Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CAPÍTULO
12
Lúpus eritematoso sistêmico
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza
120
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
4. Manifestações clínicas
Tabela 2 - Frequência das principais manifestações clínicas no LES
Manifestação clínica (%)
REUMATOLOGIA
Artrite 72 a 94
Alopecia 52 a 80
Rash cutâneo 74 a 90
Fotossensibilidade 10 a 62
Rash malar 37 a 90
Úlceras orais 30 a 61
Febre 74 a 91
Neuropsiquiátrica 19 a 63
Renal 35 a 73
Cardíaca 10 a 29
Pleuropulmonar 9 a 54
Fonte: ABC of Rheumatology.
121
REUMATOLOGIA
122
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
REUMATOLOGIA
Figura 7 - (A) Erosões no palato e (B) úlcera oral em paciente com
LES. Fonte: Rheumatology in Practice Figura 8 - Vasculite palmar
123
REUMATOLOGIA
A nefrite lúpica tende a ser uma doença contínua, com d) Manifestações hematológicas
surtos que requerem novo tratamento durante muitos Quaisquer dos componentes celulares do sangue pode
anos. Constituem fatores de pior prognóstico: cor negra, ser atingido no LES, levando a citopenias. O hemograma é
início da nefrite em idade jovem, proteinúria nefrótica, alto exame fundamental para diagnóstico e seguimento de pa-
índice de cronicidade, doença renal intersticial, hipertensão cientes lúpicos, pois as citopenias também podem ocorrer
arterial, formação de crescentes, hipocomplementenemia como complicações pelo uso de drogas (metotrexato, aza-
e anemia (Tabela 5). tioprina, ciclofosfamida). Anemia ocorre em até 80% dos
pacientes. Anemia normocítica e normocrômica é a mais
Tabela 5 - Fatores de mau prognóstico em pacientes com nefrite
lúpica, independentes da classificação frequente, refletindo doença crônica. Também pode ocor-
rer anemia por deficiência de ferro ou insuficiência renal.
Achados de anam- Achados de biópsia Achados de labo-
Mas o quadro mais dramático, que só ocorre em 10% dos
nese ratório
casos, é o da anemia hemolítica autoimune, de rápida ins-
- Alto índice de croni- - Proteinúria
- Cor negra; talação, com hiperbilirrubinemia indireta, reticulocitose,
cidade; nefrótica;
aumento de desidrogenase lática (DHL), teste de Coombs
- Início da nefrite em - Doença renal inters- - Hipocomple- direto e consumo de haptoglobina, requerendo terapia com
idade jovem; ticial; mentenemia;
corticoide em altas doses.
- Hipertensão arte- - Formação de cres- A leucopenia também é comum, mas dificilmente atinge
- Anemia.
rial. centes. valores muito baixos (<1.000/mm3). Quase sempre ocorre
124
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
por linfopenia, sem necessidade de tratamento (a menos do SNC, investigação com tomografia ou ressonância e co-
que a linfopenia atinja valores <600/mm3 por tempo pro- leta de liquor são importantes para afastar comorbidades,
longado). Mais raramente, pode ocorrer granulocitopenia. sobretudo infecciosas. O liquor pode apresentar aumento
A plaquetopenia crônica também é comum e pode atin- da celularidade e das proteínas, mas na maioria dos casos
gir valores muito baixos, com risco de sangramento espon- é normal.
REUMATOLOGIA
tâneo grave quando valores menores que 20.000/mm3 são
atingidos (Figuras 9A e B). Tabela 6 - Principais manifestações do LES no SNC e no SNP
SNC
- Meningite asséptica;
- Doença cerebrovascular;
- Síndrome desmielinizante;
- Cefaleia (incluindo migrânea e hipertensão intracraniana be-
nigna);
- Desordens do movimento (incluindo coreia);
- Mielopatia;
- Convulsão;
- Estado confusional agudo;
- Distúrbios de ansiedade;
- Disfunção cognitiva;
- Distúrbios de humor;
- Psicose.
SNP
- Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda
(Guillain-Barré);
- Disfunção autonômica;
- Mononeuropatia (isolada ou multiplex);
- Miastenia gravis;
- Neuropatia de nervos cranianos;
Figura 9 - LES com manifestação de sangramento cutâneo (A – pe-
- Plexopatia;
téquias nos membros inferiores) e mucoso (B – petéquias palati-
nas) por plaquetopenia grave - Polineuropatia.
125
REUMATOLOGIA
h) Manifestações pulmonares
As manifestações pulmonares são comuns, mas ra-
ramente com risco de vida. A forma mais comum de aco-
metimento é a pleurite com ou sem derrame pleural. Os
derrames pleurais geralmente são bilaterais e de pequeno
volume (Figura 13). Pode ocorrer dor pleurítica e atrito pe-
ricárdico ou o derrame pode ser mais volumoso. O derrame
tem características exsudativas, com aumento de proteína,
glicose normal, celularidade <10.000 e baixo nível de com-
plemento. A pleurite pode ser controlada com anti-infla-
matórios e corticoides em doses moderadas por períodos
Figura 11 - Áreas de microinfartos cerebrais em paciente com LES, curtos. Se o derrame for unilateral, ou predominantemente
traduzindo uma vasculite de pequenos vasos. Fonte: Imaging in unilateral, ou houver algum indício de infecção como febre,
Rheumatology deverá ser puncionado.
126
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
i) Manifestações gastrintestinais
Manifestações gastrintestinais são incomuns. Dentre
elas, destacam-se: peritonite autoimune, que pode ser con-
fundida com abdome agudo cirúrgico; pancreatite autoimu-
ne, gastroparesia e vasculite intestinal, que pode provocar
REUMATOLOGIA
perfurações, isquemia, hemorragia intestinal e choque sép-
tico. Toxicidade hepática por drogas é comum, ao contrário
da hepatite crônica ativa associada ao LES.
j) Manifestações oculares
A síndrome de Sjögren secundária e ceratites e conjunti-
vites inespecíficas são comuns no LES, mas raramente ame-
açam a visão. Ao contrário, a vasculite de retina e a neu-
rite óptica são manifestações graves, podendo determinar
amaurose em dias.
Figura 13 - Derrame pleural bilateral, mais volumoso à esquerda
em paciente com LES. Fonte: Imaging in Rheumatology
5. Avaliação laboratorial
O acometimento do parênquima pulmonar é mais raro O seguimento laboratorial permite estabelecer o diag-
e pode incluir: nóstico, monitorização de um novo surto e identificação
- Pneumonite intersticial crônica, com alveolite (infiltrado dos efeitos colaterais do tratamento.
em vidro fosco) ou infiltrado reticulonodular (semelhan-
te a outras colagenoses com miopatias inflamatórias); A - Pesquisa de autoanticorpos
- Pneumonite lúpica aguda, com quadro de febre, tosse, Tabela 8 - Padrões de IFI observados em imprint de fígado de ca-
dispneia e infiltrados ao raio x, que são de difícil dife- mundongo ou cortes de tecido de roedores e possíveis antígenos
renciação radiológica de um quadro infeccioso e 50% envolvidos e associações clínicas
dos pacientes com derrame pleural;
Possível antíge-
- Hemorragia alveolar difusa, decorrente de pneumoni- Padrão de IFI
no envolvido
Possível associação clínica
te, com queda do hematócrito e infiltrados difusos, in-
LES, LES induzido por dro-
suficiência respiratória, com ou sem hemoptise e alta gas, artrite juvenil idiopá-
mortalidade (de 50%); Periférico e tica, síndrome de Felty,
- Embolia pulmonar; homogêneo
DNA nativo
esclerose sistêmica, cirrose
- Shrinking lung syndrome ou síndrome do encolhimen- biliar primária, hepatite au-
to pulmonar (Figura 14): diminuição de volume pulmo- toimune.
nar, possivelmente devido à miopatia do diafragma, LES, LES induzido por dro-
mas a fisiopatologia não é realmente conhecida; gas, artrite juvenil idiopá-
- Bronquiolite obliterante com pneumonia em organiza- Homogêneo DNA nativo
tica, síndrome de Felty,
esclerose sistêmica, cirrose
ção (BOOP);
biliar primária, hepatite au-
- Hipertensão pulmonar: rara, geralmente com prova toimune.
de função pulmonar contendo difusão bem baixa com
Síndrome de Sjögren, LES,
pouco ou nenhum distúrbio restritivo associado. Pode SS-A/Ro e/ou LES neonatal, LES cutâneo,
ocorrer por microembolia pulmonar, associada à SAF. Pontilhado fino
SS-B/La AR, miosite e esclerose sis-
têmica, polimiosite.
Pontilhado LES, DMTC, esclerose sistê-
Sm e/ou RNP
grosso mica.
Esclerose sistêmica, poli-
Antígenos nucle-
Nucleolar miosite/ES, polimiosite/
olares
dermatomiosite.
LES: Lúpus Eritematoso Sistêmico; AR: Artrite Reumatoide; DMTC:
Doença Mista do Tecido Conectivo; CBP: Cirrose Biliar Primária.
Fonte: 3º Congresso Brasileiro do FAN, 2009.
127
REUMATOLOGIA
que o diagnóstico não seja LES. A presença de FAN positi- nofluorescência. O padrão pontilhado fino em baixos títulos
vo isolado não indica diagnóstico de LES, mas é um bom (<1/160) é o mais inespecífico e seu achado isolado na au-
teste de triagem pela sua alta sensibilidade. O FAN pode sência de manifestações sugestivas de LES pode confundir
ser positivo em uma série de condições autoimunes e não o diagnóstico, não devendo ser valorizado.
autoimunes (Tabela 9). Cerca de 20% das mulheres adultas Alguns autoanticorpos são importantes para o diagnós-
têm FAN positivo. tico de LES, pois são específicos: o anti-DNA de dupla hélice
ou dupla cadeia (anti-dsDNA), o anti-SM e o anti-P. Isto sig-
Tabela 9 - Possíveis interpretações de um FAN positivo nifica que sua positividade, em um contexto clínico compa-
- Associação evidente com uma condição autoimune; tível, indica fortemente o diagnóstico de LES. Destes, o anti-
-dsDNA e o anti-Sm são considerados critérios diagnósticos.
- Nenhuma associação evidente com uma condição autoimune:
Outros anticorpos são inespecíficos, podendo ocorrer em
· Incidentaloma?
outras colagenoses e mesmo em outras doenças, como o
· Autoanticorpos associados a doenças inflamatórias crônicas?
anti-ssDNA (anti-DNA de hélice simples), o anti-Ro, o anti-
· Distúrbio autoimune transitório?
-La, o anti-RNP, dentre outros.
* Infecção?
Anticorpos antifosfolípides também não são específicos
* Drogas?
de LES, apesar de preencherem um critério diagnóstico.
* Câncer?
Eles podem identificar pacientes com SAF (síndrome do an-
· Traço familiar de autoimunidade?
ticorpo antifosfolípide), com maior risco de evento trombó-
· Manifestação mínima de um espectro de condições autoimu-
tico. São 3 os anticorpos antifosfolípides: o anticoagulante
nes?
lúpico, os anticorpos anticardiolipina (IgG, IgM e, em situ-
· Manifestação precoce de uma doença autoimune incipiente?
ações especiais o IgA) e o antibeta-2-glicoproteína (IgG ou
Fonte: 3º Consenso Brasileiro do FAN, 2009.
IgM). Pacientes com SAF podem ter perdas gestacionais de
repetição.
O resultado do FAN é fornecido por meio de 2 variá- A presença de anti-Ro indica risco aumentado para lú-
veis: o título e o padrão de fluorescência. O título mostra a pus neonatal (com lesões cutâneas e bloqueio atrioventri-
mais alta diluição em que o soro ainda apresenta reativida- cular congênito) e associação com síndrome de Sjögren. O
de. No LES encontramos título de moderado a alto (1/160 anticorpo anti-Ro deve ser pesquisado nas mulheres lúpicas
a 1/1.640). O padrão de imunofluorescência determina gestantes. Sua presença requer monitorização da frequên-
contra quais estruturas celulares o FAN está direcionado e cia cardíaca fetal com intervenção precoce se ocorrer sofri-
isso pode sugerir alguns anticorpos específicos como res- mento.
ponsáveis pela positivação desse FAN. Anticitoplasma, an- O fator reumatoide (imunoglobulina IgM anti fração Fc
tinucléolo, anticentrômero e antiaparelho mitótico, padrão de IgG) pode ser positivo no LES, sem nenhuma implicação
homogêneo, pontilhado fino ou grosso são padrões de imu- prognóstica.
128
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
Padrão
Anticorpo Prevalência Associação Indicação
de FAN
Não é específico.
Geralmente concomitante à pre-
Pontilhado Sem indicação rotineira no diagnóstico
Anti-La (SS-B) 10% sença de anti-Ro.
REUMATOLOGIA
fino ou no seguimento.
Associa-se com síndrome de
Sjögren.
Sem indicação rotineira no diagnóstico
Não é específico. ou no seguimento, mas pode ajudar no
Anti-histona 70% Homogêneo
Mais frequente no LES por droga. diagnóstico diferencial com lúpus induzi-
do por drogas.
Antifosfolípides: Indicação no diagnóstico para avaliar ris-
Não são específicos.
anticoagulante lúpico, co de SAF, em caso de manifestações de
50% Predisposição à trombose, abortos
anticardiolipina, e anti- SAF para fechar diagnóstico e em lúpicas
e plaquetopenia (SAF).
beta-2-glicoproteína que desejam engravidar.
Não é específico.
Pontilhado Sem indicação rotineira no diagnóstico
Anti-RNP 40% Títulos elevados na doença mista
grosso ou no seguimento.
do tecido conjuntivo.
B - Outros exames
Têm como objetivo avaliar o grau de envolvimento de órgãos-alvo nas crises e no acompanhamento do tratamento da
doença. Incluem hemograma completo, creatinina, eletroforese de proteínas, provas de fase aguda (VHS e PCR), urina do tipo
I, proteinúria de 24 horas, clearance de creatinina e dosagem de complemento. O nível sérico de complemento total (CH50 ou
CH100) e suas frações C3 e C4 costumam estar baixos durante atividade lúpica, sobretudo sistêmica, renal e de serosas. Não é
específico. Outras doenças, inclusive do diagnóstico diferencial do LES podem ter consumo de complemento, como hepatite C
e endocardite bacteriana.
129
REUMATOLOGIA
130
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
Os principais diagnósticos diferenciais de LES são: artri- de exame oftalmológico regular, incluindo acuidade visual,
te reumatoide (artrite com FAN positivo), dermatomiosite lâmpada de fenda, teste de campo visual e fundoscopia,
(miosite, artrite, rash cutâneo), infecções virais crônicas normalmente a cada 6 a 12 meses. As mudanças iniciais
como hepatite C com crioglobulinemia (artrite, glomerulo- da retina são notados na mácula, com edema, aumento da
nefrite, vasculite de SNC, queda do complemento), hepatite pigmentação e perda do reflexo foveal à luz brilhante. Já
REUMATOLOGIA
B (vasculite), endocardite bacteriana (artrite, rash cutâneo, defeitos de campo visual são geralmente associados com al-
queda do complemento), entre outros. terações mais graves na retina, incluindo a palidez do disco
óptico e atrofia, atenuação das arteríolas retinianas, altera-
7. Tratamento ções pigmentares granulares da retina periférica, e proemi-
nentes padrões coroidais nos estágios mais avançados. O
Não há cura disponível para LES e remissões completas desenvolvimento da retinopatia é geralmente dependente
são raras. Portanto, o objetivo do tratamento consiste em
da dose e duração.
monitorar e evitar novas crises da doença, por meio de es-
Além dos efeitos terapêuticos dos antimaláricos nas ma-
tratégias para supressão dos sintomas em nível aceitável e
nifestações do LES, os efeitos benéficos têm sido relatados
prevenção de danos em órgãos-alvo. A estratégia terapêu-
no que diz respeito à melhora nos perfis de lipoproteínas.
tica deve levar em conta vários fatores: se o acometimento
Isto é particularmente importante em pacientes tratados
orgânico da crise envolve risco de vida ou lesão grave, se
com corticosteroides ou com síndrome nefrótica e hiperco-
as manifestações são potencialmente reversíveis, escolher
lesterolemia secundária. Outro benefício potencial é de an-
a melhor abordagem para prevenir complicações da doença
timaláricos na profilaxia contra eventos tromboembólicos.
e seu tratamento.
Nos casos de LES cutâneo, corticoides tópicos e anti-
O tratamento do LES envolve não só o tratamento me-
maláricos são efetivos na redução das lesões. Corticoide
dicamentoso, mas também orientações gerais e tratamento
das comorbidades. sistêmico está indicado em casos de dermatites extensas.
Nos quadros refratários, podem-se utilizar dapsona ou ta-
A - Orientações gerais lidomida. Doses moderadas de corticoide (<0,5mg/kg/dia
de prednisona ou equivalente) costumam ser efetivas no
Dieta rica em cálcio, atividade física regular, eliminar o tratamento de serosites.
tabagismo, tratamento da dislipidemia e hipertensão arte- Em casos de artralgia e artrite que não respondem,
rial sistêmica. Os pacientes com qualquer forma de acome- podem-se usar doses baixas de prednisona ou equivalente
timento cutâneo devem minimizar a exposição à luz ultra- e anti-inflamatórios. Em casos de artrite franca, crônica e
violeta, usando protetores solares e roupas com cobertura recorrente, uma boa opção é o metotrexato.
adequada. Quadros hematológicos como anemia hemolítica autoi-
mune e plaquetopenia grave (<50.000) são tratados com
B - Tratamento medicamentoso prednisona na dose de 1mg/kg/dia. Para manutenção do
Os AINEs são usados nos casos de artrite e manifesta- tratamento, usam-se imunossupressores como a azatio-
ções em partes moles. São normalmente utilizados para a prina (2 a 3mg/kg/dia) ou micofenolato de mofetila (dose
atividade leve antes que corticosteroides em baixa dose se- ótima 3g/dia). Pulsoterapia com metilprednisolona (1g/
jam iniciados, ou associados a antimaláricos. Combinados dia por 3 dias consecutivos) ou imunoglobulina intravenosa
com corticosteroides, em um esforço para minimizar a dose (2g/kg divididos em 2 ou 5 dias) podem ser utilizadas em ca-
de corticosteroides, ou para suprimir a atividade do lúpus, sos refratários, assim como o rituximabe, um imunobiológi-
quando corticosteroides em dias alternados são utilizados. co com ação antilinfócito B (anti-CD 20), na dose de 375g/
Portanto, suas principais indicações são: no tratamento sin- m2 de superfície corpórea/dose em 4 doses com intervalo
tomático de manifestações musculoesqueléticas, serosite de 1 semana entre cada uma. Outras opções para plaque-
leve e características sistêmicas tais como febre. topenia incluem danazol, plasmaférese e, se necessário,
Antimaláricos estão indicados em praticamente todos esplenectomia.
os casos de LES e frequentemente melhoram sintomas me- A pedra angular no tratamento do LES é o corticoide. Tem
nores como quadros cutâneos leves, artrite e a fadiga. O rápido início de ação, na resolução da inflamação e quadros
uso contínuo de agentes antimaláricos (cloroquina 250mg/ de atividade da doença. Ele normalmente é prescrito por via
dia ou hidroxicloroquina 400mg/dia), mesmo em pacien- oral em baixa, média (0,5mg/kg) ou doses elevadas (1mg/
tes fora de atividade, reduz a frequência de recidivas da kg), dependendo da manifestação alvo, em dose única ma-
doença. A toxicidade da ocular é responsável pela maior tinal ou fracionada (2 a 4x/dia). Podem ser necessário pul-
preocupação significativa no que diz respeito ao tratamen- sos de metilprednisolona 1g/dia por 3 dias consecutivos a
to antimalárico. Deposição destes agentes na melanina da depender da gravidade da manifestação. Minipulsos (500mg
camada epitelial pigmentar da retina pode danificar as has- por 3 dias) podem ser eficazes e com menos efeitos adversos
tes e cones. Lesão precoce geralmente é reversível, mas é, em casos selecionados, quando controlada a doença de base
na maioria das vezes, assintomática, por isso a necessidade e já introduzido um imunossupressor poupador de corticoi-
131
REUMATOLOGIA
de. Após controle da atividade, é necessária redução gradual quetopenia ou anemia graves), pulmonar (pneumonite) e
de dose da prednisona. A rapidez da redução varia significati- neurológico.
vamente e depende das manifestações iniciais da doença, da A azatioprina (2 a 3mg/kg/dia) permite a redução da
duração do tratamento com corticosteroides, da resposta da dose de manutenção do corticoide. É um análogo da purina
doença do paciente e da tolerância do paciente, bem como gerada pelo acréscimo de um grupo imidazol na 6-mercap-
da experiência médica individual. Normalmente não é redu- topurina (6-MP). Imunossupressor mais usado na prática
zida por mais de 25% por vez. como agente poupador de corticoide. O tratamento de ma-
Embora a interrupção total de corticoide seja uma meta nutenção com azatioprina, em doses de 1,5 a 2,5mg/kg/
desejada, muitos pacientes necessitam de manutenção dia parece estar associado com uma menor taxa de desen-
com dose baixa de corticosteroide (5 a 10 mg/dia) para evi- volvimento de formas graves da doença, tais como nefrite,
tar a recorrência. ou comprometimento do sistema nervoso central. Além
Monitoração de pressão arterial, colesterol, glicose, de seus efeitos sobre a medula óssea, pode causar hepa-
densidade óssea e da pressão ocular é uma importante totoxicidade, geralmente em doses superiores a 2,5mg/kg/
medida adjuvante na monitorização dos eventos adver- dia. Hipersensibilidade a drogas podem também resultar
sos destas drogas. A manutenção de um elevado índice de em uma hepatite aguda, com elevação das transaminases
suspeição para o desenvolvimento de outras toxicidades, e necrose hepatocelular e estase biliar na biópsia hepática.
incluindo ulceração gastrointestinal, necrose avascular, ate- Esta síndrome pode ser acompanhada de febre, dor abdo-
rosclerose e miopatia esteroide, também é importante no minal e uma erupção cutânea maculopapular. Os resultados
são geralmente reversíveis com a descontinuação da droga.
manejo de pacientes com corticosteroides.
Pancreatite tem sido relatada em pacientes com LES que re-
A maioria dos pacientes com um episódio de LES grave
ceberam azatioprina, mas sua ocorrência pode ter sido as-
requer muitos anos de terapia de manutenção com corti-
sociada com outras características da atividade da doença.
coide em baixa dose, que pode ser aumentada para preve-
Alguns relatos mostram risco aumentado de malignidade.
nir ou tratar novos surtos da doença. Tentativas frequentes
O micofenolato de mofetila (dose ótima de 3g/dia) é efe-
para reduzir o uso de corticoides são recomendadas, em
tivo em alguns pacientes com LES grave. É um inibidor re-
virtude dos efeitos colaterais.
versível da inosina monofosfato desidrogenase, que limita a
A ciclofosfamida é uma medicação com grande importân- síntese de purinas. Em geral, MMF é bem tolerado. Os efeitos
cia também em casos de LES grave, como vasculites, quadros adversos mais comuns são GI, infecções e hematológicas.
pulmonares com risco de vida e nefrite lúpica grave (biópsia O micofenolato e a azatioprina são utilizados na manu-
renal com classificação proliferativa III e IV e nas formas gra- tenção do tratamento (após indução com ciclofosfamida
ves da classe V), na forma de pulsoterapia IV (0,5 a 1mg/m2 intravenosa) de pacientes com LES renal e alguns estudos
de superfície corpórea), aplicada inicialmente a cada mês. já apontam o micofenolato de mofetila como droga usada
Imunoglobulina intravenosa (2g/kg divididos em 2 a 5 na indução de pacientes selecionados, com maior seguran-
dias) e plasmaférese podem ser utilizadas quando não hou- ça, sobretudo em relação ao risco infeccioso. São também
ver resposta ao tratamento convencional, sendo utilizada usados em casos de acometimento hematológico, seroso,
em casos especiais de acometimento hematológico (pla- muscular e cutâneo.
132
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
REUMATOLOGIA
Hidroxicloroquina ou ou
- Sintomas menores (quadros cutâneos leves, patia, ototoxicidade, neuro-
Difosfato de cloroquina 250mg/dia VO
artrite e a fadiga). patia periférica, pigmentação
cutânea.
- Anemia, depressão medular,
- Artralgias ou artrite franca que não respon-
plaquetopenia, hepatotoxici-
7,5 a 25mg/semana. Pode dem a doses baixas de corticoide via oral,
Metotrexato dade, nefrotoxicidade, infec-
ser dado VO, SC ou IM anti-inflamatórios não hormonais ou anti-
ções, neurotoxicidade, fibrose
maláricos.
pulmonar, convulsão
- Quadros hematológicos: anemia hemolítica
autoimune e plaquetopenia;
2 a 3mg/kg/dia (50 a - Terapia de manutenção para quadros sele-
- Pancreatite, hepatotoxicidade,
Azatioprina 300mg/dia dependendo cionados de nefrite lúpica (após indução com
alopecia, febre.
do peso) ciclofosfamida intravenosa ou micofenolato de
mofetila);
- Acometimento seroso, muscular e cutâneo.
- Terapia de indução e/ou manutenção para
Micofenolato de mo- 1 a 3g/dia (dose ótima de quadros selecionados de nefrite lúpica; - Infecção, anemia, plaquetope-
fetila 3g/dia) - Acometimento hematológico, seroso, muscu- nia, linfoma, neoplasias.
lar e cutâneo.
Pulsoterapia IV (0,5 a 1mg/ - Infecção, depressão medular,
- Casos de LES grave, como vasculites, quadros
m2 de superfície corpórea), anemia, plaquetopenia, cistite
pulmonares com risco de vida e nefrite lúpica
Ciclofosfamida aplicada inicialmente a hemorrágica, carcinoma de
grave (biópsia renal com classificação prolife-
cada mês e depois espaça- bexiga, alopecia, náusea, diar-
rativa III e IV e nas formas graves da classe V).
da para 2 meses reia, neoplasia, esterilidade.
- Quadro hematológico grave (plaquetopenia
e/ou anemia; autoimunes refratárias a cor-
2g/kg divididos em:
Imunoglobulina endo- ticoide);
2 dias (1g/kg/dia) - Reações infusionais, nefrite.
venosa - Quadro pulmonar grave e refratário (pneu-
ou 5 dias (0,4g/kg/dia
monite);
- Quadros neurológicos graves e refratários.
- Quadros hematológicos (plaquetopenia ou
anemia), pulmonares (pneumonite), neuro- - Reações transfusionais, conta-
Plasmaférese -
lógicos graves e refratários à corticoterapia minação sanguínea.
intravenosa e imunoglobulina intravenosa.
375g/m2 de superfície
corpórea/dose em 4 doses - Quadros hematológicos (plaquetopenia ou - Reações infusionais, neutrope-
Rituximabe
com intervalo de 1 semana anemia autoimunes) graves e refratários. nia, infecções.
entre as doses
133
REUMATOLOGIA
134
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
arteriais ou venosas associadas, a paciente é portadora de Os pacientes se apresentam com queixas constitucio-
SAF gestacional. nais como fadiga, febre baixa e mialgia, além de artralgia,
Outras manifestações comumente associadas são pla- artrite e serosite (pleural e pericárdica). Nefrite e acometi-
quetopenia leve (geralmente de consumo) e livedo reticu- mento de pele e SNC são mais raros.
lar. Pode provocar também, mais raramente, coreia, mielite Os exames laboratoriais podem apresentar: FAN com
REUMATOLOGIA
transversa e endocardite asséptica, que pode embolizar. A padrão homogêneo e anticorpos anti-histona são caracte-
SAF catastrófica é uma complicação grave, que se caracteri- rísticos. O anti-dsDNA e o anti-SM estão ausentes.
za por múltiplas tromboses que ocorrem em vários órgãos
em curto espaço de tempo, com alta mortalidade (50%). Tabela 15 - Lúpus induzido por droga – características
Os critérios para diagnóstico de SAF estão listados na - Predomínio de queixas constitucionais: fadiga, febre baixa e
Tabela 14. Faz-se o diagnóstico na presença de pelo menos mialgia;
1 critério clínico e 1 laboratorial. - Quadro articular (artralgia e artrite);
O tratamento das tromboses arteriais e venosas consiste - Serosite;
em anticoagulação prolongada com cumarínicos. Inicialmente, - Quadro hematológico: anemia autoimune, plaquetopenia au-
sugeriu-se manter INR mais alto, de 3 a 4, mas estudos rando- toimune, neutro e linfopenia;
mizados recentes mostraram a mesma eficácia com INR manti- - Não provoca envolvimento renal ou de sistema nervoso central;
do entre 2 e 3. Enquanto o cumarínico não faz efeito, utiliza-se - Ausência dos anticorpos específicos de LES (anti-DNA e anti-
heparinização plena com heparina de baixo peso. Um estudo -SM);
demonstrou que pacientes com LES, sem diagnóstico prévio - Presença transitória de FAN e anticorpos anti-histona;
de SAF, com um 1º AVC trombótico e apenas uma dosagem de - Sintomas desaparecem após suspensão da droga indutora;
anticorpo antifosfolípide presente, podem ser mantidos com - Autoanticorpos podem persistir por 6 a 12 meses.
AAS sem anticoagulação, pois muitos não vão manter o anti-
corpo presente e não terão diagnóstico de SAF. Tabela 16 - Drogas associadas ao lúpus induzido por drogas
No caso de SAF gestacional, com perdas fetais anterio- Procainamida Isoniazida
res, o tratamento com heparina não fracionada ou de baixo - Propafenona; - Macrodantina;
peso molecular e AAS em baixas doses (81mg/dia) aumen- - Hidralazina; - Sulfassalazina;
ta significativamente o número de nascidos vivos e reduz a - Inibidores da enzima conversora da an-
morbidade gestacional. giotensina; - Hidroclorotiazida;
- Beta-bloqueadores; - Lovastatina;
Tabela 14 - Critérios de classificação da síndrome do anticorpo an- - Propiltiouracil; - Sinvastatina;
tifosfolípide (Revisão de Sydney)
- Clorpromazina; - Carbamazepina;
Critério clínico
- Lítio. - Fenitoína.
- Arterial ou
- Trombose - Venosa ou
- Microvasculopatia trombótica.
10. Resumo
- 3 ou mais perdas gestacionais do 1º trimestre Quadro-resumo
ou
- Morbidade LES: doença autoimune inflamatória multissistêmica, com pre-
- 1 ou mais perda fetal tardia ou
gestacional domínio no sexo feminino (9 a 10:1) na idade fértil;
- Parto prematuro por insuficiência placentária
grave. Principais acometimentos: mucocutâneo (eritema malar/discoi-
de, úlceras orais, fotossensibilidade), articular, serosites (pleural/
Critério laboratorial
pericárdica), renal (nefrite lúpica mesangial, proliferativa ou mem-
Pelo menos - Anticoagulante lúpico ou
branosa), hematológico (anemia hemolítica, leucopenia/linfope-
2 dosagens - Anticardiolipina IgG ou IgM em títulos mode- nia, plaquetopenia), neuropsiquiátrico (convulsões/psicose);
positivas com rados ou altos ou
intervalo mí- Múltiplos autoanticorpos podem estar envolvidos, com FAN
- Antibeta-2 glicoproteína IgG ou IgM em títulos quase universalmente positivo. Principais autoanticorpos: anti-
nimo de 12
moderados ou altos. -DNA (hélice dupla ou simples), anti-histonas (lúpus induzido por
semanas
drogas), anti-Sm, anti-Ro, anti-La, anti-RNP e anti-P. Anticorpos
C - Lúpus induzido por drogas antifosfolípides são frequentes e podem se associar à SAF;
Anticorpos específicos para o LES: anti-DNA de dupla hélice, anti-
É uma doença diferente do lúpus verdadeiro, mas com -Sm e anti-P. Os demais não são específicos para a doença, po-
sintomas similares, induzida pela exposição a determinadas dendo ocorrer em outras condições clínicas;
drogas (Tabela 15). Essas drogas não agravam quadros de
Anti-DNA de dupla hélice associa-se ao acometimento renal, e
LES não induzidos por drogas. Não há critérios definidos,
anti-P, ao acometimento neuropsiquiátrico. Anti-Ro pode asso-
mas a associação temporal com a exposição a drogas poten-
ciar-se à síndrome do lúpus neonatal;
cialmente causadoras (semanas a meses) e a resolução das
manifestações com a interrupção da droga em algumas se- Tratamento: corticoterapia, antimaláricos e imunossupressores
manas fazem o diagnóstico. Entretanto, os autoanticorpos (metotrexato, azatioprina, mofetila, ciclofosfamida), a depender
de cada caso.
podem persistir por 6 a 12 meses.
135