Você está na página 1de 12

Direito das Obrigações I

Ano letivo 22023-2024 - Turma B

Caso prático n.º 1

Sara obrigou-se a cantar no bar de Raquel na noite de fim de ano. No dia 31 à tarde,
Lia propôs a Sara ir cantar a sua casa nessa noite, mas esta objectou que já se
vinculara perante Raquel. Lia ofereceu-lhe um preço superior, e Sara lá aceitou. Sara
informou Raquel, que, todavia, já não arranjou substituto. A festa de Raquel foi um
fracasso total, alguns clientes insultaram-na pela ausência de música ao vivo — ao
contrário do que dizia a publicidade — e, em consequência, Raquel vendeu menos
€ 10.000 de bebidas do que no ano anterior. Raquel propôs uma acção de
indemnização contra Sara e Lia, sendo certo, no entanto, que Sara é insolvente. Quid
juris? (Caso da autoria do Dr. Pedro Múrias)

Caso prático n.º 2

De forma a promover a indústria gastronómica lisboeta, a Câmara Municipal de


Lisboa (“CML”) instalou num armazém da sua propriedade um conjunto de cozinhas
industriais, cujo gozo cede gratuitamente a jovens cozinheiros ou empresas que
pretendam desenvolver projetos inovadores, baseados em gastronomia de qualidade.
Antónia é uma destas jovens chefs, a quem a CML emprestou gratuitamente a cozinha
industrial n.º 19. O projeto de Antónia estava a ir de vento em popa, até que uma
avaria nos frigoríficos da cozinha n.º 19 a obrigou a deitar fora toda a comida
cozinhada e aí guardada. O prejuízo foi enorme: € 5.000 em bacalhau à Antónia. Veio
depois a saber-se que a avaria foi provocada por uma reparação negligente de
Baltasar, contratado pela CML para a revisão periódica de todas as instalações
frigoríficas.

Caso prático n.º 3

Cristina está muito entusiasmada com o seu serão da próxima sexta-feira! Comprou
bilhetes para um concerto do António Zambujo, no Coliseu dos Recreios e, por ser
jornalista, conseguiu agendar uma entrevista com o cantor, após o concerto. A cereja
no topo do bolo veio depois: o editor do Diário de Lisboa soube da história, e
prometeu-lhe € 1.000 pela publicação em exclusivo da entrevista! Na sexta-feira,
porém, o sonho desvaneceu-se. Diana, que é uma invejosa e partilha o apartamento a
jornalista, fez-se passar por Cristina e entrou antecipadamente no Coliseu. Ao chegar
às portas da sala de espetáculos, Cristina foi barrada pelo segurança, que ainda a
insultou por querer entrar para lugares que já estavam ocupados. Resultado: não
assistiu ao concerto e não conseguiu entrevistar o António Zambujo. Lá se foram os €
1.000 prometidos, além do desalento...

Caso prático n.º 4


David combinou reparar a vedação da quinta de Golias, por € 1.000. Golias
confia no trabalho de David, enquanto marceneiro. Acresce que o pai de David é seu
parceiro em intermináveis jogos de malha, e tem por isso gosto em ajudar o jovem
artesão. Porém, no dia aprazado para o início da obra, quem apareceu foi Hércules,
amigo de David, que se prestou a ajudá-lo, perante um súbito acréscimo de procura
pelos seus serviços. Golias ficou furioso, e recusou-se a deixar entrar Hércules na
quinta: insiste em que seja David a reparar a vedação. Passadas umas semanas, o
impasse subsiste, e David começa a perder a paciência, até porque precisa de saber se
pode aceitar outras encomendas, ou se deve reservar a sua agenda (e a do seu amigo
Hércules) para a reparação da famigerada vedação. Quid iuris? A resposta seria a
mesma se Hércules se tivesse apresentado para reparar a vedação, perante uma doença
súbita de David, que insistia em realizar a prestação mais tarde, opondo-se à
intervenção de Hércules? E se em vez da reparação da vedação, David se tivesse
obrigado a esculpir um busto de Golias em madeira de pinho? E se Hércules fosse
fiador de David?

Caso prático n.º 5


Perseu e Andrómeda são casados há 15 anos, e sempre trabalharam para
Medusa, guardando e ajudando à exploração agrícola da quinta desta última, onde
também vivem. Medusa sempre entregou o ordenado de ambos a Andrómeda, mais
responsável. Nos últimos tempos, Perseu tem realizado umas reparações fora do
horário de trabalho, cobrando € 20 por hora. Acabadas as reparações, interpelou
Medusa, para receber os € 600 das horas despendidas, mas esta recusa-se a pagar,
invocando que já entregou o dinheiro à sua mulher. Perseu ficou furioso, porque
queria usar o dinheiro para comprar um acordeão novo e sabe que Andrómeda nunca
irá concordar com o destino dos fundos...

Caso prático n.º 6


Cândida está radiante com o seu novo negócio de padaria. Trabalha durante a
madrugada, amassando e cozendo os mais deliciosos pães da cidade de Lisboa.
Depois, distribui os pães por várias casas do bairro onde vive, de forma a que todos os
seus clientes possam ter pão fresco para o pequeno-almoço, logo pela manhã. Ao fim
de dois meses, porém, Cândida ficou exausta, e pediu a Diamantino para fazer a
cobrança dos pagamentos semanais, para poder dormir à tarde, altura em que os seus
clientes voltam a casa. Qual não foi o seu espanto quando Diamantino voltou de mãos
a abanar: os clientes recusam-se a pagar a Diamantino, apesar de este estar fardado e
munido com os formulários que os clientes preencheram na contratação online, no site
de Cândida.

Caso prático n.º 7


Ulisses dedica-se ao comércio de automóveis de luxo, atividade que exerce
num refinado stand no centro de Lisboa. A inovadora empresa de carros elétricos
“Portugal sobre Rodas, S.A.” (“PsR”) celebrou um contrato com Ulisses,
comprometendo-se a entregar-lhe 10 carros do modelo “Troia”, até 15 de dezembro
de 2019. No entanto, tendo em conta alguns atrasos no processo de fabrico, a PsR
apenas se dispôs a entregar 5 carros “Troia” na data combinada. Ulisses ficou furioso,
fez uma birra, e recusou-se a aceitá-los. Os 5 carros estão agora à espera do seu
destino, estacionados à porta do stand de Ulisses, que todos os dias escreve à PsR,
alegando ter tido um prejuízo “incrível”, porque já tinha uma ação de marketing
preparada para dia 16 de dezembro, que pressupunha a disponibilidade dos 10 carros.
Quid Juris? A resposta seria a mesma se a PsR tivesse entregue os 10 carros no dia
agendado, mas se tivesse esquecido de entregar a Ulisses os respetivos documentos, e
de avisar que os carros costumam dar choque quando a bateria é carregada nas
estações de serviço da marca de combustíveis “Polifemo”?

Caso prático n.º 8


A “Alentejanas, S.A.” (“A”) é uma sociedade comercial que se dedica ao
fabrico de calçado, em especial às famosas Alentejanas, umas sandálias de praia, com
um design simples, mas atraente. Por ter recebido duas importantes encomendas de
Alentejanas em março de 2020, de clientes alemães, A contratou com a “Transportes
de Odemira, Lda.” (“TO”) o transporte de 5.000 pares de Alentejanas, desde a sua
fábrica, até dois armazéns nos arredores de Berlim. O transporte de mercadorias por
via terrestre, de Portugal para a Alemanha costuma demorar, em média, entre 7 a 10
dias. Porém, em maio de 2020, as mercadorias ainda não tinham sido entregues.
Perante a insistência de A, uma funcionária da TO comprometeu-se a descobrir “por
onde andavam as sandálias”, mas como só respondeu já em junho, A não conseguiu
renegociar os termos das encomendas, que entretanto foram canceladas, nem
conseguiu negociar a sua venda a outros clientes alemães, que se recusam a comprar
sandálias, quando a época de vendas de verão já vai a meio. Entretanto, a TO trouxe
as sandálias de volta para Portugal, e reclama o pagamento do transporte de regresso.
Foi a gota de água: A quer ser compensada por todo o valor que receberia dos clientes
alemães e recusa-se a pagar o transporte.

Caso prático n.º 9


Teresa, Úrsula e Vitória fazem parte de um clube de produtoras de maçã “Bravo de
Esmolfe” e estão radiantes, porque combinaram com a “Sumo Bem Bom, Lda.”
(“SBB”) a venda de 6.000 kg de maçãs, que devem ser entregues até 31 de dezembro
de 2020. A ideia das três produtoras é a de dividirem o esforço de fornecimento,
entregando cada uma 2 toneladas, na data aprazada. No entanto, em 15 de outubro de
2020, a SBB soube de fonte segura que Teresa está “afundada em dívidas” e que o seu
património é manifestamente insuficiente para as satisfazer, sendo nula a
probabilidade de alguém lhe conceder crédito. Assim, em 16 de outubro, a SBB ligou
a Teresa e exigiu-lhe a entrega imediata de 2 toneladas de maçãs. Como Teresa não
respondesse, em 2 de novembro, a SBB exigiu a Úrsula e Vitória que também
entregassem imediatamente as maçãs, porque o “risco desta operação se alterou
drasticamente”. Quid juris?

Caso prático n.º 10


Andreia combinou com Bernardo que este último lhe desenharia e construiria
um grande móvel em madeira, especialmente adequado à exposição da coleção de
armas de fogo de Andreia, por € 10.000. Como estimava demorar bastante tempo a
acabar a obra, Bernardo pediu dois meses para a entrega, o que foi aceite por Andreia.
No entanto, Bernardo entusiasmou-se com o trabalho, e ao fim de um mês ligou a
Andreia, para combinar a entrega. Andreia recusa-se a aceitar já o móvel (até porque
ainda não contou ao marido e aos filhos que gastou mais € 10.000 na coleção de
armas...) e argumenta que este tipo de desvio ao programa estabelecido implica o
assentimento do credor (até invocando o artigo 837.º do Código Civil). Quid juris?
A resposta seria a mesma se Bernardo se tivesse comprometido a esculpir um
busto em madeira de Carolina, filha de Andreia ou de Diogo, seu marido, e tivesse
optado pelo rosto da jovem (mais agradável à vista que o carrancudo Diogo...)? E se
Bernardo e Andreia tivessem combinado que Bernardo poderia “livrar-se” do
combinado, se tivesse um acréscimo inusitado de trabalho, mediante o pagamento a
Andreia de € 500?
Voltemos ao primeiro caso (i.e., o do móvel das armas): e se Bernardo,
cansado da minúcia que a construção do móvel exigia, se apresentasse em casa de
Andreia com duas enormes estantes com portas de vidro, onde caberiam todas as
armas de Andreia (menos a bazuca, porventura), de valor global muito superior aos €
10.000 acordados. Poderia reclamar o pagamento dos € 10.000? Suponha ainda que,
neste último caso, Bernardo acaba por entregar as duas estantes. Porém, passadas duas
semanas, Andreia verifica que a sua estrutura é muito frágil e que as prateleiras não
aguentam o peso das armas (mesmo das mais leves!). Como pode Andreia reagir?

Caso prático n.º 11


Emília começa a perder a paciência com Filémon, que já está atrasado um mês
em relação à data combinada para a devolução de € 75.000 (mais juros!) que a
primeira lhe emprestou há dois anos. Não é que esteja preocupada, porque Gertrudes,
mãe de Filémon, assegurou que pagaria “até ao último tostão”, se o filho não honrasse
os seus compromissos. Mas está irritada com o atraso...
Ficou por isso agradavelmente surpreendida quando Filémon lhe propôs “a
entrega do meu Jaguar antigo, com valor de mercado superior a € 100.000, em vez do
dinheiro”. Emília aceitou de imediato a oferta. Qual não foi o seu espanto quando
Hércules lhe veio exigir a entrega do carro, invocando e provando que o bólide era
seu e que “nunca tinha sido nem será propriedade desse trapaceiro do Filémon!”.
Como pode Emília reagir? A resposta seria a mesma se a ideia da entrega do carro
tivesse sido engendrada por Emília, e se a aceitação de Filémon fosse condicionada
pela ameaça credível de Emília, de “lhe partir a boca toda”, caso recusasse (Emília é
campeã europeia de MMA e Vale-Tudo...)?
Voltemos ao caso base. Suponha que em vez do carro, Filémon sugere a
Emília, que aceita, a “entrega” de um crédito sobre Isabel, no valor de € 90.000. Azar
dos azares (Emília tem muito azar...), Isabel apenas cumpriu as primeiras três
prestações de reembolso (de € 10.000 cada) e depois foi declarada insolvente. Como
pode Emília reagir?

Caso prático n.º 12


É muito fácil convencer Jonas a comprar aparelhos informáticos: basta
mostrar-lhe o último catálogo de uma qualquer marca conhecida, e o rapaz começa a
suar profusamente, até adquirir o último modelo de portátil, telefone ou tablet... É esta
fragilidade que explica a quantidade de créditos que o Banco de Crédito ao Consumo,
S.A. (“BCC”) lhe concedeu: um crédito de € 5.000, por 2 anos, para compra de um
plasma; um crédito de € 10.000, por 3 anos, para viajar até aos EUA, e ser o primeiro
português a comprar o último modelo de iPhone; ainda outro crédito, de € 3.500 para
comprar um aspirador inteligente, e um último, de € 5.500 para comprar um
dispositivo que controla de forma inteligente o aspirador inteligente (estes dois
últimos créditos concedidos por 1 ano).
Perante as dificuldades financeiras de Jonas, o BCC propôs-lhe um acordo “de
consolidação”: o valor global de € 24.000 apenas deveria ser reembolsado ao longo de
10 anos, em suaves prestações mensais, aumentando ligeiramente a taxa de juro
devida. Se Jonas aceitar, mas deixar de cumprir passados 4 meses, pode o BCC
executar um penhor sobre valores mobiliários, constituído por Jonas para garantia do
crédito relativo à compra do plasma? Ou, alternativamente, interpelar Luísa, fiadora
de Jonas, para cumprir?
A resposta seria a mesma se o BCC não tivesse realizado uma análise de
solvabilidade de Jonas antes da celebração do “acordo de consolidação” (suponha,
para meros efeitos desta hipótese, que são nulos os contratos de concessão de crédito
em que for preterida a análise da solvabilidade do consumidor)?

Caso prático n.º 13


Entre Ártemis e Bártolo, foi celebrado um contrato de compra e venda nos
termos do qual a primeira vendeu ao segundo, por 5 mil euros, quatro cabeças de gado
ovino:

Suponha que Bártolo não comparece no dia e local convencionados para


recolher as quatro ovelhas, mantendo-se, além disso, incontactável desde então. Quid
iuris?

Suponha, agora, que Bártolo se dirige à quinta de Ártemis, como combinado,


para recolher a prestação e efectuar o pagamento devido. Sabendo que a credora,
tendo sido julgada incapaz para administrar o seu património, beneficia de uma
medida de acompanhamento, esperava encontrar o seu representante legal: porém, é a
própria Ártemis quem se lhe apresenta, desacompanhada, a receber os 5 mil euros
(estando o representante legal incontactável e em parte incerta). Quid iuris? Imagine,
ainda, que, porque Bártolo adoeceu subitamente com uma constipação, é o filho deste,
Calisto, quem se apresenta a Ártemis para entregar os 5 mil euros, deparando com as
circunstâncias descritas. Quid iuris? E, quid iuris, se Bártolo se opõe à referida
intervenção de Calisto?

Caso prático n.º 14


Apolo tem, perante Beatriz, uma dívida no valor 2 mil euros, decorrente de um
contrato de mútuo celebrado em Dezembro de 2016, com prazo de restituição fixado
para Dezembro de 2018.

Suponha que, em 10 Março de 2017, Beatriz contratou Apolo, que é


engenheiro informático, para efectuar a reparação do seu computador (até 20 de
Março de 2017), pelo valor de 500 euros (a pagar até 30 de Março de 2017). Porém,
Beatriz considera-se exonerada deste pagamento, mesmo após a boa reparação e
entrega do computador. Quid iuris?

Suponha que, em Maio de 2017, uma inundação acidental na fração de que é


proprietária Beatriz provoca estragos na fração, contígua, de que é proprietário Apolo.
Sendo a primeira condenada, por sentença transitada em julgado em 2019, a
indemnizar o segundo em montante a liquidar em execução daquela. Beatriz
considera-se exonerada do pagamento da indemnização. Quid iuris?
Suponha, porém, que da sentença resulta que os danos não têm origem num
acidente, mas sim na intenção de Beatriz de se vingar de Apolo, lesando-o. Quid
iuris?
Suponha que vem fixar-se o valor dos danos em 2 mil euros. Apolo considera-
se exonerado “das suas obrigações” perante Beatriz. Quid iuris?

Suponha que Beatriz deve 2 mil euros a Dionísia, irmã de Apolo. Perante este
circunstancialismo Apolo e Beatriz celebram, por escrito, um acordo tendo por
objecto a imediata extinção de ambas as obrigações. Quid iuris?

Caso prático n.º 15


IMOVIS, S.A. é proprietária de um espaço comercial na zona história de
Lisboa, arrendado há 5 anos a Joaquim (chef com duas estrelas Michelin), por €
15.000,00/mês. O mesmo chef arrendou em janeiro deste ano um outro espaço
comercial à sociedade IMODREAM, S.A. para aí explorar, a partir de dezembro de
2020, um novo conceito de negócio. Paga, por este último espaço, uma renda no valor
de € 10.000,00/mês (sem qualquer período de carência).
Sobreveio a atual situação pandémica e Joaquim viu-se a braços com graves
dificuldades económicas.
Do contrato com a IMOVIS, S.A. consta uma hardship clause na qual se prevê
a renegociação do contrato em caso de excessiva onerosidade. Prevê-se ainda uma
cláusula penal no valor de seis meses de renda para o incumprimento do dever de
renegociar, sem prejuízo dos demais meios de reação. O contrato com IMODREAM,
S.A. é silente quanto a esta matéria.
No presente, correm termos duas arbitragens voluntárias nas quais Joaquim
pede a modificação dos contratos de arrendamento com fundamento na
superveniência de uma alteração anormal de circunstâncias, alegando ainda a
violação de deveres de renegociação.
A IMOVIS, S.A. defendeu-se invocando os seguintes argumentos:
(i) a existência de uma hardship clause afasta a aplicação do instituto
da alteração das circunstâncias;
(ii) a senhoria não violou o dever e negociar, uma vez que chegou a
propor uma redução de renda no valor de 15% durante os 3 meses
subsequentes ao período de encerramento obrigatório da atividade.
Já a IMODREAM, S.A. alegou:
(iii) não estar obrigada a renegociar uma vez que o contrato não prevê
tal obrigação;
(iv) que o regime legal da suspensão das rendas (legislação COVID)
afasta a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias;
(v) que a pandemia não configura uma perturbação da base do negócio
relevante para o contrato em causa, uma vez que o pagamento da
renda não dependia do exercício de qualquer atividade económica
no locado; e
(vi) que Joaquim nunca podia pedir a modificação, mas sim a resolução.

Quis juris?

Caso Prático n.º 16

Adriana está farta de ser enganada por clientes intrujonas, e decidiu reformular
o seu negócio de desenho, costura e venda de vestidos de noiva: apenas começa a
costurar depois de receber a totalidade do preço do vestido (já está farta de noivas
que, depois de casadas, se esquecem de pagar...). E foi assim que combinou com
Beatriz: depois de uma primeira visita ao atelier, a noiva escolheu o modelo, e
combinou pagar daí a uma semana o preço do vestido (€ 3.000). Três semanas depois,
sem que Beatriz tivesse voltado ao atelier, Adriana foi surpreendida com uma visita
muito irritada da noiva: “Caso-me daqui a uma semana e nem sequer começou a
cortar o tecido? Se o mesmo não estiver pronto daqui a 3 dias, espeto-lhe um processo
em cima [Beatriz não era especialista em Processo Civil], e vou pedir uma
indemnização por danos morais!” Adriana ficou apavorada com a ameaça, mas não
quer fraquejar agora e pensa manter-se firme: como Beatriz ainda não pagou um
cêntimo sequer, não vai iniciar o trabalho. Quid juris? A resposta seria a mesma se
Adriana e Beatriz apenas tivessem convencionado o preço e a realização da obra, sem
qualquer acordo quanto ao momento do pagamento? Neste último caso, a resposta
manter-se-ia se Adriana tomasse conhecimento de que Beatriz não pagava a renda da
casa há alguns meses e que já nenhuma das mercearias da zona lhe concedia crédito?
Quid juris?

Caso Prático n.º 17

Diana acabou de herdar inúmeros terrenos no Alentejo, que pretende alienar


imediatamente. Para o efeito, contratou Carlos, que se obrigou a representar Diana nas
inúmeras escrituras de venda dos imóveis (Diana não gosta de perder tempo com
burocracias...). Acordaram que Carlos receberia € 800 por mês, durante um ano; nos
meses em que representasse Diana em mais que 5 escrituras, teria direito a um
suplemento de € 150 por escritura. Passados 3 meses, Carlos começou a ficar
preocupado: tem recebido atempadamente os € 800 mensais, mas Diana já lhe deve €
1.200, a título de reembolso de despesas com notários e registos, necessárias para a
celebração das escrituras. Pode Carlos recusar-se a representar Diana, enquanto esta
não o reembolsar das despesas? A resposta seria a mesma se Diana tivesse pagado
atempadamente a prestação mensal e o reembolso das despesas, mas estivesse
atrasada em relação ao pagamento de suplementos no valor de € 300?

Caso prático n.º 18

No início de Dezembro de 2019, Orestes entregou o seu jaguar a Eurípedes,


tendo convencionado que, o segundo, pelo valor global de seis mil euros (mil euros
por mês), guardaria o automóvel no seu stand (dedicado à comercialização de viaturas
baratas) durante seis meses (até ao fim de Maio de 2020), período em que o primeiro
estimava viajar pela Europa.
No início de Março de 2020, alarmado pelas notícias de uma pandemia que
começava a instalar-se pelo Mundo fora, Orestes regressa a Lisboa e pretende que o
automóvel lhe seja devolvido imediatamente. Por isso, envia a Eurípedes um e-mail
onde lhe dá um prazo de oito dias para a restituição do jaguar.

a) Suponha que, contra a entrega, Orestes apresenta um cheque para


pagamento dos três meses decorridos. Chocado com a “oferta”, Eurípedes recusa a
restituição do veículo se não lhe for paga a totalidade do preço estabelecido. Quid
iuris?
Suponha que, em Junho de 2020, cansado da insistência de Orestes em nada
pagar além dos três mil euros correspondentes ao período em que o contrato foi
executado, Eurípedes, que pretende manter o carro consigo até a dívida estar
totalmente satisfeita, endereça uma carta registada com aviso de recepção, nos termos
da qual comunica que dará o contrato por “definitivamente incumprido” caso Orestes
não pague tudo o que deve no prazo de 10 dias. Quid iuris?
Suponha que, 20 dias passados sobre a referida missiva, Orestes se mantém
inadimplente: que alternativas assistem a Eurípedes?

b) Suponha que Eurípedes, antecipando a redução da actividade do stand por


causa da pandemia, engendrou um “Plano B” para obter rendimentos sem violar o
estado de emergência: aproveitou a disponibilidade do jaguar e planeou utilizá-lo na
sua nova actividade de influencer de redes sociais, motivo pelo qual não lhe dá jeito
devolvê-lo a Orestes antes do prazo combinado (já que tem várias actividades
publicitárias programadas entre Abril e Maio). Para escapar à insistência daquele,
deixa de atender o telefone, não responde a sms’s, e-mail’s e afins, não abre a porta,
tão-pouco levanta as cartas, em correio registado, que aquele, em desespero, lhe
endereça. Quid iuris?
Neste estado de coisas, em meados de Maio de 2020 o automóvel é confiscado
pelas autoridades policiais por suspeita de ter estado envolvido num atropelamento e
fuga em Setembro de 2019; malogradamente, porém, o jaguar acaba
irremediavelmente destruído por força de um grave acidente durante o transporte, em
reboque, para as instalações da polícia judiciária. Quid iuris?

c) Suponha que no dia combinado Orestes não aparece no stand, já que, por
comodidade, pretende – e insiste – que a viatura lhe deve ser entregue na sua Quinta
no Alentejo, onde decidiu acomodar-se durante o confinamento. Por seu lado,
Eurípedes, entende que Orestes não tem razão. Quid iuris?
Alguns dias mais tarde, durante a noite, o jaguar é subtraído das instalações
do stand por terceiros, encapuzados, e levado para parte incerta. Felizmente,
Eurípedes recebeu da companhia de seguros uma quantia bastante razoável pelos
danos sofridos com o arrombamento do stand e com a subtração dos veículos que
estavam no seu interior, entre eles o jaguar. Quid iuris?

Você também pode gostar