uremia.
nos pacientes com DRC.  O início da diálise não deve ser feito em
 Há deficiência na resposta antigênica dos caráter de urgência, mas sim de forma
linfócitos T, causada parcialmente pela programada, sem prejuízo da qualidade de
incapacidade de apresentação dos antígenos vida do paciente.
pelos monócitos.

DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO


(CARMO, MARQUES, TITAN)

 A abordagem tradicional dos distúrbios do  Para a manutenção do pH nos níveis necessários, os


equilíbrio ácido-básico (DAB) é baseada na teoria de mamíferos dispõem de dois sistemas principais de
Lowry-Bronsted, na qual os ácidos são definidos como controle: o sistema respiratório, que regula a
substâncias capazes de doar prótons, enquanto as retenção e a eliminação do dióxido de carbono
bases são definidas como substâncias capazes de (CO2), e o sistema tampão plasmático, sendo o
receber prótons. bicarbonato (HCO3-) o principal componente.
 Neste modelo, o principal sistema tampão é o  De forma geral, o controle do pH por esses dois
sistema bicarbonato-ácido carbônico. sistemas é expresso pela fórmula de Henderson-
 Íons livres de H+ estão presentes nos fluidos Hasselbalch:
corpóreos em concentrações extremamente baixas. pH = pKa + log10[HCO3-] / pCO2
 O pH é uma medida da concentração  Acidemia é definida como uma diminuição do pH
hidrogeniônica [H+] e apresenta uma relação sanguíneo (ou aumento da concentração [H+] no
inversa e logarítmica com este íon. sangue) e alcalemia é definida como uma elevação do
 Uma concentração estável deste íon é fundamental pH sanguíneo (ou redução da concentração do [H+]).
para o funcionamento normal das células.  Acidose é o processo que tende a diminuir
 Existe uma faixa de variação compatível com a vida o pH e alcalose é o processo que tende a
muito pequena, que varia entre 16 e 160 nanoEq/L aumentar o pH.
(pH de 7,80 a 6,80).
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 As alterações do pH extracelular ocorrem quando respiratória, no intuito de minimizar as alterações
existe disfunção renal ou respiratória ou quando a na concentração do [H+].
quantidade de base ou ácido ultrapassa a sua  A resposta compensatória sempre acompanha a
capacidade de excreção. direção do distúrbio primário.
+
 Mudanças na concentração do [H ] e pH podem  Por exemplo, na acidose respiratória
ser induzidas por alterações do PCO2 ou do HCO3-. (PCO2 alto) ocorre aumento da excreção
 Anormalidades primárias no PCO2 são renal de H+ com aumento do [HCO3-]
chamadas de acidose respiratória plasmático.
(PCO2 alto) e de alcalose respiratória  Distúrbios simples correspondem à alteração inicial
(PCO2 baixo). e à sua resposta compensatória esperada.
 Anormalidades primárias na concentração  Distúrbios mistos correspondem à existência de
de HCO3-são chamadas de acidose dois distúrbios diferentes associados, identificado
metabólica (HCO3- baixo) e de alcalose quando o grau de compensação não é adequado ou
metabólica (HCO3- alto). quando a resposta é maior que a esperada.
 Na presença de algum destes distúrbios, sempre
ocorrerá uma resposta compensatória renal ou
Resposta compensatória esperada nos distúrbios simples
Distúrbio Alteração primária Resposta compensatória
Queda de 1,2 mmHg na PCO2 para cada 1 mEq/L de
Acidose metabólica Diminuição de [HCO3-]
queda no [HCO3-]
Aumento de 0,7 mmHg na PCO2 para cada aumento de
Alcalose metabólica Aumento de [HCO3-]
1 mEq/L no [HCO3-]
Aumento de 1 mEq/L no [HCO3-] para cada aumento de
Acidose respiratória aguda Aumento de pCO2
10 mmHg na PCO2
Aumento de 3.5 mEq/L na [HCO3-] para cada aumento
Acidose respiratória crônica Aumento de pCO2
de 10 mmHg na PCO2
Redução de 2 mEq/L no [HCO3-] para cada redução de
Alcalose respiratória aguda Diminuição de pCO2
10 mmHg na PCO2
Redução de 4 mEq/L no [HCO3-] para cada redução de
Alcalose respiratória crônica Diminuição de pCO2
10 mmHg na PCO2
e. Avaliar presença de situações que podem
ACHADOS CLÍNICOS levar à hipovolemia, como diarreia,
sangramentos, sudorese excessiva,
 A história e o exame físico são fundamentais para a
hiperglicemia com diurese osmótica, febre,
suspeita clínica e para a realização do diagnóstico
uso excessivo de diuréticos;
etiológico do distúrbio ácido-básico.
f. Atentar para sinais de tubulopatias primárias,
 Deve-se atentar para os seguintes dados durante a
principalmente em jovens e crianças, como
avaliação:
história de fraqueza muscular, poliúria,
a. Antecedentes de DM, IRC, tabagismo, DPOC,
polidipsia, hipotensão postural, raquitismo e
ICC;
baixo desenvolvimento pôndero-estatural.
b. Medicamentos em uso;
c. Observar o padrão respiratório do paciente (a
taquipneia pode ser um sinal de compensação
de acidose metabólica – respiração de EXAMES COMPLEMETARES
Kussmaul);
d. Avaliar nível de consciência e se há agitação  A gasometria arterial é o exame mais importante
psicomotora ou distúrbios de ansiedade; para o diagnóstico do distúrbio ácido-básico:
Valores normais da gasometria arterial
Parâmetro Valores de referência
pH 7,35 a 7,45
pO2 (mmHg) 80 a 100
pCO2 (mmHg) 35 a 45
Bicarbonato (mEq/L) 22 a 26
Excesso de base – BE (mEq/L) 0 ± 2,5
Saturação de O2 > 92%
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 Diante de um distúrbio ácido-básico, são exames da albumina e do fósforo pode ser adicionada ao Cl-
úteis para o diagnóstico etiológico: e HCO3-, como ânions totais.
1. Função renal;  O lactato também pode ser considerado e a
2. Sódio, potássio e cloro; resultante, chamado de “AG corrigido” (cAG) deve
3. Fósforo e albumina; ser próximo de zero:
4. Lactato arterial; cAG = (Na++ K+) – [Cl- + HCO3- + 2 (albumina) + 0,5
5. Glicemia; (fósforo) + lactato]
6. Cetoácidos (urina e/ou sangue);  As acidoses metabólicas são classificadas de
7. Em algumas circunstâncias: perfil toxicológico; acordo com o AG:
8. Radiografia de tórax e ECG. 1. Com AG elevado, por acúmulo de ácidos não
mensurados (lactato, sulfatos, corpos
ACIDOSE METABÓLICA E O ÂNION GAP cetônicos etc.); ou
2. Com AG normal, por perda de bicarbonato ou
 Para a investigação etiológica da acidose
acúmulo de cloro pelo sistema gastrintestinal.
metabólica, o primeiro passo é o cálculo do ânion gap.
 Na acidose metabólica por acúmulo de ácidos não
 O ânion gap (AG) é estimado a partir da diferença
mensurados, há, simultaneamente, redução do
entre as concentrações séricas de cátions (Na+ e K+) e
bicarbonato e ausência da elevação do cloro,
ânions (Cl- e HCO3-) rotineiramente dosados.
determinando um aumento do AG.
 Pelo fato de não poder haver nenhuma
 Já quando o distúrbio primário é a perda
diferença efetiva (pelo princípio da
intestinal ou renal de bicarbonato (diarreia,
neutralidade elétrica), esta medida reflete os
acidose tubular renal), o cloro é reabsorvido
chamados íons “não mensuráveis”.
em excesso, mantendo o AG normal.
 Normalmente esta diferença ou gap é
 Nos casos de acidose com AG normal, pode-se
representada pela porção ionizada dos ácidos
calcular o ânion gap urinário (AGurinário) para definir
fracos (A-), principalmente a albumina, e em
se a perda de bicarbonato é renal ou extrarrenal, de
menor proporção, o fósforo.
acordo com a fórmula:
 Quando o AG é maior do que o que é
AGurinário (mEq/L)= Na+ + K+ - Cl-
produzido a partir da albumina e do fósforo,
 Normalmente o ânion gap urinário tem seu valor
outros ânions, como lactato ou corpos
positivo ou próximo a zero.
cetônicos, devem estar presentes em
 Na acidose metabólica, a excreção de NH4+ (e Cl-
quantidades maiores do que as habituais.
para manter a eletroneutralidade) aumenta
 Na prática, o AG é calculado com a seguinte
significativamente se o mecanismo de acidificação
fórmula:
estiver preservado, resultando em valores de AG
AG = (Na+ + K+) – (Cl- + HCO3-)
urinário negativos.
 Por causa de sua baixa concentração no meio
 Em comparação, quando houver prejuízo na
extracelular, o K+ freqüentemente é omitido dos
excreção de H+ e NH4+, como na acidose tubular
cálculos.
renal tipos 1 e 4, o AG urinário terá valores
 Os valores de referência para a maioria dos
positivos.
laboratórios são 12 ± 4 mEq/L (se o K+é considerado) e
 Valores positivos do ânion gap urinário indicam que
8 ± 4 mEq/L (se o K+ não é considerado).
a acidose tem origem renal, enquanto valores
 Estes valores são válidos desde que a albumina e o
negativos indicam acidose extrarrenal (geralmente
fósforo, os dois maiores constituintes de A-, sejam
intestinal).
normais.
 Outro conceito importante é a relação Δ ânion gap
 Isto é verdadeiro para a maioria dos indivíduos
/ Δ [HCO3] para diagnóstico de distúrbios metabólicos
saudáveis.
associados:
 Entretanto, em pacientes criticamente doentes,
1. Δ ânion gap / Δ [HCO3-] = 1 a 2: toda a
estes parâmetros podem estar grosseiramente
variação do bicarbonato é explicada pela
alterados, levando a uma alteração na faixa de
variação do AG; neste caso, tem-se uma
normalidade para este grupo de pacientes.
acidose metabólica com AG aumentado
 Esta percepção levou alguns autores a ajustar os
isoladamente;
valores de normalidade do AG para a concentração
2. Δ ânion gap / Δ [HCO3-] ≥ 2: a variação do AG é
sérica de albumina e fósforo de cada paciente.
2 vezes maior que a variação do bicarbonato;
 Uma forma conveniente de estimar o AG é pela
neste caso, existe outro distúrbio que está
fórmula:
aumentando o bicarbonato, e, portanto
AGnormal = 2(albumina g/dL) + 0,5(fósforo mg/dL)
tornando o Δ pequeno e aumentando a
 De forma alternativa, a carga estimada proveniente
relação. Nesta situação, tem-se uma acidose
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de AG aumentado associada a uma alcalose causar um desvio da curva de dissociação
metabólica (paciente com insuficiência renal hemoglobina-oxigênio, piorando ainda mais a
na vigência de uma diarréia); disponibilidade de oxigênio para os tecidos;
3. Δ ânion gap / Δ [HCO3-] ≤ 1: a variação do 2) A cetoacidose (diabética, alcoólica ou por
bicarbonato é maior que a variação do AG; jejum prolongado) que ocorre pelo aumento
isto significa que outro distúrbio reduziu ainda do metabolismo de ácidos graxos e acúmulo
mais os níveis de bicarbonato, aumentando de acetoacetato e hidroxibutirato;
o Δ e diminuindo a relação. Neste caso, é 3) A intoxicação por salicilatos pode cursar com
possível diagnosticar a presença de acidose acidose metabólica isolada (mais observada
metabólica com AG aumentado com acidose em crianças), com alcalose respiratória
de ânion gap normal. (estimulação do centro respiratório) e com
 Existem três tipos de acidose metabólica com um distúrbio misto acidose metabólica +
aumento do AG que merecem consideração especial: alcalose respiratória. O diagnóstico pode ser
1) A acidose lática que ocorre devido ao acúmulo sugerido por história de náuseas, zumbidos e
de lactato em conseqüência de diminuição da exposição a altas doses de aspirina. O
circulação periférica (tipo A) ou do uso de tratamento deve ser feito com lavagem
algumas drogas (AZT, biguanidas), gástrica, administração de carvão ativado e
insuficiência hepática ou infecção por malária alcalinização sanguínea e urinária com
(tipo B). Na acidose lática do tipo A, o uso de NaHCO3. Nos casos com insuficiência renal, o
bicarbonato deve ser evitado, pois pode tratamento dialítico deve ser incluído.
Etiologia da acidose metabólica de acordo com o ânion gap
Ânion gap elevado Acidose L-lática; acidose D-lática; insuficiência renal; cetoacidose diabética; cetoacidose
alcoólica; intoxicação por metanol (gap osmolar elevado*); intoxicação por etilenoglicol
(gap osmolar elevado*); intoxicação por salicilatos
Ânion gap normal
Causas renais Acidose tubular renal tipo 1 (distal): doenças tubulointersticiais (nefrocalcinose,
pielonefrite crônica, rim esponja medular, rejeição do enxerto renal); drogas (anfotericina,
analgésicos, ifosfamida); estados hipergamaglobulinêmicos (doença de Sjöegren,
crioglobulinemia)
Acidose tubular renal tipo 2 (proximal): primária; secundária (drogas, doença de cadeia
leve, mieloma múltiplo, doença de Wilson, cistinose, doença de Lowe)
Acidose tubular renal tipo 4 (hipo ou hipercalêmica)
Causas extrarrenais Diarreia; derivação pancreática externa; ureterossigmoidostomia; síndrome do intestino
curto
+
GAP osmolar = osmolalidade medida – osmolalidade calculada (VN < 10 mOsm/kg de H2O). Osmolalidade calculada = 2Na +
glicose/18 + ureia/5,6.
 As principais causas de alcalose metabólica são:
ALCALOSE METABÓLICA Perda gastrintestinal: remoção de
secreção gástrica; vômitos ou sucção
 A alcalose metabólica primária é caracterizada pelo
nasogástricas*; terapia antiácida;
aumento da concentração plasmática do bicarbonato
diarreia com perda de cloro.
[HCO3] associada a uma hipoventilação compensatória
Perda de Perda renal: diuréticos de alça ou
com conseqüente aumento da PCO2 (aumento de 0,7
hidrogênio tiazídicos*; excesso de
mmHg de PCO2 para cada elevação de 1 mEq/L de
mineralocorticoide*; hipercalcemia;
HCO3-).
hipercapnia crônica.
 O aumento da [HCO3] é induzido pela perda
de H+ via trato gastrintestinal (vômitos ou Movimento de H+ para o interior das
drenagem por sonda nasogástrica) ou pelo rim células; hipocalemia*
(diuréticos). Administração de bicarbonato de
Retenção de
 A alcalose metabólica também pode ser sódio; transfusão maciça de sangue;
bicarbonato
produzida pela administração de HCO3-, pelo síndrome leite-álcali.
movimento de H+ para dentro das células e Diuréticos de alça ou tiazídicos;
quando ocorre contração de volume. Alcalose de perdas gástricas em pacientes com
contração acloridria; perdas pelo suor nos
pacientes com fibrose cística.
* Causas mais importantes.

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 As secreções gástricas contêm grande quantidade  O exame físico mostra sinais de depleção de
de HCl. Para cada 1 mEq de H+secretado, 1 mEq de volume, como hipotensão postural, diminuição do
HCO-3 é absorvido pelo organismo. pulso venoso jugular e diminuição do turgor da pele.
 Em condições normais, não ocorre aumento A etiologia da alcalose metabólica quase sempre é obtida
da [HCO3], pois quantidade equivalente é pela história e pelo exame físico. A dosagem de cloro na
secretada pelo pâncreas. urina pode ser útil no diagnóstico diferencial: a presença
 No entanto, quando ocorre perda de secreção de cloro urinário baixo (< 25 mEq/L) está associada à
depleção de volume (vômitos, drenagem de sonda
gástrica, perde-se o estímulo para a secreção
nasogástrica, fibrose cística). Habitualmente, quando o
pancreática, aumentando, portanto, a [HCO3]
cloro urinário é > 40 mEq/L, os sinais de hipovolemia estão
plasmática e causando alcalose metabólica. -
ausentes e a excreção de Cl é igual à ingestão (ocorre nos
 Além disso, contribuem para o distúrbio a casos de excesso de mineralocorticoides ou sobrecarga de
contração de volume e a depleção de -
álcalis). A medida do Cl perde valor em pacientes com
potássio. defeito tubular de reabsorção, como na insuficiência renal
 O excesso de mineralocorticoide causa alcalose por ou hipocalemia grave.
meio da secreção de H+ pelo efeito da aldosterona na O tratamento deve ser direcionado para a doença de base
+
bomba H+ ATPase, ocorrendo, em contrapartida, a e deve incluir medidas que diminuam a perda de H ,
absorção de Na e HCO-3. especialmente a reposição volêmica com solução
 A hipocalemia é um potente estímulo para a fisiológica 0,9% e a reposição de potássio. As causas de
alcalose metabólica podem ser divididas em responsivas a
secreção de H+ e a reabsorção de HCO3-.
solução salina (vômitos, drenagem de sonda nasogástrica
 Durante a hipocalemia, ocorre troca de e diuréticos) e resistentes à administração de solução
H+/K+ promovendo uma acidose intracelular e salina (excesso de mineralocorticoide, hipocalemia grave,
isto promove aumento da secreção de H+. estados edematosos).
 Além disso, existe uma segunda bomba no
túbulo distal a H+/K+ ATPase, que reabsorve ACIDOSE RESPIRATÓRIA
ativamente potássio e, em troca, secreta H+.
 Os diuréticos causam aumento da secreção distal  Distúrbio caracterizado por uma redução do pH
de H+. secundária ao aumento do pCO2(hipercapnia).
 Isto ocorre por aumento da secreção da  Em situações agudas, ocorre um aumento
aldosterona, estimulado pela hipovolemia e imediato do bicarbonato, com a elevação de 1
pelo aumento do fluxo distal secundário a mEq/L para cada 10 mmHg de elevação na
inibição da reabsorção de água e NaCl. pCO2.
 Causas comuns de alcalose metabólica (vômitos,  Em casos crônicos, a pCO2persistentemente
diuréticos e hiperaldosteronismo) induzem elevada estimula a secreção renal de H+,
diretamente perda de H+ e K+. levando então a uma resposta renal
 Os sintomas podem estar relacionados à depleção compensatória. Após 3 a 5 dias, ocorre um
de volume (hipotensão, fraqueza, desidratação) ou aumento de 3,5 mEq/L no [HCO3] para cada
com hipocalemia (fraqueza muscular, poliúria, elevação de 10 mmHg no valor da pCO2, o
polidipsia). bicarbonato se eleva em até um limite
 Sintomas relacionados diretamente à aproximado de 38 mEq/L.
alcalemia são incomuns.

Causas de acidose respiratória aguda e crônica


Aguda: drogas: opioides, anestésicos e sedativos; oxigênio em pacientes com hipercapnia crônica;
Inibição do centro
parada cardíaca; apneia obstrutiva do sono.
respiratório
Crônica: obesidade mórbida (síndrome de Pickwick); lesões do SNC (raro); alcalose metabólica.
Aguda: crise miastênica, paralisia periódica, aminoglicosídios, síndrome de Guillain-Barré,
Alterações na musculatura
hipocalemia ou hipofosfatemia graves.
respiratória e parede
Crônica: fraqueza muscular: poliomielite, esclerose lateral amiotrófica, mixedema; cifoescoliose;
torácica
obesidade mórbida.
Obstrução de vias aéreas
Aguda: aspiração de corpo estranho ou vômitos; apneia obstrutiva do sono; laringoespasmo.
superiores
Distúrbios das trocas Aguda: exarcebação de alguma doença pulmonar de base; SARA; edema agudo pulmonar
gasosas nos capilares cardiogênico; asma grave, pneumonia; pneumotórax e hemotórax.
pulmonares Crônica: doença pulmonar obstrutiva: enfisema, bronquite; obesidade mórbida.
Ocorre quando a taxa de ventilação alveolar efetiva está reduzida. Exemplo: ventilação fixa, com
Ventilação mecânica produção de CO2 aumentada – uso de bicarbonato de sódio em acidose lática durante
ressuscitação cardiopulmonar.
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 Os sintomas variam de acordo com o tempo de (resposta compensatória), isso ocorre por aumento do
instalação (aguda x crônica). volume-minuto pulmonar acima do necessário para a
 Nos casos agudos, os pacientes podem eliminação do CO2 produzido nos tecidos, levando à
apresentar alterações neurológicas (cefaléia, redução do CO2 e, conseqüentemente, aumento do
visão borrada, delirium, sonolência – narcose, pH.
inclusive papiledema); arritmias e  Esta hiperventilação pode ser secundária a
vasodilatação periférica. aumento do drive inspiratório (voluntário,
 Nos casos crônicos, os sintomas são bem ansiedade, febre, hemorragia subaracnoide,
menos freqüentes, geralmente estão meningite, tumores cerebrais, intoxicação por
associados a quadros de cor pulmonale e drogas), doenças respiratórias (asma,
edema periférico. pneumonia, edema pulmonar) ou devido à
O diagnóstico é feito pela presença de um pH baixo hipóxia tecidual (altitudes elevadas,
associado a hipercapnia. cardiopatias cianóticas, anemia severa,
O tratamento deverá ser sempre direcionado para a causa choque séptico).
específica (suporte ventilatório, uso de antídotos  Nas alcaloses respiratórias crônicas, a resposta
específicos etc.). Raramente, é necessária a administração compensatória renal promove um aumento da fração
de bicarbonato de sódio, até porque tal tratamento pode
de excreção de bicarbonato, ocorre a redução de 4
induzir uma acidose paradoxal por aumento da produção
de CO2.
mEq/L no valor do bicarbonato para cada 10 mmHg
no valor da pCO2.
ALCALOSE RESPIRATÓRIA  Nos quadros agudos, ocorre a redução de 2 mEq/L
no valor do bicarbonato para cada 10 mmHg no valor
 Distúrbio caracterizado pelo aumento do pH da pCO2. Modificações no bicarbonato além deste
arterial, hipocapnia e redução do [HCO3] plasmático valor sugerem um distúrbio metabólico associado.

Causas de alcalose respiratória


Doenças pulmonares: pneumonia, fibrose intersticial, embolia e edema; insuficiência
Hipoxemia
cardíaca congestiva; hipotensão ou anemia grave; altas altitudes.
Além da hipoxemia, existem receptores mecânicos que estimulam o centro respiratório
Doenças pulmonares
através do nervo vago.
Hiperventilação voluntária ou psicogênica; insuficiência hepática; septicemia por Gram-
Estimulação direta do
negativos; intoxicação por salicilatos; gravidez e fase luteínica do ciclo menstrual
centro respiratório
(progesterona); distúrbios neurológicos, AVC, tumores pontinos.
A alcalose respiratória pode ser revertida aumentando o espaço morto, reduzindo o volume
Ventilação mecânica
corrente ou a frequência respiratória.

 Os sintomas produzidos pela alcalose respiratória


estão relacionados ao aumento da irritabilidade do
sistema nervoso periférico e central com vários
sintomas de acometimento neurológico (alteração da
consciência, parestesias, espasmo carpopedal,
vertigens, entre outros).
 Além disso, a alcalose respiratória pode levar
a diminuição do fluxo sanguíneo cerebral e
arritmias cardíacas.
 Um sinal clínico importante é a taquipneia.
O diagnóstico é feito pela análise da gasometria arterial e
a etiologia deve ser investigada pela história clínica. O
tratamento deve ser sempre direcionado para a correção
do distúrbio primário (melhora do estado circulatório,
suplementação de oxigênio, controle térmico etc.). Na
hiperventilação primária, deve-se fazer o paciente respirar
dentro de um saco de papel, melhorando a hipocapnia.

102
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
Gap urinário = uNa+ + uK+ - uCl-

GASOMETRIA ARTERIAL - ROTEIRO (RIELLA)

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Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
104
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
SÍNDROMES GLOMERULARES (MUNDIM, WORONIK)

 O acometimento glomerular pode ocorrer tanto  Há algumas poucas situações, nas quais a
em doenças sistêmicas, situação na qual a biópsia renal não é necessária:
glomerulopatia é dita secundária (nefrite lúpica,  Assim, a síndrome nefrótica em crianças pode
nefroesclerose diabética etc.), como em doenças prescindir da realização inicial de biópsia
originárias do rim, situação na qual a glomerulopatia é renal, uma vez que a doença de lesões
dita primária. mínimas é preponderante nesta faixa etária,
 Independentemente do mecanismo da lesão permitindo o início de tratamento com
envolvido, a lesão glomerular é acompanhada por corticóide mesmo sem a realização da biópsia.
alterações na função, estrutura e permeabilidade do  Na síndrome nefrítica aguda com
glomérulo, levando à passagem anormal de proteínas características clínicas e laboratoriais muito
e de outros elementos, redução variável na função de sugestivas de glomerulonefrite pós-
filtração glomerular, além de distúrbios na excreção estreptocócica, particularmente se em
de sódio e água. situação de epidemia, a biópsia pode ser
 Tanto na forma primária como na secundária, a indicada apenas naqueles casos de evolução
lesão ao glomérulo se manifesta por meio de alguns desfavorável.
sintomas e sinais:  A biópsia renal também não costuma ser
a) Proteinúria: decorrente do aumento de necessária em pacientes com quadro clínico
permeabilidade glomerular; muito sugestivo de nefropatia diabética, ou
b) Hematúria: decorrente da inflamação da seja, naqueles com diabetes de longa data e
parede capilar; com sinais de lesão em outros órgãos-alvo.
c) Elevação de ureia e creatinina: decorrente da  A biópsia também não está rotineiramente
queda no ritmo de filtração glomerular; indicada em pacientes assintomáticos com
d) Oligúria ou anúria: a depender da intensidade doença glomerular leve (p.ex., hematúria
da inflamação glomerular e queda do ritmo de isolada), dado o prognóstico favorável deste
filtração glomerular; tipo de lesão.
e) Hipertensão: decorrente, habitualmente, da  Em todas as outras situações, a biópsia renal é
retenção de fluido (sal e água) pelo rim. imperativa!
 De uma forma geral, o achado de sinais e sintomas
sugestivos de doença glomerular requer, do ponto de
vista diagnóstico, a realização de biópsia renal.
Síndromes clínicas e doenças (histopatologia)
Nefropatia da membrana basal fina
Hematúria microscópica Nefropatia da IgA
assintomática Glomerulonefrite membranoproliferativa
Síndrome de Alport
Nefropatia da membrana basal fina
Hematúria macroscópica recorrente Nefropatia da IgA
Síndrome de Alport
Glomerulonefrite proliferativa difusa aguda (pós-estreptocócica, pós-estafilocócica)
Glomerulonefrite proliferativa difusa ou focal; nefropatia da IgA; síndrome de Henoch-
Síndrome nefrítica Schöenlein; nefrite lúpica
(glomerulonefrite aguda) Glomerulonefrite membranoproliferativa tipo 1
Glomerulonefrite membranoproliferativa tipo 2
Glomerulonefrite fibrilar
Glomerulonefrite de imunocomplexos
GN rapidamente progressiva (GN
Glomerulonefrite relacionada a ANCA
crescêntica)
Glomerulonefrite antimembrana basal glomerular
Glomeruloesclerose segmentar e focal
Proteinúria assintomática
Glomerulonefrite membranosa
Doença de lesões mínimas
Glomerulonefrite membranosa
Síndrome nefrótica
Glomeruloesclerose segmentar e focal
Glomerulonefrite proliferativa mesangial
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Glomerulonefrite membranoproliferativa tipo 1
Glomerulonefrite membranoproliferativa tipo 2
Glomerulonefrite fibrilar
Glomeruloesclerose diabética
Amiloidose
Doença de depósito de cadeia leve
Doença renal crônica estágios IV e V Glomerulonefrite crônica esclerosante
qual a hematúria macroscópica ocorre 2 a 3
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS semanas após o quadro infeccioso,
geralmente de etiologia estreptocócica.
HEMATÚRIA MICROSCÓPICA ASSINTOMÁTICA
GLOMERULONEFRITE AGUDA OU SÍNDROME
 Caracteriza-se pelo achado de hematúria isolada
NEFRÍTICA
ao exame de urina, portanto sem a presença de
proteinúria, alteração da função renal ou  As doenças que produzem inflamação glomerular
manifestações sistêmicas de edema e hipertensão. aguda são aquelas que se exteriorizam de forma mais
 É um achado comum, pois ocorre em 5 a 10% da exuberante com síndrome nefrítica, caracterizada por
população, sendo, em sua maioria, de causa urológica. edema, hipertensão, hematúria e graus variáveis de
 Em pacientes acima de 40 anos de idade com insuficiência renal, além de proteinúria pouco intensa
micro-hematúria persistente isolada sem evidência de (< 3 g/dia).
origem glomerular, a cistoscopia é mandatória para  São chamadas de difusas quando o acometimento
excluir a malignidade uroepitelial. glomerular ocorre em mais de 50% do total de
 Entre as hematúrias isoladas, apenas 10% ou glomérulos da biópsia, e denominadas focais quando
menos são causadas por glomerulopatias. há menos de 50% de glomérulos acometidos.
 Portanto, a investigação urológica é  Neste grande grupo de doenças, as causas
obrigatória, e o achado de hemácias imunológicas são as mais comuns, como nefrite
dismórficas, quando presente, sugere o lúpica, nefropatia por IgA e glomerulonefrite difusa
diagnóstico de glomerulopatia. aguda pós-infecciosa.
 Para o diagnóstico das glomerulopatias mais
HEMATÚRIA MACROSCÓPICA RECORRENTE comuns que se exteriorizam sob a forma nefrítica, os
 Nesta circunstância, o paciente relata o achado de aspectos clínico-sorológicos mais importantes são:
urina de tom marrom, sendo rara a presença de Doença Associação Teste sorológico
coágulos. Glomerulonefrite Faringite,
ASLO
 A hematúria macroscópica deve ser pós-estreptocócica impetigo
distinguida de outras causas de urina marrom Hemocultura, C3
Endocardite Sopro, febre
diminuídos
ou vermelha, incluindo hemoglobinúria,
Hidrocefalia Hemocultura, C3
mioglobinúria, porfiria, consumo de comidas Shunt
tratada diminuídos
com corantes, particularmente beterraba, e
Hemocultura, C3
consumo de drogas, em particular a Abscesso História
e C4 normais
rifampicina. Glomerulopatia da Infecções IgA sérica
 A hematúria macroscópica requer avaliação IgA respiratórias aumentada
urológica incluindo cistoscopia em qualquer idade, a Lúpus eritematoso Artrite, rash FAN/Anti-DNA, C3
menos que a história seja característica de hematúria sistêmico malar e C4diminuídos
glomerular.
 A hematúria recorrente é, em geral, episódica, A apresentação clássica da síndrome nefrítica é vista na
relacionada a infecções do trato respiratório e/ou glomerulonefrite difusa aguda pós-estreptocócica em
exercício físico, autolimitada, ocorrendo mais em crianças. Estas crianças geralmente apresentam-se com
adolescentes e adultos jovens. oligúria, ganho de peso e edema generalizado de
 As causas mais frequentes são nefropatia por IgA, apresentação aguda (poucos dias). O exame de urina
glomerulopatia da membrana basal fina, assim como revela proteinúria, hematúria e, comumente, a presença
de cilindros hemáticos. A proteinúria ocorre
síndrome de Alport e suas variantes.
habitualmente em valor não nefrótico e a albumina sérica
 Na nefropatia da IgA, a hematúria é franca,
é geralmente normal. O volume circulante está
episódica e ocorre geralmente um dia após aumentado, causando hipertensão e, eventualmente,
infecção respiratória de vias áreas superiores. edema pulmonar sem evidência de doença cardíaca
Difere, portanto, da manifestação de primária.
glomerulonefrite difusa aguda (GNDA), na

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GLOMERULONEFRITE RAPIDAMENTE  Para o diagnóstico das doenças glomerulares que
PROGRESSIVA se apresentam sob a forma rapidamente progressiva,
os aspectos clínico e sorológico mais importantes são:
 Aqui as manifestações são as de síndrome Doença Associação Teste sorológico
nefrítica, mas associadas à perda rápida da função Anticorpo
Doença de Hemorragia
renal (dias ou semanas). antimembrana
Goodpasture alveolar
 A lesão histológica responsável pela natureza basal (anti-MBG)
agressiva da lesão é a crescente glomerular. Granulomatose Sinusite, perfuração ANCA C
 A crescente decorre da proliferação das de Wegener de septo (citoplasmático)
células epiteliais da cápsula de Bowman, Poliangeíte Envolvimento ANCA P
promovida pelo intenso processo inflamatório microscópica multissistêmico (perinuclear)
que ocorre no glomérulo, sendo o macrófago Vasculite pauci- Somente ANCA P
uma célula particularmente importante em imune envolvimento renal (perinuclear)
sua gênese. Lúpus FAN/Anti-DNA,
Envolvimento
eritematoso C3 e C4
 Quando há mais de 50% de glomérulos sistêmico
sistêmico diminuídos
acometidos por crescentes, o diagnóstico
C3 diminuído, C4
histopatológico é de glomerulonefrite GN pós-
Faringite/impetigo normal e ASLO
crescêntica, que se expressa clinicamente por estreptocócica
elevado
perda rápida e intensa da função renal. Nefropatia
 Portanto, existe correlação clínica entre IgA sérica
IgA/púrpura de Dor
aumentada, C3 e
número de crescentes e gravidade da doença. Henoch- abdominal/púrpura
C4 normais
 Assim, doenças com mais de 80% de Schönlein
crescentes se exteriorizam, geralmente, por Hemocultura, C3
insuficiência renal dialítica. Endocardite Sopro/bacteriemia diminuído, C4
A causa mais comum desta forma de normal
glomerulonefrite crescêntica é a
vasculite. PROTEINÚRIA ASSINTOMÁTICA
Doenças de imunocomplexos, como  É definida quando existe proteinúria isolada em
nefropatia de IgA e nefrite lúpica, valores acima de 150 g/dia e abaixo de 3 g/dia na
expressam-se mais comumente com ausência de outros achados urinários, como
número menor de crescentes e, hematúria, e, também, sem sinais ou sintomas
portanto, quadro clínico renal mais sistêmicos, como edema e/ou hipertensão.
brando.  É, portanto, um diagnóstico feito por exame
 A resolução (involução) dos crescentes de urina.
depende, entre outros fatores, da sua idade  As doenças mais frequentes neste grupo são a
histológica, ou seja, sua natureza epitelial ou glomeruloesclerose segmentar e focal e a
fibroblástica. glomerulonefrite membranosa, de evolução benigna,
 São três os grupos mais frequentes de doenças que a menos que mudem suas características clínicas com
se apresentam como glomerulonefrite rapidamente o desenvolvimento de hipertensão ou proteinúrias
progressiva: glomerulonefrite antimembrana basal nefróticas.
glomerular, glomerulonefrite de imunocomplexos e A microalbuminúria é definida como a excreção de 30
glomerulonefrite relacionada a ANCA. a 300 mg de albumina/dia (equivalente à relação
 As formas relacionadas a ANCA podem se albumina/creatinina urinária entre 0,03 e 0,3). Este
apresentar com manifestações sistêmicas de parâmetro também é utilizado para identificar o risco de
Wegener, poliangeíte microscópica e Churg- desenvolvimento de nefropatia em pacientes diabéticos,
Strauss, ou ter manifestação exclusivamente assim como risco cardiovascular em pacientes hipertensos.
renal. O achado de pequenas quantidades de albumina também
 A forma relacionada ao anticorpo pode ocorrer em certas situações funcionais, não
antimembrana basal glomerular pode se patológicas, como febre ou estados hiperadrenérgicos,
sendo denominada de proteinúria funcional, que também
apresentar como doença de Goodpasture ou
pode ser desencadeada pela posição ortostática e
sem sinais de comprometimento pulmonar.
deambulação, quando é chamada de ortostática.
 As doenças de imunocomplexos mais
 O achado de outras proteínas urinárias, que não a
comumente encontradas são a nefrite lúpica,
albumina, tem significado fisiopatológico próprio.
a crioglobulinemia (sendo a forma mais
 Assim, a proteinúria tubular, constatada pelo
comum à secundária ao vírus da hepatite C) e
achado urinário de beta-2-microglobulina,
a nefropatia da IgA.
retinol binding protein (RBP) ou de outras
107
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proteínas de baixo peso molecular, é DOENÇA RENAL CRÔNICA (ESTÁGIOS IV E V)
característica de doenças com
comprometimento tubulointersticial, seja de  A maioria das glomerulopatias, com exceção da GP
natureza primária ou secundária à de lesões mínimas e da nefropatia da membrana basal
glomerulopatias (p.ex., GESF). fina, pode evoluir para lesão glomerular crônica
 A proteinúria encontrada em estados de esclerosante, com manifestações clínicas de
hiperprodução de proteínas, particularmente cadeias insuficiência renal.
leves de globulinas, filtradas pelo glomérulo, é  Estatísticas brasileiras do Ministério da Saúde
característica de paraproteinemias e deve ser mostram que as glomerulonefrites são, no momento
pesquisada adequadamente, já que as proteínas não (artigo de 2010), a segunda causa de doença renal
são detectadas por testes laboratoriais que detectam crônica terminal no país, atrás apenas da hipertensão
somente albumina. arterial.
 Quanto à indicação de biópsia renal em proteinúria
assintomática, geralmente, ela não está indicada, DIFERENÇAS CLÍNICO-LABORATORIAIS ENTRE
sobretudo se a proteinúria for inferior a 1 g/dia. SÍNDROMES NEFRÍTICA E NEFRÓTICA

SÍNDROME NEFRÓTICA  O diagnóstico clínico das síndromes nefrítica e


nefrótica freqüentemente não é fácil, pela
 É uma síndrome clínico-laboratorial decorrente do superposição de sintomas e sinais entre as duas
aumento de permeabilidade às proteínas plasmáticas, síndromes.
caracterizando-se por proteinúria acima de 3,5 g/1,73  Como orientação diagnóstica, algumas diferenças:
m2 de superfície corpórea/dia, com conseqüente Síndrome Síndrome
Sintoma/sinal
hipoalbuminemia e edema. nefrótica nefrítica
 O achado de hiperlipidemia não é obrigatório, Instalação Insidiosa Abrupta
porém é muito comum, assim como os distúrbios Edema ++++ ++
relacionados à hipercoagulabilidade por perda de Pressão arterial Normal Alta
fatores de coagulação, a desnutrição protéica e a Proteinúria ++++ + ou ++
suscetibilidade às infecções.
Hematúria - ou + +++
 Dentre as glomerulopatias que mais causam
Albumina sérica Baixa Normal
síndrome nefrótica estão, entre as primárias, a
glomerulopatia de lesões mínimas, GESF e GN
GLOMERULOPATIAS E SÍNDROMES NEFRÍTICA E
membranosa, e, entre as secundárias, a
NEFRÓTICA
glomeruloesclerose diabética.
 As doenças clínicas mais comuns que se  O diagnóstico histológico de uma glomerulopatia
apresentam como síndrome nefrótica: não permite, via de regra, inferir quanto à sua
Doença Associação Teste sorológico exteriorização nefrítica ou nefrótica.
Alergia, atopia, AINE,  Assim, apenas a glomerulopatia de lesões
Lesões mínimas Nenhum
doença Hodgkin mínimas se exterioriza na forma polar
Infecção por HIV, uso nefrótica, e nenhuma glomerulopatia se
GESF de heroína, Sorologia para HIV
apresenta sempre nefrítica.
obesidade
 As doenças glomerulares que mais se
AINE, penicilamina,
hepatite B e C, lúpus
Sorologias para aproximam de formas nefríticas puras são a
GN membranosa hepatite B e C, GNDA e a GN crescêntica.
eritematoso
FAN/anti-DNA Aspectos Aspectos
sistêmico, neoplasia Doenças glomerulares
GN nefróticos nefríticos
C3 e C4 diminuídos GP lesão mínima ++++ -
membranoprolife Fator nefrítico
ou normais
rativa GP membranosa ++++ +
GN Sorologia para GESF +++ ++
membranoprolife hepatite C, fator GN fibrilar +++ ++
Hepatite C
rativa reumatoide, C3, C4 GP proliferativa
crioglobulinêmica e CH50 diminuídos ++ ++
mesangial
Mieloma, doença GN
Imunoeletroforese ++ +++
Amiloidose reumatoide, membranoproliferativa
no soro e na urina
bronquiectasia GNDA + ++++
Nefropatia GN crescêntica + ++++
Retinopatia Nenhum
diabética

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DOENÇAS GLOMERULARES (BRANDÃO, RODRIGUES, TITAN, WORONIK)

 A apresentação clínica das doenças glomerulares é fibrinogênio, fator VIII, alterações no sistema fibrinolítico
muito variada e inclui: etc.
1. Síndrome nefrótica. Particularmente em pacientes que apresentam
2. Síndrome nefrítica. glomerulonefrite membranosa, o risco de eventos
3. Doença clínica prévia ou concomitante ao tromboembólicos é aumentado.
Uma das complicações tromboembólicas é a trombose de
acometimento renal.
veia renal, que pode ser assintomática ou ocorrer com dor
4. Doente com lesão crônica e irreversível, no flanco, hematúria, piora da proteinúria e perda da
necessitando de diálise (IRC). função renal.
5. Alteração de exames complementares, sem Aterosclerose
sintomas (proteinúria e/ou hematúria). Doentes com Síndrome nefrótica têm aterosclerose
acelerada. As causas são variadas e incluem: aumento do
SÍNDROME NEFRÍTICA colesterol total, do LDL, da lipoproteína e redução do HDL.
A maior causa é o aumento da produção de lipoproteínas
 As manifestações cardinais da Síndrome nefrítica pelo fígado, induzido pela diminuição da pressão oncótica
são hematúria com dismorfismo eritrocitário, edema que ocorre nestes pacientes.
e hipertensão arterial. Infecções
 Os pacientes podem apresentar oligúria, Os pacientes apresentam perda de imunoglobulinas
proteinúria em níveis não-nefróticos e alteração da com risco aumentado de infecções por germes
função renal. encapsulados.
 Também podem apresentar um quadro de
evolução desfavorável, com piora subaguda A síndrome nefrótica pode ocorrer em função de doença
da função renal em semanas a meses, sistêmica ou pode ser a manifestação de doença primária
caracterizado por aparecimento de renal. Sua ocorrência traduz a presença de glomerulopatia,
crescentes. uma vez que a presença de proteinúria nefrótica é
Esta é a chamada glomerulonefrite praticamente patognomônica de doença glomerular
(raramente doenças túbulo-intersticiais podem cursar com
rapidamente progressiva ou
proteinúria de maior monta). A biópsia renal está indicada
crescêntica. na quase totalidade das síndromes nefróticas primárias em
 Alguns pacientes apresentam manifestações adultos e na maioria das síndromes nefróticas secundárias.
tanto de síndrome nefrítica como de A síndrome nefrótica pode ser secundária a diversas
nefrótica. doenças sistêmicas, como doenças de depósito
(amiloidose), metabólicas (nefropatia diabética),
SÍNDROME NEFRÓTICA autoimunes (LES), infecções bacterianas ou virais, drogas e
tumores sólidos ou hematopoiéticos. Pode, ainda, ser
 A Síndrome nefrótica é definida pela presença de primária, como manifestação de doença puramente renal.
proteinúria > 3,5 g/dia, edema (anasarca), As formas primárias podem ser idiopáticas ou associadas a
hipoalbuminemia e hiperlipidemia. defeitos genéticos em proteínas da barreira de filtração
 O principal definidor é a proteinúria, pois as glomerular.
outras manifestações são conseqüências  Em adultos, cerca de 30% das síndromes nefróticas
desta. estão associadas a doenças sistêmicas, principalmente
 Os pacientes apresentam-se com quadro de DM, amiloidose e LES.
edema periférico ou anasarca, podendo
apresentar hepatomegalia, por aumento de FISIOPATOLOGIA DA SÍNDROME NEFRÓTICA
produção de lipoproteínas pelo fígado.
 A barreira de filtração glomerular é composta pela
 Quando há hematúria ou hipertensão associadas
célula endotelial do capilar glomerular (a célula que
ao quadro renal, há evidências de glomerulonefrite.
entra em contato direto com o sangue a ser filtrado),
 À associação de síndrome nefrótica +
pela membrana basal do capilar, pelo podócito (célula
glomerulonefrite dá-se o nome de síndrome
epitelial visceral) e suas pedicelas e, mais
nefrítica-nefrótica.
externamente, pela célula mesangial.
 A Síndrome nefrótica cursa caracteristicamente
 A passagem de moléculas pela barreira ocorre
com algumas complicações:
através das fenestras entre as células
Eventos Tromboembólicos
endoteliais do capilar, pela membrana basal e
Ocorrem devido perdas renais de anticoagulantes
endógenos (antitrombina, proteínas C e S), aumento de pelos espaços entre as pedicelas podocitárias
(fenda podocitária).
109
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
espaço extravascular, com edema como sua
manifestação clínica.
 Há ainda uma situação de maior retenção de
sódio devido ao distúrbio primário renal, com
consequente retenção de água e agravamento
do edema.
 Estes mecanismos de formação do edema na
síndrome nefrótica também são conhecidos
como as teorias do underfill (a
hipoalbuminemia como fator primário
 Além da restrição à filtração pelo tamanho causador de edema) e de overflow (a
molecular, a barreira glomerular também é capaz de retenção de sódio e água como mecanismos
limitar a filtração por seletividade de cargas elétricas primários).
(a membrana basal é carregada negativamente). Em geral, tais mecanismos coexistem,
 Assim, proteínas grandes (> 150 kd) são com a predominância de um ou outro
dificilmente filtradas porque não passam a depender da doença em questão.
pelos orifícios da barreira e proteínas  Apesar de a albumina ser a principal proteína
negativamente carregadas (mesmo que excretada em quadros nefróticos, também há perda
pequenas), são filtradas em pouca quantidade variável de diversas outras proteínas, como
porque são repelidas pela membrana basal. imunoglobulinas, complemento, fatores inibidores da
 Graças à complexidade da barreira de coagulação (proteína C, proteína S, antitrombina III),
filtração glomerular, o rim é capaz de filtrar eritropoietina, PTH, proteína ligadora de vitamina D,
mais de 170 litros de sangue por dia e perder proteínas carreadoras de metais como ferro, zinco e
< 300 mg de proteínas em 24 horas (esta é a cobre etc.
quantidade máxima normal de proteinúria de  A perda dessas proteínas está envolvida na
um indivíduo saudável). gênese de outras complicações do quadro
 Em grande parte das doenças que levam à nefrótico, como suscetibilidade a infecções,
síndrome nefrótica, primárias ou sistêmicas, a trombofilia, anemia, desnutrição e,
agressão à barreira glomerular é de natureza possivelmente, doença óssea.
imunológica, por meio da ativação de cascata de
complemento, deposição de imunocomplexos,
infiltração do mesângio por células inflamatórias e
liberação de citocinas e fatores de crescimento.
 Em algumas doenças, há formação de
anticorpos circulantes contra estruturas
proteicas glomerulares.
 Em todos esses casos, as alterações em
membrana basal, podócito e mesângio são
secundárias a uma desregulação do sistema
imune, que pode ser de causa conhecida
(hepatite C, HIV) ou não (lesões mínimas ou
GESF primárias).
 A perda de proteínas pela urina leva a um aumento
na síntese de proteínas pelo fígado na tentativa de
compensar a perda.
 No entanto, a compensação não acontece,
restando, portanto, hipoalbuminemia em
quase todos os casos.
 Dessa forma, há aumento importante na
produção de proteínas ligadoras de colesterol
e dislipidemia (aumento significativo de LDL,
VLDL e lipoproteína A, com redução de HDL,
que é filtrado e perdido pela urina).
 A hipoalbuminemia leva à redução da pressão
oncótica dentro dos vasos, permitindo o
extravasamento de fluido e retenção de líquido no
110
Lucas Fachin – Medicina - Uniplac
Em pacientes hipertensos, obesos e diabéticos, é gamopatia monoclonal, como a amiloidose ou
sempre importante avaliar a presença de lesão em a glomerulonefrite fibrilar.
outros órgãos-alvo (p.ex., se há retinopatia  Para que se possa estabelecer a etiologia da
coexistente). A concomitância de síndrome nefrótica síndrome nefrótica, outros exames podem ser
e retinopatia diabética permite definir o quadro renal necessários:
como nefropatia diabética (mesmo sem biópsia a) Exames de função renal: creatinina, ureia,
renal) na ausência de outros achados que levem a clearance de creatinina;
pensar em outras causas de glomerulopatia. Na b) Exame de fundo de olho: na suspeita de
ausência da retinopatia, deve-se estar atento a nefropatia diabética, este exame é essencial;
outras possíveis causas de síndrome nefrótica, apesar c) Dosagem de complemento sérico (frações C3
de saber que, mesmo assim, mais de 50% destes e C4): permite diferenciar a síndrome
casos atípicos ainda apresentam a nefropatia nefrótica em dois grandes grupos:
diabética como lesão de base. 1. As glomerulopatias normocom-
plementêmicas (doença de lesões
EXAMES COMPLEMENTARES NAS mínimas, GESF, glomerulonefrite
GLOMERULOPATIAS membranosa idiopática e as doenças
de depósito, como DM, amiloidose
 A avaliação passa obrigatoriamente pelo exame de etc.); e
urina 1, que pode mostrar proteinúria e hematúria em 2. As glomerulopatias hipocomplemen-
quase 100% dos casos. têmicas (glomerulonefrite membrano-
 Pode ocorrer também leucocitúria com proliferativa, glomerulonefrite
urocultura estéril. crioglobulinêmica e as diversas
 A presença de cilindros é característica apresentações de nefrite lúpica), que
das glomerulopatias, em particular os consomem C3 e C4:
cilindros hemáticos nas síndromes nefríticas e Normocomplementêmicas Hipocomplementêmicas
os cilindros lipídicos nas síndromes nefróticas. Glomerulonefrites
 Outras alterações incluem aumento de uréia, Doença de lesões mínimas
membranoproliferativas
creatinina, hipercalemia e acidose. Glomerulonefrite
 O complemento sérico pode ser particularmente crioglobulinêmica (a
útil na diferenciação da causa da síndrome nefrítica GESF apresentação é, geralmente,
aguda: também uma
Complemento consumido Complemento normal membranoproliferativa)
Pós-estreptocócica Vasculites sistêmicas Glomerulonefrite
Nefrite lúpica
Doença de Berger (nefropatia membranosa idiopática
Lúpus Glomerulonefrite difusa
por IgA) Doenças de depósito (DM,
Crioglobulinemia Púrpura de Henoch-Schönlein aguda (consumo apenas de
amiloidose)
C3)
Doença de Goodpasture
Membranoproliferativa d) Eletroforese de proteínas no sangue e na
(anticorpos anti-MBG)
Endocardite e associada a urina, com imunofixação sérica e urinária, se
shunt houver suspeita de gamopatia monoclonal, e
 Para estabelecer o diagnóstico de síndrome mielograma, se necessário: para quantificar a
nefrótica, são necessários os seguintes exames: hipoalbuminemia e o grau de perda das
a) Análise do sedimento urinário: para avaliação imunoglobulinas, avaliar a presença de
de hematúria e cilindrúria; paraproteína e avaliar a função hepática;
b) Proteinúria de 24 horas: pode-se estimá-la e) Sorologias para hepatites B, C e HIV;
por meio da relação entre a proteinúria de f) Autoanticorpos (FAN, anti-DNA, ANCA) na
amostra isolada sobre a creatinina urinária da possibilidade de doença autoimune;
mesma amostra; g) Crioglobulinas séricas na suspeita de
c) Dosagem de colesterol total e frações; crioglobulinemia;
d) Albumina sérica: preferencialmente por meio h) Índice de seletividade (IS): apesar de não ser
da eletroforese de proteínas, pois, desta um exame diagnóstico, pode sugerir a
forma já se avalia também a presença de pico etiologia da síndrome (p.ex., habitualmente, a
monoclonal de gamaglobulinas, caso exista, o permeabilidade para imunoglobulinas é baixa
que levaria a pensar, por exemplo, no em relação à de albumina na doença de
diagnóstico de síndrome nefrótica associada a lesões mínimas, enquanto o contrário ocorre
em glomerulopatia membranosa).

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IS = [IgG] urinária X [Albumina] sérica / [IgG] discretamente mais ecogênicos que rins
sérica X [Albumina] urinária normais.
< 10%: seletivo; > 20% não seletivo. j) Ecodopplercardiograma: importante em casos
i) US renal: principalmente para avaliação de de HAS, DM, amiloidose etc;
tamanho e ecogenicidade dos rins, além de k) Biópsia renal: é necessária na maioria dos
espessura da córtex renal, informações que casos de síndrome nefrótica para elucidação
podem mostrar se o quadro renal tende a ser diagnóstica. O diagnóstico exclusivamente
agudo ou crônico. Além disso, sabe-se que os clínico da síndrome nefrótica em adultos
rins de nefropatia diabética e de amiloidose, determina um percentual não desprezível de
por exemplo, mesmo que crônicos e erro diagnóstico e, por esse motivo, a biópsia
hiperecogênicos, podem ter tamanho normal. renal tornou-se imprescindível nas
Deve-se saber que rins nefróticos são abordagens diagnósticas e terapêuticas.

CLASSIFICAÇÃO DAS GLOMERULOPATIAS

Variável Denominação
Primária: a doença é predominantemente dos rins
Etiologia
Secundária: há uma doença sistêmica causando lesão glomerular
Aguda: lesão que ocorre em dias a poucas semanas.
Subaguda ou rapidamente progressiva: lesão que ocorre em semanas a poucos
Fator tempo
meses
Crônica: lesão que ocorre durante muitos meses a anos
Quantidade de glomérulos Focal: < 50% de glomérulos acometidos
acometidos Difusa ou generalizada: > 50% de glomérulos acometidos
Acometimento de cada Segmentar: apenas parte de cada glomérulo é acometida
glomérulo individualmente Global: todas as estruturas do glomérulo são acometidas
Membranosa: acometimento predominante da membrana basal
Necrose: presença significativa de necrose glomerular
Esclerose: aumento homogêneo na quantidade de material extracelular
Denominação adicional
(composição semelhante à membrana basal ou à matriz mesangial)
Fibrose: deposição de colágeno tipos I e III, indicando processo cicatricial
Proliferação: indica aumento da celularidade glomerular
Intracapilar (endocapilar): proliferação das células do glomérulo: células
mesangiais ou células endoteliais
Padrão de proliferação
Extracapilar ou crescêntica: proliferação de células dentro da cápsula de Bowman:
células parietais epiteliais e células infiltrantes (macrófagos e fibroblastos)

PRINCIPAIS CAUSAS DAS DIFERENTES LESÕES HISTOLÓGICAS NA SÍNDROME NEFRÓTICA

Primária: idiopática
Lesões mínimas
Secundária: drogas, tumores linfoproliferativos, HIV, sífilis
Primária: idiopática; genética (mutação em nefrina, podocina etc.)
GESF (glomeruloesclerose
Secundária: obesidade, DM, HIV, uso de heroína, abuso de analgésicos,
segmentar e focal)
pielonefrite crônica
Primária: idiopática
Glomerulonefrite membranosa Secundária: hepatites B e C, LES (classe V), infecções, drogas, doenças autoimunes,
neoplasias (principalmente brônquicas, pulmonares, prostáticas e gástricas)
Com depósito de amiloide: amiloidose hereditária, mieloma múltiplo, infecções
crônicas, artrite reumatoide
Com depósito de imunoglobulina: doença de cadeia leve, doença de cadeia pesada
ou doença de cadeias leve e pesada, mieloma múltiplo, macroglobulinemia de
Glomeruloesclerose nodular
Waldenström, leucemia linfocítica crônica, gamopatia de significado
indeterminado
Com depósito não imune, não amiloide: diabetes mellitus
Com depósito de crioglobulina: crioglobulinemias primária e secundária
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Primária: idiopática
Glomerulonefrite Secundária: hepatite C (com ou sem crioglobulinemia), LES (classes III e IV),
membranoproliferativa esquistossomose, SHU, infecções, deficiência de complemento ou fator H,
paraproteinemias
Primária: idiopática
Nefropatia da IgA
Secundária: cirrose hepática, doenças autoimunes
Primária: idiopática
Glomerulopatia fibrilar ou
Secundária: tumores linfoproliferativos, mieloma, gamopatia monoclonal de
imunotactoide
significado indeterminado
 Os padrões histopatológicos podem corresponder síndrome nefrótica idiopática são a doença de lesões
tanto a doenças primárias renais quanto a doenças mínimas em crianças, a glomerulopatia membranosa
sistêmicas. (principalmente na faixa etária dos 40 anos) e a
 Em diversas doenças (como lúpus eritematoso glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) em
sistêmico, hepatite B e C, doenças adultos jovens.
linfoproliferativas etc.), mais de um tipo de  Dentre as causas secundárias, deve-se dar
lesão histológica pode ocorrer. destaque, por conta da prevalência das
 O padrão de agressão histológica é que doenças na população, à nefropatia diabética,
melhor informa sobre o prognóstico renal e o à nefropatia associada a VHC e VHB, à
tipo de tratamento a ser empregado. nefropatia lúpica, à amiloidose e às vasculites
 São diversas as causas possíveis de síndrome sistêmicas e renais.
nefrótica, sendo que as formas mais comuns de

Dados de anamnese e exame físico sugestivos da causa da síndrome nefrótica.


Manifestações Possibilidades diagnósticas prováveis
Síndrome nefrótica em criança Lesões mínimas; GESF
Síndrome nefrótica em adulto jovem
GESF; lesões mínimas; glomerulopatia membranosa; nefropatia da IgA
(função renal normal)
Síndrome nefrótica em adulto jovem + GESF (forma colapsante); nefropatia de IgA; glomerulonefrite
perda de função renal membranoproliferativa; glomerulopatia membranosa
Síndrome nefrótica em adulto jovem
Nefropatia de IgA
associada à hematúria macroscópica
LES (atentar a sintomas e sinais típicos da doença, como artrites,
Síndrome nefrótica em sexo feminino
artralgias, rash, alopecia, serosite, febre)
Glomerulopatias membranosa, membranoproliferativa, amiloidose,
Síndrome nefrótica em idoso associada à
doença de cadeia leve ou pesada, fibrilar.Investigar exaustivamente
perda variável de função renal
causas secundárias como DM, paraproteinemia, doenças tumorais etc.
Síndrome nefrótica em idoso com função
Lesões mínimas (investigar doença tumoral e medicamentos)
renal normal
Artralgias e púrpura em criança Púrpura de Henoch-Schönlein
LES, crioglobulinemia primária ou secundária (hepatite C), raramente
Artralgias e púrpura em adulto jovem
púrpura de Henoch-Schönlein
Artralgias e púrpura em idoso Vasculites, crioglobulinemia
Síndrome nefrótica associada a doenças linfoproliferativas,
Linfonodomegalia
micobacterioses, LES
Síndrome nefrótica associada a doenças linfoproliferativas,
Hepatoesplenomegalia
esquistostossomose, hepatites B e C
Hipotensão postural (em euvolemia) Nefropatia diabética; amiloidose
Retinopatia diabética Nefropatia diabética
Insuficiência cardíaca DM, HAS, doenças de depósito (amiloidose, doença de Fabry)
Lesões mínimas: AINH, interferon, lítio, rifampicina, sais de ouro,
metimazol
Medicamentos
GESF: analgésicos
Membranosa: mercúrio, D-penicilamida, sais de ouro, captopril, AINH

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LESÕES MÍNIMAS ou não a perda de função renal e hipertensão (HAS
em 30% dos pacientes).
 A doença também é conhecida como doença de Nil  Diferentemente da doença de lesões mínimas, a
ou nefrose lipídica. remissão espontânea é rara e pode haver perda
 Não costuma cursar com sedimento urinário ativo definitiva de função renal em 30 a 55% dos casos após
(cilindros hemáticos ou dismorfismo) e pode causar 10 anos.
hematúria discreta em 30% dos doentes.  A GESF secundária pode ocorrer em uma série de
 Raramente causa hipertensão (< 30% dos doentes). situações clínicas, sendo a hiperfiltração glomerular
 A maioria dos pacientes apresenta proteinúria um denominador comum: DM, HAS, hipoplasia renal,
pura, mas pode ocorrer hematúria microscópica. rim único congênito, nefropatia de refluxo
 A presença de hematúria macroscópica deve vesicoureteral, em doador de transplante renal.
levantar a possibilidade de outros Pode ser considerada a via final comum de vários
diagnósticos. processos patogênicos, sendo que doenças que promovem
 Os pacientes apresentam glomérulo normal na hipertrofia glomerular ou causam perda de néfrons
microscopia óptica, mas, na microscopia eletrônica, predispõem à GESF, induzida pela hipertensão
pode-se observar fusão de podócitos. intraglomerular.
 Representa cerca de 20% das síndromes nefróticas  A biópsia renal de pacientes com GESF revela a
em adultos e pode ter início abrupto com quadro de presença de lesões escleróticas focais (não acometem
anasarca. todos os glomérulos) e segmentares (não acometem
 Em crianças, é a forma mais comum de todo o glomérulo).
Síndrome nefrótica, com predomínio no sexo  A imunofluorescência revela
masculino com relação 2:1 e pico de caracteristicamente a presença de C3 e IgM,
incidência aos 4 anos. possivelmente em decorrência de trapping,
 Pode ser idiopática, mas é descrita associação inespecífico.
ao uso de AINE, ampicilina ou a neoplasias  A microscopia eletrônica revela alterações
(principalmente doença de Hodgkin, mas podocitárias muito semelhantes àquelas
também em carcinomas). encontradas na doença de lesões mínimas.
 Também é descrita após infecções como  A GESF apresenta algumas variantes como a forma
mononucleose e HIV e após exposição a peri-hilar, celular, tubulointersticial e colapsante.
toxinas como chumbo, mercúrio e  A forma colapsante apresenta perda das
provenientes de picadas de insetos. formas diferenciadas dos podócitos e colapso
 O curso clínico costuma ser de remissões e capilar com esclerose.
recidivas, embora raramente leve à diálise.  O tratamento é com corticoide (prednisona 1 a 2
 Os pacientes são altamente responsivos aos mg/kg), geralmente por muitos meses.
corticoides, com melhora em 75 a 85%.
Sua apresentação clínica é a de uma síndrome nefrótica GLOMERULONEFRITE MEMBRANOSA
franca, com a presença de anasarca, complicações
 Representa a causa mais comum de Síndrome
infecciosas (principalmente pneumonias e peritonites) e
trombóticas. Raramente, pode haver hematúria. A nefrótica em adultos, correspondendo a cerca de 40%
hipertensão arterial também não é habitual, mas pode dos casos.
estar presente em até 30% dos casos, principalmente em  Na maioria das vezes é primário, porém lúpus,
adultos jovens. Não é rara a ocorrência de necrose tubular hepatite B e C, lues, malária e carcinomas podem
aguda em pacientes portadores de doença de lesões estar entre as causas secundárias.
mínimas, em decorrência da hipovolemia que alguns  Este tipo de glomerulonefrite é caracterizado pelo
pacientes com hipoalbuminemia mais grave apresentam. A depósito de imunocomplexos no espaço subepitelial
doença não cursa com depósito renal de imunocomplexos do capilar glomerular e pode ocorrer em associação a
e o complemento sérico é normal.
um grande número de condições clínicas:
Idiopática
GLOMERULOESCLEROSE SEGMENTAR E FOCAL
LES e mais raramente artrite
(GESF) Doenças reumatoide, Sjöegren,
autoimunes cirrose biliar 1º, penfigoide
 Doença predominante no adulto jovem
bolhoso etc.
(responsável por até 20% das causas de síndrome Secundária Hepatites B e C,
nefrótica em adulto). Infecções tuberculose, hanseníase,
 Em 10 a 30% dos pacientes, nota-se apenas a filaríase, esquistossomose
presença de proteinúria (manifestação mais comum) Penicilamina, ouro, anti-
não nefrótica (pode ser desde discreta até níveis Drogas
inflamatório não hormonal
nefróticos, podendo cursar com hematúria), associada
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Tumores sólidos se dá principalmente por achados
(principalmente brônquicos, anatomopatológicos:
pulmonares, prostáticos e Tipo Etiologias
Outros gástricos) e
GNMP tipo 1 (a mais
linfoproliferativos, comum): mediada por
sarcoidose, anemia imunocomplexos – ativação
falciforme (raro) etc. da via clássica do
complemento e consumo de
O fato de a doença ser desencadeada por diversas C3 e C4
infecções virais e por algumas drogas, assim como a Hepatites B e C, LES,
presença de imunocomplexos na biópsia, sugerem que a Com crioglobulinemia endocardite, doenças
doença seja de natureza imunológica. Os achados linfoproliferativas
histopatológicos consistem inicialmente de deposição de Hepatites B e C, HIV,
imunocomplexos subepiteliais, melhor visualizados à endocardite, infecção de
microscopia eletrônica, com microscopia óptica shunt, deficiência
praticalmente normal. Na segunda fase, notam-se Sem crioglobulinemia congênita de complemento
espículas e espessamento da membrana basal (daí o nome (LES-like), cirrose hepática,
da doença), facilmente visualizáveis à microscopia óptica. tumores sólidos e doenças
Conforme há agravamento da lesão em membrana basal e linfoproliferativas, SHU
intensificação dos depósitos epiteliais, nota-se o terceiro
Presença de fator nefrítico,
grau de lesão histológica, caracterizado por espessamento GNMP tipos 2: ativação da
um autoanticorpo que se
exuberante da membrana basal, gerando o aspecto “em via alternativa do
liga à C3-convertase da via
trilho de trem”. Os achados de imunofluorescência são complemento e consumo
alternativa e degrada C3
variáveis, a depender da etiologia da nefrite. Assim, a apenas de C3
continuamente
forma idiopática cursa com depósitos de IgG e C3. A
GNMP tipo 3:
presença de imunoflourescência mais rica, com depósitos
hipocomplementemia é
de IgA e IgM, além de IgG e C3, sugere o diagnóstico de Fator nefrítico ausente
infrequente (quando
glomerulonefrite membranosa lúpica.
presente, C4 é normal)
 O curso clínico é extremamente variável. Cerca de
 Representa menos de 5% dos casos de Síndrome
1/3 dos pacientes atingem remissão espontânea, 1/3
nefrótica em adultos.
apresenta proteinúria persistente sem insuficiência
 A doença pode se manifestar de diversas formas,
renal importante e os outros evoluem em insuficiência
variando desde quadros de hematúria e proteinúria
renal terminal em 5 a 10 anos.
isoladas, até glomerulonefrite aguda e síndrome
 Devido a este curso variável, é difícil
nefrótica franca (corresponde a 30 a 40% dos casos de
estabelecer o tratamento nestes pacientes.
GNMP).
 São considerados fatores de risco de má
 Sintomas sistêmicos, como artralgias,
evolução clínica: proteinúria > 8 g/dia
púrpura, neuropatia e vasculites, podem
persistente, persistência de quadro nefrótico,
ocorrer quando há presença de crioglobulinas,
sexo masculino, idade, presença de
principalmente se em título elevado.
hipertensão arterial e biópsia renal já com
 Laboratorialmente, além dos achados renais de
achados de esclerose glomerular e fibrose
hematúria, proteinúria, hipertensão (até 80% dos
túbulo-intersticial.
casos) e perda variável de função renal, há consumo
 O que a maioria dos autores recomenda é
de complemento.
reservar tratamento agressivo para pacientes
 Na doença crioglobulinêmica, nota-se
com fatores de risco para progressão para a
hipocomplementemia grave, às custas de C4.
insuficiência renal.
 Exames como sorologias para hepatites C e B,
 IECA, diuréticos, imunossupressores e
HIV, pesquisa de crioglobulinas, fator
restrição protéica.
antinúcleo e fator reumatoide fazem parte da
GLOMERULONEFRITE avaliação etiológica na GNMP.
 Exames específicos para avaliar presença de
MEMBRANOPROLIFERATIVA (GNMP)
Schistossoma mansoni, deficiência de alfa-1-
 A glomerulonefrite membranoproliferativa antitripsina ou outras causas raras de
(GNMP) também consiste num padrão de resposta hepatopatia, fator nefrítico, deficiência de
histológica renal comum a uma série de doenças fator H ou sinais de microangiopatia
clínicas. Assim, pode ser considerada uma síndrome trombótica devem ser solicitados quando
clínica, que requer uma investigação etiológica clinicamente pertinentes.
cuidadosa. A diferenciação entre GNMP tipos 1, 2 e 3  Histologicamente, a GNMP tipo 1 caracteriza-se
por hipercelularidade mesangial, muitas vezes
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acompanhada de infiltração leucocitária, proliferação Essas fases são marcadas por perda
e espessamento da matriz mesangial, gerando mais acelerada de filtração glomerular
posteriormente aspecto nodular. e morbimortalidade cardiovascular.
 A imunofluorescência na GNMP tipos 1 e 3 é  Histologicamente nota-se rim praticamente
variável, usualmente positiva para IgG, IgM e C3. Na normal, com espessamento da membrana basal à
GNMP tipo 2, a IF costuma ser positiva apenas para microscopia eletrônica.
C3, dado que ajuda no diagnóstico desta entidade.  Posteriormente, a lesão evolui com
 O prognóstico renal na GNMP não é bom, com até hipercelularidade mesangial e expansão de
50% dos pacientes evoluindo para doença renal matriz que, quando mais intensa, dá ao
crônica (DRC) terminal no período de 5 a 10 anos. glomérulo o aspecto lobulado da
 Como em outras glomerulopatias, são glomeruloesclerose nodular (lesão de
considerados fatores de risco para Kimmestiel-Wilson).
progressão: idade, proteinúria nefrótica,  A imunofluorescência é negativa.
elevação de creatinina, biópsia renal  A região túbulo-intersticial mostra sinais de
contendo crescentes ou fibrose túbulo- fibrose, alteração que guarda correlação
intersticial. estreita com o grau de insuficiência renal.
 A biópsia renal não é necessária quando há indícios
GLOMERULOESCLEROSE NODULAR claros de nefropatia diabética.
 Por outro lado, se o diagnóstico
 A glomeruloesclerose nodular também
clínico/laboratorial for duvidoso, a biópsia
compreende uma alteração histopatológica comum a
deve ser feita.
uma série de doenças. Dada a prevalência de diabetes mellitus na população
 Este tipo de glomerulopatia pode ser dividido em adulta, a simples associação entre síndrome nefrótica e
dois grandes grupos, caracterizados por depósitos não diabetes não é suficiente para determinar o diagnóstico de
imunes ou imunes: nefropatia diabética. O paciente deve passar por avaliação
Depósitos não imunes Depósitos imunes etiológica, o que inclui sorologias para hepatites B e C e
Glomerulonefrite HIV, pesquisa de paraproteínas, dosagem de complemento
Nefropatia diabética sérico, ultrassonografia renal de preferência com Doppler,
crioglobulinêmica
Amiloidose Doença de cadeia leve entre outros. São considerados quadros atípicos de
Doença de cadeia pesada nefropatia diabética: história de diabetes mellitus inferior
Doenças genéticas de a 5 anos, principalmente se houver ausência ou pouca
Doença de cadeias leve e
depósito evidência de lesão em órgãos-alvo; ausência de retinopatia
pesada
diabética; presença de hematúria ou sinais indicativos de
outras glomerulopatias.
NEFROPATIA DIABÉTICA
 É uma das principais causas de síndrome nefrótica NEFROPATIA POR IgA
em todo o mundo.  Pode ocorrer como doença primária, às vezes
 Inicialmente, nota-se apenas hiperfiltração associada com púrpura de Henoch-Schönlein, e
glomerular, lesão sem alteração anatomopatológica e ocasionalmente secundária a doença hepática
de caráter reversível. (sobretudo cirrose alcoólica), espondilite
 De 10 a 15 anos após o início da doença, entre 30 e
anquilosante, psoríase, síndrome de Reiter, enterite.
50% dos pacientes passam a apresentar  A apresentação clínica pode variar de hematúria
microalbuminúria persistente (definida como macroscópica ou microscópica até síndrome nefrótica
microalbuminúria positiva em 3 amostras em dias e, em raros casos, evolui com doença renal terminal.
diferentes).  A maioria dos pacientes não necessita de
 Apesar da maioria dos pacientes já apresentar tratamento, porém em pacientes com proteinúria
alterações histológicas nessa fase, ainda há maior que 0,5 g/dia, podem ocorrer benefícios com
grande variabilidade na taxa de progressão corticoides (prednisona 1 a 2 mg/kg).
para DRC terminal.
 Um percentual grande de pacientes (50 - 60%) GLOMERULONEFRITE AGUDA PÓS-INFECCIOSA
apresentam reversão da microalbuminúria,
provavelmente associado a efeito de  Doença de imunocomplexos que normalmente
tratamento e controle de fatores de risco. ocorre cerca de 2 semanas após quadros infecciosos,
 No entanto, muitos pacientes progridem para principalmente faringites estreptocócicas e infecções
as formas mais avançadas da doença, cutâneas.
caracterizadas por macroalbuminúria e  Os pacientes apresentam quadro de síndrome
síndrome nefrótica. nefrítica com edema, hipertensão e oligúria, e mais de
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90% dos pacientes apresentam hipocomplementemia  A principal manifestação clínica da síndrome
com C3 baixo. nefrótica é o edema!
 O tratamento é de suporte, com manejo  Em pacientes hipertensos, obesos e diabéticos, é
sintomático da hipertensão e da retenção de fluidos. sempre importante avaliar a presença de lesão em
outros órgãos-alvo (p.ex., se há retinopatia
GLOMERULONEFRITE ANTIMEMBRANA BASAL coexistente).
GLOMERULAR (ANTI-MBG)  Além dos exames diagnósticos pertinentes, a
biópsia renal é necessária quase universalmente na
 Pode estar associada com glomerulonefrite
investigação diagnóstica da síndrome nefrótica.
rapidamente progressiva e cerca de 50% podem
 O diagnóstico deve ser preciso, uma vez
evoluir com hemorragia alveolar (síndrome de
que a abordagem terapêutica e o
Goodpasture).
prognóstico renal diferem muito entre os
 Essa doença apresenta marcador sorológico que é
diferentes tipos de glomerulopatias.
o anticorpo antimembrana basal glomerular.
 Entre as causas primárias, a prevalência das
 Estes pacientes são tratados agressivamente com
diferentes glomerulopatias varia com a idade, mas
pulsoterapia com metilprednisolona 0,5 a 1 g/dia,
a doença de lesões mínimas, a glomeruloesclerose
associados a ciclofosfamida ou plasmaférese.
segmentar e focal, a glomerulonefrite
GLOMERULONEFRITE COM ANCA POSITIVO membranosa e a glomerulonefrite
membranoproliferativa são as formas mais
 Representa cerca de 80% das GNRP e 75% dos importantes.
casos apresentam evidência de vasculites (Wegener,  A nefropatia diabética, a hepatite C, o lúpus
poliangeíte microscópica ou Churg-Strauss), muitas eritematoso sistêmico e a hepatite B são as causas
vezes com envolvimento de vias aéreas inferiores e mais comuns de glomerulopatia secundária
superiores, entre outras manifestações. associada à síndrome nefrótica.
 Estas doenças apresentam marcadores como o  Em > 80% dos casos de GNMP, há indícios de uma
Anca-C (anticorpo contra citoplasma de neutrófilos) doença de base de natureza infecciosa como
ou antiproteinase 3 para granulomatose de Wegener. causa, com a hepatite C sendo a principal delas.
 Este anticorpo apresenta positividade de 97%  A biópsia renal não é necessária quando há indícios
durante a atividade da doença, mas valores claros de nefropatia diabética. Por outro lado, se o
próximos a 70% quando fora da atividade. diagnóstico clínico/laboratorial for duvidoso, a
 O Anca-p ou antimieloperoxidase é o biópsia deve ser feita.
marcador da poliangeíte microscópica ou  Além do tratamento específico, o tratamento da
Churg-Strauss. síndrome nefrótica inclui controle rigoroso da
 O tratamento deve ser agressivo (corticoterapia e pressão arterial, uso de iECA e/ou BRA, tratamento
plasmaférese se houver hemorragia alveolar). de dislipidemia e obesidade.
 A realização de anticoagulação plena
TÓPICOS IMPORTANTES – RESUMÃO DE durante o surto nefrótico é controversa,
SÍNDROME NEFRÓTICA mas deve ser considerada principalmente
nos casos nos quais não há remissão da
 A síndrome nefrótica é caracterizada por síndrome nefrótica.
proteinúria superior a 3,5 g/1,73 m2/dia, edema,  O tratamento da maioria das doenças glomerulares
hipoalbuminemia e dislipidemia. é feito com drogas imunossupressoras, como
 Apresenta como complicações clínicas corticoide, ciclosporina, ciclofosfamida,
frequentes manifestações clorambucil e plasmaférese.
tromboembólicas, infecções e desnutrição.
 A síndrome nefrótica pode ser classificada como
primária, quando não há doença sistêmica
relacionada ao quadro, ou secundária, situação na
qual a alteração renal ocorre em função de uma
doença sistêmica.
 A formação do edema na síndrome nefrótica tem
dois mecanismos de ação principais: o underfill (a
hipoalbuminemia como fator primário causador de
edema) e o overflow (a retenção de sódio e água
como mecanismos primários).

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