Você está na página 1de 19

Objetivo específico: Definir as doenças desmielinizantes, epidemiologia, etiologia, fisiopatologia,

quadro clínico, diagnóstico, diagnóstico diferencial e tratamento


Definição
As doenças desmielinizantes constituem um grupo de moléstias que, do ponto de vista teórico,
apresentam lesões eletivas na bainha de mielina; entretanto, na maioria das afecções neurológicas,
ocorrem lesões concomitantes em outras áreas do sistema nervoso central (SNC). Diante do exposto,
há evidentes dificuldades em classificar as doenças desmielinizantes, pois, na maioria, ocorrem graus
variados de comprometimento, tanto da mielina como dos axônios.
A proposta aceita para classificar as doenças desmielinizantes, segundo a maioria dos autores,
se baseia no conceito de que essas moléstias não devem ser consideradas como aquelas em que ocorre
degeneração eletiva de fibras nervosas da substância branca e que tenham etiologia determinada.
Portanto, os critérios adotados para caracterizar uma doença como desmielinizante são:
- Destruição da bainha de mielina
- Preservação concomitante dos outros elementos do sistema nervoso (axônios e tecidos de
sustentação), pelo menos na fase aguda da doença
- Infiltrado de células inflamatórias, de distribuição perivascular
- Lesões localizadas primariamente na substância branca, em pequenos focos, em uma área ou
que se disseminam em mais de uma região com a evolução da doença.

A esclerose múltipla (EM) é uma doença autoimune do sistema nervoso central (SNC)
caracterizada por inflamação crônica, desmielinização, gliose (placas ou cicatrizes) e perda neuronal; o
curso pode ser recidivante ou progressivo. Normalmente, as placas da EM desenvolvem-se em
momentos diferentes e em locais distintos do SNC (i.e., diz-se que a EM dissemina-se no tempo e no
espaço).

Epidemiologia e Fatores de risco


Para analisar os estudos de prevalência da EM no Brasil deve-se compreender sua
miscigenação étnica. Na região Sudeste a prevalência da EM foi registrada em 15/100.000 na cidade
de São Paulo e 17/100.000 na cidade de Botucatu no ano de 2000. Na cidade de Belo Horizonte, a
prevalência foi de 20/100.000; resultados semelhantes e de média prevalência, em razão da mesma
constituição étnica para a região Sudeste do Brasil. Em outras cidades da região Sul, foram realizados
estudos de prevalência com resultados ligeiramente superiores. No Nordeste, os estudos revelam uma
prevalência menor, da ordem de 4-5/100.000 habitantes.
Estudos realizados por Kurtzke, quarenta anos depois, sobre a distribuição geográfica e a
incidência permitiram dividir o mundo e, especialmente a Europa, em três zonas. Zonas de alta
prevalência, com índices acima de 30/100.000 habitantes, incluíam o norte da Europa e dos Estados
Unidos da América, o sul do Canadá e da Austrália e a Nova Zelândia. Zonas de média prevalência
com taxas de 5 a 25/100.000, compreendiam o sul da Europa e dos Estados Unidos e a maior parte da
Austrália. Zonas de baixa prevalência, com taxas inferiores a 5/100.000 habitantes, eram representadas
por regiões da Ásia e da África. Esses estudos atribuíam um gradiente relacionado à latitude na
distribuição da esclerose múltipla. O Brasil é considerado um país de baixa prevalência.

Em relação à distribuição por raça, a esclerose múltipla é mais comum em brancos (2:1),
sendo considerada rara entre os orientais, negros e índios.
Quanto à distribuição por sexo, a esclerose múltipla é mais comum nas mulheres e, levando-se
em consideração a faixa etária, verificamos que a doença é mais comum nos adultos jovens na faixa
etária de 35-50 anos, sendo rara antes da puberdade e após 60 anos.
Alguns estudos observaram a associação da EM a outras doenças imunomediadas, como a
tireoidite autoimune. Além disso, pacientes com outras doenças autoimunes parecem ter maior
probabilidade de desenvolver EM ao longo da vida. Fatores genéticos parecem contribuir na
patogenia. Acredita-se que a presença do alelo HLA-DR2 e o polimorfismo do gene IL-7R aumentem
o risco de EM. Parentes de 1o grau têm, geralmente, risco de 10 a 25 vezes maior de desenvolvê-la em
comparação com a população em geral.

Etiopatogenia
Inúmeros fatores ambientais podem estar envolvidos na etiopatogenia da esclerose múltipla,
porém se deve lembrar que há, concomitantemente, uma suscetibilidade genética individual
determinante no aparecimento da doença.
As condições climáticas, como a umidade e as baixas temperaturas, são favoráveis ao
desenvolvimento de infecções respiratórias, aumentando a interação dos vírus e bactérias com
pacientes suscetíveis à doença. A baixa exposição à luz solar, com consequente diminuição de
vitamina D circulante, tem sido responsabilizada pela desorganização do sistema imune, aumentando o
risco para esclerose múltipla.
A frequência elevada da esclerose múltipla está diretamente relacionada com as boas
condições socioeconômicas e culturais na maioria dos pacientes, provavelmente pela resposta tardia às
infecções comuns na infância, quando ocorrem precocemente, provocando redução da função
autoimune.
Em gestantes, o risco de recidiva da doença nos primeiros 6 meses do puerpério é três vezes
maior que durante a gestação, ao passo que não foi constatada influência da amamentação ou da
anestesia peridural no curso ou na taxa de recidiva, bem como na progressão da esclerose.
As vacinações podem causar encefalomielite disseminada aguda em indivíduos suscetíveis,
uma doença desmielinizante e monofásica, distinta da esclerose múltipla. Apesar de um grande
número de relatos de casos da associação dessa esclerose a vacinações, os resultados dessa eventual
relação ainda são contraditórios.
Há muitos anos pesquisadores têm se dedicado ao estudo da relação entre fatores infecciosos,
principalmente vírus, e desencadeamento da esclerose múltipla. Alguns agentes infecciosos possíveis
causadores de esclerose múltipla são: Vírus da cinomose canina, Varicela, Adenovírus, Caxumba,
Coronavírus, Sarampo Herpes­vírus simples tipos 1 e 2, Rubéola, Vírus Epstein Barr, Vírus influenza
tipos A e B, Citomegalovírus e Chlamydia pneumoniae.

Fisiopatologia
O processo inicial compreende a resposta do endotélio da barreira hemato-encefálica, que
adquire a capacidade de expressar antígenos da classe II do MHC, permitindo a migração de células T
CD4+ e CD8+ para o espaço perivascular. A hipótese para a alteração de permeabilidade da barreira é
a capacidade de células T ativadas na periferia induzirem a expressão de moléculas de adesão que
permitem a interação com as células endoteliais e a migração transbarreira.
As moléculas de adesão envolvidas são ICAM-1, VCAM-1 e seus respectivos receptores. O
processo inflamatório celular envolve células T CD4+ e CD8+ e macrófagos, dispostos em forma de
manguito perivascular. Tanto a encefalomielite aguda experimental como a esclerose múltipla
apresentam padrão celular semelhante.
A rede de citocinas na esclerose múltipla foi estudada, sugerindo que as citocinas associadas
aos linfócitos com fenótipo TH1 (fator de necrose tumoral alfa, interleucina-2, interferon) promovem a
doença. As citocinas associadas ao fenótipo TH2 (TGF-beta, interleucina-10 e interleucina-4) podem
estar envolvidas na modulação do processo inflamatório.
Anatomia patológica
A EM é basicamente uma doença da substância branca, com as áreas afetadas exibindo lesões
múltiplas, bem circunscritas, ligeiramente deprimidas, de aspecto vítreo, acinzentadas e forma
irregular, chamadas de placas. Elas surgem com mais frequência perto dos ventrículos. Também são
frequentes nos nervos ópticos e no quiasma, no tronco encefálico, nos tratos fibrosos ascendentes ou
descendentes, no cerebelo e na medula espinhal. As lesões possuem bordas nitidamente definidas em
nível microscópico. Em uma placa ativa há evidência de rompimento da mielina em curso com
macrófagos abundantes contendo resíduos de mielina. Os linfócitos e macrófagos estão presentes,
majoritariamente, como infiltrados perivasculares. As pequenas lesões ativas estão centradas nas
pequenas veias. Os axônios são relativamente preservados, mas podem ter o seu número reduzido.
As placas ativas são divididas em quatro classes, com apenas uma delas sendo observada em
determinado paciente afetado. Os padrões microscópicos reconhecidos são o tipo I, que possui
infiltrados de macrófagos com margens nítidas; o tipo II, similar ao tipo I, mas que também exibe
deposição do complemento (sugerindo um componente mediado por anticorpo); o tipo III, com
bordas menos bem definidas e apoptose do oligodendrócito; e o tipo IV, com perda de oligodendrócito
não apoptótica. Quando as placas se tornam quiescentes (placas inativas), a inflamação praticamente
desaparece, deixando para trás pouca ou nenhuma mielina. Pelo contrário, a proliferação astrocítica e a
gliose são proeminentes.

Quadro clínico
A esclerose múltipla se manifesta por uma variedade topográfica de sintomas e sinais
neurológicos recorrentes, de caráter evolutivo, variável de paciente para paciente, com manifestações
clínicas sucessivas, causadas pela desmielinização e pelo dano axônico, caracterizando ­a como doença
com lesões que se disseminam no tempo e no espaço.
Geralmente, a esclerose múltipla se inicia entre 30 e 40 anos de idade e é mais comum em
mulheres e na raça branca.
A doença pode se manifestar, no início, com sintomas isolados, tais como sintomas sensitivos,
motores ou neurite óptica isolada (início monossintomático), ou por associação desses (início
polissinomático).
Na maioria dos casos, a doença se inicia com um surto e, frequentemente, de maneira
polissintomática. No início monossintomático o mais habitual é o predomínio de sintomas motores,
seguidos dos sensitivos e dos visuais. remetente e progressiva

Estima­-se que em aproximadamente 80% dos casos haja comprometimento motor em alguma
fase evolutiva da doença, principalmente nas formas progressivas, nas quais quase a totalidade dos
pacientes apresenta paraparesia. O grau de intensidade da paresia é variável, podendo ser discreto e
ocorrer, por exemplo, apenas após o exercício ou, ainda, com aumento da temperatura ambiente. A
claudicação medular é observada com certa frequência e se caracteriza por déficit de força muscular
após alguns minutos de marcha. Com a evolução da doença, geralmente, a paresia torna-se constante e
predomina em um dos membros inferiores. Em pacientes com esclerose múltipla de longa evolução,
habitualmente observa-se espasticidade nos membros inferiores, comprometendo a deambulação e
provocando fadiga.
A maioria dos pacientes relata distúrbios sensitivos sob a forma de parestesias, disestesias ou
percepções sensitivas anômalas. Ao exame neurológico, a alteração mais vista nesses casos é o
comprometimento da sensibilidade vibratória e/ou proprioceptiva, principalmente nos membros
inferiores.
Alterações cerebelares não são habituais nas fases iniciais da esclerose múltipla, porém sua
ocorrência durante a evolução da moléstia torna o prognóstico desfavorável, na maioria dos casos.
As alterações visuais, principalmente neurite óptica, são frequentes em pacientes com essa
esclerose.
Outros sintomas, menos frequentes em esclerose múltipla, são neuralgia do trigêmeo,
espasmos tônicos, disfunção de esfíncteres, fadiga e distúrbios neuropsicológicos, como depressão e
distúrbios de memória.
A intolerância ao calor (fenômeno de Uhthoff) ocorre quando pessoas com EM
experimentam aumento dos sintomas de fadiga ou fraqueza quando expostas a altas temperaturas
devido a clima (principalmente umidade), exercício ou febre.
O sinal de Lhermitte é uma sensação de “choque elétrico” que desce da região cervical para
os membros inferiores, a qual é desencadeada pelos movimentos de flexão-extensão da cabeça. É um
achado frequente nos casos de EM, porém deve-se fazer o diagnóstico diferencial com doenças da
medula cervical, como a siringomielia, a espondilose e a hérnia de disco
As alterações neurológicas subjetivas ou evidências comprovadas ao exame neurológico, com
duração mínima de 24h, sem febre ou aumento de temperatura corporal, caracterizam o denominado
surto em esclerose múltipla. Define-se como remissão a resolução parcial ou total das alterações
neurológicas causadas pelo surto, com duração mínima de 1 mês. Se ocorrerem sintomas ou sinais
neurológicos novos antes de esse período estar completo, eles são considerados agregados ao surto
anterior. Assim, com base nessas definições, pode se classificar a esclerose múltipla nas seguintes
formas: remitente ­recorrente, secundariamente progressiva e primariamente progressiva.

Formas de apresentação do quadro clínico


Remitente Recorrente
O curso da doença se caracteriza por episódios alternados de surtos e remissões, com duração
e intervalos variáveis entre os eventos, de caso para caso. Esse é o modo de apresentação mais
frequente nas fases iniciais da doença, para a maioria dos pacientes. Habitualmente, observa-se, após
os primeiros surtos, que os pacientes se recuperam integralmente, enquanto a ocorrência repetida
desses surtos pode causar progressão da doença e recuperação menos acentuada com o tempo
(recorrente progressiva).

Secundariamente Progressiva
Em média, após 5 a 10 anos, a maioria dos pacientes que inicia a doença com a forma
remitente recorrente apresenta sintomas e sinais de comprometimento hemisférico ou medular,
caracterizando um eventual surto progressivo. Clinicamente, a caracterização das formas progressivas
não é tarefa fácil, pois, na maioria dos casos, o paciente apresenta condição clínica estacionária e há
dificuldade em avaliar os surtos com comprometimento funcional evidente, para a devida
caracterização da progressão da doença.
Primariamente Progressiva
É o tipo de esclerose múltipla menos frequente. Caracteriza-se pela instalação de sintomas e
sinais lentamente progressivos, desde o início da doença. Não se verificam surtos ou remissões prévios
ou na evolução da doença. A forma primariamente progressiva geralmente se inicia em torno dos 40
anos de idade, ao contrário das formas remitente recorrente e secundariamente progressiva, que se
iniciam mais precocemente.

Diagnóstico
O diagnóstico de EM é complexo, uma vez que não existe marcador ou teste diagnóstico
específico. Atualmente, os critérios de McDonald de 2017, são mais frequentemente utilizados. Em
geral, o diagnóstico é baseado na documentação de dois ou mais episódios sintomáticos, que devem
durar mais de 24 horas e ocorrer de forma distinta, separados por período de no mínimo um mês, ou
seja, disseminados no tempo e no espaço. Exames radiológicos e laboratoriais, em especial a
ressonância magnética (RM), podem, em conjunto com as evidências clínicas, ser essenciais para
compor o diagnóstico e excluir outras doenças de apresentação semelhantes.
De acordo os Critérios de McDonald, não são necessários exames adicionais quando o
paciente apresenta dois ou mais surtos; entretanto, qualquer diagnóstico de EM pode contar com
exame de neuroimagem (ressonância magnética) e utilizar a presença de bandas oligoclonais
(imunoglobulina G - IgG) no líquor em substituição à demonstração de disseminação da doença no
tempo.
De acordo com os critérios de McDonald, é considerado surto todo evento reportado pelo
paciente ou objetivamente observado que seja típico de um evento inflamatório desmielinizante agudo
com duração de pelo menos 24 horas, na ausência de infecção ou febre. O evento deve ser
documentado por exame neurológico realizado na mesma época da sua manifestação clínica. Alguns
eventos históricos para os quais não haja achado neurológico documentado, mas que sejam típicos de
EM, podem prover evidência suficiente de um evento desmielinizante prévio. Relatos de sintomas
paroxísticos (históricos ou correntes) devem, no entanto, consistir em múltiplos episódios com
ocorrência em período superior a 24 horas.
Segundo os critérios McDonald (2017), a disseminação no espaço pode ser demonstrada na
RM por ≥ 1 lesões hiperintensas em T2, sintomáticas ou assintomáticas, que são característicos de
EM, em dois ou mais das seguintes quatro áreas do sistema nervoso central: periventricular,
cortical/justacortical, infratentorial e medula espinhal. Já a disseminação no tempo pode ser
demonstrada pela presença simultânea de lesões captantes de gadolíneo e lesões não captantes em
qualquer exame de RM, ou nova lesão hiperintensa em T2 ou captante de gadolínio quanto comparada
a um exame de RM prévio, independentemente do momento em que foi realizado.
Após o estabelecimento do diagnóstico, a Escala Expandida do Estado de Incapacidade
(EDSS, de Expanded Disability Status Scale) deve ser utilizada para o estadiamento da doença, bem
dedos de dawson na RM
como o monitoramento do paciente.

Diagnóstico diferencial
No diagnóstico diferencial da esclerose múltipla deve sempre excluir um grande número de
moléstias neurológicas que apresentam similaridade com a doença. A variedade de sintomas que os
pacientes apresentam abrange uma série deles que são comuns a outras patologias, que também podem
evoluir em surtos e de maneira progressiva.O diagnóstico diferencial em esclerose múltipla está
exposto a seguir:
- Doenças inflamatórias: angeíte primária do sistema nervoso central, lúpus eritematoso
difuso, síndrome de Sjögren, doença de Behçet, periarterite nodosa e miastenia gravis
- Doenças infecciosas: doença de Lyme, brucelose e síndrome da imunodeficiência adquirida
(AIDS)
- Adrenoleucodistrofia
- Porfiria aguda intermitente
- Doenças granulomatosas: sarcoidose e granulomatose de Wegener
- Síndromes medulares isoladas: mielocompressão, degeneração combinada de medula e
mielopatia associada ao vírus linfotrópico de células T humanas tipo I
- Encefalomielite disseminada aguda
- Tumores intracranianos.
- Encefalites infecciosas: virais, neuroborreliose, neurossífilis e meningite crônica por fungos
- Acidentes vasculares cerebrais: síndrome de Guillain Barré e tumores intracranianos.
As doenças que apresentam lesões à imagem por ressonância nuclear magnética semelhantes
às da esclerose múltipla são: envelhecimento normal, metástases cerebrais, doença de Alzheimer,
vasculites, enxaqueca e encefalites.
Pacientes com suspeita de EM devem ser amplamente investigados para afastar outras
etiologias que possam justificar as alterações neurológicas apresentadas. É necessária a realização dos
seguintes exames:

verminose e tuberculose
diferenciar. pedir tc de
tórax

Tratamento
A esclerose múltipla é uma doença que pode evoluir de maneira desastrosa e é potencialmente
grave, pois pode causar graus variáveis de incapacidades neurológicas em pacientes, geralmente
jovens, com repercussões imediatas nas suas vidas e de seus familiares. O tratamento dessa doença
pode ser dividido em sintomático, do surto e preventivo.
No tratamento sintomático, procura-se aliviar sintomas como espasticidade, fraqueza
muscular, ataxia, tremores e outros, e os medicamentos utilizados são os mesmos empregados em
outras doenças neurológicas que se manifestam com os mesmos sintomas.
A necessidade de se tratar os surtos é baseada nas evidências obtidas de grandes casuísticas, e
seu objetivo é, claramente, o de reduzir o tempo e a gravidade, atuando na inflamação e no edema da
bainha de mielina e, por consequência, preservando os axônios de eventual dano secundário.
A maioria dos autores concorda com o fato de que, por hora, os corticosteróides são a única
alternativa medicamentosa eficaz para tratamento dos surtos, pelos seus efeitos anti­inflamatórios e
imunossupressores, já conhecidos pelo seu emprego em outras doenças na prática médica e estendidos
ao tratamento da esclerose múltipla.
Até o momento, a maior experiência adquirida foi com o hormônio adrenocorticotrófico
(ACTH), a prednisona e a metilprednisolona, porém esta última ganhou espaço na terapêutica dos
surtos nos últimos anos, pela vantagem menor tempo de uso e em doses mais elevadas que o ACTH.
Vários são os esquemas propostos para emprego da metilprednisolona, entretanto as doses e a
duração do tratamento ainda não estão estabelecidas, variando de 0,5 a 1 g por dia, por via intravenosa
(IV) e por períodos de 3 a 10 dias, de acordo com a gravidade do surto, sua progressão e o
comprometimento motor mais ou menos acentuado.
Os efeitos colaterais mais frequentes da metilprednisolona relatados são sensação de gosto
metálico, insônia, edema e aumento de peso, euforia leve, hiperglicemia transitória e, mais raramente,
reações anafiláticas.
Em surtos mais brandos, principalmente monossintomáticos e com manifestações
predominantemente sensitivas, a metilprednisolona não é utilizada, preferindo se a prednisona oral, na
dose de 1 mg/kg/dia, em doses decrescentes, por tempo variável de 2 a 3 semanas, terapêutica também
utilizada, por alguns, para pacientes que finalizaram a pulsoterapia com metilprednisolona.
Pelo fato de a maioria dos pesquisadores acreditar que a esclerose múltipla seja causada por
um vírus, ainda não identificado, que compromete pacientes com estado imunológico predisposto, seu
tratamento foi drasticamente alterado na última década com a introdução de medicamentos
imunomoduladores (tratamento de primeira linha), que modificam o curso natural da doença em
virtude de suas propriedades antivirais e imunomoduladoras.
1 pulsoteraía c corticóide pra
imunossuprimir a resposta
2manter antiinflamatório

modular a
genese da
doença, evitar
que se crie
novas cél
autoimunes

Esses medicamentos são semelhantes em eficácia, reduzindo o número de surtos, retardando a


progressão da doença e diminuindo, em aproximadamente 30 a 40% dos casos, as lesões ativas vistas à
RNM em pacientes com a forma remitente recorrente da doença.
Aproximadamente 75% dos pacientes que utilizam interferonas sofrem efeitos colaterais. Os
mais frequentes são sintomas semelhantes aos observados em estados gripais (febre, mialgias, cefaleia,
calafrios, fadiga etc.), reações cutâneas locais e, ainda, em alguns, dor local depois da aplicação. Esses
efeitos se iniciam 3 a 6h após a aplicação, melhoram após 24h e tendem a desaparecer em 4 a 6
semanas do início do tratamento.
O natalizumabe e o fingolimode (tratamento de segunda linha) foram medicamentos
recentemente aprovados pela Anvisa no tratamento de pacientes com falha terapêutica aos interferons
e/ou acetato de glatirâmer. O natalizumabe (anticorpo monoclonal) é um antagonista da integrina-α4
que se expressa na superfície dos leucócitos, tendo um papel essencial na migração dessas células
através da barreira hematoencefálica para o sistema nervoso central, etapa importante no
desenvolvimento de lesões inflamatórias na EM. Deve-se pesquisar a existência do vírus JVC no soro
antes de iniciar as infusões mensais. O risco maior no uso desse medicamento é o desenvolvimento de
leucoencefalopatia multifocal progressiva (em pacientes JVC ­positivos) após 2 anos de uso. O
fingolimode é o primeiro agente oral utilizado na EM, mas a ocorrência de bradiarritmia na primeira
dose obriga­-nos a prescrever esse fármaco com cautela (eletrocardiogramas prévios).
Na atualidade, é consenso haver evidente benefício no emprego de corticóides, interferonas e
acetato de glatirâmer, natalizumabe e fingolimode na forma remitente recorrente da moléstia, todavia a
experiência frustrante do uso desses medicamentos nas formas progressivas motivou inúmeros
pesquisadores a buscar alternativas mais eficazes. Outros medicamentos utilizados para tratamento da
esclerose múltipla são:
- Imunossupressores: azatioprina, ciclofosfamida, metotrexato, claribina e mitoxantrona
- Plasmaférese
- Gamaglobulina intravenosa
- Transplante autólogo de células­tronco.

Prognóstico
Na evolução da esclerose múltipla, deve-se lembrar que o espectro clínico da doença depende
da extensão, da localização das placas de desmielinização e do seu padrão de disseminação temporal.
Pacientes com surtos mais brandos, principalmente com manifestações sensitivas e sem
déficits residuais, capazes de manter a deambulação sem apoio após 10 anos do início da doença,
caracterizam formas mais brandas da doença. Esses casos foram denominados esclerose múltipla
benigna e, na nossa série, correspondem a 19,8% das ocorrências.
Inúmeros estudos foram publicados para definir e determinar marcadores da progressão da
doença, entre os quais citam ­se idade de início, sexo, sintomas clínicos iniciais, frequência de surtos e
outros. Aparentemente, há relação entre o número de surtos e o prognóstico, que é pior quanto maior
for a frequência. O índice anual de surtos é variável de caso para caso: é maior no primeiro ano e
estimado em 0,85 surto por ano, na forma remitente­ recorrente, e em 0,3 surto por ano, nas formas
progressivas. O Projeto Atlântico Sul revelou índice de 0,49 surto por ano, na forma remitente
recorrente, e de 0,3 surto por ano, nas formas secundárias. Elementos clínicos associados determinam
o bom ou o mau prognóstico.
Fatores que contribuem para o bom prognóstico de pacientes com esclerose múltipla são:
início em adulto jovem, surto inicial monossintomático (alterações sensitivas, neurite óptica), baixo
índice de surtos nos primeiros 2 anos, intervalo longo entre os surtos, poucas alterações motoras e
poucas alterações residuais após os surtos.
Já os fatores que contribuem para o mau prognóstico de pacientes com esclerose múltipla são:
início em adultos acima dos 45 anos, surto inicial com sintomas motores, surto prolongado, surtos
frequentes nos primeiros 2 anos da doença e alterações residuais após os surtos.

Definição e epidemiologia
A neurite óptica é um processo inflamatório de um ou ambos os nervos ópticos, de origem
infecciosa, autoimune ou desmielinizante. Quando ela é secundária a distúrbios nutricionais, tóxicos,
vasculares, infiltrativos, traumáticos ou tumorais, deve ser denominada neuropatia óptica.
As principais causas de neurite óptica estão relacionadas a seguir:
- Idiopática (desmielinizante)
- Associada à esclerose múltipla
- Encefalomielite disseminada aguda
- Pós ­viral: exantema infantil, mononucleose, herpes­zoster, citomegalovírus
- Pós ­vacinal
- Associada à sinusite esfenoetmoidal
- Outras infecções: sífilis, doença de Lyme, criptococose, toxoplasmose, tuberculose
- Vasculites: sarcoidose, lúpus eritematoso disseminado, granulomatose de Wegener
- Coriorretinopatias
- Pseudotumor orbitário
- Paraneoplasias.
A neurite óptica idiopática (desmielinizante) é diagnosticada quando não se encontra clínica
ou laboratorialmente doença sistêmica, infecciosa ou autoimune associada. Observa-se, com
frequência, que essa neurite ocorre sem sintomas ou sinais prévios de doença desmielinizante ou pode
se manifestar no decurso da esclerose múltipla, sendo uma das manifestações iniciais mais comuns da
doença, estimada em cerca de 23% dos casos.
A causa mais comum de perda visual transitória em adultos jovens é atribuída à neurite óptica.
Estima se sua prevalência em 115:100.000 habitantes, com incidência anual de 2,6 homens e 7,5
mulheres para cada 100.000 habitantes.

Fisiopatologia
A desmielinização que ocorre em neurite óptica causa alentecimento e bloqueio de condução
do estímulo elétrico pelo nervo óptico, com baixa da acuidade visual e alentecimento na resposta
visual ao potencial evocado.
Algumas fibras desmielinizadas perdem a capacidade de transmitir os estímulos pelo bloqueio
intermitente da bomba de sódio, de modo que as frequências temporais mais elevadas são mal
transmitidas, levando o paciente com neurite óptica a se queixar de visão menos clara à fixação e em
ambientes claros.
A desmielinização é um fenômeno precoce e decisivo em neurite óptica, enquanto o bloqueio
neural é causado pela inflamação responsável pela perda visual. A resolução dessa inflamação
contribui para a reversibilidade do problema e, quando esta não ocorre, significa que houve algum
grau de lesão axônica e persiste a desmielinização.
Dor à movimentação ocular, sintoma comum em neurite óptica, deve se, provavelmente, à
estimulação de terminações nervosas na bainha de mielina.

Quadro clínico
A neurite óptica, em 70% dos casos, é unilateral e se manifesta por sintomas característicos,
dentre os quais: dor ocular ipsilateral, sinal de Uhthoff, perda visual, alterações do campo visual e
alterações cromáticas.
A dor, caracteristicamente ocular ou retro ocular e em peso, que tende a se intensificar com a
movimentação do olho, geralmente precede em alguns dias a perda da função visual ou lhe é
concomitante, costuma ser mais intensa no primeiro ou no segundo dia e diminui gradativamente em
alguns dias.
A maioria dos pacientes relata perda visual como turvação, embaçamento ou escurecimento da
visão do olho afetado, que não raramente se instala em horas ou dias. A acuidade visual pode ser
menor que 20/60 após 7 dias do início do quadro.
A diminuição da intensidade das cores, apesar de sempre ocorrer em neurite óptica, é queixa
relatada por apenas alguns pacientes.
O sinal de Uhthoff ocorre em aproximadamente 50% dos pacientes com neurite óptica
desmielinizante e se caracteriza por obscurecimento da visão com aumento da temperatura corporal,
induzido por banho quente, exercício físico, febre ou temperatura ambiente elevada. Há relatos ainda
do aparecimento desse sintoma por estresse, ansiedade, fadiga e outros.
Os defeitos campimétricos em neurite óptica existem em cerca de 48% dos casos e se
caracterizam, em geral, por escotomas no centro da visão ou por defeitos altitudinais e, raramente,
periféricos.

Diagnóstico
A relação entre neurite óptica desmielinizante e esclerose múltipla é reconhecida pela maioria
dos autores, e a possibilidade de conversão da neurite óptica desmielinizante isolada nessa esclerose
depende de fatores genéticos e ambientais ainda não bem conhecidos.
Os principais fatores de risco de conversão da neurite óptica em esclerose múltipla são: neurite
bilateral ou recorrente; sexo feminino; idade jovem; existência de antígenos de histocompatibilidade
HAL­DR­DQ, haplótipo Dw2; lesões cerebrais visíveis à RNM; e existência de banda oligoclonal em
LCR.
A taxa dessa conversão tem sido estimada em diferentes regiões; no Brasil foi de 13,9% para
mulheres e 7,7% para homens, após um período mediano de doença de 4,9 anos.
Diante do quadro clínico caracterizado pelos sintomas sugestivos de neurite óptica
desmielinizante, a fundoscopia possibilita confirmar a suspeita clínica. Assim, na fase aguda, o disco
óptico é normal em dois terços dos pacientes e, em outros, nota se edema com ou sem hemorragias
peripapilares.
O edema do disco geralmente é discreto e, após 6 meses do primeiro episódio, pode se
encontrar aparência normal do mesmo em 42% dos casos, palidez temporal de papila em 28% e total
em 18% dos pacientes restantes.
Estudos de RNM revelam, na fase aguda da neurite óptica, ruptura da barreira hematoneural
com passagem de gadolínio para o parênquima do nervo em aproximadamente 84% dos pacientes.
Observam-se, ainda, imagens hiperintensas em T2, na região periventricular e no corpo caloso.
O exame de LCR com banda oligoclonal ocorre em 70% dos pacientes com neurite óptica
desmielinizante, determinando o alto risco de conversão desta para esclerose múltipla.
O potencial evocado visual pode estar alterado mesmo em pacientes sem queixa específica,
entretanto, o aumento da latência da resposta caracteriza a neurite óptica desmielinizante e a diferencia
das outras causas de neurite óptica, secundárias à isquemia ou compressão, em que se encontra
redução dessa amplitude.
A neurite óptica desmielinizante é um diagnóstico de exclusão, devendo ser descartadas as
outras doenças que causam neuropatias ópticas. Algumas das principais causas de neuropatias ópticas
são: Neuropatia óptica isquêmica anterior; Neuromielite óptica; Neuropatia óptica hereditária de
Leber; Anomalias congênitas do disco; Papilopatia diabética; Vasculites do disco óptico; Neurites
ópticas infecciosas: viroses, herpes simples e herpes­zóster, caxumba, vírus da imunodeficiência
humana, mononucleose infecciosa, toxoplasmose, hepatite, sífilis, tuberculose; Neurites ópticas
autoimunes: lúpus eritematoso sistêmico, periarterite nodosa, tireoidite, artrite reumatoide.

Tratamento e prognóstico
O tratamento das neurites infecciosas necessita de antibióticos ou quimioterápicos específicos,
enquanto as de causa autoimune devem ser tratadas com corticosteróides orais ou intravenosos (IV)
em doses adequadas.
Recomenda-­se metilprednisolona IV, sob a forma de pulsoterapia, com dose aproximada de
250 mg, a cada 6 h, durante 3 dias, seguida de prednisona oral, na dose de 1 mg/kg, por 11 dias,
porque esta se mostrou eficaz, retardando a conversão pelo menos nos 2 primeiros anos após seu uso.
Quanto ao prognóstico das neurites ópticas, pode-se afirmar que é variável, dependendo da
etiologia e do tratamento proposto. As de natureza infecciosa e autoimune geralmente apresentam pior
prognóstico em relação ao comprometimento e à recuperação funcional. O prognóstico da neurite
óptica desmielinizante em relação à visão é bom, porém a grande questão que se apresenta é a
tendência à recorrência e à conversão para esclerose múltipla. O reconhecimento dos fatores de risco e
o tratamento precoce e adequado se tornam indispensáveis à conduta nesses casos.
Conceito
A encefalomielite aguda disseminada, denominada em língua inglesa ADEM (acute
disseminated encephalomyelitis), é uma doença inflamatória desmielinizante que compromete
encéfalo e medula espinal e se apresenta aguda ou subagudamente, com curso monofásico e
manifestações neurológicas multifocais.
A ADEM geralmente ocorre após doença viral exantematosa, infecções virais de vias
respiratórias superiores ou vacinação.

Etiopatogenia e epidemiologia
A incidência de ADEM é de 1:1.000 caso após o sarampo, 1:63 a 1:300.000 caso após a
varíola, 1:10.000 caso após a varicela e 1:20.000 caso após a rubéola. Contudo, os programas de
vacinação contra a varíola e o sarampo reduziram significativamente a incidência de ADEM. Inúmeros
outros agentes infecciosos, bem como vacinas, foram descritos como causas da ADEM.
Os principais agentes infecciosos que causam encefalomielite aguda disseminada são:
infecções virais exantematosas, vírus coxsackie B, caxumba, hepatite, vírus Epstein Barr, Mycoplasma
pneumoniae, vírus influenza, estreptococos beta e herpes.
As principais vacinas causadoras de encefalomielite aguda disseminada são: sarampo, vacina
tríplice (difteria, tétano e coqueluche), rubéola, varicela, vacina BCG (vacina do bacilo de Calmette
­Guérin), encefalite japonesa e influenza.
Devemos ressaltar que, apesar do grande número de fatores descritos como causas de ADEM,
ela não deve ser considerada como uma encefalite viral. Na ADEM não foi isolado nenhum vírus,
tanto no LCR como no tecido cerebral. Nesses casos, o quadro clínico é semelhante entre os pacientes,
independentemente do eventual fator desencadeante, e suas características anatomopatológicas são
semelhantes às descritas para encefalite autoimune experimental, distintas, portanto, das vistas em
encefalite viral.

Quadro clínico
A ADEM é mais frequente em crianças e adultos jovens e, geralmente, ocorre após história
prévia de infecção ou vacinação, antes dos dias até 6 semanas prévios ao quadro neurológico.
Acredita­-se que, em alguns pacientes, nos quais não se estabelece uma relação causal entre eventuais
fatores desencadeantes e a doença, pode se considerar que a ADEM ocorra espontaneamente.
O período prodrômico, existente em 70 a 80% dos casos, caracteriza-se por febre, cefaleia,
náuseas, vômitos e encefalopatia precedendo o quadro neurológico.
As manifestações neurológicas refletem o envolvimento difuso do encéfalo, da medula espinal
e das meninges. Pacientes com ADEM podem apresentar hemiparesia ou tetraparesia em diferentes
graus, anormalidades sensitivas, sintomas cerebelares, distúrbios da marcha, disfunções de nervos
cranianos e sinais de irritação meníngea. Quando há comprometimento da medula espinal, podem-se
observar graus variáveis de paraparesia ou tetraparesia, resposta extensora do reflexo cutaneoplantar,
níveis variados de anormalidades sensitivas e disfunções esfincterianas. Em alguns pacientes, há
comprometimento da substância cinzenta, com crises convulsivas focais ou generalizadas. Em virtude
do comprometimento difuso do SNC, os pacientes com ADEM podem exibir graus de distúrbios da
consciência desde letargia até coma, o que acarreta insuficiência respiratória aguda em alguns,
necessitando de suporte ventilatório.
Os sinais clínicos mais comuns foram de comprometimento piramidal em 77% e sensitivos em
64% dos pacientes. O rebaixamento do nível de consciência, as alterações cerebelares e os sinais
meníngeos ocorreram em 38, 23 e 20% dos casos, respectivamente.

Diagnóstico
A variabilidade de manifestações clínicas, a ausência de antecedentes, em alguns pacientes,
que justifiquem um quadro clínico pós infeccioso ou pós vacinal, a necessidade de excluir encefalites
infecciosas em muitos casos e a inexistência de critérios clínicos que estabeleçam a distinção entre a
ADEM e o primeiro surto de esclerose múltipla tornam o diagnóstico de ADEM difícil na maioria dos
pacientes com essa suspeita clínica.
Diante de um quadro clínico de sintomas neurológicos não focais (sinais meníngeos,
comprometimento da consciência, convulsões) e relato de evento infeccioso ou vacinal prévio, deve se
suspeitar do diagnóstico de ADEM. Outros sintomas neurológicos, tais como neurite óptica, ataxia e
sinais motores, podem decorrer da primeira manifestação da esclerose múltipla e, portanto, o
diagnóstico diferencial pode se transformar em um grande desafio.
Na investigação laboratorial, impõem-se as pesquisas de agentes infecciosos no LCR, por
meio de culturas e técnicas adequadas, com a finalidade de identificar as encefalites. Em cerca de dois
terços dos pacientes, o LCR em ADEM tem pleocitose linfomononuclear com menos de 50 células e
banda oligoclonal em 60% dos casos. A RNM mostra grande variabilidade de resultados, desde lesões
de grande dimensão e edema intenso até exames normais.
Alguns relatos ressaltam que o maior comprometimento nos núcleos da base e no tálamo e o
menor nas regiões periventriculares possibilitam diferenciar a ADEM da esclerose múltipla.
Habitualmente, as lesões causadas pela ADEM tendem a regredir e até a desaparecer durante o
seguimento a médio e longo prazos, à RNM.

Tratamento e prognóstico
Não há, até o momento, consenso quanto ao tratamento da ADEM, e a melhora espontânea
observada em vários casos dificulta ainda mais essa questão. Há evidências de que o tratamento com
corticosteróides, principalmente com a metilprednisolona IV, sob a forma de pulsoterapia, tem efeito
benéfico, com melhora e diminuição das incapacidades neurológicas. Pacientes não responsivos aos
corticóides têm resultados favoráveis com outras imunoterapias, como imunoglobulina intravenosa,
plasmaférese e agentes citostáticos.
A doença tem curso monofásico, porém, em raros casos, ocorre uma evolução remitente­
recorrente e, em outros, rapidamente progressiva, descrita por alguns como encefalomielite
hemorrágica; entretanto, para a maioria dos pacientes com ADEM o prognóstico é favorável, com
recuperação completa ou parcial das incapacidades neurológicas. Em um estudo, cerca de 72% dos
doentes tiveram recuperação completa.

Conceito
Define-­se neuromielite óptica como a associação temporal de duas manifestações
neurológicas, a neurite óptica e a mielite transversa, que se instalam de modo agudo e simultâneo ou
separadas, por dias ou semanas, com remissão variável, de caso para caso.
Em vários pacientes com neuromielite óptica detecta­-se história prévia de infecções virais,
bacterianas ou enfermidades sistêmicas, sugerindo a possibilidade de imunomediação de células B na
doença, ao contrário do que se observa em esclerose múltipla, mediada por células T.
Alguns fatores desencadeantes da neuromielite óptica são: lúpus eritematoso disseminado,
síndrome de Vernant, sarcoidose, viroses respiratórias, síndrome de Hughes e tuberculose.

Epidemiologia
A neuromielite óptica é considerada rara em populações caucasianas, principalmente na
América do Norte, sendo estimada em 1% de casos das doenças desmielinizantes. Na Martinica,
população com grande número de negros, sua ocorrência foi estimada em 17% dos casos de moléstias
desmielinizantes. No Rio de Janeiro, estima-se que ocorra em 11% dos pacientes, enquanto em
Curitiba essa moléstia foi identificada em 3,5% dos pacientes.

Anatomia patológica
Os achados histopatológicos na fase inicial da neuromielite óptica são de intensa reação
inflamatória, com infiltrado de células polimorfonucleares no nervo óptico e na medula, seguida por
destruição tecidual e desmielinização e áreas coalescentes na substância branca, comprometimento de
substância cinzenta concomitante e, por fim, gliose reativa acompanhada de astrocitose e formação de
cicatrizes. As lesões da medula espinal são caracterizadas, principalmente, por rarefação neuronal, que
se estendem por vários segmentos vertebrais, ao contrário do que ocorre em esclerose múltipla, que se
apresenta com lesões restritas a um segmento.

Quadro clínico
A neuromielite óptica evolui sob a forma de surtos agudos ou subagudos de neurite óptica e
síndrome medular transversa, que se apresentam simultânea ou isoladamente, com tempo variável
entre si. A doença pode se manifestar com um único surto (formas monofásicas) ou evoluir
cronicamente, sempre restrita ao nervo óptico e à medula espinal (formas recorrentes).
Na maioria dos casos, a neurite óptica caracteriza-se por perda visual completa, uni ou
bilateral, muitas vezes irreversível já no primeiro surto. O exame de fundo de olho pode ser normal ou
mostrar moderado papiledema.
O comprometimento medular caracteriza-se por abolição dos reflexos profundos e superficiais
na fase aguda e sinais de liberação piramidal (hiper­reflexia, hipertonia, espasmos em flexão ou
extensão, sinal de Babinski) na fase crônica. Frequentemente, na fase aguda, os pacientes com a
síndrome medular se queixam de dores em cinta, iniciando-se na coluna vertebral e irradiando-se
transversalmente ao tórax ou abdome. A ocorrência de nível sensitivo, ao exame neurológico da
sensibilidade dolorosa, é o parâmetro clínico mais sensível para determinar a localização topográfica
do processo inflamatório. Alterações esfincterianas, quando ocorrem, mostram-se com graus variáveis,
de acordo com a gravidade da inflamação, e incluem desde urgência miccional até perda completa das
funções e necessidade de sondas de alívio ou demora.
A forma monofásica da neuromielite óptica, mais rara, compromete igualmente ambos os
sexos e qualquer idade. Na maior parte dos casos, o surto se manifesta por perda uni ou bilateral da
visão e alterações motoras e sensitivas nos quatro membros (mielite cervical) ou nos membros
inferiores (mielite dorsal), associadas a distúrbios esfincterianos. Em um terço dos pacientes
identificam-se antecedentes recentes de vacinação ou pródromos de infecção viral (febre, mialgia,
cefaleia), não detectados em 40% dos casos restantes.
Nas formas recorrentes, geralmente mais graves, o sexo feminino é o mais acometido entre a
terceira e a quarta década de vida, e o quadro clínico caracteriza­se por surtos e remissões alternados.
Um estudo que analisou 24 pacientes com neuromielite óptica e detectaram, em dois deles, a
forma monofásica da doença e antecedentes imediatos infecciosos (doença respiratória viral e
tuberculose pulmonar). Nos demais, com apresentação recorrente, detectaram antecedentes de
neurocistercose em um, tuberculose em dois, aumento de anticorpos anticardiolipina e outros
autoanticorpos em três, periarterite nodosa em outro e endocrinopatia associada à neuromielite óptica
(síndrome de Vernant) em seis pacientes. Nessas formas clínicas, o tempo médio até a instalação do
segundo surto foi de 600 dias.

Diagnóstico clínico
A descrição da neuromielite óptica, em associação a fatores infecciosos ou virais, indica a
necessidade de uma investigação clínica extensa, apoiada em exames laboratoriais e de imagem, para
exclusão dessas doenças em pacientes com suspeita da moléstia neurológica.
Inúmeros critérios de diagnóstico da neuromielite óptica foram propostos, principalmente pela
dificuldade de diferenciá-la da esclerose múltipla. Classificada previamente como forma variante da
EM, passou a integrar o grupo das canalopatias imunomediadas (existência de anticorpo sérico da
antiaquaporina 4). A introdução da RNM auxiliou nessa tarefa, uma vez que a imagem obtida em
exames da medula espinal torna possível avaliar a extensão da lesão medular que caracteristicamente
compromete mais de três segmentos vertebrais, ocasionando edema na fase aguda e atrofia nos casos
crônicos de neuromielite óptica. Em alguns casos, são observadas cavitação e necrose central da
medula, principalmente após o uso de contraste para RNM. Em pacientes com neuromielite óptica, a
RNM do cérebro é normal, principalmente na fase aguda da doença, podendo se identificar, muitas
vezes, a lesão do nervo óptico.
Os critérios de diagnóstico para neuromielite óptica são: neurite óptica, mielite transversa,
ausência de evidência clínica de lesão situada fora do nervo óptico ou da medula espinal, RNM de
cérebro normal, RNM de medula com lesão se estendendo a mais de três segmentos vertebrais,
pleocitose no LCR maior que 50 células/mm3 e existência de anticorpo sérico anti­-AQP4.

Tratamento e prognóstico
Analogamente ao que foi descrito em outras enfermidades desmielinizantes, os
corticosteróides são indicados para tratamento de neuromielite óptica, principalmente a
metilprednisolona intravenosa, na dose de 1 a 1,5 g por dia, por 5 dias. A associação entre
metilprednisolona e imunoglobulina humana, na dose de 400 mg/dia, tem sido recomendada pelos
benefícios observados, em especial em neuromielite óptica pós infecciosa.
Outros medicamentos, isoladamente ou em associação, como imunossupressores,
imunomoduladores e a plasmaférese, têm sido utilizados, porém seus resultados ainda carecem de
comprovação.
Recentemente foi introduzido o uso de anticorpo monoclonal quimérico anti-­CD20 rituzimabe
no tratamento da neuromielite óptica, que pode apresentar reações infusionais.
A maioria dos casos de neuromielite óptica monofásica evolui com remissão parcial ou
completa de sintomas a longo prazo; quando ocorrem, as sequelas visuais e motoras são discretas. As
formas recorrentes da neuromielite óptica, ao contrário, têm prognóstico reservado, com grande
morbidade, mortalidade alta e a ocorrência frequente de graves sequelas motoras e/ou visuais. Um
estudo relatou 10 óbitos na série de 43 casos de neuromielite óptica recorrente, e a maioria dos demais,
após média de tempo de 9,4 anos de doença, apresentava amaurose bilateral e déficit motor grave em
pelo menos um membro.

Você também pode gostar