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TJRJ 202000278984 26/05/2020 15:46:00 JEC; - PETIÇÃO ELETRÔNICA Assinada por RODRIGO AZAMBUJA MARTINS
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO,
presentada pelos defensores públicos que esta subscrevem, vem, à presença de Vossa
Excelência, com fundamento na norma dos artigos 4.º da Lei Complementar n.º 80/94,
com a redação da Lei Complementar n.º 132/2009, e 7.º, § 2.º da Lei n.º 9.868, e art. 138
do Código de Processo Civil, requerer seu ingresso como
AMICUS CURIAE
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Não é à toa que a Lei n.º 9.868/1996 dispôs que o relator de ações diretas de
inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade “considerando a relevância
da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível,
admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos
ou entidades”, nos termos do art. 7.º, § 2.º.
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BECKER, Rodrigo. TRIGUEIRO, Victor. O tratamento do amicus curiae no CPC/15. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/o-tratamento-do-amicus-curiae-
no-cpc15-23062017. Acesso em 02/10/2019.
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Não fosse isso, resulta patente que a Defensoria Pública do Estado do Rio de
Janeiro tem representatividade adequada2, isto é, representa porção significativa
(quantitativa ou qualitativamente) de grupo social que guarda relação com a matéria em
debate. O elemento essencial, portanto, é a potencialidade de aportar elementos úteis para
a solução.
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“A lei aludiu a “representatividade adequada”. Mas não se trata propriamente de uma aptidão do terceiro
em representar ou defender os interesses de jurisdicionados. Não há na hipótese representação nem
substituição processual. A expressão refere-se à capacitação avaliada a partir da qualidade (técnica,
cultural...) do terceiro (e de todos aqueles que atuam com ele e por ele) e do conteúdo de sua possível
colaboração (petições, pareceres, estudos, levantamentos etc.). A “representatividade” não tem aqui o
sentido de legitimação, mas de qualificação. Pode-se usar aqui um neologismo, à falta de expressão mais
adequada para o exato paralelo: trata-se de uma contributividade adequada (adequada aptidão em
colaborar).” (TALAMINI, Eduardo. Amicus curiae no CPC/15. Disponivel em:
https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234923,71043-Amicus+curiae+no+CPC15. Acesso em
02/10/2019..)
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Para tanto, a Ordem dos Advogados do Brasil alega que a lei impugnada
violou a Carta Estadual, especificamente os artigos 72 e 98, uma vez que teria legislado
sobre norma de matéria penal, de competência da União. Explicou que as atividades
desempenhadas pelos agentes públicos aos quais se atribuiu o direito ao porte de arma
não são de segurança pública; possuindo, ao revés, caráter eminentemente pedagógico,
de “tutoria”.
O pedido foi julgado extinto sem exame de mérito, mas, acolhendo embargos
de declaração opostos pela Procuradoria Geral do Estado, aquele julgamento foi anulado
(index 000396).
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III. O MÉRITO
A INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL ORGÂNICA. OFENSA AOS
ARTIGOS 72 E 74 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO. NORMA DE CONTEÚDO
PENAL. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO.
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Art. 74 - Compete ao Estado, concorrentemente com a União, legislar sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
II - orçamento;
III - juntas comerciais;
IV - custas dos serviços forenses;
V - produção e consumo;
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos
de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IX - educação, cultura, ensino e desporto;
X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
XI - procedimentos em matéria processual;
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
XIII - assistência jurídica e defensoria pública;
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
XV - proteção à infância e à juventude;
XVI - organização, garantias, direitos e deveres da polícia civil.
§ 1º - O Estado, no exercício de sua competência suplementar, observará as normas
gerais estabelecidas pela União.
§ 2º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, o Estado exercerá a competência
legislativa plena, para atender às suas peculiaridades.
§ 3º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei
estadual, no que lhe for contrário.
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Desse modo, ao ampliar o rol de pessoas que podem andar armadas, o Estado
do Rio de Janeiro exerceu competência legislativa exclusiva da União, descriminalizando
uma conduta.Ao assim agir, incidiu em crasso vício de incompetência.
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( ADI 2729, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19/06/2013 )
Nesse contexto de ideias, vale mencionar inclusive a ADIN 5.359/SC, proposta pela
Procuradoria-Geral da República no Supremo Tribunal Federal, em que se discute a
(in)constitucionalidade de lei do Estado de Santa Catarina que, em dispositivos semelhantes ao
da Lei do Estado do Rio de Janeiro ora questionada, autoriza o porte de armas para agentes
socioeducativos. Apesar de não ter sido ainda julgada, em virtude do pedido de vistas do Ministro
Gilmar Mendes, a ação já conta com 05 (cinco) votos favoráveis ao reconhecimento da
inconstitucionalidade da referida lei, entre eles os votos do Ministro relator Edson Fachin, bem
como das ministras Rosa Weber, Cármen Lucia e dos ministros Ricardo Lewandowski e Marco
Aurélio, votos que, justamente por entenderem que a norma catarinense invadiu campo legislativo
exclusivo da União Federal, corroboram as teses ora sustentadas na presente demanda. A título
ilustrativo, cumpre transcrever as partes do voto do Ministro Relator Edson Fachin que aqui nos
interessa, in vervis:
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Conclusão
Diante de todo o exposto, converto o julgamento da medida cautelar no mérito da
ação direta, para i) declarar a inconstitucionalidade do inciso V do art. 55 da Lei
Complementar nº 472/2009 do Estado de Santa Catarina, no que autoriza o porte de
arma para agente de segurança socioeducativo; e ii) declarar parcialmente a nulidade
sem redução de texto da expressão “inativos” constante do caput do mesmo art. 55,
no que o estende aos servidores inativos da carreira de agente penitenciário daquele
Estado. Julgo, por consequência, procedente o pedido formulado na presente ação
direta. Determino, ainda, que sejam comunicados: i) o Departamento de Polícia
Federal para dar integral cumprimento à presente decisão, expedindo o necessário
para a adequada ciência dos afetados; ii) o Estado de Santa Catarina para cientificar
da presente decisão todos os ocupantes do cargo de agente de segurança
socioeducativo na ativa e aposentados, assim como todos os agentes penitenciários
inativos. É como voto”
Veja-se que não se pretende que essa Corte utilize como parâmetro para o
controle de constitucionalidade da Lei inquinada as disposições da Constituição Federal,
o que seria vedado nesta sede, e aliás, a nosso juízo equivocadamente reconhecido no
acórdão que restou anulado (index 000310).
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tese, legislado sobre direito do trabalho, no que respeita à definição de jornada laboral”
– processo 015375-75.2019.8.19.0000, relator: Des. Custodio Tostes.
Não há, portanto, qualquer razão para se afastar desse precedente, como
equivocadamente, data vênia, fez o julgamento anulado.
Esse rol é taxativo, como já afirmou o Supremo Tribunal Federal, que julgou
inconstitucional em parte o artigo 183 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, no
ponto em que incluía a polícia penitenciária dentre os órgãos encarregados pela segurança
pública, além de também expurgar a expressão “que inclui a vigilância intramuros nos
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Desse modo, como o rol do art. 144 da CF/88 é taxativo, qualquer pretensão
de interpretação extensiva é inconstitucional, como aquela que pretende empregar o
SIND-DEGASE.
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Art. 112 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro
ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de
Justiça, ao Ministério Público e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta
Constituição.
§ 1º - São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que: I - fixem ou
alterem os efetivos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; II -
disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta e autárquica do Poder Executivo ou aumento de sua
remuneração; b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de
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Isso porque a citada legislação prevê que o armamento deverá ser custodiado
em espaço próprio, dentro das unidades de internação, caso o agente opte por andar
armado, já que está vedada a utilização de armas no exercicio da função. Entretanto, tal
medida não protege adequadamente os adolescentes, colocando-os a salvo de
episódios de violência e crueldade.
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Isso sem falar do viés sociopedagógico das medidas socioeducativas, que não
se coadunam com a figura de socioeducadores armados, que farão incutir no imaginário
do adolescente a ideia de que é perigoso, frustrando, portanto, os objetivos da
socioeducação. É que, diferentemente dos agentes e guardas prisionais, o agente
socioeducativo exerce suas funções sob a égide da doutrina da proteção integral, a qual
garante especial proteção aos adolescentes e jovens que, por estarem em pleno processo
de formação de sua personalidade, gozam de especial proteção e direitos. Como muito
bem destaca o escólio de VÁLTER KENJI ISHIDA, tal doutrina baseia-se em dois
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3ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência, 20. ed. rev.
ampl. e atul. Salvador: JusPODIVM, 2019, p. 341.
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por arma de fogo no Brasil, revelando ainda que o número anual de mortos (9,5mil)
dobrou desde o levantamento feito em 19974.
Por fim, porém, não menos importante, faz-se mister destacar que o porte de
arma a agentes socioeducativos não resolve o problema das agressões e fugas no sistema
socioeducativo, ao contrário, apenas incrementa o risco e as consequências da violência
estrutural já institucionalizada nas unidades socioeducativas do estado do Rio de Janeiro.
Daí porque tal legislação viola o princípio da proporcionalidade, na sua vertente
adequação.
IV. PEDIDO
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Disponível em:<https://veja.abril.com.br/brasil/a-cada-hora-uma-crianca-ou-adolescente-morre-por-
arma-de-fogo-no-brasil/>. Último acesso em 25.05.2020.
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