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REUMATOLOGIA

CAPÍTULO

12
Lúpus eritematoso sistêmico
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowistch / Hérica Cristiani Barra de Souza

1. Definição nes relacionados à apoptose e ao clearance de imunocom-


plexos.
O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença infla-
matória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida e na- b) Ambientais
tureza autoimune, na qual ocorre lesão mediada por autoan- A exposição à radiação ultravioleta, tanto UVA como
ticorpos e complexos imunes contra órgãos, tecidos e células. UVB pode acelerar ou desencadear surtos da doença, prin-
cipalmente os quadros cutâneos, mas também, mais rara-
2. Epidemiologia mente, quadros sistêmicos.

Pode acometer indivíduos de ambos os sexos, em to- c) Hormonais


das as idades e todos os grupos étnicos, mas predomina em O predomínio em mulheres de idade reprodutiva sugere
mulheres no período fértil, iniciando-se geralmente por vol- que os hormônios femininos estejam envolvidos na pato-
ta dos 20 ou 30 anos. A relação mulher:homem é de 9:1. A gênese do LES. As pacientes podem iniciar ou exacerbar o
prevalência é maior em negros. quadro de LES durante ou logo após a gestação. Pacientes
com quadro renal grave têm piora com uso de anticoncep-
3. Etiopatogenia cionais contendo estrógenos.

A causa do LES é desconhecida. Acredita-se que um pro- d) Infecciosos


cesso multifatorial seja responsável pela doença. As intera- Alguns agentes infecciosos como o vírus Epstein-Barr
ções entre genes suscetíveis e fatores ambientais levariam a podem servir de gatilho imunológico e iniciar resposta imu-
respostas imunológicas inapropriadas, com hiper-reativida- ne anormal em indivíduos geneticamente predispostos.
de de células B e T e falência do circuito imunorregulatório.
e) Drogas
A patogenia do LES está associada à presença de auto-
anticorpos e à formação de imunocomplexos circulantes e Alguns medicamentos são capazes de induzir um qua-
locais. No LES, inúmeros grupos de autoanticorpos são diri- dro semelhante em alguns achados ao LES, chamado lúpus
gidos contra complexos proteicos, DNA, RNA, membranas induzido por droga. Essa doença é clínica e sorologicamente
celulares e moléculas intracelulares. A ligação entre antíge- diferente do lúpus idiopático.
nos próprios e autoanticorpos formaria imunocomplexos Tabela 1 - Fatores envolvidos na etiopatogenia do LES
patogênicos sobre estruturas fixas ou circulantes, capazes
Genéticos Ex.: HLA-DR (2 e 3).
de se depositar sobre várias paredes endoteliais. Os imu-
nocomplexos que fixam complemento são responsáveis por Hidralazina, procainamida, minociclina, lí-
Drogas
lesões teciduais no LE por iniciarem agressão tecidual onde tio, fenitoína, carbamazepina.
estão depositados. Luz Ultravioleta (UVA e UVB).
Entre os fatores associados à etiologia do LES, podemos EBV, CMV, retrovírus, parvovírus B19, por
Infecções virais
citar: exemplo.
a) Genéticos Hormônios Prolactina, estrógenos, por exemplo.

A suscetibilidade para o LES é complexa e depende de Químicos e metais


Sílica e mercúrio, por exemplo.
múltiplos genes, como alguns alelos do HLA-DR (2 e 3), ge- pesados

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LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

4. Manifestações clínicas
Tabela 2 - Frequência das principais manifestações clínicas no LES
Manifestação clínica (%)

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Artrite 72 a 94
Alopecia 52 a 80
Rash cutâneo 74 a 90
Fotossensibilidade 10 a 62
Rash malar 37 a 90
Úlceras orais 30 a 61
Febre 74 a 91
Neuropsiquiátrica 19 a 63
Renal 35 a 73
Cardíaca 10 a 29
Pleuropulmonar 9 a 54
Fonte: ABC of Rheumatology.

O LES pode acometer vários sistemas, com gravidade va-


riável. A maior parte dos doentes apresenta crises com pe-
ríodos de atividade intercalados com períodos de remissão,
mas muitos apresentam atividade contínua. Poucos man-
têm remissão prolongada. O uso contínuo de antimaláricos
reduz o número de surtos de atividade.
Sintomas inespecíficos, como fadiga, mialgias, artral-
gias, leve queda de cabelo, febre, prostração e emagreci-
mento costumam estar presentes no início da doença e
acompanhando os surtos de atividade.
a) Manifestações articulares/musculares Figura 2 - Radiografia de mãos e pés em paciente com LES e ar-
Setenta e seis a 100% dos pacientes com LES têm poliar- tropatia de Jaccoud. Fonte: Imaging in Rheumatology, 2003
tralgia ou poliartrite intermitente, principalmente em mãos
(interfalangianas proximais e metacarpofalangianas), punhos Dores localizadas e persistentes em uma única articula-
e joelhos, sem lesões erosivas, diferentemente da artrite reu- ção, como joelho ou quadril, levam à suspeita de necrose
matoide. Os surtos repetidos de atividade articular podem asséptica, uma complicação associada ao LES propriamen-
te, mas também ao uso de corticoide e síndrome do anti-
provocar frouxidão ligamentar, de cápsula articular e de ten-
corpo antifosfolípide (SAF). Quadros de monoartrite devem
dões, com subluxações não fixas das articulações, que são
incluir artrite séptica no diagnóstico diferencial, sobretudo
redutíveis, sem destruição articular (imagem raio x), o que é
quando o paciente está imunossuprimido.
conhecido como articulação de Jaccoud. Deformidades ocor-
A miosite com fraqueza muscular e elevação da CPK
rem em apenas 10% dos casos (Figura 1).
pode ocorrer, apesar de infrequente. Síndromes de super-
posição de doenças (LES associado a dermato e/ou polimio-
site), ou miopatia por corticoide ou antimaláricos estão no
diagnóstico diferencial.
b) Manifestações mucocutâneas
Entre 80 e 90% dos pacientes têm manifestações cuta-
neomucosas e elas incluem 4 dos 11 critérios do ACR para
Figura 1 - LES: deformidade fixa no 5º quirodáctilo “em pescoço de LES: fotossensibilidade, rash malar ou em asa de borbole-
cisne”, semelhante à artrite reumatoide (o dedo permanece defor- ta, lúpus discoide e úlceras oronasais. As lesões podem ser
mado) e não fixo (articulação de Jaccoud) das metacarpofalangia- agudas, subagudas e crônicas.
nas (na parte A, estão luxadas, com desvio palmar, mas voltam à Lesões agudas podem ser eritematosas, bolhosas
posição normal na parte B) (Figura 3) ou maculares, quase sempre em áreas fotoexpos-

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tas e fotossensíveis (Figura 4). Costumam ser superficiais


e evoluem sem deixar sequelas. O rash malar é clássico
(Figura 5), e se caracteriza por uma lesão eritematosa e
descamativa, localizada na região malar e sobre o nariz, po-
dendo ocorrer na testa e no mento, mas poupando o sulco
nasolabial.
Lúpus cutâneo subagudo (Figura 6) apresenta lesões in-
termediárias entre lesões agudas e crônicas. São pápulas
eritematosas ou pequenas placas, de aspecto anular, que
podem confluir em grandes regiões. São simétricas, com
localização em áreas fotoexpostas, como ombros, pescoço,
tórax superior e antebraços.
Figura 6 - Lúpus cutâneo subagudo: lesões no antebraço, com as-
pecto infiltrativo, anulares e marginadas

Lesões crônicas de LES incluem o lúpus discoide, o lúpus


túmido e o lúpus profundo. O lúpus discoide se apresen-
ta como pápulas ou placas eritematosas, espessadas, com
áreas de hipo ou hiperpigmentação e atrofia central, que
permanecem mesmo com o controle da doença. Quando a
lesão está ativa, as bordas ficam eritematosas e endureci-
das. Acomete comumente áreas fotoexpostas na face, ore-
lhas externas, região retroauricular e couro cabeludo, mas
podem ocorrer em outras partes do corpo. A cicatriz atrófi-
Figura 3 - LES bolhoso ca no couro cabeludo leva a zonas de alopecia irreversível.
O lúpus discoide pode ocorrer isoladamente, sem ou-
tros achados sistêmicos de LES e na ausência de autoan-
ticorpos. A lesão inicial do lúpus discoide pode acumular
mucina e se apresentar umedecida e eritematosa, carac-
terizando o lúpus túmido. O lúpus profundo ou paniculite
lúpica é menos comum e acomete a derme profunda e a
gordura subcutânea, com formação de nódulos. A superfí-
cie fica intacta, mas a aderência aos planos profundos pode
provocar depressões. Alopecia no LES pode ser difusa ou
localizada, reversível ou permanente.
As úlceras orais e/ou nasais costumam acometer palato
duro, língua e mucosa jugal ou nasal (Figura 7). Na maioria
das vezes são indolores.
Figura 4 - Eritema macular difuso com fotossensibilidade Lesões cutâneas podem ocorrer por vasculite, levando à
urticária, púrpura palpável, úlceras digitais ou pápulas eri-
tematosas nas palmas e dedos das mãos (Figura 8).

Figura 5 - Eritema fotossensível na face de paciente lúpica, que


compromete regiões malares e dorso do nariz (lesão “em asa de
borboleta”), mas também fronte e mento, poupando o sulco naso-
labial. Fonte: ABC of Rheumatology

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LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

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Figura 7 - (A) Erosões no palato e (B) úlcera oral em paciente com
LES. Fonte: Rheumatology in Practice Figura 8 - Vasculite palmar

Tabela 3 - Principais manifestações mucocutâneas do LES c) Manifestações renais


- Eritematosas, bolhosas ou maculares; O comprometimento renal é frequente no LES e ocorre
em metade a 2/3 dos pacientes. É um fator de mau prog-
- Quase sempre em áreas fotoexpostas e fotossen-
síveis; nóstico. Pode provocar nefrite com alteração do sedimento
Lesões
agudas urinário com hematúria microscópica e leucocitúria, perda
- Superficiais e não deixam sequelas;
de função renal, hipertensão e proteinúria, que pode ser
- Achado clássico: rash malar e sobre o nariz que nefrótica.
poupa o suco nasolabial.
Em biópsias renais, o tipo histológico é importante para
Lúpus cutâ- o diagnóstico, pois permite selecionar a melhor terapia
- Pápulas eritematosas ou pequenas placas, de as-
neo suba- e também avaliar os índices de atividade e cronicidade.
pecto anular, simétricas, em áreas fotoexpostas.
gudo
Entretanto, a biópsia renal nem sempre está indicada, ex-
- Lúpus discoide: pápulas ou placas eritematosas, ceto em situações de mudanças de tratamento, como in-
espessadas, com áreas de hipo ou hiperpigmen- definição diagnóstica, suspeita de alto grau de cronicidade,
tação e atrofia central, geralmente em áreas fo-
achados clínicos incompatíveis ou no retratamento.
toexpostas. Pode ocorrer isoladamente, na au-
sência de LES; A atual classificação para nefrite lúpica foi revisada
Lesões
(Tabela 4). As formas mesangiais (classes I e II) são de bom
crônicas - Lúpus túmido: lúpus discoide umedecido e erite-
matoso pelo acúmulo de mucina;
prognóstico. Pode se manifestar com hematúria microscó-
pica sem alteração de função renal, sem queda de comple-
- Lúpus profundo ou paniculite lúpica: nódulos
mento ou positivação do anti-DNA. As classes proliferativas,
dérmicos e subcutâneos profundos, com aderên-
cias que provocam depressões. sobretudo a difusa (classe IV), são graves e provocam he-
matúria microscópica, hipertensão, perda de função renal
- Alopecia;
e proteinúria, que pode ser nefrótica. Elas estão associadas
- Úlceras orais e/ou nasais no palato duro, língua e à positivação do anti-DNA e queda do complemento. A for-
mucosa jugal ou nasal;
Outros ma membranosa é responsável por quadros de proteinúria
- Outras: vasculites se manifestando como urticá- com síndrome nefrótica e pode provocar perda de função
ria, púrpura palpável, úlceras digitais ou pápulas renal, geralmente hemodinâmica (pela diminuição do volu-
eritema tosas nas palmas e dedos das mãos.
me circulante).

Tabela 4 - Classificação da nefrite lúpica e seus achados clínicos e laboratoriais


Classe Nomenclatura Achados clínicos Laboratório Tratamento
Nefrite lúpica mesan-
I - - -
gial mínima.
Pode não ter ne-
Proteinúria discreta. Pode necessitar de corticoide oral em doses
Nefrite lúpica prolife- nhum sintoma;
II Hematúria discreta. moderadas a baixas (<20mg/dia de predni-
rativa mesangial. ocasionalmente,
Creatinina normal. sona).
hipertensão.

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Se evoluir com aumento de creatinina e sedi-


mento ativo, pode necessitar de pulso de cor-
Nefrite lúpica prolife- ticoide (1g/dia de metilprednisolona por 3 dias
rativa focal; Proteinúria; consecutivos), com indução de ciclofosfamida
III A – lesões ativas; Pode haver hiper- Hematúria; (0,5 a 1mg/m2 de superfície corpórea) mensal
III A/C – lesões ativas tensão, síndrome Creatinina normal ou por 6 meses e manutenção com azatioprina (2 a
III
e crônicas; nefrítica ou mesmo aumentada; 3mg/kg/dia) ou micofenolato de mofetila (dose
III C – lesões crônicas nefrótica. Complemento baixo; ótima 3g/dia). Também pode ser feita indução
inativas com cicatri- anti-DNA dupla fita (+). com micofenolato de mofetila. Corticoide VO
zes. em doses altas (1mg/kg/dia de prednisona)
deve ser iniciado após pulso, com doses decres-
centes a partir do 3º mês de tratamento.
Nefrite lúpica prolife-
Necessita de pulso de corticoide (1g/dia de
rativa difusa;
metilprednisolona por 3 dias consecutivos),
III A – lesões ativas;
Presença de hiper- Proteinúria (pode ser com indução de ciclofosfamida (0,5 a 1mg/
III A/C - lesões ativas
tensão, edema, nefrótica); m2) mensal por 6 meses e manutenção com
e crônicas;
pode haver oligúria, Hematúria; ciclofosfamida (0,5 a 1mg/m2) bimensal por 12
III C – lesões crônicas
IV síndrome nefrítica, Creatinina elevada; meses. Corticoide VO em doses altas (1mg/kg/
inativas com cicatri-
nefrótica ou glome- Complemento baixo; dia de prednisona) deve ser iniciado após pulso,
zes;
rulonefrite rapida- Anti-DNA dupla fita com doses decrescentes a partir do 3º mês de
Cada um dos subti-
mente progressiva. (++++). tratamento. Dependendo da rapidez da respos-
pos pode ainda ser
ta, novas doses de pulsoterapia com corticoide
dividido em segmen-
intravenoso podem ser necessárias.
tar (S) ou global (G).
Corticoides em pulsoterapia intravenosa ou
em doses orais, dependendo da gravidade, o
que também determina o uso de imunossu-
pressores como ciclofosfamida, azatioprina e
micofenolato de mofetila, usados nas doses
Proteinúria nefrótica;
previamente descritas. Quadros nefróticos
Nefrite lúpica mem- Aumento de creatinina,
V Síndrome nefrótica. com perda de função renal podem necessitar
branosa. geralmente hemodinâ-
de um esquema inicialmente semelhante ao
mico.
tratamento dos quadros proliferativos, com
corticoide intravenoso em pulsoterapia e
indução com ciclofosfamida. A glomerulone-
frite membranosa tem um tempo de respos-
ta mais lento que a proliferativa.

A nefrite lúpica tende a ser uma doença contínua, com d) Manifestações hematológicas
surtos que requerem novo tratamento durante muitos Quaisquer dos componentes celulares do sangue pode
anos. Constituem fatores de pior prognóstico: cor negra, ser atingido no LES, levando a citopenias. O hemograma é
início da nefrite em idade jovem, proteinúria nefrótica, alto exame fundamental para diagnóstico e seguimento de pa-
índice de cronicidade, doença renal intersticial, hipertensão cientes lúpicos, pois as citopenias também podem ocorrer
arterial, formação de crescentes, hipocomplementenemia como complicações pelo uso de drogas (metotrexato, aza-
e anemia (Tabela 5). tioprina, ciclofosfamida). Anemia ocorre em até 80% dos
pacientes. Anemia normocítica e normocrômica é a mais
Tabela 5 - Fatores de mau prognóstico em pacientes com nefrite
lúpica, independentes da classificação frequente, refletindo doença crônica. Também pode ocor-
rer anemia por deficiência de ferro ou insuficiência renal.
Achados de anam- Achados de biópsia Achados de labo-
Mas o quadro mais dramático, que só ocorre em 10% dos
nese ratório
casos, é o da anemia hemolítica autoimune, de rápida ins-
- Alto índice de croni- - Proteinúria
- Cor negra; talação, com hiperbilirrubinemia indireta, reticulocitose,
cidade; nefrótica;
aumento de desidrogenase lática (DHL), teste de Coombs
- Início da nefrite em - Doença renal inters- - Hipocomple- direto e consumo de haptoglobina, requerendo terapia com
idade jovem; ticial; mentenemia;
corticoide em altas doses.
- Hipertensão arte- - Formação de cres- A leucopenia também é comum, mas dificilmente atinge
- Anemia.
rial. centes. valores muito baixos (<1.000/mm3). Quase sempre ocorre

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LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

por linfopenia, sem necessidade de tratamento (a menos do SNC, investigação com tomografia ou ressonância e co-
que a linfopenia atinja valores <600/mm3 por tempo pro- leta de liquor são importantes para afastar comorbidades,
longado). Mais raramente, pode ocorrer granulocitopenia. sobretudo infecciosas. O liquor pode apresentar aumento
A plaquetopenia crônica também é comum e pode atin- da celularidade e das proteínas, mas na maioria dos casos
gir valores muito baixos, com risco de sangramento espon- é normal.

REUMATOLOGIA
tâneo grave quando valores menores que 20.000/mm3 são
atingidos (Figuras 9A e B). Tabela 6 - Principais manifestações do LES no SNC e no SNP

SNC
- Meningite asséptica;
- Doença cerebrovascular;
- Síndrome desmielinizante;
- Cefaleia (incluindo migrânea e hipertensão intracraniana be-
nigna);
- Desordens do movimento (incluindo coreia);
- Mielopatia;
- Convulsão;
- Estado confusional agudo;
- Distúrbios de ansiedade;
- Disfunção cognitiva;
- Distúrbios de humor;
- Psicose.
SNP
- Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda
(Guillain-Barré);
- Disfunção autonômica;
- Mononeuropatia (isolada ou multiplex);
- Miastenia gravis;
- Neuropatia de nervos cranianos;
Figura 9 - LES com manifestação de sangramento cutâneo (A – pe-
- Plexopatia;
téquias nos membros inferiores) e mucoso (B – petéquias palati-
nas) por plaquetopenia grave - Polineuropatia.

Tabela 7 - Manifestações neuropsiquiátricas atribuíveis ao LES


e) Manifestações neuropsiquiátricas
- Deficiência orgânica cognitiva;
Cerca de 2/3 dos pacientes lúpicos têm algum tipo de
manifestação neuropsiquiátrica. Podem ocorrer síndromes - Estado confusional agudo;
neurológicas centrais, periféricas, autonômicas ou psiquiá- - Psicose;
tricas, embora apenas as convulsões e a psicose sejam con- - Cefaleias;
siderados critérios diagnósticos. - Convulsões;
A manifestação central mais comum é a deficiência or- - Coma;
gânica cognitiva, principalmente com dificuldades de me- - Pseudotumor cerebral;
mória, atenção e argumentação. Pode também ocorrer
- Meningite;
estado confusional agudo, que se instala em um curto perí-
odo de tempo, com flutuações de consciência e atenção ao - Encefalite por vasculite de SNC;
longo do dia. A psicose pode ser a manifestação dominante - Mielite transversa;
e deve ser distinguida da psicose induzida por corticoide, - Mononeurite múltipla;
que ocorre normalmente nas primeiras semanas de terapia - Polineuropatia periférica.
com corticoide em doses altas (>40mg de prednisona ou
equivalente) e melhora após vários dias da diminuição ou f) Manifestações vasculares
suspensão da medicação. Aterosclerose acelerada é uma importante causa de
Podem ocorrer ainda cefaleias, crises convulsivas, coma, morbimortalidade em lúpicos. Ela ocorre mais prematura-
pseudotumor cerebral, meningite, encefalite por vasculite mente e pode ser independente dos fatores de risco tradi-
de SNC (Figura 10), mielite transversa, mononeurite múlti- cionais, estando associada à doença em si. Outros fatores
pla e polineuropatia periférica. Em casos de acometimento como idade avançada, hipertensão, dislipidemia, presença

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REUMATOLOGIA

de anticorpo antifosfolípide (SAF) e uso de corticoide em g) Manifestações cardíacas


doses elevadas aumentam o risco de eventos trombóti- A pericardite é a manifestação cardíaca mais frequente.
cos. A ocorrência de Acidente Isquêmico Transitório (AIT), Pode ser assintomática ou se manifestar com dor que piora
Acidente Vascular Encefálico (AVE) e Infarto Agudo do
à inspiração e a manobras de Valsalva e pode vir acompa-
Miocárdio (IAM) está aumentada e tem maior mortalidade
nhada de pleurite. Derrame pericárdico é comum, peque-
em lúpicos que em populações não lúpicas pareadas.
no ou moderado. Pericardite constritiva e tamponamento
pericárdico são raros. O ECG pode mostrar supradesnivela-
mento difuso do segmento ST e no raio x pode haver alar-
gamento de área cardíaca, mas o melhor exame é o ecocar-
diograma. A pericardite costuma responder bem à terapia
anti-inflamatória e doses moderadas de corticoide;
A miocardite é incomum e pode se manifestar com fe-
bre, dispneia, palpitações, arritmias, anormalidades de
condução ou insuficiência cardíaca. Comprometimento en-
docárdico pode ocorrer por várias razões, incluindo endo-
cardite bacteriana em imunossuprimidos e a endocardite
asséptica fibrinosa de Libman-Sacks (Figura 12), também
denominada de endocardite marântica. O envolvimento
endocárdico pode conduzir à insuficiência valvar, geralmen-
Figura 10 - Ressonância magnética cerebral com imagens de com-
te da válvula mitral ou aórtica ou por evento trombótico
prometimento agudo por vasculite nas regiões occipitoparietais; a (lembrar da associação com SAF). Arterite coronária é rara
paciente mostrou remissão das lesões, sem sequelas, com a tera- e geralmente coexiste com aterosclerose.
pêutica instituída

Figura 12 - Vegetação em paciente com LES e endocardite de


Libman-Sacks. Fonte: UpToDate, 2011

h) Manifestações pulmonares
As manifestações pulmonares são comuns, mas ra-
ramente com risco de vida. A forma mais comum de aco-
metimento é a pleurite com ou sem derrame pleural. Os
derrames pleurais geralmente são bilaterais e de pequeno
volume (Figura 13). Pode ocorrer dor pleurítica e atrito pe-
ricárdico ou o derrame pode ser mais volumoso. O derrame
tem características exsudativas, com aumento de proteína,
glicose normal, celularidade <10.000 e baixo nível de com-
plemento. A pleurite pode ser controlada com anti-infla-
matórios e corticoides em doses moderadas por períodos
Figura 11 - Áreas de microinfartos cerebrais em paciente com LES, curtos. Se o derrame for unilateral, ou predominantemente
traduzindo uma vasculite de pequenos vasos. Fonte: Imaging in unilateral, ou houver algum indício de infecção como febre,
Rheumatology deverá ser puncionado.

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LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

i) Manifestações gastrintestinais
Manifestações gastrintestinais são incomuns. Dentre
elas, destacam-se: peritonite autoimune, que pode ser con-
fundida com abdome agudo cirúrgico; pancreatite autoimu-
ne, gastroparesia e vasculite intestinal, que pode provocar

REUMATOLOGIA
perfurações, isquemia, hemorragia intestinal e choque sép-
tico. Toxicidade hepática por drogas é comum, ao contrário
da hepatite crônica ativa associada ao LES.
j) Manifestações oculares
A síndrome de Sjögren secundária e ceratites e conjunti-
vites inespecíficas são comuns no LES, mas raramente ame-
açam a visão. Ao contrário, a vasculite de retina e a neu-
rite óptica são manifestações graves, podendo determinar
amaurose em dias.
Figura 13 - Derrame pleural bilateral, mais volumoso à esquerda
em paciente com LES. Fonte: Imaging in Rheumatology
5. Avaliação laboratorial
O acometimento do parênquima pulmonar é mais raro O seguimento laboratorial permite estabelecer o diag-
e pode incluir: nóstico, monitorização de um novo surto e identificação
- Pneumonite intersticial crônica, com alveolite (infiltrado dos efeitos colaterais do tratamento.
em vidro fosco) ou infiltrado reticulonodular (semelhan-
te a outras colagenoses com miopatias inflamatórias); A - Pesquisa de autoanticorpos
- Pneumonite lúpica aguda, com quadro de febre, tosse, Tabela 8 - Padrões de IFI observados em imprint de fígado de ca-
dispneia e infiltrados ao raio x, que são de difícil dife- mundongo ou cortes de tecido de roedores e possíveis antígenos
renciação radiológica de um quadro infeccioso e 50% envolvidos e associações clínicas
dos pacientes com derrame pleural;
Possível antíge-
- Hemorragia alveolar difusa, decorrente de pneumoni- Padrão de IFI
no envolvido
Possível associação clínica
te, com queda do hematócrito e infiltrados difusos, in-
LES, LES induzido por dro-
suficiência respiratória, com ou sem hemoptise e alta gas, artrite juvenil idiopá-
mortalidade (de 50%); Periférico e tica, síndrome de Felty,
- Embolia pulmonar; homogêneo
DNA nativo
esclerose sistêmica, cirrose
- Shrinking lung syndrome ou síndrome do encolhimen- biliar primária, hepatite au-
to pulmonar (Figura 14): diminuição de volume pulmo- toimune.
nar, possivelmente devido à miopatia do diafragma, LES, LES induzido por dro-
mas a fisiopatologia não é realmente conhecida; gas, artrite juvenil idiopá-
- Bronquiolite obliterante com pneumonia em organiza- Homogêneo DNA nativo
tica, síndrome de Felty,
esclerose sistêmica, cirrose
ção (BOOP);
biliar primária, hepatite au-
- Hipertensão pulmonar: rara, geralmente com prova toimune.
de função pulmonar contendo difusão bem baixa com
Síndrome de Sjögren, LES,
pouco ou nenhum distúrbio restritivo associado. Pode SS-A/Ro e/ou LES neonatal, LES cutâneo,
ocorrer por microembolia pulmonar, associada à SAF. Pontilhado fino
SS-B/La AR, miosite e esclerose sis-
têmica, polimiosite.
Pontilhado LES, DMTC, esclerose sistê-
Sm e/ou RNP
grosso mica.
Esclerose sistêmica, poli-
Antígenos nucle-
Nucleolar miosite/ES, polimiosite/
olares
dermatomiosite.
LES: Lúpus Eritematoso Sistêmico; AR: Artrite Reumatoide; DMTC:
Doença Mista do Tecido Conectivo; CBP: Cirrose Biliar Primária.
Fonte: 3º Congresso Brasileiro do FAN, 2009.

Na avaliação inicial do LES, tradicionalmente utiliza-se o


FAN (fator antinúcleo). Ele é positivo em 99% dos pacientes
Figura 14 - Shrinking lung syndrome em paciente com LES com LES não tratado. Testes negativos repetidos sugerem

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REUMATOLOGIA

que o diagnóstico não seja LES. A presença de FAN positi- nofluorescência. O padrão pontilhado fino em baixos títulos
vo isolado não indica diagnóstico de LES, mas é um bom (<1/160) é o mais inespecífico e seu achado isolado na au-
teste de triagem pela sua alta sensibilidade. O FAN pode sência de manifestações sugestivas de LES pode confundir
ser positivo em uma série de condições autoimunes e não o diagnóstico, não devendo ser valorizado.
autoimunes (Tabela 9). Cerca de 20% das mulheres adultas Alguns autoanticorpos são importantes para o diagnós-
têm FAN positivo. tico de LES, pois são específicos: o anti-DNA de dupla hélice
ou dupla cadeia (anti-dsDNA), o anti-SM e o anti-P. Isto sig-
Tabela 9 - Possíveis interpretações de um FAN positivo nifica que sua positividade, em um contexto clínico compa-
- Associação evidente com uma condição autoimune; tível, indica fortemente o diagnóstico de LES. Destes, o anti-
-dsDNA e o anti-Sm são considerados critérios diagnósticos.
- Nenhuma associação evidente com uma condição autoimune:
Outros anticorpos são inespecíficos, podendo ocorrer em
· Incidentaloma?
outras colagenoses e mesmo em outras doenças, como o
· Autoanticorpos associados a doenças inflamatórias crônicas?
anti-ssDNA (anti-DNA de hélice simples), o anti-Ro, o anti-
· Distúrbio autoimune transitório?
-La, o anti-RNP, dentre outros.
* Infecção?
Anticorpos antifosfolípides também não são específicos
* Drogas?
de LES, apesar de preencherem um critério diagnóstico.
* Câncer?
Eles podem identificar pacientes com SAF (síndrome do an-
· Traço familiar de autoimunidade?
ticorpo antifosfolípide), com maior risco de evento trombó-
· Manifestação mínima de um espectro de condições autoimu-
tico. São 3 os anticorpos antifosfolípides: o anticoagulante
nes?
lúpico, os anticorpos anticardiolipina (IgG, IgM e, em situ-
· Manifestação precoce de uma doença autoimune incipiente?
ações especiais o IgA) e o antibeta-2-glicoproteína (IgG ou
Fonte: 3º Consenso Brasileiro do FAN, 2009.
IgM). Pacientes com SAF podem ter perdas gestacionais de
repetição.
O resultado do FAN é fornecido por meio de 2 variá- A presença de anti-Ro indica risco aumentado para lú-
veis: o título e o padrão de fluorescência. O título mostra a pus neonatal (com lesões cutâneas e bloqueio atrioventri-
mais alta diluição em que o soro ainda apresenta reativida- cular congênito) e associação com síndrome de Sjögren. O
de. No LES encontramos título de moderado a alto (1/160 anticorpo anti-Ro deve ser pesquisado nas mulheres lúpicas
a 1/1.640). O padrão de imunofluorescência determina gestantes. Sua presença requer monitorização da frequên-
contra quais estruturas celulares o FAN está direcionado e cia cardíaca fetal com intervenção precoce se ocorrer sofri-
isso pode sugerir alguns anticorpos específicos como res- mento.
ponsáveis pela positivação desse FAN. Anticitoplasma, an- O fator reumatoide (imunoglobulina IgM anti fração Fc
tinucléolo, anticentrômero e antiaparelho mitótico, padrão de IgG) pode ser positivo no LES, sem nenhuma implicação
homogêneo, pontilhado fino ou grosso são padrões de imu- prognóstica.

Tabela 10 - Associação e prevalência dos principais autoanticorpos no LES


Padrão de
Anticorpo Prevalência Associação Indicação
FAN
Específico de LES.
Por ser específico: pedir no diagnóstico.
Seus títulos se associam com glo-
Pela associação com nefrite proliferativa:
Anti-DNA de cadeia merulonefrite proliferativa: a ele-
70% Homogêneo solicitar periodicamente em pacientes
dupla (dsDNA) vação dos seus títulos se associa e
com glomerulonefrite proliferativa e anti-
pode até preceder atividade renal
-dsDNA positivo.
– é útil no seguimento.
Pontilhado Por ser específico: pedir no diagnóstico.
Anti-Sm (Smith) 25% Específico para LES.
grosso Sem indicação rotineira no seguimento.
Específico para LES. Por ser específico: pedir no diagnóstico.
Associa-se a depressão, psicose Pela associação com psicose e com nefri-
Pontilhado
e nefrite membranosa, podendo te membranosa: solicitar periodicamente
Anti-P ribossomal 20% fino, cito-
seus títulos estar associados e em pacientes com psicose lúpica e/ou
plasmático
antecederem atividade de psicose glomerulonefrite membranosa anti-P
e de nefrite membranosa. positivo.
Não é específico. Não ajuda no diagnóstico de LES.
Pontilhado Associa-se com lúpus neonatal + Sem indicação rotineira no seguimento.
Anti-Ro (SS-A) 30%
fino bloqueio atrioventricular e síndro- Indicado em lúpicas grávidas pelo risco de
me de Sjögren. lúpus neonatal e bloqueio atrioventricular.

128
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

Padrão
Anticorpo Prevalência Associação Indicação
de FAN
Não é específico.
Geralmente concomitante à pre-
Pontilhado Sem indicação rotineira no diagnóstico
Anti-La (SS-B) 10% sença de anti-Ro.

REUMATOLOGIA
fino ou no seguimento.
Associa-se com síndrome de
Sjögren.
Sem indicação rotineira no diagnóstico
Não é específico. ou no seguimento, mas pode ajudar no
Anti-histona 70% Homogêneo
Mais frequente no LES por droga. diagnóstico diferencial com lúpus induzi-
do por drogas.
Antifosfolípides: Indicação no diagnóstico para avaliar ris-
Não são específicos.
anticoagulante lúpico, co de SAF, em caso de manifestações de
50% Predisposição à trombose, abortos
anticardiolipina, e anti- SAF para fechar diagnóstico e em lúpicas
e plaquetopenia (SAF).
beta-2-glicoproteína que desejam engravidar.
Não é específico.
Pontilhado Sem indicação rotineira no diagnóstico
Anti-RNP 40% Títulos elevados na doença mista
grosso ou no seguimento.
do tecido conjuntivo.

B - Outros exames
Têm como objetivo avaliar o grau de envolvimento de órgãos-alvo nas crises e no acompanhamento do tratamento da
doença. Incluem hemograma completo, creatinina, eletroforese de proteínas, provas de fase aguda (VHS e PCR), urina do tipo
I, proteinúria de 24 horas, clearance de creatinina e dosagem de complemento. O nível sérico de complemento total (CH50 ou
CH100) e suas frações C3 e C4 costumam estar baixos durante atividade lúpica, sobretudo sistêmica, renal e de serosas. Não é
específico. Outras doenças, inclusive do diagnóstico diferencial do LES podem ter consumo de complemento, como hepatite C
e endocardite bacteriana.

Tabela 11 - Exames comumente solicitados para diagnóstico de LES e comprometimento de órgãos-alvo


- Alta sensibilidade: positivo em 99% dos pacientes com LES não tratado;
- Títulos repetidamente negativos afastam o diagnóstico;
- Títulos mais significativos se maiores que 1/320;
- FAN (fator antinúcleo)
- Baixa especificidade;
- Padrão pontilhado fino em baixos títulos (<1/160) é o mais inespecífico e seu achado iso-
lado na ausência de manifestações sugestivas de LES pode confundir o diagnóstico, não
devendo ser valorizado.
- Alta especificidade, mas baixa sensibilidade;
- Anti-DNA de dupla hélice ou dupla
cadeia (anti-dsDNA); - A positividade de um deles ajuda a fechar o diagnóstico com mais certeza, na presença de
- Anti-SM; quadro clínico compatível;
- Anti-P.
- O anti-dsDNA e o anti-P podem ter valor no seguimento (vide anteriormente).
- Mostra citopenias com anemia, leuco, linfo e plaquetopenia ao diagnóstico, ou no segui-
- Hemograma completo. mento, causadas pelo próprio LES ou como complicação do tratamento (toxicidade pelo
metotrexato, azatioprina, ciclofosfamida) etc.
- Teste de Coombs direto; Indicados na presença de anemia com ou sem outras penas para o diagnóstico diferen-
- Dosagem de bilirrubina indireta; cial de:
- Dosagem de desidrogenase lática - Anemia hemolítica: Coombs direto positivo, hiperbilirrubinemia indireta, aumento de
(DHL); desidrogenase lática (DHL), queda de haptoglobina, reticulocitose;
- Dosagem de haptoglobina; - Anemia de doença crônica: anemia normocrômica e normocítica com todos os exa-
- Contagem de reticulócitos; mes normais;
- Dosagem de ferro, vitamina B12 e - Anemia carencial: deficiência de ferro, ferritina baixa, ou deficiência de vitamina B12
ácido fólico. ou ácido fólico.
- Dosagem de creatinina; - Avaliar comprometimento renal;
- Urina do tipo I;
- Proteinúria de 24 horas clearance de - Na presença de aumento de creatinina ou alterações de urina 1, os demais exames
creatinina. devem ser solicitados.

129
REUMATOLOGIA

- Geralmente elevadas na vigência de sintomas sistêmicos, atividade articular ou se-


rosa;
- Provas de fase aguda (VHS e PCR)
- Elevadas na vigência de quadros infecciosos, que podem desencadear atividade, so-
bretudo em imunossuprimidos.
- Dosagem de complemento total (CH50 - Costumam estar baixos durante atividade lúpica, sobretudo sistêmica, renal e de se-
ou CH100) e suas frações C3 e C4 rosas. Não é específico.
- Raio x de tórax basal para observar derrames pleurais, cardiomegalia;
- Raio x de tórax - Se alterações ou queixas clínicas, pode ser preciso exames mais detalhados como TC
de tórax, ecocardiograma, ECG, enzimas cardíacas etc.
- Afastar comprometimento muscular e hepático. Na presença de alterações, pedir exa-
- CPK, transaminases
mes mais detalhados.
- Observar ausência de erosões ósseas, que ajudam no diagnóstico diferencial com AR,
- Raio x de mãos e pés
e outras artrites, já que a artrite do LES é não erosiva.
- Afastar essas doenças no diagnóstico diferencial de muitas manifestações (sintomas
- Sorologias virais contra HIV, hepatite
sistêmicos, citopenias, crioglobulinemia, vasculites) e afastar como comorbidades
C, hepatite B
que podem limitar o tratamento.

6. Diagnóstico e diagnóstico diferencial


O LES é uma doença com múltiplas apresentações; os critérios de classificação (Tabela 12) orientam o diagnóstico e a
suspeita clínica. A presença de 4 ou mais destes critérios tem sensibilidade e especificidade de 96%. Embora seja incomum,
podemos encontrar pacientes com LES sem apresentar 4 dos 11 critérios de classificação.

Tabela 12 - Critérios de classificação do lúpus eritematoso sistêmico


1. Eritema malar Eritema fixo, macular ou papular, sobre os malares, poupando o sulco nasolabial.
Lesão eritematosa elevada com plugs de queratina ou foliculares; cicatriz atrófica pode ocorrer
2. Lesão discoide
em lesões antigas.
Rash cutâneo resultante de reação anormal à luz solar (relatado pelo paciente ou observado
3. Fotossensibilidade
pelo médico).
4. Úlcera de mucosa oral ou nasal Ulcerações orais ou nasofaríngeas, geralmente indolores, observadas pelo médico.
Artrite não erosiva acometendo 2 ou mais articulações, caracterizada por dor, edema ou derra-
5. Artrite não erosiva
me articular.
- Pleurite: história de dor pleurítica ou atrito pleural auscultado por médico ou derrame pleu-
6. Serosite ral ou
- Pericardite: documentado por ECG, atrito pericárdico ou derrame pericárdico.
- Proteinúria persistente >500mg/24h ou
7. Comprometimento renal
- Cilindros celulares: podem ser hemáticos, de hemoglobina, granulares, tubulares ou mistos.
- Convulsão ou
8. Comprometimento neurológico - Psicose: qualquer um na ausência de drogas ou distúrbio metabólico, como uremia, cetoacido-
se ou desbalanço eletrolítico.
- Anemia hemolítica com reticulocitose ou
- Leucopenia <4.000/mm3 ou
9. Comprometimento hematológico
- Linfopenia <1.500/mm3 em 2 ou mais ocasiões ou
- Plaquetopenia <100.000/mm3, todos na ausência de drogas potenciais.
- Anti-dsDNA ou
- Anti-Sm ou
10. Comprometimento imunológico - Presença de anticorpo antifosfolípide: (1) anticardiolipina IgG ou IgM; (2) anticoagulante lúpico;
ou (3) teste falso positivo para sífilis (VDRL), obrigatoriamente sendo repetido em 6 meses e con-
firmado por teste treponêmico específico negativo. O tópico “presença de células LE” foi retirado
em 1997.
FAN positivo por imunofluorescência ou método equivalente na ausência de drogas sabidamen-
11. Anticorpo antinuclear positivo (FAN)
te associadas a lúpus induzido por droga.

130
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

Os principais diagnósticos diferenciais de LES são: artri- de exame oftalmológico regular, incluindo acuidade visual,
te reumatoide (artrite com FAN positivo), dermatomiosite lâmpada de fenda, teste de campo visual e fundoscopia,
(miosite, artrite, rash cutâneo), infecções virais crônicas normalmente a cada 6 a 12 meses. As mudanças iniciais
como hepatite C com crioglobulinemia (artrite, glomerulo- da retina são notados na mácula, com edema, aumento da
nefrite, vasculite de SNC, queda do complemento), hepatite pigmentação e perda do reflexo foveal à luz brilhante. Já

REUMATOLOGIA
B (vasculite), endocardite bacteriana (artrite, rash cutâneo, defeitos de campo visual são geralmente associados com al-
queda do complemento), entre outros. terações mais graves na retina, incluindo a palidez do disco
óptico e atrofia, atenuação das arteríolas retinianas, altera-
7. Tratamento ções pigmentares granulares da retina periférica, e proemi-
nentes padrões coroidais nos estágios mais avançados. O
Não há cura disponível para LES e remissões completas desenvolvimento da retinopatia é geralmente dependente
são raras. Portanto, o objetivo do tratamento consiste em
da dose e duração.
monitorar e evitar novas crises da doença, por meio de es-
Além dos efeitos terapêuticos dos antimaláricos nas ma-
tratégias para supressão dos sintomas em nível aceitável e
nifestações do LES, os efeitos benéficos têm sido relatados
prevenção de danos em órgãos-alvo. A estratégia terapêu-
no que diz respeito à melhora nos perfis de lipoproteínas.
tica deve levar em conta vários fatores: se o acometimento
Isto é particularmente importante em pacientes tratados
orgânico da crise envolve risco de vida ou lesão grave, se
com corticosteroides ou com síndrome nefrótica e hiperco-
as manifestações são potencialmente reversíveis, escolher
lesterolemia secundária. Outro benefício potencial é de an-
a melhor abordagem para prevenir complicações da doença
timaláricos na profilaxia contra eventos tromboembólicos.
e seu tratamento.
Nos casos de LES cutâneo, corticoides tópicos e anti-
O tratamento do LES envolve não só o tratamento me-
maláricos são efetivos na redução das lesões. Corticoide
dicamentoso, mas também orientações gerais e tratamento
das comorbidades. sistêmico está indicado em casos de dermatites extensas.
Nos quadros refratários, podem-se utilizar dapsona ou ta-
A - Orientações gerais lidomida. Doses moderadas de corticoide (<0,5mg/kg/dia
de prednisona ou equivalente) costumam ser efetivas no
Dieta rica em cálcio, atividade física regular, eliminar o tratamento de serosites.
tabagismo, tratamento da dislipidemia e hipertensão arte- Em casos de artralgia e artrite que não respondem,
rial sistêmica. Os pacientes com qualquer forma de acome- podem-se usar doses baixas de prednisona ou equivalente
timento cutâneo devem minimizar a exposição à luz ultra- e anti-inflamatórios. Em casos de artrite franca, crônica e
violeta, usando protetores solares e roupas com cobertura recorrente, uma boa opção é o metotrexato.
adequada. Quadros hematológicos como anemia hemolítica autoi-
mune e plaquetopenia grave (<50.000) são tratados com
B - Tratamento medicamentoso prednisona na dose de 1mg/kg/dia. Para manutenção do
Os AINEs são usados nos casos de artrite e manifesta- tratamento, usam-se imunossupressores como a azatio-
ções em partes moles. São normalmente utilizados para a prina (2 a 3mg/kg/dia) ou micofenolato de mofetila (dose
atividade leve antes que corticosteroides em baixa dose se- ótima 3g/dia). Pulsoterapia com metilprednisolona (1g/
jam iniciados, ou associados a antimaláricos. Combinados dia por 3 dias consecutivos) ou imunoglobulina intravenosa
com corticosteroides, em um esforço para minimizar a dose (2g/kg divididos em 2 ou 5 dias) podem ser utilizadas em ca-
de corticosteroides, ou para suprimir a atividade do lúpus, sos refratários, assim como o rituximabe, um imunobiológi-
quando corticosteroides em dias alternados são utilizados. co com ação antilinfócito B (anti-CD 20), na dose de 375g/
Portanto, suas principais indicações são: no tratamento sin- m2 de superfície corpórea/dose em 4 doses com intervalo
tomático de manifestações musculoesqueléticas, serosite de 1 semana entre cada uma. Outras opções para plaque-
leve e características sistêmicas tais como febre. topenia incluem danazol, plasmaférese e, se necessário,
Antimaláricos estão indicados em praticamente todos esplenectomia.
os casos de LES e frequentemente melhoram sintomas me- A pedra angular no tratamento do LES é o corticoide. Tem
nores como quadros cutâneos leves, artrite e a fadiga. O rápido início de ação, na resolução da inflamação e quadros
uso contínuo de agentes antimaláricos (cloroquina 250mg/ de atividade da doença. Ele normalmente é prescrito por via
dia ou hidroxicloroquina 400mg/dia), mesmo em pacien- oral em baixa, média (0,5mg/kg) ou doses elevadas (1mg/
tes fora de atividade, reduz a frequência de recidivas da kg), dependendo da manifestação alvo, em dose única ma-
doença. A toxicidade da ocular é responsável pela maior tinal ou fracionada (2 a 4x/dia). Podem ser necessário pul-
preocupação significativa no que diz respeito ao tratamen- sos de metilprednisolona 1g/dia por 3 dias consecutivos a
to antimalárico. Deposição destes agentes na melanina da depender da gravidade da manifestação. Minipulsos (500mg
camada epitelial pigmentar da retina pode danificar as has- por 3 dias) podem ser eficazes e com menos efeitos adversos
tes e cones. Lesão precoce geralmente é reversível, mas é, em casos selecionados, quando controlada a doença de base
na maioria das vezes, assintomática, por isso a necessidade e já introduzido um imunossupressor poupador de corticoi-

131
REUMATOLOGIA

de. Após controle da atividade, é necessária redução gradual quetopenia ou anemia graves), pulmonar (pneumonite) e
de dose da prednisona. A rapidez da redução varia significati- neurológico.
vamente e depende das manifestações iniciais da doença, da A azatioprina (2 a 3mg/kg/dia) permite a redução da
duração do tratamento com corticosteroides, da resposta da dose de manutenção do corticoide. É um análogo da purina
doença do paciente e da tolerância do paciente, bem como gerada pelo acréscimo de um grupo imidazol na 6-mercap-
da experiência médica individual. Normalmente não é redu- topurina (6-MP). Imunossupressor mais usado na prática
zida por mais de 25% por vez. como agente poupador de corticoide. O tratamento de ma-
Embora a interrupção total de corticoide seja uma meta nutenção com azatioprina, em doses de 1,5 a 2,5mg/kg/
desejada, muitos pacientes necessitam de manutenção dia parece estar associado com uma menor taxa de desen-
com dose baixa de corticosteroide (5 a 10 mg/dia) para evi- volvimento de formas graves da doença, tais como nefrite,
tar a recorrência. ou comprometimento do sistema nervoso central. Além
Monitoração de pressão arterial, colesterol, glicose, de seus efeitos sobre a medula óssea, pode causar hepa-
densidade óssea e da pressão ocular é uma importante totoxicidade, geralmente em doses superiores a 2,5mg/kg/
medida adjuvante na monitorização dos eventos adver- dia. Hipersensibilidade a drogas podem também resultar
sos destas drogas. A manutenção de um elevado índice de em uma hepatite aguda, com elevação das transaminases
suspeição para o desenvolvimento de outras toxicidades, e necrose hepatocelular e estase biliar na biópsia hepática.
incluindo ulceração gastrointestinal, necrose avascular, ate- Esta síndrome pode ser acompanhada de febre, dor abdo-
rosclerose e miopatia esteroide, também é importante no minal e uma erupção cutânea maculopapular. Os resultados
são geralmente reversíveis com a descontinuação da droga.
manejo de pacientes com corticosteroides.
Pancreatite tem sido relatada em pacientes com LES que re-
A maioria dos pacientes com um episódio de LES grave
ceberam azatioprina, mas sua ocorrência pode ter sido as-
requer muitos anos de terapia de manutenção com corti-
sociada com outras características da atividade da doença.
coide em baixa dose, que pode ser aumentada para preve-
Alguns relatos mostram risco aumentado de malignidade.
nir ou tratar novos surtos da doença. Tentativas frequentes
O micofenolato de mofetila (dose ótima de 3g/dia) é efe-
para reduzir o uso de corticoides são recomendadas, em
tivo em alguns pacientes com LES grave. É um inibidor re-
virtude dos efeitos colaterais.
versível da inosina monofosfato desidrogenase, que limita a
A ciclofosfamida é uma medicação com grande importân- síntese de purinas. Em geral, MMF é bem tolerado. Os efeitos
cia também em casos de LES grave, como vasculites, quadros adversos mais comuns são GI, infecções e hematológicas.
pulmonares com risco de vida e nefrite lúpica grave (biópsia O micofenolato e a azatioprina são utilizados na manu-
renal com classificação proliferativa III e IV e nas formas gra- tenção do tratamento (após indução com ciclofosfamida
ves da classe V), na forma de pulsoterapia IV (0,5 a 1mg/m2 intravenosa) de pacientes com LES renal e alguns estudos
de superfície corpórea), aplicada inicialmente a cada mês. já apontam o micofenolato de mofetila como droga usada
Imunoglobulina intravenosa (2g/kg divididos em 2 a 5 na indução de pacientes selecionados, com maior seguran-
dias) e plasmaférese podem ser utilizadas quando não hou- ça, sobretudo em relação ao risco infeccioso. São também
ver resposta ao tratamento convencional, sendo utilizada usados em casos de acometimento hematológico, seroso,
em casos especiais de acometimento hematológico (pla- muscular e cutâneo.

Tabela 13 - Terapias comumente usadas no tratamento de LES


Dose usual e via de admi- Principais efeitos
Tratamento Principais indicações
nistração colaterais
- Todos os casos, principalmente com quadro
Protetor solar Tópica - Dermatite de contato.
cutâneo e fotossensibilidade.
- Atrofia cutânea, dermatite,
Tópica - Quadro cutâneo leve. foliculite, infecção, hipopig-
mentação.
Sistêmico em dose baixa
- Quadros articulares refratários a antimalári-
(≤10mg/kg VO de predni-
cos e anti-inflamatórios.
sona ou equivalente) - Infecção, hipertensão, hiper-
Corticoterapia - Quadros cutâneos mais extensos, mas não glicemia, hipocalemia, acne,
Dose moderada (<0,5mg/
com risco de vida; ansiedade, necrose asséptica
kg VO de prednisona)
- Serosites. óssea, Cushing secundário,
Pulsoterapia IV (metilpred- pele friável, insônia, osteopo-
nisolona 1g/dia por 3 dias - Esquema de ataque para qualquer manifes- rose, psicose.
consecutivos), seguida por tação grave de lesão de órgão-alvo ou com
doses altas de corticoide risco de vida.
VO (prednisona 1mg/kg)

132
LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

Dose usual e via de Principais efeitos


Tratamento Principais indicações
administração colaterais
- Lesão de retina, agranulocito-
- Praticamente todos os casos de LES, pois reduz se, anemia aplástica, ataxia,
Antimaláricos: 400mg/dia
a frequência de recidivas da doença; cardiomiopatia, tontura, mio-

REUMATOLOGIA
Hidroxicloroquina ou ou
- Sintomas menores (quadros cutâneos leves, patia, ototoxicidade, neuro-
Difosfato de cloroquina 250mg/dia VO
artrite e a fadiga). patia periférica, pigmentação
cutânea.
- Anemia, depressão medular,
- Artralgias ou artrite franca que não respon-
plaquetopenia, hepatotoxici-
7,5 a 25mg/semana. Pode dem a doses baixas de corticoide via oral,
Metotrexato dade, nefrotoxicidade, infec-
ser dado VO, SC ou IM anti-inflamatórios não hormonais ou anti-
ções, neurotoxicidade, fibrose
maláricos.
pulmonar, convulsão
- Quadros hematológicos: anemia hemolítica
autoimune e plaquetopenia;
2 a 3mg/kg/dia (50 a - Terapia de manutenção para quadros sele-
- Pancreatite, hepatotoxicidade,
Azatioprina 300mg/dia dependendo cionados de nefrite lúpica (após indução com
alopecia, febre.
do peso) ciclofosfamida intravenosa ou micofenolato de
mofetila);
- Acometimento seroso, muscular e cutâneo.
- Terapia de indução e/ou manutenção para
Micofenolato de mo- 1 a 3g/dia (dose ótima de quadros selecionados de nefrite lúpica; - Infecção, anemia, plaquetope-
fetila 3g/dia) - Acometimento hematológico, seroso, muscu- nia, linfoma, neoplasias.
lar e cutâneo.
Pulsoterapia IV (0,5 a 1mg/ - Infecção, depressão medular,
- Casos de LES grave, como vasculites, quadros
m2 de superfície corpórea), anemia, plaquetopenia, cistite
pulmonares com risco de vida e nefrite lúpica
Ciclofosfamida aplicada inicialmente a hemorrágica, carcinoma de
grave (biópsia renal com classificação prolife-
cada mês e depois espaça- bexiga, alopecia, náusea, diar-
rativa III e IV e nas formas graves da classe V).
da para 2 meses reia, neoplasia, esterilidade.
- Quadro hematológico grave (plaquetopenia
e/ou anemia; autoimunes refratárias a cor-
2g/kg divididos em:
Imunoglobulina endo- ticoide);
2 dias (1g/kg/dia) - Reações infusionais, nefrite.
venosa - Quadro pulmonar grave e refratário (pneu-
ou 5 dias (0,4g/kg/dia
monite);
- Quadros neurológicos graves e refratários.
- Quadros hematológicos (plaquetopenia ou
anemia), pulmonares (pneumonite), neuro- - Reações transfusionais, conta-
Plasmaférese -
lógicos graves e refratários à corticoterapia minação sanguínea.
intravenosa e imunoglobulina intravenosa.
375g/m2 de superfície
corpórea/dose em 4 doses - Quadros hematológicos (plaquetopenia ou - Reações infusionais, neutrope-
Rituximabe
com intervalo de 1 semana anemia autoimunes) graves e refratários. nia, infecções.
entre as doses

200mg/dia de DHEA foi significativamente associado com


C - Novas terapias uma redução sustentada da dose de prednisona <7,5mg/
dia, havendo manutenção ou melhoria na atividade da
a) Deidroepiandrosterona
doença. Infelizmente, um ensaio subsequente falhou em
A justificativa para a sua utilização é baseada na influ- mostrar benefício significativo na redução da atividade da
ência hormonal conhecida de estrogênios e androgênios doença com DHEA em comparação com placebo.
sobre atividade do LES. Redução dos níveis séricos de DHEA
tem sido demonstrada em alguns pacientes com LES, in- b) Anti-CD20, rituximabe
dependentemente do nível de atividade da doença. DHEA
também tem sido demonstrado que imunomoduladores É um anticorpo monoclonal quimérico dirigido contra a
têm efeitos sobre os linfócitos T. molécula CD20 presente em linfócitos B. Agente aprovado
Em um estudo duplo-cego, randomizado, controlado para o tratamento de linfoma não Hodgkin de célula B, com
com placebo, 191 pacientes do sexo feminino recebem relatórios publicados; a maioria de pequenas séries de ca-
10 a 30mg de prednisona/dia no início. O tratamento com sos de sucesso terapêutico nas manifestações do lúpus re-

133
REUMATOLOGIA

fratário, com acometimentos dos sistemas nervoso central, 8. Prognóstico e sobrevida


renal e hematológicos.
A sobrevida em pacientes com LES é de 90 a 95% em 2
Semelhantes à experiência oncológica com rituximabe,
anos, 82 a 90% em 5 anos, 71 a 80% em 10 anos e 63 a 75%
os eventos adversos mais frequentes têm sido reações à in-
em 20 anos. No momento do diagnóstico, o pior prognóstico
fusão, relacionada com a taxa de infusão. Infecções, parti-
(50% de mortalidade em 10 anos) está associado à creatinina
cularmente oportunistas, não são aumentadas.
elevada (>1,4mg/dL), hipertensão, síndrome nefrótica, ane-
Os pacientes podem desenvolver anticorpos humanos mia, hipoalbuminemia, hipocomplementenemia e presença
antiquiméricos (HACAs), que podem afetar a resposta a de anticorpo antifosfolípide. Pacientes que são transplanta-
infusões subsequentes da medicação. A utilização de pré- dos renais apresentam maior índice de rejeição do enxerto e
-medicação adequada pode reduzir o desenvolvimento de a nefrite lúpica pode ocorrer em 10% dos casos.
HACAs.
c) Transplante de célula-tronco e imunoablação 9. Situações especiais
Uma abordagem alternativa, a ablação imunológica
com imunossupressão em altas doses seguida de resgate A - LES e gestação
com transplante autólogo de células-tronco hematopoé-
As condições férteis de homens e mulheres com LES são
ticas está disponível para doenças oncológicas e tem sido
iguais às da população em geral. No entanto, o índice de per-
usada em casos de LES grave. da fetal é maior em mulheres lúpicas. O óbito fetal é maior
A alta mortalidade associada ao procedimento junta- em mães com atividade agressiva da doença, anticorpos anti-
mente com recaídas relatadas sugerem que o transplante fosfolípides e/ou nefrite. A supressão da atividade da doença
de células não parece ser um procedimento viável para o pode ser alcançada por administração de corticoide sistêmico
tratamento de atividade grave ou refratária do LES. e antimaláricos que podem ser mantidos durante a gestação.
Opções alternativas para a terapia immunoablative es- Os efeitos adversos pré-natais da exposição ao corticoide são
tão disponíveis. Uma opção é seguir imunoablação com o baixo peso ao nascer e anormalidades na formação do SNC.
células-tronco autólogas de resgate e, assim, poupar o pa- Pacientes com LES e SAF podem ter perdas gestacionais de
ciente da exposição adicional e das potenciais complicações repetição. Um problema potencial adicional para o feto é a
da ciclofosfamida necessária previamente. A 2ª abordagem presença de anticorpos anti-Ro, às vezes associada ao LES
é a imunoablação com ciclofosfamida em altas doses, sem neonatal, com lesões cutâneas e bloqueio atrioventricular
posterior resgate com células-tronco. congênito. A presença de anti-Ro requer monitorização da
frequência cardíaca fetal com intervenção precoce se ocor-
d) Estatinas rer sofrimento. A gestação ocorre geralmente sem surtos da
Recentemente, as propriedades das estatinas têm de- doença. Porém, uma proporção pequena desenvolve crises
monstrado prolongar para além de sua capacidade hipoli- severas que requerem terapia imunossupressora agressiva
pemiante para incluir a atividade imunomoduladora, que ou interrupção precoce da gestação. Os piores resultados
pode ser benéfica, mesmo em pacientes com lúpus com ocorrem em mulheres com nefrite ativa.
níveis lipídicos normais. Os ensaios clínicos controlados de
estatinas destinadas a avaliar a sua capacidade de diminuir B - Lúpus e síndrome do anticorpo antifosfolípide
a atividade da doença no lúpus estão atualmente em fase A SAF está comumente associada ao LES (50% dos casos
de projeto. de SAF têm LES), mas pode ser secundária a outras doen-
e) Belimumabe ças inflamatórias do tecido conjuntivo e mesmo aparecer
isolada (SAF primária). Ela é uma coagulopatia adquirida,
Belimumabe (Benlysta®) foi aprovado pelo FDA em mar- provocada pelo efeito protrombótico de autoanticorpos
ço de 2011 para tratamento do lúpus, para redução de ati- como o anticoagulante lúpico, a anticardiolipina e a antibe-
vidade da doença em adultos e para quadros refratários da ta2 glicoproteína.
terapia padrão máxima. O belimumabe bloqueia a ligação Pode manifestar-se pela presença de fenômenos trombó-
de BLyS solúvel, um fator de sobrevivência da célula B, aos ticos arteriais e/ou venosos e/ou perdas fetais repetidas. A
seus receptores nas células B. O belimumabe não se vincula trombose venosa profunda com ou sem embolia pulmonar é
às células B diretamente, mas ao vincular o BLyS, o belimu- a apresentação mais comum. Tromboses arteriais geralmen-
mabe inibe a sobrevivência das células B, incluindo células te acometem SNC como Ataques Isquêmicos Transitórios
B autorreativas, e reduz a diferenciação das células B em (AIT) ou Acidente Vascular Cerebral tromboembólico (AVC).
plasmócitos que produzem imunoglobulina. A SAF pode associar-se também a eventos gestacionais,
O Benlysta® é disponibilizado apenas em pó liofilizado como perdas gestacionais, repetição no 1º trimestre, morte
em frascos de uso único para infusão intravenosa e deve fetal intrauterina por infartos placentários e nascimentos
ser reconstituído e diluído por um profissional de cuidado prematuros por insuficiência placentária. Se a SAF se ma-
médico antes da administração. nifestar apenas com eventos gestacionais, sem tromboses

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LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

arteriais ou venosas associadas, a paciente é portadora de Os pacientes se apresentam com queixas constitucio-
SAF gestacional. nais como fadiga, febre baixa e mialgia, além de artralgia,
Outras manifestações comumente associadas são pla- artrite e serosite (pleural e pericárdica). Nefrite e acometi-
quetopenia leve (geralmente de consumo) e livedo reticu- mento de pele e SNC são mais raros.
lar. Pode provocar também, mais raramente, coreia, mielite Os exames laboratoriais podem apresentar: FAN com

REUMATOLOGIA
transversa e endocardite asséptica, que pode embolizar. A padrão homogêneo e anticorpos anti-histona são caracte-
SAF catastrófica é uma complicação grave, que se caracteri- rísticos. O anti-dsDNA e o anti-SM estão ausentes.
za por múltiplas tromboses que ocorrem em vários órgãos
em curto espaço de tempo, com alta mortalidade (50%). Tabela 15 - Lúpus induzido por droga – características
Os critérios para diagnóstico de SAF estão listados na - Predomínio de queixas constitucionais: fadiga, febre baixa e
Tabela 14. Faz-se o diagnóstico na presença de pelo menos mialgia;
1 critério clínico e 1 laboratorial. - Quadro articular (artralgia e artrite);
O tratamento das tromboses arteriais e venosas consiste - Serosite;
em anticoagulação prolongada com cumarínicos. Inicialmente, - Quadro hematológico: anemia autoimune, plaquetopenia au-
sugeriu-se manter INR mais alto, de 3 a 4, mas estudos rando- toimune, neutro e linfopenia;
mizados recentes mostraram a mesma eficácia com INR manti- - Não provoca envolvimento renal ou de sistema nervoso central;
do entre 2 e 3. Enquanto o cumarínico não faz efeito, utiliza-se - Ausência dos anticorpos específicos de LES (anti-DNA e anti-
heparinização plena com heparina de baixo peso. Um estudo -SM);
demonstrou que pacientes com LES, sem diagnóstico prévio - Presença transitória de FAN e anticorpos anti-histona;
de SAF, com um 1º AVC trombótico e apenas uma dosagem de - Sintomas desaparecem após suspensão da droga indutora;
anticorpo antifosfolípide presente, podem ser mantidos com - Autoanticorpos podem persistir por 6 a 12 meses.
AAS sem anticoagulação, pois muitos não vão manter o anti-
corpo presente e não terão diagnóstico de SAF. Tabela 16 - Drogas associadas ao lúpus induzido por drogas
No caso de SAF gestacional, com perdas fetais anterio- Procainamida Isoniazida
res, o tratamento com heparina não fracionada ou de baixo - Propafenona; - Macrodantina;
peso molecular e AAS em baixas doses (81mg/dia) aumen- - Hidralazina; - Sulfassalazina;
ta significativamente o número de nascidos vivos e reduz a - Inibidores da enzima conversora da an-
morbidade gestacional. giotensina; - Hidroclorotiazida;
- Beta-bloqueadores; - Lovastatina;
Tabela 14 - Critérios de classificação da síndrome do anticorpo an- - Propiltiouracil; - Sinvastatina;
tifosfolípide (Revisão de Sydney)
- Clorpromazina; - Carbamazepina;
Critério clínico
- Lítio. - Fenitoína.
- Arterial ou
- Trombose - Venosa ou
- Microvasculopatia trombótica.
10. Resumo
- 3 ou mais perdas gestacionais do 1º trimestre Quadro-resumo
ou
- Morbidade LES: doença autoimune inflamatória multissistêmica, com pre-
- 1 ou mais perda fetal tardia ou
gestacional domínio no sexo feminino (9 a 10:1) na idade fértil;
- Parto prematuro por insuficiência placentária
grave. Principais acometimentos: mucocutâneo (eritema malar/discoi-
de, úlceras orais, fotossensibilidade), articular, serosites (pleural/
Critério laboratorial
pericárdica), renal (nefrite lúpica mesangial, proliferativa ou mem-
Pelo menos - Anticoagulante lúpico ou
branosa), hematológico (anemia hemolítica, leucopenia/linfope-
2 dosagens - Anticardiolipina IgG ou IgM em títulos mode- nia, plaquetopenia), neuropsiquiátrico (convulsões/psicose);
positivas com rados ou altos ou
intervalo mí- Múltiplos autoanticorpos podem estar envolvidos, com FAN
- Antibeta-2 glicoproteína IgG ou IgM em títulos quase universalmente positivo. Principais autoanticorpos: anti-
nimo de 12
moderados ou altos. -DNA (hélice dupla ou simples), anti-histonas (lúpus induzido por
semanas
drogas), anti-Sm, anti-Ro, anti-La, anti-RNP e anti-P. Anticorpos
C - Lúpus induzido por drogas antifosfolípides são frequentes e podem se associar à SAF;
Anticorpos específicos para o LES: anti-DNA de dupla hélice, anti-
É uma doença diferente do lúpus verdadeiro, mas com -Sm e anti-P. Os demais não são específicos para a doença, po-
sintomas similares, induzida pela exposição a determinadas dendo ocorrer em outras condições clínicas;
drogas (Tabela 15). Essas drogas não agravam quadros de
Anti-DNA de dupla hélice associa-se ao acometimento renal, e
LES não induzidos por drogas. Não há critérios definidos,
anti-P, ao acometimento neuropsiquiátrico. Anti-Ro pode asso-
mas a associação temporal com a exposição a drogas poten-
ciar-se à síndrome do lúpus neonatal;
cialmente causadoras (semanas a meses) e a resolução das
manifestações com a interrupção da droga em algumas se- Tratamento: corticoterapia, antimaláricos e imunossupressores
manas fazem o diagnóstico. Entretanto, os autoanticorpos (metotrexato, azatioprina, mofetila, ciclofosfamida), a depender
de cada caso.
podem persistir por 6 a 12 meses.

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