Você está na página 1de 9

Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Correia – REUMATOLOGIA – MEDICINA P6 – 2010.

FAMENE
NETTO, Arlindo Ugulino; CORREIA, Luiz Gustavo; ELOY, Yuri Leite.
REUMATOLOGIA

LUPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO


(Professora Ana Karla)

O Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença auto-imune, caracterizada por inflamação crônica vascular e
do tecido conjuntivo e pela presença de anticorpos anti-nucleares (ANA), em particular anticorpos anti-DNA dupla cadeia
(dsDNA). É uma doença multissistêmica, recorrente, com uma apresentação clínica extremamente variável e uma
história natural imprevisível, sendo progressiva e potencialmente fatal, se não tratada.
O LES acomete, principalmente, o sexo feminino, em todas as faixas etárias. Trata-se de uma doença que evolui
em surtos e remissões, isto é: o LES é uma doença policíclica.
Os principais achados do exame físico de um paciente portador de LES são: rash malar fotossensível, alopércia
difusa, lesões cicatriciais discóides, etc. O termo lúpus atribuído à doença foi, justamente, dado em alusão ao rush malar
característico, que se assemelha à mancha da face dos lobos.

FATORES ASSOCIADOS AO LÚPUS


Não se tem uma base etiológica fundamentada do lúpus. Acredita-se, contudo, que a doença esta associada a
fenômenos multi-fatoriais – como a maioria das doenças reumatológicas – em que existe uma soma de fatores genéticos

Medicina livre, venda proibida, twitter @Livremedicina


e ambientais externos associados à predisposição individual do paciente.
Os fatores relacionados com a base etiológica do LES são:
● Fatores genéticos: indícios mostravam uma maior predisposição de desenvolvimento da doença em gêmeos
monozigóticos, o que fez aumentar o número de estudos sobre fatores genéticos relacionados aos lúpus. De
fato, LES era incidente em 25 – 50% dos gêmeos homozigóticos e 5% apenas em dizigóticos, comprovando que
coexistia um fator genético relacionado com a doença. Verificou-se que indivíduos portadores dos complexos de
histocompatibilidade HLADR2 e HLADR3 apresentavam risco relativo de 2 a 5 (diferentemente da artrite
reumatóide, que guarda relação com o HLADR1 e HLADR4). Além disto, comprovou-se uma deficiência
hereditária de alguns fatores do complemento (como o C4a, C4b e C1q), o que justificou algumas manifestações
clínicas (como o edema angioneurótico).

● Fatores ambientais: alguns fatores ambientais podem implicar na evolução do LES, tais como: luz solar (raios
UVA e UVB), estresse, drogas e agentes infecciosos (como o vírus Epstein-Barr). De fato, indivíduos com lúpus
devem ser protegidos da exposição solar e da luz fluorescente. As principais drogas relacionadas como fatores
desencadeantes do lúpus são: procainamida (antiarrítmico), Isoniazida (tuberculostático) e hidralazina (anti-
hipertensivo).

● Fatores hormonais: os fatores hormonais tentam explicar a maior prevalência da doença em mulheres jovens,
durante a puberdade, gravidez ou menopausa. Os níveis aumentados de prolactina são evidentes em mulheres
com LES quando comparadas com grupos sadios da mesma faixa etária.

EPIDEMIOLOGIA
O lúpus não é considerado uma doença frequente, pois tem prevalência de 1 em cada 2000 – 10000, com
incidência de 3,7 – 5,5/100000 habitantes ao ano.
Tem preferência pelo sexo feminino (6 a 10 mulheres: 1 homem; nos extremos de idade, a diferença diminui: 3 a
4 mulheres : 1 homem), sendo bem mais incidente na menarca, na faixa etária entre 15 – 40 anos. Não há preferência
por raça, sendo considerada uma doença universal; embora alguns trabalhos norte-americanos relataram que a raça
negra tem uma maior predisposição e, quando está presente nesta raça, é mais grave, com manifestações mais
extensas, principalmente renais.
Estima-se que 108.000 mulheres americanas tiveram o diagnóstico de lúpus nos Estados Unidos em 2002.

FISIOPATOLOGIA
Inicialmente, acredita-se que ocorre uma perda da tolerância imunológica ao próprio (self) sem que haja um fator
desencadeador específico conhecido. Tal situação faz com que haja uma ativação policlonal de linfócitos B, que se
diferenciam em plasmócitos e realizam a produção de auto-anticorpos.
Falhas nos mecanismos supressores e de regulação imune permitem que estes anticorpos ataquem antígenos
próprios localizados no núcleo celular, na membrana plasmática ou no citoplasma.
1
Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Correia – REUMATOLOGIA – MEDICINA P6 – 2010.1

Diante disso, ocorre a ativação de linfócitos B, T e de linhagens monocíticas. Com a hiperatividade das células
B, acontece o aumento exagerado das globulinas e a produção generalizada de autoanticorpos (contra o núcleo,
citoplasma ou superfície celular).
Os anticorpos anti-nucleares (ANA) ou fator antinuclear (FAN) estão presentes em 95% dos pacientes
portadores de LES. Embora não seja um marcador específico para o lúpus – o FAN pode estar presente em qualquer
doença auto-imune – este fator apresenta-se mais positivo nesta doença. Considera-se, portanto, que dos marcadores
de lúpus, o FAN é o mais sensível, mas não é específico. Os anticorpos mais específicos do lúpus são: anti-DNA
(presente em 75% dos pacientes com LES) e anti-Sm (presente em apenas 30% dos pacientes; mas quando presente, é
um forte indicativo de LES), embora sejam pouco sensíveis.

ETIOPATOGÊNESE
Estudos prospectivos realizados no soro de pacientes dos EUA observaram que o quadro clínico do LES é
precedido pelo acúmulo progressivo de auto-anticorpos por muitos anos (em até 9 anos) antes do diagnóstico.
Inicialmente, apareceriam FAN, anti-Ro, anti-LA e anti-fosfolípides, seguido pelo aparecimento de anticorpos mais
específicos (anti-Sm) e potencialmente patogênicos (anti-dsDNA e anti-RNP), marcando a quebra da tolerância
imunológica.
Quando o paciente era então exposto a algum agente desencadeador (radiação solar, estresse, etc.), o quadro
clínico de lúpus de manifestava.

CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS

Medicina livre, venda proibida, twitter @Livremedicina


Alguns critérios classificatórios para lúpus foram criados para melhor caracterizar o quadro clínico da doença. A
presença de pelo menos 4 dos 11 critérios criados determinam um quadro de lúpus. Contudo, tais critérios não servem
para diagnóstico, mas são apenas classificatórios – isto é, pode existir um paciente portador típico de lúpus sem
apresentar 4 critérios específicos.
Na realidade, os critérios foram desenvolvidos
pelo Colégio Americano de Reumatologia com o objetivo
de uniformizar a definição de LES para fins científicos
(isto é: publicação de artigos científicos discriminando a
homogeneidade do grupo estudado baseando-se na
quantidade de critérios que cada paciente da amostragem
apresenta). É possível, portanto, termos pacientes com
LES sem apresentar 4 dos 11 critérios a seguir:
1. Artrite não erosiva;
2. Serosite (pericardite ou pleuris);
3. Comprometimento renal;
4. Alterações neurológicas (convulsões, psicose);
5. Alterações hematológicas;
6. Eritema malar;
7. Fotossensibiliadde;
8. Lesões discóide;
9. Úlcera de mucosa oral ou nasal;
10. Anticopo anti-núcleo positivo;
11. Alterações imunológica.

Embora os critérios sejam apenas de cunho classificatório, a existência deles sugere fortemente o diagnóstico de
lúpus. Por esta razão, passaremos a detalhar agora tais critérios, como forma de descrever o quadro clínico típico de um
portador de lúpus.

ARTRITE NÃO EROSIVA


Inicialmente, devemos diferenciar a artrite lúpica com a artrite reumatóide: esta se caracteriza por uma erosão
disseminada das articulações, de caráter deformante e cronicamente progressiva. A artrite lúpica caracteriza-se por não
ser progressiva, que evolui em surtos (acompanha os períodos de atividade da doença) e não apresenta caráter erosivo
– isto é: trata-se de uma artrite não erosiva, embora possa levar a algumas deformidades.
Basicamente, consiste em uma poliartrite, que acomete duas ou mais articulações periféricas, caracterizadas por
dor e edema ou derrame articular. Geralmente acomete mãos, punhos e joelhos, mantendo um caráter simétrico.
De uma forma geral, temos as seguintes manifestações músculo-esqueléticas dos portadores de lúpus:
✔ 95% dos pacientes cursam com artralgia e artrite;

✔ 80 a 90% os pacientes apresentam artralgias e aproximadamente 50%, atrite, de caráter simétrico, migratório e
fugaz;

2
Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Correia – REUMATOLOGIA – MEDICINA P6 – 2010.1

✔ 10% dos pacientes podem apresentar artropatia deformante (de Jaccoud) e alterações ligamentares.
A artropatia de Jaccoud não é caracterizada por uma
derformidade da estrutura óssea articular, mas sim por uma
disfunção dos tecidos periarticulares. Geralmente, é causada por
uma frouxidão ligamentar, que se manifesta nos dedos das mãos
como uma extensão da articulação inter-falangeana proximal e flexão
da inter-falangeana distal. O aspecto é bastante semelhante ao
achado clássico de “dedo em pescoço de cisne”, que caracteriza a
artrite reumatóide. Contudo, diferentemente desta doença, as
articulações não estão rígidas, de forma que o examinador, sem que
seja necessária muita força, pode corrigir a posição dos dedos –
diferentemente da artrite reumatóide, doença em que a rigidez
articular impõe resistência na tentativa de retificar a posição dos
dedos.
Além do aspecto semelhante ao dedo em pescoço de cisne, nota-se ainda uma subluxação das articulações
metacarpo-falangeanas (também por frouxidão dos tecidos periarticulares), o que causa um importante desvio ulnar dos
dedos (as falanges ficam voltadas medialmente, com relação à posição anatômica humana).
Diante destes achados, nota-se a importância de realizar o diagnóstico diferencial entre lúpus e artrite
reumatóide. Tal definição pode ser melhor realizada quando comprovamos os demais achados clínicos do lúpus.

SEROSITE E MANIFESTAÇÕES CARDIOPULMONARES

Medicina livre, venda proibida, twitter @Livremedicina


A serosite é caracterizada pelo acometimento inflamatório das serosas, tais como o pericárdio (causando
pericardite) ou a pleura (causando pleurite). Podem ser facilmente diagnosticados na presença de dor pleurítica,
ausculta de atrito pleural e/ou derrame pleural positivo (o que pode caracterizar a pleurite). A presença de atrito
pericárdico (com hipofonese de bulhas) e evidência de derrame pericárdio sugere a pericardite.
Outras manifestações cardiopulmonares (com envolvimento parenquimatoso) podem estar presentes, tais como:
pneumonite lúpica aguda; hemorragia alveolar; doença intersticial pulmonar; miocardite; endocardite; hipertensão
pulmonar por comprometimento da artéria pulmonar (geralmente, acompanhada de alveolite). Tais manifestações
parenquimatosas são mais raras.
O derrame pleural acontece em mais de 50% dos pacientes, com dor pleurítica às vezes intensa. O derrame
pleural caracteriza-se por ser bilateral, de pequeno volume e, na maioria das vezes, assintomático. Contudo, pode ser
unilateral e volumoso. No derrame, há predomínio de PMN ou linfócitos. O FAN > 1:160 sugere a doença; a presença de
anti-DNAn diagnostica a doença, por ser um marcador mais específico do lúpus.
A pericardite e o derrame pericárdico podem ser diagnosticados clinicamente (com sensibilidade de 45%) ou por
exames de imagem (o ecocardiograma chega a uma sensibilidade de 60%). O derrame é tipicamente assintomático em
metade dos pacientes. A endocardite de Libman-Sacks (um comprometimento endocárdio mais raro que acomete a
valva não de forma séptica – como o faz a endocardite bacteriana – mas com formações verrucosas nas valvas
cardíacas), é mais frequente na presença de anti-fosfolipídeos associados.

COMPROMETIMENTO RENAL
Uma das principais e mais importantes manifestações do lúpus se faz em nível renal. Para determinar a
presença de nefrite lúpica, devemos ter um ou os dois critérios abaixo:
✔ Proteinúria persistente acima de 500 mg/24 horas ou +++ no sumário de urina; e/ou

✔ Cilindros celulares no sedimento urinário (hemáticos, granulosos, tubulares ou mistos).

Tais achados devem ser confirmados solicitando exame de urina de 24 horas. Vale salientar que cilindros
hialinos não preenchem os critérios: devemos encontrar cilindros celulares.
A nefrite lúpica é bem prevalente: cerca de 50 a 70% dos pacientes apresentam nefrites clinicamente aparentes,
com maior frequência nos primeiros 5 anos de doença. Estudos comprovam que pacientes que não desenvolveram
nefrite lúpica nos primeiros 5 anos da doença terão possibilidades remotas de um comprometimento renal.

Classificação da nefrite lúpica segundo a OMS.


O diagnóstico de nefrite lúpica não é o bastante – é necessário classificar histologicamente o seu grau para
predizer o tratamento e avaliar o prognóstico do paciente. A nefrite lúpica é classificada da seguinte forma:
● Classe I: rins de anatomia normal nos exames (microscopia óptica, imunofluorescência e microscopia
eletrônica);
● Classe II (mesangial): nefropatia mesangial pura;

3
Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Correia – REUMATOLOGIA – MEDICINA P6 – 2010.1

● Classe III: glomerulonefrite focal e segmentar: menor que 50% do glomérulo acometido, com proliferação
endocapilar. O prognóstico semelhante ao da glomerulonefrite pós-infecciosa difusa (GNPD).
● Classe IV: glomerulonefrite proliferativa difusa: classe histológica mais frequente e mais grave. Processo
inflamatório acometendo mais de 50% dos capilares glomerulares, com distribuição difusa e global.
● Classe V (membranosa): depósitos imunes predominam no espaço subendotelial do glomérulo, com
hipercelularidade mesangiais, depósitos de Ig e proteínas do complemento.
Do ponto de vista de gravidade, temos a seguinte ordem, da pior para a menos grave: IV, III, V, II e I.
Para que a realização de biópsia não seja necessária em todos os pacientes com lúpus, em 1991, foram
propostos critérios de correlação clínico-histológicos, classificando a nefrite lúpica não por critérios histológicos, mas por
achados clínicos e laboratoriais comuns, feitos na rotina diária do lúpus.
● Classe II: presença de poucas células hemáticas (5 – 15), poucos leucócitos (5 – 15), função renal (uréria e
creatinina) normal, proteinúria menor que 1g, complemento normal ou pouco consumido, anti-DNA normal ou
pouco aumentado. Caracteriza-se por um quadro de síndrome nefrítica.
● Classe III: hipertensão arterial, presença de poucas células hemáticas e poucos leucócitos; filtração glomerular
no limite ou boderline (60 – 80 ml/minuto), em urina de 24 horas; proteinúria maior, mas menor do que 2g;
complemento normal ou pouco consumido e anti-DNA pouco aumentado. Caracteriza-se por um quadro de
síndrome nefrítica.

Medicina livre, venda proibida, twitter @Livremedicina


● Classe IV: hipertensão arterial, edema de membros inferiores, urina espumosa devido à presença de proteinúria
importante na urina de 24 horas (1 – 20 g), consumo exagerado de proteínas do complemento, anti-DNA muito
aumentado; presença de muitas células hemáticas e leucócitos no sumário de urina; cleance de creatinina
abaixo de 60 (função renal deteriorada); creatinina sérica acima de 1,5 mg/dl. Tais achados identificam um
paciente com prognóstico ruim e mais prevalente. Caracteriza-se, portanto, por uma associação de síndrome
nefrítica e síndrome nefrótica.
● Classe V: sumário de urina aparentemente normal, sem hipertensão arterial, sem alterações de uréia e
creatinina; apresenta apenas proteinúria acima de 3,5g, caracterizando uma síndrome nefrótica.

ALTERAÇÕES NEUROLÓGICAS
As alterações neurológicas que caracterizam o lúpus são: convulsões e psicoses. Contudo, o sintoma
neurológico mais comum do lúpus é a cefaléia tensional ou enxaqueca refratária ao uso de anti-inflamatórios comuns,
que só respondem a corticóides em doses moderadas a altas. Distúrbios cognitivos também são bastante frequentes:
alterações da memória, da concentração, da atenção e do humor.
Contudo, por serem manifestações neurológicas mais graves, os seguintes achados entram como critérios de
classificação:
● Convulsões (15 a 20%), na forma de crise epiléptica tônico-clônica generalizada. É decorrente da própria doença
ou por outras disfunções tais como: vasculite lúpica, trombose aguda, uso de medicamentos, parada súbita do
corticóide, infecções, causas metabólicas, entre outras. É necessário, contudo, descartar as convulsões
causadas por fenômenos infecciosos ou metabólicos.
● Psicose, na forma de agitações psicomotoras associadas a alucinações visuais e/ou auditivas. São mais comuns
por atividade da doença lúpica ou decorrente do uso de altas doses de corticóide (doses imunossupressoras).
Para diferencias estas causas, devemos dosar o anticorpo anti-P ou anti-ribossomoal P: se este anti-corpo
estiver positivo, fala a favor de psicose causada pela atividade da própria doença; se ele estiver negativo ou em
baixos títulos, fala a favor de psicose causada por corticoesteróides. Tal diferenciação é importante por mudar
radicalmente na terapêutica da doença.

As outras manifestações neurológicas mais comuns do lúpus são: disfunção cognitiva, cefaléia lúpica, vasculites,
distúrbios do movimento, mielopatia, pseudotumor cerebral, neuropatias periféricas.

ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS
As principais alterações hematológicas que entram como critério de classificação do lúpus são: Anemia
hemolítica ou leucopenia (< 4000 leucócitos/mm³); Linfopenia (< 1500 linfócito/mm³); ou Plaquetopenia (< 100000), na
ausência de outras causas e persistentes (achados em pelo menos duas ocasiões consecutivas).
Contudo, tais achados não são os mais comuns do lúpus: a anemia normocrônica ou normocítica é a mais
comum (estando presente em 80% dos pacientes); a anemia hemolítica auto-imune, que faz parte dos critérios para
lúpus, ocorre em apenas 10 – 15% dos pacientes. Para diferenciar a anemia normocrômica da anemia hemolítica faz-se

4
Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Correia – REUMATOLOGIA – MEDICINA P6 – 2010.1

a medição da bilirrubina total e indireita (que estarão aumentados na anemia hemolítica), Coombs direto (positivo na
anemia hemolítica) e VHL (aumentado na anemia hemolítica).
A leucopenia e a linfopenia, diferentemente da anemia hemolítica, é um achado muito frequente: pelo menos
50% - 70% dos pacientes com lúpus vão desenvolver leucopenia ou linfopenia em um determinado momento da
evolução da doença. Já a trombocitopenia grave é bem mais rara (cerca de 5% apenas).

LESÕES CUTÂNEAS
Lesões cutâneas agudas.
O eritema malar (em asa de borboleta) consiste em uma lesão cutânea aguda do LES. 40 a 50% dos pacientes
vão desenvolver esta lesão, que é considerada, praticamente, patognomônica do lúpus. Acomete, principalmente, a
região das bochechas, dorso do nariz e preservam o sulco nasolabial, não deixando cicatrizes (na realidade, as lesões
agudas e subagudas do lúpus não deixam cicatrizes, diferentemente das lesões crônicas).
A fotossensibilidade à luz UV (solar ou fluorescente) ocorre em 40 a 60% dos pacientes. Se manifesta na
forma de lesões bolhosas agudas em áreas expostas ao sol (lúpus bolhoso) associadas a lesões eritematosas. Na
maioria dos casos, estão relacionados com FAN (95% dos casos) e Anti-Ro.
Outras lesões cutâneas agudas e inespecíficas do LES são: máculas ou pápulas eritematosas.

Lesões cutâneas subagudas.


As lesões subagudas do lúpus ocorrem em 7 – 27% dos pacientes, distribuindo-se em áreas de exposição solar,
por também estarem relacionadas à fotossensibilidade (em 85%), com FAN (70 – 80%) ou com anti-Ro (em até 70% dos
casos). Os dois principais tipos de lesões subagudas são:

Medicina livre, venda proibida, twitter @Livremedicina


✔ Lesões anulares: lesões com bordas bem definidas, eritematosas e circulares, semelhantes a anéis;

✔ Lesões pápulo-escamosas: lesões parecidas com psoríase, cobertas por membrana semelhante a escamas.

Lesões cutâneas crônicas.


A depender da lesão crônica prevalente, o lúpus pode ser diferentemente classificado.
A lesão cutânea crônica do chamado lúpus discóide é a lesão discóide. Por serem lesões crônicas, deixam
cicatrizes evidentes. 2 a 10% dos pacientes podem apresentar esta forma de lúpus eritematoso discóide isolado, isto é,
ter como manifestações clínicas iniciais a presença de lesões discóides e, com a evolução, passar a apresentar outras
manifestações sistêmicas. De uma forma geral, 15 a 30% dos pacientes com LES tradicional apresentam lesões
discóides em alguma fase da doença.
O LES discóide pode ser localizado (80%) ou generalizado. Os locais mais frequentes de apresentar lesões
discóides localizadas são: face, pavilhão auricular, região torácica anterior e couro cabeludo. O risco da sistematização
das lesões depende da predisposição genética e, portanto, deve-se fazer o acompanhamento rigoroso destes pacientes.
As lesões do lúpus eritematoso discóide podem apresentar as seguintes características: esféricas, ovais, planas,
um pouco elevadas, demarcadas, eritematosas, escamosas, aderentes, cicatriciais (atrofia e hipopigmentação central).
O lúpus discóide ainda pode se manifestar no couro cabeludo (em 60% dos casos), podendo ser esta a única
área envolvida (em 10% dos casos). A alopecia cicatricial do lúpus discóide é relativamente comum (30% dos casos)
e irreversível, diferentemente da alopecia do lúpus eritematoso sistêmico em atividade (que se apresenta na forma de
lesão subaguda ou crônica, sendo considerada reversível e difusa – lupus` hair).
O chamado lúpus eritematoso cutâneo crônico hipertrófico (ou verrusoco) também é caracterizado por
lesões crônicas de aspecto grosseiro, semelhante a verrugas, coalescentes, hiperqueratósicas, formando nódulos
elevados e placas eritêmato-descamativas disseminadas.

MANIFESTAÇÕES VASCULARES
As manifestações vasculares do lúpus são caracterizadas por inflamações nas paredes dos vasos (vasculites ou
arterites) ou por manifestações trombo-oclusivas, sendo a necrose de tecidos periféricos os principais resultados.
Outras manifestações vasculares incluem telangiectasias, eritemas na face palmar, alterações vasculares
ungueais e na face plantar na forma de úlceras dolorosas (principalmente na polpa digital).

ÚLCERA DE MUCOSA ORAL E NASAL


Manifesta-se, principalmente, na forma de ulcerações indolores (em 40% dos pacientes), ao contrário das
úlceras das vasculites. As principais localizações são: palato duro e mole, pilares faringeanos, região posterior da
faringe, etc. Pode durar cerca de 1 a 2 semanas.

TRATO GASTROINTESTINAL
As principais alterações gastrointestinais do lúpus são:
✔ Úlceras esofágicas, disfagia, náuseas e vômitos;

✔ Dor abdominal decorrente de pancreatite, isquemia intestinal, perfuração ou vasculite mesentérica, peritonites;

5
Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Correia – REUMATOLOGIA – MEDICINA P6 – 2010.1

✔ Ascite ou outras serosites (raras);

✔ Provas de função hepática alteradas e hepatomegalia (em 10 a 30% dos pacientes).

ANTICORPO ANTI-NÚCLEO POSITIVOS


Títulos anormais de auto-anticorpos (anticorpos anti-nucleares) detectados por imunofluorescência indireta ou
método equivalente, em qualquer época e na ausência de drogas conhecidas com associação à síndrome do lúpus
induzido por drogas, não são marcadores de atividade da doença, mas são marcadores diagnósticos.

ALTERAÇÕES IMUNOLÓGICAS
É critério de classificação o achado de anti-DNA nativo ou anti-Sm, ou presença de anticorpos antifosfolipídios
(IgG ou IgM anticardiolipina anormais), anti-coagulante lúpico positivo ou teste falso-positivo para sífilis por, no mínimo, 6
meses.

DIAGNÓSTICO DE LES
Na realidade, a hipótese diagnóstica de LES é clínica: ao suspeitar diante de um quadro clínico que apresente
manifestações listadas previamente neste capítulo como critérios classificatórios, devemos confirmar nossa hipótese por
meio de exames laboratoriais.
O primeiro dos exames a serem exigidos é o FAN por meio do método de imunofluorescência indireta.

Medicina livre, venda proibida, twitter @Livremedicina


Primeiramente, devemos avaliar a titulação do FAN: se for acima de 1:160, tem-se titulação positiva. Além da titulação,
devemos avaliar, também por meio da imunofluorescência, a padrão do auto-anticorpo que gera a positividade do FAN.
Para isso, devemos realizar a coloração do antígeno presente na doença, avaliando o padrão do lúpus e o auto-
anticorpo prevalente no determinado paciente.
Por exemplo:
✔ O exame pode determinar FAN de 1:1280 (positivo) com padrão nuclear homogêneo, o que significa que na
imunofluorescência, a coloração do núcleo foi homogênea, o que determina que a positividade do FAN tem
relação com um antígeno nuclear e, portanto, o auto-anticorpo prevalente neste paciente é o anti-DNA.
✔ Se, por acaso, o exame determinar FAN de 1:1280 com padrão nuclear pontilhado grosso, temos a correlação
com dois auto-anticorpos: o anti-RNP e anti-Sm.
✔ Caso o exame determine FAN positivo com padrão nuclear pontilhado fino, relaciona-se, por sua vez, com o anti-
Ro e com anti-A.

Na prática, não existe lúpus com FAN negativo, visto que a probabilidade é próxima de 1%. De uma forma geral,
o FAN não é marcador de acompanhamento da doença, mas sim, de diagnóstico. Por outro lado, a dosagem de anti-
DNA é o exame utilizado para monitorização da atividade da doença, podendo ser solicitado para o diagnóstico e para
avaliar a evolução da doença: se o anti-DNA estiver em títulos crescentes, significa dizer que a doença está entrando em
atividade.
Com relação aos auto-anticorpos do lúpus a sua importância clínica, temos:

Anticorpos Frequência Associação clínica Relação com atividade da


doença
FAN > 90% Inespecífico Suspeição diagnóstica
Anti-dsDNA 40 – 60% Nefrite Preditor de doença e de
(ELISA) atividade
Anti-RNP 30 – 40% Raynaud, doença músculo-esquelética Não indica
Anti P-ribossomal 10 – 20% Comprometimento do SNC, psicose, depressão Não indica
Anti-SSA/Ro 30-45% Olho e boca secos, LCSA, LES neonatal e Não indica
fotossensibilidade
Anti-fosfolipídes 30% Eventos tromboembólicos Variável

De uma forma geral, devemos pedir os seguintes exames para confirmar laboratorialmente a suspeita clínica de
lúpus:
✔ Hemograma

✔ Exames de sedimento urinário e sumário de urina

✔ Função renal
6
Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Correia – REUMATOLOGIA – MEDICINA P6 – 2010.1

✔ Eletroforese de proteínas: pode apresentar uma hipergamaglobulinemia policlonal

✔ Pesquisa de líquor para descartar convulsões por meningite.

✔ Proteína C-reativa para avaliar prova inflamatória (não tem tanto valor no lúpus)

✔ Proteínas do complemento

✔ Dosagem do FAN e do anti-DNA (este, para diagnóstico e seguimento)

Sempre que o paciente de lúpus apresentar exacerbação da doença, devemos investigar causa infecciosa, que
pode representar um fato de gatilho (desencadeante da crise).

OBS: Lúpus e gestação. O lúpus não altera a fertilidade. Aconselha-se apenas que a mulher programe a gravidez para
que esta não aconteça na época de atividade da doença: deve haver um controle da doença por pelo menos 6 meses,
para evitar o uso de drogas imunossupressoras, que são teratogênicas.

TRATAMENTO
O tratamento do lúpus é multidisciplinar, e consiste em medidas gerais e no uso de terapia farmacológica, tanto
para evitar os surtos da doença como para aliviar algumas manifestações específicas.

Medicina livre, venda proibida, twitter @Livremedicina


MEDIDAS GERAIS
✔ Orientações sobre a doença, evolução, ciclos de remissão e surtos, riscos e recursos;

✔ Apoio psicológico;

✔ Repouso durante a atividade da doença e medidas para estimular atividade física (para evitar a chamada
aterosclerose precoce);
✔ Dieta: balanceada, evitando excesso de sal, carboidratos e lipídios;

✔ Proteção contra luz solar e outras formas de irradiação ultra-violeta;

✔ Evitar tabagismo.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
● Antimaláricos: drogas utilizadas junto com os corticoesteróides, servindo de mantenedora e sendo considerada,
junto deles, drogas padrão ouro. Seus benefícios são: poupam as doses de corticóides; mantém a remissão da
doença, evitando surtos e exacerbações; apresenta bom efeito lipidogênico (pode baixar o LDL colesterol e
aumentar o HDL); diminui os efeitos trombóticos do lúpus; diminui o risco de neoplasias em pacientes com lúpus.
o Difosfato de cloroquina (DFC) 4mg/kg/dia ou
o Sulfato de hidroxicloroquina 6 mg/kg/dia.

● Corticosteróides: o mais utilizado é a prednisona em doses variáveis.


o Prednisona, via oral, 0,25 a 2 mg/kg/dia;
o Metilprednisolona em pulsoterapia: 1g/dia, EV, 3 dias. A pulsoterapia é mais utilizada para pacientes
renais graves ou em casos com envolvimento neurológico.

● Imunossupressores: os mais utilizados são Azatioprina, Ciclofosfamida, MTX, Ciclosporina A, Miclofenolato


mofetil. Serão utilizados dependendo das manifestações clínicas.

● Medidas de controle das lesões cutâneas:


o Fotoproteção: protetores solares com FPS ≥ 30.
o Lesões cutâneas localizadas: terapia tópica com corticóides.
o Lesões cutâneas disseminadas:
▪ Antimaláricos e Prednisona.

7
Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Correia – REUMATOLOGIA – MEDICINA P6 – 2010.1

▪ Para os casos refratários, temos:


Metotrexato: 10 – 20 mg/semana;
Talidomida: 100 – 200 mg/dia;
Azatioprina: 1 – 2 mg/kg/dia;
Dapsona: 100 mg/dia.

● Medidas para comprometimento articular e serosites: podemos lançar mão de AINEs e Prednisona em baixa
dose.

● Comprometimento hematológico: em casos de anemia hemolótica ou plaquetopenia grave (< 50000),


devemos tratar com corticóide em dose alta (por 6 semanas, com posterior redução). Para os casos refratários,
podemos optar por drogas poupadores de corticóide, como: Azatioprina (2 – 3 mg/kg/dia) + Prednisona;
Imunoglobulina intravenosa; Ciclofosfamida (em pulsoterapia mensal).

● Comprometimento cardiopulmonar: de uma forma geral, podemos optar com AINEs ou corticóides em doses
moderadas. Em casos de miocardite, podemos necessitar de doses elevadas para obter resposta satisfatória.

● Manifestações neuropsiquiátricas: uso de corticóides e imunossupressores – a medicação e a dosagem

Medicina livre, venda proibida, twitter @Livremedicina


devem ser baseadas de acordo com a gravidade.

● Nefrite lúpica: depende da classe histológica. No caso da nefrite proliferativa difusa (classe III e IV, a mais
grave), devemos tratar imunossupressores associados a corticóide, fazendo o seguinte esquema: Corticóide em
altas doses ou Pulsoterapia com Metilprednisolona (GNRP) + Citostáticos, particularmente, a Ciclofosfamida (VO
ou IV).
A Ciclofosfamida IV (pulsoterapia) deve ser administrada de forma mensal. Por se tratar de um quimioterápico
com muitos efeitos colaterais (náusea importante e cistite) devemos lançar mão deste medicamento somente o
tempo necessário, sempre controlando seus efeitos colaterais. Por esta razão, devemos substituir esta droga,
assim que possível (pelo menos, depois de 6 infusões mensais), por uma das seguintes drogas:
o Micofenolato mofetil (MFM): relativamente seletivo para linfócitos T e B ativados.
o Rituximabe: anti-CD20 (biológico).

OBS2: Alguns pacientes que cursam com glomerulonefrite rapidamente progressiva (isto é: dobrar o valor de creatinina
em um intervalo menor que 5 dias) devem fazer uso de doses mais elevadas que 1 g/kg/dia de Prednisona, sendo
necessário pulsoterapia com doses altas de Metilprednisolona por 3 dias.

PROGNÓSTICO
As causas de óbito nos primeiros 5 anos da doença são: atividade da doença (principalmente renal e
neurológica) e infecções intercorrentes.
As causas de óbito em pacientes com muito tempo de doença são, principalmente, decorrentes de complicações
cardiovasculares. Portanto, devemos controlar fatores de risco como hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença
coronariana, sedentarismo, tabagismo, etc.

8
Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Correia – REUMATOLOGIA – MEDICINA P6 – 2010.1

Medicina livre, venda proibida, twitter @Livremedicina

Você também pode gostar