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Figura 2. Processos inflamatórios na esclerose múltipla. Células T, B e APCs como macrófagos entram no
SNC onde secretam certas citocinas que afetam os oligodendrócitos, células responsáveis pela produção
da bainha de mielina. A mielina danificada impede a transmissão dos impulsos elétricos corretamente,
Alguns dos sintomas apresentados pelos pacientes ao decorrer da doença são a fadiga,
a diminuição da força dos membros, disfunções cognitivas, alteração na coordenação motora,
perda aguda de visão, fraqueza, tremor e espasticidade. Tanto os sintomas como a incapacidade
funcional dos pacientes são devidos à transmissão neural inapropriada, reflexo da perda da
mielina, disfunção da integridade dos oligodendrócitos e posterior perda axonal, causadas pela
inflamação (Baker et al., 2007).
O fato de o CBD exercer o agonismo inverso do receptor CB2 pode, em parte, explicar
seus efeitos antiinflamatórios. O CBD inibe potencialmente a migração de macrófagos, micróglia
e neutrófilos, e evidências comprovam que o agonismo inverso do receptor CB2 pode bloquear
a migração células imunitárias e diminuir a inflamação (Lunn et al., 2006). É provável que outras
ações do CBD possam contribuir para reduzir a inflamação e a modulação da migração de células
microgliais pode ser mediada por um receptor específico que ainda não tenha sido identificado
(Pisanti et al., 2017).
Figura 5. Potencial terapêutico dos canabinoides (CBs) para o manejo de eventos patológicos
relacionados à esclerose múltipla. A ativação de receptores CB1 e CB2 presentes em diferentes células
do sistema imunológico e nervoso controla diferentes eventos patológicos relacionados à EM, incluindo
neuroinflamação, mecanismos de reparo e neuroproteção. Esta perspectiva holística do tratamento com
CBs fornece um medicamento com múltiplos alvos para o tratamento da EM (Mecha et al., 2020).
Desde 2002, alguns ensaios clínicos randomizados, controlados por placebo e com
medicamentos à base de Cannabis foram concluídos, como o ensaio Cannabis in MS (CAMS) o
maior até o momento, fornecendo evidências limitadas dos efeitos dos canabinoides na
espasticidade (Zajicek et al., 2005). O estudo CUPID em pacientes com esclerose múltipla
primária e secundária mostrou que o dronabinol (análogo sintético do THC) não tem efeito sobre
a progressão da doença mesmo em um estudo de longo prazo (Zajicek et al., 2013). Embora o
FDA tenha aprovado o Epidiolex (formulação oral de 99% puro CBD derivado de plantas) para o
tratamento de diferentes formas de epilepsias, o CBD também apresenta efeitos benéficos em
modelos animais de EM (Kozela et al., 2011; Mecha et al., 2013), porém até o momento não há
evidência conclusiva de ensaios clínicos com CBD isolado para essa doença.
As implicações médicas exatas dos canabinóides ainda estão sendo investigadas e tem
sido cada vez mais debatidas entre os profissionais e especialistas. A medida que o corpo de
evidências cresce, a legislação tende a mudar para refletir seu amplo uso, e a opinião pública e
médica também tem sofrido mudanças significativas com relação utilização de medicamentos
com derivados da Cannabis em determinadas condições médicas. Alguns pacientes conseguiram
permissão para cultivar Cannabis sativa para uso pessoal através de alegações de que eles
experimentaram redução na progressão da doença, grande alívio da dor e da espasticidade,
melhoria da função da bexiga, diminuição do tremor / ataxia, melhor qualidade de sono e
melhora na qualidade de vida. Com base no sucesso relatado dessa terapia sintomática
potencial, a indústria farmacêutica desenvolveu um extrato padronizado de THC e CBD (1:1) que
também continha outros canabinoides menores, flavonoides e terpenos.
No ano de 2017 esse extrato foi aprovado como primeiro medicamento a base de
Cannabis no país. Registrado pela Ipsen Farmacêutica e com nome comercial de Mevatyl® no
Brasil, o medicamento da GW Pharmaceuticals, conhecido mundialmente como Sativex® tem na
sua composição uma proporção 1:1 de THC e CBD e é indicado para o tratamento sintomático
da espasticidade moderada a grave relacionada à esclerose múltipla (Vieira et al., 2018). Porém,
o nabiximol (nome “genérico” do extrato padronizado) nunca foi testado em ensaios para
determinar seu efeito na progressão da doença ou efeitos imunológicos, mesmo assim, os
pacientes com EM que respondem experimentando um efeito positivo na espasticidade se
beneficiam substancialmente a longo prazo pelo alívio do medicamento.
Em um estudo fase 3 abrangendo mais de 500 pacientes em sua primeira fase de caráter
simples cego e 241 pacientes em sua segunda fase com randomização, duplo cegamento e
controle por placebo, o extrato nabiximol melhorou a espasticidade relacionada à esclerose
múltipla em 0,84 (95% IC: -1.29 a -0.40) pontos pela escala NRS em relação ao placebo (p =0.0002)
conforme a figura a seguir. O mesmo estudo relatou melhora da frequência dos espasmos
(p=0,005), qualidade do sono (p<0,0001) e funcionalidade avaliada pelo índice de Barthel
(p=0,007) (Novotna et al., 2011).
Uma área em que mais pesquisas são necessárias é o possível papel do canabidiol na
progressão da doença. Uma revisão relatou que a combinação THC: CBD pode ter efeitos
adversos e mostrou mais progressão da doença em comparação com o THC sozinho. Além disso,
poucos estudos usaram comparadores ativos e nenhuma revisão comentou se os canabinoides
poderiam ser considerados como monoterapia. Dado que existem outros tratamentos com
eficácia considerável para a esclerose múltipla, os estudos com comparadores ativos serão
essenciais para informar ainda mais a tomada de decisão clínica sobre o uso de canabinoides.
Tabela 01. Resumo das características dos estudos de revisão sobre canabinoides no
tratamento da esclerose múltipla (Nielsen et al., 2018).
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