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ENDOCARDITE

INFECCIOSA

Dr. SIX
INTRODUÇÃO
❑Endocardite infecciosa (EI) é uma infecção grave e potencialmente
fatal das superfícies internas do coração. A doença caracteriza-se por
colonização ou invasão de um agente microbiano nas valvas cardíacas e
no endocárdio mural, resultando na formação de vegetações volumosas
e friáveis, assim como na destruição dos tecidos cardíacos subjacentes.
❑A incidência, os fatores demográficos e as características clínicas da EI
alteraram-se ao longo da última década. O quadro clássico de um
paciente com cardiopatia reumática (CR) preexistente e bacteriemia
adquirida na comunidade não representa mais a maioria dos casos de EI.

❑Hoje em dia, as causas mais comuns são prolapso da valva mitral,


cardiopatias congênitas, valvas cardíacas artificiais e dispositivos
implantáveis (p. ex., marcapassos e desfibriladores).

❑Fatores pertinentes ao hospedeiro, inclusive neutropenia,


imunodeficiência, neoplasia maligna, imunossupressão terapêutica,
diabetes e uso de álcool ou fármacos intravenosos são fatores
predisponentes.
❑As infecções desses dispositivos intra-cardíacos, arteriais e venosos são
adquiridas nos centros médicos hospitalares de todos os países
desenvolvidos.

❑Tradicionalmente, a EI tem sido classificada clinicamente em aguda e


subaguda-crônica, dependendo do início, da etiologia e da gravidade
da doença. Em geral, o início dos casos agudos é rápido e isto ocorre
nos pacientes com valvas cardíacas normais, que podem ser saudáveis e
talvez apresentar história de uso de substâncias psicoativas intravenosas,
ou podem estar debilitados.

❑Os casos subagudos-crônicos evoluem ao longo de alguns meses e, em


geral, os pacientes têm valvas cardíacas anormais.
❑O desenvolvimento de cepas de microrganismos resistentes em razão
do uso indiscriminado de antibióticos e o aumento da população de
pacientes imunossuprimidos tem dificultado a classificação da EI em
casos agudos e subagudos-crônicos.
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE
❑Recentemente, as infecções estafilocócicas tornaram-se a causa mais
comum de EI, seguidas de estreptococos e enterococos. Outros
agentes etiológicos fazem parte do chamado grupo HACEK (espécies
Haemophilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium
hominis, Eikenella corrodens e Kingella kingae), bastonetes gram-
negativos e fungos.

❑Os agentes etiológicos diferem até certo ponto nos principais grupos
de risco elevado.
❑Por exemplo, Staphylococcus aureus é o agente patogênico principal
entre os usuários de substâncias intravenosas, enquanto a EI de valvas
cardíacas artificiais tende a ser causada por estafilococos coagulase-
positivos (p. ex., Staphylococcus epidermidis). Além disso, o S.
epidermidis foi associado às infecções de dispositivos implantáveis e às
infecções adquiridas nos serviços de saúde. A disseminação dos
microrganismos na corrente sanguínea é o fator principal que resulta no
desenvolvimento da EI. A porta de acesso à corrente sanguínea pode ser
uma infecção evidente, um procedimento dentário ou cirúrgico que
cause bacteriemia transitória, injeção de uma substância contaminada
diretamente no sangue por usuários de substâncias intravenosas, ou
uma fonte oculta na cavidade oral ou no intestino.
❑Lesão endotelial, bacteriemia e disfunção hemodinâmica podem
promover a formação de um trombo de fibrina-plaquetas sobre o
revestimento endotelial. O trombo está sujeito à implantação de
bactérias durante a bacteriemia transitória, causando ativação dos
monócitos, bem como formação de citocinas e fatores tissulares,
resultando na proliferação progressiva das vegetações valvares
infectadas.

❑Com as formas aguda e subaguda-crônica de EI, formam-se lesões


vegetativas friáveis, volumosas e potencialmente destrutivas nas valvas
cardíacas (Figura 32.16).
Figura 32.16 • Endocardite bacteriana. A valva mitral apresenta vegetações
destrutivas que erodiram as margens livres da cúspide valvar
❑As valvas mitral e aórtica são afetadas mais comumente pela infecção,
embora o coração direito também possa ser envolvido, especialmente
nos usuários de substâncias intravenosas. Essas lesões vegetativas
consistem em uma coleção de microrganismos e restos celulares
entremeados em faixas de fibrina do sangue coagulado. As lesões podem
ser únicas ou múltiplas, podem crescer até alcançar vários centímetros
e geralmente estão frouxamente aderidas às bordas livres da superfície
valvar.

❑Os focos infecciosos liberam continuamente bactérias na corrente


sanguínea e são uma fonte de bacteriemia persistente.
❑À medida que as lesões crescem, elas causam destruição da valva e
provocam regurgitação valvar, abscessos do anel valvar com bloqueio
cardíaco, pericardite, aneurisma e perfuração da valva.

❑As lesões vegetativas intra-cardíacas também causam efeitos locais e


sistêmicos a distância.

❑A organização frouxa dessas lesões torna possível que microrganismos


e fragmentos das lesões formem êmbolos, que são levados na corrente
sanguínea e causam embolia cerebral, pulmonar ou sistêmica. Os
fragmentos podem alojar-se nos vasos sanguíneos diminutos, causando
hemorragias demarcadas, abscessos e infartos dos tecidos.
❑Além disso, a bacteriemia pode desencadear reações imunes que
parecem ser responsáveis pelas manifestações cutâneas, poliartrite,
glomerulonefrite e outros distúrbios imune.
FACTORES PREDISPONENTES EM
CRIANÇAS
RISCO CONFORME A LESÃO
❑ALTO RISCO: Cardiopatias Congênitas Cianogenicas; Valvopatia
Reumática; Valvas aórticas calcificadas ou bicúspides; Miocardiopatia
hipertrófica; Persistência do Canal Arterial (P.C.A.); Comunicação
Intraventricular (C.I.V.); Coartação da aorta; Próteses valvares e outros
dispositivos intracardíacos.
❑MÉDIO RISCO: Trombos murais; Prolapso mitral; Valvopatia tricúspede;
Estenose mitral; Cardiopatia hipertrófica; Valvopatia pulmonar; Endocardite
prévia;Vegetação estéril de plaqueta e fibrina.
❑Outos factores de risco Má dentição; Uso de drogas intravenosas;
Hemodiálise; Doenças hepática crónica; Diabetes; Deficiência imunológico;
Doenças neoplásicas; Dispositivos intravasculares permanentes.
TRÊS FASES DE DESENVOLVIMENTO
DA EI
• Bacteremia: microrganismos presentes no sangue;
• Adesão: aderencia do microrganismo ao endotélio pelas adesinas de
superfície;
• Colonização: proliferação do microrganismo e aparição de
inflamação, levando a vegetação.
❑ Os microrganismos produzem biofilmes de polissacarídeos, que os
protegem das defesas imunitárias do hospedeiro e a penetração de
antibióticos.
FISIOPATOLOGIA
❑ Isto pode provocar:
1. Destruição da válvula, extensão paravalvar da infecção e
insuficiência cardíaca
2. Embolização microvasculare de grandes vasos;
3. Infecção metastatica de órgãos alvos (cerebro, rins, baço e
pulmões);
4. Fenómeno imunológico, como glomerulonefrite e resultados
sorológicos falsos positivos para factor reumatóide, anticorpos
antineutrófilos ou VDRL.
CONSEQUÊNCIAS LOCAIS DA EI
• Abscessos miocárdicos, com anormalidades do sistema de condução;
• Insuficiêncua valvar, causando insuficiência cardíaca e morte;
• Aortite
• Infecções das próteses valvarescom abscessos de anel valvar,
vegetações obstrutivas, abscessos miocárdicos, aneurismas micóticos,
deiscência e alterações da condução.
CONSEQUÊNCIAS SISTÊMICAS DA EI
• Embolizaçãocom surgimento de infarto pulmonar, pneumonia,
empiema, lesões dos rins, baço e sistema nervoso. Aneurismas
micóticos em artéria de grosso calibre;
• Glomerulonefrite e outros fenômenos imunomediados
decorrentes da deposição de imunocomplexo.
CLASSIFICAÇÃO
a) Endocardite bacteriana subaguda (EBS), agressiva, início
insidioso e progride vagarosamente (semanas à meses). Causada
essencialmente por estreptococos (grupo viridans, microaerófilos,
anorganismo aeróbios e estreptococos do grupo D não enterocócicos
e enterococos) e menos frequente, por S. aureus, Staphylococcus
epidermidis, Gemella morbillorum, Abiotrophia defectiva
(anteriormente Streptococcus defectivus) Granulicatella spp e
Haemophilus spp fastidioso.
Geralmente, a EBS desenvolve-se em valvas anormais após bacteremia
assintomática, decorrente de infecções periodontais, gastrointestinais
ou geniturinárias.

b) Endocardite bacteriana aguda (EBA-indolente) início abrupto e


rapido (em dias). Tem uma fonte de infecção ou porta de entrada.
Bactérias virulentas e exposição maciça, pode comprometer valvas
normais (S. aureus, estreptococos hemolíticos do grupo A,
pneumococos ou gonococos).
c) Endocardite de protese valvar (EPV): 2 a 3% dos pacientes
dentro de 1 ano após a troca valvar, sobretudo a aórtica que a mitral.
As infecções de < 2 meses após a cirurgia, contaminadas durante a
cirurgia com bactérias resistentes aos antimicrobianos (p. ex., S.
epidermidis, bacilos difteroides e coliformes, Candida sp, Aspergillus sp).
As infecçõesde início tardio (estreptococos, S. epidermidis, bacilos
difteroides e Gram-negativos fastidiosos, Haemophilus spp,
Actinobacillus actinomycetemcomitans e Cardiobacterium.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
❑ Em mais de 80% dos casos, o período de incubação até o início dos
sintomas é de cerca de 2 semanas ou menos. Entretanto, quando a
infecção é causada por Candida, o período de incubação pode chegar
até 5 meses. Os sinais e sintomas iniciais da EI podem ser febre e sinais
de infecção sistêmica, alterações das características de um sopro
cardíaco preexistente e indícios de disseminação embólica das lesões
vegetativas.
❑ Com a forma aguda de EI, a febre geralmente ocorre em picos e causa
calafrios. Com a forma subaguda, a febre comumente é baixa, tem início
gradativo e frequentemente está acompanhada de outros sinais
sistêmicos de infecção, inclusive crescimento do baço, anorexia, mal-
estar e letargia. Hemorragias petequiais diminutas formam-se
frequentemente quando êmbolos alojam-se nos vasos finos da pele, nos
leitos ungueais e nas mucosas. Hemorragias lineares (i. e., linhas
vermelho-escuras) sob as unhas dos dedos das mãos e dos pés são
comuns.

❑ Tosse, dispneia, artralgia ou artrite, diarreia e dor no abdome ou no


flanco podem ser causados por êmbolos sistêmicos.
❑ Alguns pacientes podem desenvolver insuficiência cardíaca congestiva
secundária à destruição valvar, à embolia das artérias coronárias ou à
miocardite. Insuficiência renal também pode ocorrer em consequência
da destruição dos tecidos valvares ou dos efeitos tóxicos dos
antibióticos.
DIAGNÓSTICO
❑ A EI ainda impõe grandes desafios ao diagnóstico e ao tratamento,
apesar dos avanços em sua epidemiologia e microbiologia. O
diagnóstico da doença não pode ser estabelecido por nenhum teste
isolado, mas se baseia no exame clínico e nos resultados dos exames
laboratoriais e do ecocardiograma.
❑ Os critérios de Duke, que foram modificados por uma comissão da
AHA em 2005, oferecem aos profissionais de saúde um recurso
padronizado de avaliação dos pacientes com quadro suspeito de EI, que
incorpora os resultados da hemocultura e do exame ecocardiográfico,
as manifestações clínicas e os dados laboratoriais.
❑ Os critérios de Duke modificados são subdivididos em critérios
maiores (hemocultura positiva para EI, indícios de acometimento do
endocárdio) e critérios menores (predisposição à EI, doença cardíaca
predisponente, ou uso de substâncias psicoativas intravenosas; febre
com temperatura > 38°C; fenômenos vasculares, inclusive indícios de
embolia arterial; fenômenos imunes como glomerulonefrite; indícios
microbiológicos, inclusive hemocultura que não atende aos critérios
maiores).
❑ Os casos são classificados como “definitivos” quando preenchem dois
critérios maiores, um critério maior mais dois critérios menores, ou
cinco critérios menores. Os casos são definidos como “possíveis”
quando atendem a um critério maior e um critério menor, ou três
critérios menores.
❑ O diagnóstico de EI é descartado quando se estabelece um diagnóstico
alternativo, a infecção regride com tratamento antibiótico em 4 dias ou
menos, ou não há evidência histológica de infecção.
❑ Hemocultura ainda é o exame complementar mais conclusivo e é
essencial à escolha do tratamento. Três amostras de sangue retiradas
de três locais diferentes de punção venosa devem ser obtidas no
intervalo de 24 h. Entretanto, o uso indiscriminado de antibióticos tem
dificultado a identificação do agente etiológico. Os critérios de Duke
modificados recomendam a inclusão do S. aureus como critério maior,
independentemente se a infecção foi adquirida na comunidade ou é
nosocomial, além dos microrganismos como Streptococcus viridans,
Streptococcus bovis e componentes do grupo HACEK.
❑ Uma única hemocultura positiva para Coxiella burnetii e título de
anticorpo IgG antifase > 1:800 também são considerados critérios
maiores.
❑ Hemoculturas negativas podem ser obtidas, retardando o diagnóstico e
o tratamento, o que tem efeitos profundos no prognóstico. 49 O
resultado negativo pode ser causado por uso prévio de antibióticos ou
porque os microrganismos têm crescimento lento, requerem meios de
cultura especiais, ou não podem ser facilmente cultivados.
❑ O ecocardiograma é a principal técnica usada para detectar vegetações
e complicações cardíacas causadas pela EI e é um recurso importante
ao diagnóstico e tratamento da doença. A ACC/AHA recomenda
ecocardiograma para todos os pacientes sob suspeita de EI.
❑ Hoje em dia, indícios ecocardiográficos de acometimento endocárdico
são um dos critérios maiores da classificação de Duke modificada. É
recomendável que o ecocardiograma transtorácico seja realizado nos
casos de risco inicialmente baixo ou suspeita clínica fraca, enquanto o
ecocardiograma transesofágico seja reservado para os casos em que a
suspeita é de moderada a alta. Os indivíduos altamente suspeitos de ter
EI são portadores de valvas artificiais, tiveram EI no passado, têm
cardiopatia congênita complexa ou insuficiência cardíaca ou um sopro
cardíaco de início recente.
MANIFESTAÇÕES EXTRACARDÍACAS
❑ Hemorragias
❑ Manchas de Roth
❑ Lesão de Janeway
❑ Nódulos Osler
❑ Esplenomegalia (incomuns em crianças)
TRATAMENTO
❑ O tratamento da EI enfatiza a identificação e a erradicação do agente
microbiano causador, a atenuação dos efeitos cardíacos residuais e o
tratamento das consequências patológicas dos êmbolos. A escolha do
tratamento antimicrobiano depende do microrganismo isolado por
cultura e se a infecção acomete valva natural ou artificial.

❑ O S. aureus – agente etiológico mais comum da EI – é disseminado


principalmente por infecções hospitalares devido a cateteres
intravasculares, feridas cirúrgicas e dispositivos artificiais de longa
permanência.
❑ O desenvolvimento generalizado de microrganismos resistentes a
vários antibióticos, inclusive S. aureus, impõe grande desafio ao
tratamento da EI. Além do tratamento antibiótico, pode ser necessária
intervenção cirúrgica para infecção persistente, insuficiência cardíaca
grave e êmbolos significativos.

❑ A maioria dos pacientes com EI é curada com tratamento clínico ou


cirúrgico. Os pacientes que tiveram endocardite infecciosa devem ser
instruídos quanto aos sinais e sintomas e informados quanto à
possibilidade de recidiva. Esses pacientes devem buscar atendimento
médico imediato quando apresentam sinais e sintomas recidivantes. A
profilaxia para EI por meio do uso de antibióticos profiláticos é
controvertida.
❑ As recomendações atuais concluem que apenas uma porcentagem
muito pequena dos casos de EI poderia ser evitada por profilaxia
antibiótica antes de procedimentos dentários. Por essa razão, a
profilaxia é recomendável apenas para pacientes que já tiveram EI ou
têm cardiopatia congênita (p. ex., cardiopatia congênita cianótica não
reparada, ou cardiopatia reparada por material artificial ou com falhas
residuais), valva cardíaca artificial e transplante cardíaco com
cardiopatia valvar secundária. A profilaxia não é recomendada com base
unicamente no aumento do risco de adquirir EI ao longo da vida.
BIBLIOGRAFIA
❑ Fisiopatologia/Sheila C. Grossman, Carol Mattson Porth; [tradução Carlos
Henrique de Araújo Cosendey, Maiza Ritomy Ide, Mariângela Vital Sampaio
Fernandes e Sylvia Werdmuller VonElgg Robert] – 9º ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2016

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