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Projeto de Pesquisa a ser desenvolvido por Bolsistas do Programa Unificado de

Bolsas Edital 2022-2023 – USP

Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da


Universidade de São Paulo

BIOLOGIA CELULAR DAS DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS: ANÁLISE DAS


MITOCÔNDRIAS, RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO E EXOCITOSE.

Responsável: Prof. Dra. Merari de Fátima Ramires Ferrari

1. INTRODUÇÃO
O processo de envelhecimento do sistema nervoso central é acompanhado por
alterações celulares e bioquímicas associadas ao depósito proteico. Tal fenômeno é
exacerbado nas doenças neurodegenerativas como Alzheimer, Parkinson e Esclerose Lateral
amiotrófica, dentre outras. Entretanto, sabe-se que mesmo antes do aparecimento dos
agregados proteicos, as células apresentam deficiências importantes que culminam com a
morte neuronal.
A doença de Alzheimer (DA) está associada ao envelhecimento e é a desordem
neurodegenerativa mais comum, sendo que na população acima de 85 anos de idade a
prevalência da doença de Alzheimer chega a 50% (Fitzpatrick et al., 2004). Acúmulo de
proteína tau hiperfosforilada e peptídeo beta-amiloide são características fisiopatológicas da
doença de Alzheimer que estão associadas à morte neuronal e prejuízo das funções
cognitivas.
A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é outra doença neurodegenerativa onde há perda
progressiva dos movimentos na musculatura esquelética resultante da morte dos neurônios
motores da medula espinhal, tronco encefálico e córtex motor. Embora a maioria (90%) dos
casos de ELA sejam esporádicos, existem mutações em genes bem conhecidos associados
a esta neurodegeneração, como o SOD1, VAPB, TDP-43, FUS, ALSin, C9orf72, dentre muitos
outros (http://alsod.iop.kcl.ac.uk/). A maioria dessas mutações está associada à presença de
agregados proteicos intracelulares e implicam também em estresse do retículo
endoplasmático, deficiência mitocondrial e alteração da dinâmica e homeostase intracelular,
o que pode ser considerado um mecanismo comum às formas esporádica e familiar da ELA
(Walker e Atkin, 2011).
A Doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa relacionada ao
envelhecimento mais comum no mundo, atingindo entre 1% e 3% da população acima dos 65
anos de idade (Lew e Yeung, 2014; Poewe et .al, 2017). Além disso, apenas 10% dos casos

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são hereditários, de modo que é evidente a prevalência do caráter esporádico da patologia
(Lew e Yeung, 2014). No nível celular, dois aspectos são fundamentais para o
desenvolvimento da DP: formação de agregados proteicos citotóxicos, contendo alfa-
sinucleína em neurônios dopaminérgicos nigroestriatais e a presença de inclusões
conhecidas como Corpos de Lewy, ambos inter-relacionados e responsáveis em grande
medida pela morte neuronal.
O acúmulo e formação de agregados proteicos podem causar uma série de prejuízos
as células, como interferências nos processos de autofagia, de homeostase vesicular, no
transporte intrecelular bem como nas funções lisossomais, do retículo endoplasmático e das
mitocôndrias.
O retículo endoplasmático é uma das maiores organelas intracelulares, o qual é
formado por uma extensa membrana contígua ao envelope nuclear e que se estende pelo
citoplasma da célula. É uma organela multifuncional envolvida na síntese, processamento
modelamento e modificação de proteínas, bem como participa do transporte intracelular,
sinalização por cálcio, e biogênese mitocondrial.
As mitocôndrias são essenciais a diversos processos fisiológicos e sua disfunção está
associada a doenças neurodegenerativas. Mitocôndrias e retículo endoplasmático estão
interconectados fisica e fisiologicamente. Essas organelas interagem para a homeostase do
cálcio, biogênese mitocondrial e sinalização celular. Alteração na comunicação entre o
retículo endoplasmático e a mitocôndria pode representar um importante impacto para a morte
neuronal (Cali et al., 2013; Monzio Compagnoni et al, 2020).
Mutação em genes relacionados ao acoplamento entre retículo endoplasmático e
mitocôndrias na membrana associada a mitocôndria (MAM), que é a interface de interação
entre essas organelas, são relacionadas ao aparecimento de doenças neurodegenerativas
como a ELA, indicando a relação entre o prejuízo da relação ER-mitocondria e a
neurodegeneração, pelo colapso da MAM (Watanabe et al., 2016).
A descoberta da lfa-sinucleína como mediador da montagem do complexo SNARE
demonstrou ser um campo promissor na pesquisa das sinucleinopatias como a DP. Há
evidência de que os níveis das proteínas envolvidas na montagem do complexo SNARE estão
reduzidos em condições patológicas da doença de Parkinson, nas quais há maior presença
de agregados de a-sinucleína; concomitantemente, há redução nos níveis de exocitose (Choi
et al, 2018).
Dado o exposto, o projeto proposto visa elucidar o papel da agregação proteíca sobre
a interação entre retículo endoplasmático e mitocôndrias, reciclagem mitocondrial e processos
de exocitose em modelo celular de doenças neurodegenerativas.

2. OBJETIVOS

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Em modelos celulares de doenças neurodegenerativas serão avaliados:
1- os sítios de contato entre mitocôndrias e retículo endoplasmático.
2- a morfologia do retículo endoplasmático e das mitocôndrias.
3- a reciclagem de mitocôndrias.
4- a quantidade e o comportamento das vesículas exocíticas.

3. MATERIAL E MÉTODOS
Cultura de Células SH-SY5Y: As células SH-SY5Y (94030304, Sigma) serão
cultivadas em meio de cultura DMEM-F-12 suplementado com 10% v/v soro fetal bovino, 100
unidades/litro de penicilina, 100 mg/litro de estreptomicina (P4333 Sigma). As células
permanecerão incubadas a 37°C, com 5% de CO2.
Para o modelo celular da doença de Parkinson, serão utilizadas células SH-SY5Y que
superexpressam alfa-sinucleína selvagem ou mutantes (A30P e A53T). A alfa-sinucleína com
mutação A30P é caracterizada pela menor afinidade por membranas lipídicas em comparação
com a proteína wild-type. Já a mutação A53T determina maior propensão à agregação. Estas
células serao diferenciadas em células neurais conforme detalhado a seguir.
Diferenciação Neural das Células SH-SY5Y: as SH-SY5Y serão diferenciadas em
células neurais após plaqueamento na concentração de 2x104 células por poço de diâmetro
de 15 mm, em placas previamente tratadas com poli-d-lisina. As células serão mantidas em
meio DMEM suplementado com 10% SFB. Um dia após o plaqueamento iniciar-se-á a
diferenciação dessas células em neurônios adicionando 10μM de ácido retinoico ao meio. O
meio será trocado a cada 2 dias por 5 dias, e então as células serão mantidas em DMEM
suplementado com 10ng/ml de BDNF por mais 6 dias. Os neurônios serão caracterizados por
imunocitoquímica empregando-se anticorpo anti-MAP2.
Estas células serão transfectadas com plasmídeos contendo as sequências da
hSOD1G93A ou hSOD1WT fim de promover a superexpressão destas proteínas no modelo
celular da ELA, ou TauWT ou TauP301L para o modelo da doença de Alzheimer.
Morfologia e contato do retículo endoplasmático e de mitocôndrias: As células
serão transfectadas com mito pDsRed-2 (Clontech cód.: 632421), utilizando lipofectamina
3000 (Gibco BRL, Rockville, MD, USA) seguindo o protocolo do fabricante, com o intuito de
marcar as mitocôndrias. Após 24h da transfecção, as células serão incubadas com ER
Tracker Blue-White DPX (Molecular Probes) a 1µM, durante 30 minutos, protegidas da luz, na
incubadora a 5% CO2. Após a incubação com a sonda, as células serão lavadas com PBS,
fixadas com paraformaldeído a 4% e visualizadas utilizando microscopia confocal.
Reciclagem de mitocôndrias: As células neurais serão transfectadas com 500ng do
plasmídeo MitoTimer (pTRE-Tight-MitoTimer addgene #50547) utilizando lipofectamina 3000
segundo instruções do fabricante. As células serão estimuladas com tetraciclina após 4 horas

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da transfecção e analisadas após 4h, 12h e 24h após o estímulo para quantificação da
reciclagem das mitocôndrias.
A reciclagem das mitocôndrias será avaliada pela quantificação das mitocôndrias
marcadas em verde (recém formadas) e vermelhas (envelhecidas). Para isso, as células serão
fixadas com uma solução de paraformaldeído 4% (pH 7,2-7,4), lavadas três vezes com PBS
e montadas com meio de montagem com DAPI. As imagens serão obtidas utilizando um
microscópio confocal disponível na instalação CAIMi do Instituto de Biociências da USP
(https://pesquisa.ib.usp.br/infra-estrutura/caimi).
Exocitose: As células serão marcadas com o corante FM1-43 (Thermofisher
Scientific), específico para vesículas sinápticas, a fim de avaliar o impacto da alfa-sinucleína
sobre a exocitose. A liberação de conteúdo vesicular será medida pela diminuição da
intensidade da fluorescência de FM1-43. As células serão incubadas com 100μM do corante
por 2 minutos em Hepes Buffer Medium (Sigma-Aldrich), contendo 1mM Ca2+ e 30mM K+.
Após a incubação, as células serão lavadas novamente com HBM contendo 1 mM Ca2+ e
livre de potássio por mais 15 minutos. Após a endocitose do corante lipofílico, as células serão
estimuladas a 10Hz por 60 segundos, de modo que as vesículas sejam liberadas e a
fluorescência medida ao longo de 5 minutos. O sinal fluorescente será examinado por meio
do microscópio confocal (CAIMi-Instituto de Biociências-USP), na lente objetiva 63x e no
comprimento de onda 488 nm. As imagens serão analisadas utilizando-se dos softwares
Image J e Graph Pad Prisma 5.
Análise das imagens: As imagens serão analisadas utilizando o programa FIJI e os
plug-ins EzColocalization, para quantificar a interação entre retículo endoplasmático e
mitocôndria, MitoMorphology, para avaliar a morfologia mitocondrial, e Trainable WEKA
Segmentation, para a morfologia do retículo endoplasmático.
Análise estatística: Os resultados serão analisados por análise de variância
(ANOVA) de duas vias, seguida pelo pós-teste de Bonferroni, usando o programa Graphpad
Prism para Windows (versão 5.0, GraphPad software, San Diego, Califórnia, USA). Será
adotado o nível de significância 5% (0,05).

4. CRONOGRAMA
1o 2o 3o 4o
Atividades trim trim.
trim. trim.

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Bolsista 1 – estudos em modelo celular de ELA

Cultura de células X X X X

Análise dos sítios de contato entre RE e mitocôndrias X X X

Participação das reuniões e seminários do laboratório X X X X

Elaboração de relatórios X

Bolsista 2 – estudos em modelo celular de DA

Cultura de células X X X X

Análise dos sítios de contato entre RE e mitocôndrias X X X

Participação das reuniões e seminários do laboratório X X X X

Elaboração de relatórios X

Bolsista 3 – estudos em modelo celular de DP

Cultura de células X X X X

Análise da exocitose X X X

Análise da reciclagem das mitocôndrias X X X

Participação das reuniões e seminários do laboratório X X X X

Elaboração de relatórios X

5. BIBLIOGRAFIA
Cali T, et al. (2013) Calcium and endoplasmic reticulum-mitochondria tethering in
neurodegeneration. DNA Cell Biol 32:140-146.
Choi, M. G. et al. Sequestration of synaptic proteins by alpha-synuclein aggregates leading to
neurotoxicity is inhibited by small peptide. PLoS ONE, v. 13, n. 4, 2018.
Fitzpatrick AL, et al. (2004) Incidence and prevalence of dementia in the Cardiovascular Health
Study. Journal of the American Geriatrics Society 52:195-204.
Lew, M. F. e Yeung, Y. Parkinson’s Disease. Reference Module in Biomedical Sciences.
Elsevier, 2014.

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Monzio Compagnoni, G. et al. (2020) The Role of Mitochondria in Neurodegenerative
Diseases: the Lesson from Alzheimer’s Disease and Parkinson’s Disease. Mol.
Neurobiol 57(7):2959–2980.
Poewe, W. et al. Parkinson Disease. Nature Rev Disease Primers, v. 3, n. 17103, 2017.
Walker AK e Atkin JD (2011) Stress signaling from the endoplasmic reticulum: A central player
in the pathogenesis of amyotrophic lateral sclerosis. IUBMB life 63:754-763.
Watanabe S, et al. (2016) Mitochondria-associated membrane collapse is a common
pathomechanism in SIGMAR1- and SOD1-linked ALS. EMBO Mol Med 8:1421-1437.

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