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A FELICIDADE EM SIGMUND FREUD E SANTO TOMÁS AQUINO

ZELMIRA SELIGMANN

Tradução Robert Barbosa Batista

1. O conceito de felicidade em Freud

Sigmund Freud trata especialmente do tema da felicidade em sua obra intitulada O


mal-estar da civilização, no quadro de uma forte crítica à cultura cristã. Ele assume o
pensamento de F. Nietzsche e se encarrega de seu projeto de transvalorização por
meio da psicanálise.1
Freud leu este filósofo com grande entusiasmo desde muito jovem, e além disso, a
existência de uma relação mais direta é conhecida por Lou-Andreas Salomé, que era
amigo íntimo de Nietzsche, e a primeira mulher e leiga que entrou nos círculos das
quartas-feiras de Freud (em 1912), onde foram estudadas as obras de Nietzsche.
Para Freud, a cultura (de raízes cristãs) impõe restrições à sexualidade e restringe a
própria agressividade do homem. Por um lado, promovendo a família heterossexual e
monogâmica, e por outro, postulando o impraticável preceito do amor ao próximo,
que coloca barreiras à busca de satisfação a partir de tendências agressivas. Ele define
o homem com a famosa frase: homo homini lupus.2 Ele diz em uma passagem amarga:
“Por que então a apresentação tão solene de um preceito que ninguém pode ser

1 Nietzsche confiou a realização de seu projeto de transformação da moral a um médico-filósofo.


Cf. Friedrich NIETZSCHE La gaya Ciencia, Madrid 1984, 24.
2 Freud cita a frase de Hobbes, mas não diz a quem pertence.
razoavelmente aconselhado a cumprir? (...) Esse estranho [o próximo] não só é
geralmente indigno de amor, mas - para confessar - muito mais merece minha
hostilidade e até meu ódio. 3
Essa cultura cristã apela aos sentimentos de culpa para reprimir tendências que
segundo Freud lhe são antagônicas (sexualidade e agressividade), e assim domina
essas inclinações, fazendo com que os indivíduos se sintam culpados e "em pecado",
quando consideram que cometeram algo "ruim". Isso gera angústia e, segundo o
fundador da Escola Psicanalítica, gera-se um processo de repressão que vai dar origem
à doença denominada neurose e outras patologias psíquicas graves. Este é o ‘mal-
estar’ que produziu a cultura forjada pelo cristianismo e a tal ponto que se pode falar
em antítese e confronto entre felicidade e cultura. Este conhecido psicanalista nos diz:
“Se a cultura impõe sacrifícios tão pesados, não só à sexualidade, mas também às
tendências agressivas, entenderemos melhor por que é tão difícil para o homem
alcançar a felicidade.”4 Por isso, ele propõe impor uma mudança que vai até às raízes
desta cultura e aos seus valores mais fundamentais.
Freud reconhece que a religião levanta a questão sobre a finalidade da vida.
No entanto, ninguém pode errar a resposta: os homens aspiram à felicidade, querem
ser felizes e não querem deixar de sê-lo. Essa aspiração comum tem duas facetas: uma
positiva, de vivenciar intensas sensações de prazer, e outra negativa, de evitar o
desagrado e a dor. No entanto, o termo 'felicidade' é aplicado ao princípio do prazer,
que é o que governa todas as operações do "aparelho psíquico". Mas essa felicidade é
irrealizável, pois Freud acrescenta: “toda a ordem do universo se opõe a ela, e ainda
estaríamos prestes a afirmar que o plano da “Criação” não inclui o propósito de o
homem ser“ feliz ”.5

Como podemos ver, a concepção freudiana de felicidade está relacionada e depende


fundamentalmente do pensamento de Kant, para quem a felicidade é sensível e por
isso - para o filósofo de Königsberg - é imoral buscá-la e trabalhar nesse sentido.
Desse modo, as possibilidades de felicidade já estão limitadas desde o início por nossa
própria constituição, por isso - Freud nos diz - é mais fácil experimentar a desgraça. Em
seguida, analisa as possibilidades de sofrimento que ameaçam o homem e descobre
que são três: o corpo, condenado à decadência e à aniquilação; o mundo exterior,
capaz de se ferir contra nós com suas forças destrutivas onipotentes, e relações com
outros seres humanos, a sociedade.
Freud continua: “Não nos surpreendemos, então, que sob a pressão de tais
possibilidades de sofrimento, o homem tenda a rebaixar suas reivindicações de
felicidade (...); Não nos surpreende que o ser humano já seja considerado feliz pelo
simples fato de ter escapado da desgraça, de ter sobrevivido ao sofrimento; que, em
geral, o objetivo de evitar o sofrimento relega a segundo plano a obtenção do prazer.
”6
Desse modo, a felicidade consistirá principalmente, para Freud, em evitar dor e
sofrimento. Para isso, ele propõe vários métodos de proteção: contra os seres
humanos, contra o mundo exterior amedrontador e contra o sofrimento do nosso

3 Sigmund FREUD El malestar de la cultura, en Obras completas, traducción directa del alemán Luis
López-Ballesteros y de Torres, tomo III, Madrid 1981, 3045.
4 Ibidem, 3048.
5 Ibidem, 3025.
6 Ibidem, 3025
corpo. O primeiro que ele analisa, por ser extremamente eficaz, é o químico, a
intoxicação por drogas.7
Isso “nos proporciona sensações agradáveis diretamente, modificando também as
condições de nossa sensibilidade, de modo que nos impedem de perceber estímulos
desagradáveis. (...) Atribui-se tal caráter benéfico à ação das drogas na luta pela
felicidade e na prevenção da miséria, que tanto os indivíduos quanto os povos
reservaram para eles um lugar permanente em sua economia libidinal ”.8
Este maravilhoso “removedor” liberta o homem do peso da realidade, abrigando-o
num mundo só seu. Pois, diz-nos este psicanalista, “A satisfação dos instintos,
precisamente porque implica tal felicidade, torna-se causa de intenso sofrimento
quando o mundo exterior dela nos priva, negando-nos a satisfação das nossas
necessidades”.9
Também a vida instintiva sujeita a "instâncias psíquicas superiores" obtém uma certa
proteção contra o sofrimento. A técnica de sublimação redireciona os fins instintivos,
evitando, de alguma forma, a frustração que vem do mundo exterior. O artista, o
pesquisador, aquele que busca descobrir a verdade, estão entre aqueles que sabem
usar o intelecto como escudo contra o sofrimento. Porém, eles ainda não conseguirão
escapar, em algum momento, da dor. Por outro lado, Freud esclarece que as mulheres
estão mal equipadas para esse mecanismo de defesa (o uso da inteligência), portanto
o trabalho cultural é uma tarefa masculina.
Outro método de se tornar independente da realidade e do mundo externo sempre
hostil e doloroso, buscando satisfação nos processos psíquicos internos, é o refúgio
nas ilusões. Por isso, analisa agora o que considera o procedimento mais enérgico para
romper com o inimigo e a realidade intolerável: a vida de eremita ou de quem vive em
comunidade, referindo-se sem dúvida aos monges e à vida religiosa. Aquele que busca
a felicidade desta forma ficará louco. Especialmente quando finge uma "transformação
delirante da realidade".10
Finalmente, ele se refere ao que chama de "amor" como um método para afastar o
sofrimento e que, no fundo, nada mais é do que "amor sexual".
Em seguida, conclui: “O desígnio de ser feliz que o princípio do prazer nos impõe é
irrealizável, mas não é por isso, nem pode ser, abandonar os esforços para se
aproximar de qualquer forma de sua realização. (...) Tudo depende da quantidade de
satisfação real que você pode esperar do mundo exterior e até que ponto você tende a
se tornar independente dele; enfim, também da força que ele atribui a si mesmo para
modificá-la de acordo com seus desejos. ”11
A frustração a que o indivíduo está sujeito, pela impossibilidade de encontrar a
felicidade (onde, sem dúvida, não a encontra), leva-o - como pudemos ver - a um
afastamento da realidade que poderíamos dizer ser um idealismo prático. Essa
situação frustrante causa angústia, tristeza e "desconforto excruciante". O
psicanalisado torna-se - por medo dessa realidade que sempre considera hostil e
ameaçadora - um “pequeno idealista”12 e, assim, pode realizar seus desejos e impor
sua vontade com uma construção fictícia e irreal.

7 O próprio Freud usava cocaína.


8 Ibidem, 3026.
9 Ibidem, 3026.
10 Ibidem, 3028.
11 Ibidem, 3029.
12 Esta expressão é de Ignacio ANDEREGGEN em Teoria do conhecimento moral. Lições de
2. Refutação de Santo Tomás de Aquino

O Angélico, tomando a autoridade de Santo Agostinho, diz que todos os homens


desejam o fim último, que é a felicidade. Quanto à noção geral, todos concordam em
desejar esse fim, que é o cumprimento de sua perfeição, o bem que sacia e satisfaz
plenamente sua vontade. Mas na situação específica de cada pessoa, nem todos
concordam: uns querem riquezas, outros prazeres e outras coisas. Porque alguns eles
não sabem em que consiste a beatitude. Em seguida, os vários modos de vida são
explicados pelo objeto em que cada um coloca sua felicidade, já que o fim estrutura
toda a personalidade e domina os afetos, estabelecendo as regras para a própria vida.
E assim afirma Aquinate: “Não é necessário que se pense no fim último sempre que
algo quer ou executa, porque a eficácia da primeira intenção, que é com respeito ao
fim último, continua no desejo de qualquer outra coisa mesmo quando não o fim
último é pensado atualmente; ”13
Assim, Santo Tomás percorre os diversos bens que o homem pode desejar e nos quais
a felicidade ou a bem-aventurança não podem estar: riquezas, fama, honras, poder, os
bens do corpo, o prazer, os bens da alma, bens criados. Porque a felicidade deve ter o
caráter de fim último e bem supremo, ao qual o homem é ordenado por princípios
interiores, sem sombra de mal, saciando-se plenamente para o qual, uma vez
alcançada, nada mais se deseja, porque sacia todo o apetite. Finalmente, a felicidade
deve ser "o bem perfeito e suficiente" do homem.14 Disto se segue que nesta vida a
bem-aventurança perfeita não pode ser alcançada, mas pode haver uma participação,
que é felicidade imperfeita.
Em relação à posição freudiana que analisamos, deve-se primeiro esclarecer que,
embora o prazer seja um acidente próprio da felicidade, é conseqüência dela ou de
alguma parte, mas não de sua essência. O deleite, que é saboroso porque é repouso
no bem desejado, é dado para um bem conveniente.
Diz São Tomás: “Na mesma medida em que todos desejam os deleites, desejam o
bem; mas os deleites se apetecem para o bem e não vice-versa.”15
O prazer corporal nem pode ser consequência da felicidade, porque segue um bem
que busca sentido, que é a potência da alma que usa o corpo. E se o prazer é causado
porque os sentidos percebem um bem conveniente ao corpo, o prazer corporal não só
não é felicidade, mas também não é um acidente dela; porque o bem do corpo não
pode ser o bem perfeito do homem, visto que é mínimo em comparação com à alma.16
Ao contrário da verdadeira felicidade que satisfaz e nada mais é desejado, os bens
criados mostram sua própria inadequação e imperfeição; Por isso, quando lhes é posto
o objetivo último, deixam uma profunda insatisfação, pela qual mais se busca
desordenadamente, ao mesmo tempo que os deteriora, porque são exigidos daquilo

Gnoseología, Buenos Aires 2006, 331. Diz explicitamente, Ibidem 328: "a psicanálise é uma forma
popular de idealismo."
13 S. Th. I-II q. 1 a. 6 ad 3.
14 S. Th. I-II q. 5 a. 2 arg 3 y a.4 corpus.
15 S. Th. I-II q. 2 a. 7 ad 3.
16 S. Th. I-II q. 2 a. 6
que eles próprios não podem dar. "E é que apenas o bem perfeito que preenche
completamente todos os apetites merece ser chamado de fim último." 17
Só Deus pode cumprir a vontade humana, então nada mais pode ser desejado;
somente em Deus, na visão de Deus, há felicidade. Em conclusão, para a bem-
aventurança perfeita é necessário que o entendimento alcance a própria essência da
causa primeira. Assim, ele alcançará a perfeição pela união com Deus, como seu
objeto, no qual só o homem é bem-aventurado.”18
Santo Tomás, seguindo Aristóteles, diz que os deleites estranhos impedem certas
operações da alma.
Refere-se aqui aos deleites próprios do ato da razão (quando contemplamos ou
raciocinamos) e aos prazeres corporais que impedem o uso dele. O Doutor Angélico
cita três motivos: 1) para a distração, porque se o prazer for grande irá “privar
completamente o uso da razão”, direcionando toda a atenção para si, ou pelo menos
irá atrapalhar consideravelmente; 2) por contrariedade, porque certos prazeres
excessivos são contrários à ordem racional; e 3) por uma certa sujeição, uma vez que o
deleite corporal é seguido por distúrbios corporais que impedem o uso da razão.19
Vemos claramente como aqueles que - seguindo os princípios psicanalíticos - buscam
com veemência o prazer, não só frustram suas expectativas por não encontrarem a
felicidade desejada, mas também turvam sua razão, impossibilitando-os de buscá-la
corretamente, o que traz novas frustrações e angústias. Por outro lado, diz Santo
Tomás, que a dor enfraquece ou impede qualquer operação, para que a pessoa
entristecida, ela congela, paralisa em seu desenvolvimento pessoal.
Dor e tristeza (por causa do mal que –segundo Freud– vivemos da realidade hostil) são
–segundo Aquino– contrários ao deleite. O prazer aumenta a alma, expande o afeto,
enquanto a tristeza e a angústia a estreitam. Afirma Santo Tomás: “E o temor(ou
medo) e a raiva causam danos corporais gravíssimos devido à sua união com a tristeza
pela ausência do objeto desejado. E mesmo a própria tristeza às vezes priva a razão,
como se vê naqueles que se tornam melancólicos ou maníacos por causa da dor. ” 20
Refere-se não apenas a doenças corporais mas, principalmente, a psíquicas graves
(com privação de uso da razão e até da organicidade), porque nas paixões da alma, a
alteração corporal que é a material, é proporcional ao apetite, que é o formal. 21

Podemos concluir, então, que a psicanálise (que propõe um objetivo prático: uma
psicoterapia que mude o fim e o funcionamento das pessoas) com os princípios que
sustenta, mergulha seus seguidores na doença mental. Confundir o objeto da
felicidade, não "atingir o alvo" do fim último do homem, é condená-lo ao erro eterno e
a todo o sofrimento que isso acarreta.

3. Além da psicanálise, um problema moderno

Filósofos modernos e contemporâneos de renome - que Freud estudou


profundamente em seus cursos com Brentano - enfrentaram o catolicismo e os valores
vividos na Europa medieval, nos quais nosso santo Doutor atingiu o mais alto grau de

17 S. Th. I-II q. 2 a. 7 corpus.


18 S. Th. I-II q. 3 a. 8 corpus.
19 Cfr. S. Th. I-II q. 33 a. 3 corpus.
20 S. Th. I-II q. 37 a. 4 ad 3.
21 Cfr. S. Th. I-II q. 37 a. 4 corpus.
perfeição. Embora do ponto de vista filosófico o pensamento psicanalítico seja muito
elementar, não podemos ignorar o sucesso desproporcional que alcançou na cultura
contemporânea; e, em parte, graças à difusão dada pelos próprios cristãos com seu
ensino no âmbito acadêmico, especialmente naqueles que são reconhecidos como
autoridade por serem católicos.
Mas, além de seus erros graves e seu triunfo inexplicável em grande parte do mundo
ocidental e cristão, não podemos deixar de considerá-lo um paradigma em termos da
grande ignorância do homem moderno sobre seu objetivo final e o objeto de
felicidade.
Santo Tomás explica que o conceito de fim tem dois significados: um, o próprio objeto
que desejamos alcançar, que é Deus, e outro que se refere à posse, uso ou fruição do
que se deseja.22
A bem-aventurança é a perfeição última do homem, uma operação pela qual a mente
está unida a Deus e é uma, contínua e eterna. Como dissemos acima, na vida presente
a bem-aventurança perfeita não pode ser alcançada, mas há uma felicidade
compartilhada em maior medida, pois é mais contínua e una. Por isso, na vida
contemplativa, que é a contemplação da verdade, há mais participação na felicidade
do que na vida ativa, que é mais dispersa. 23
A essência da felicidade consiste num ato do intelecto, e o consequente deleite
pertence à vontade, por isso Santo Agostinho diz que é a “gozo da verdade” (gaudium
de veritate). O Angélico conclui: “a última e perfeita bem-aventurança que esperamos
na vida futura consiste principalmente na contemplação. Mas a beatitude imperfeita,
que nesta vida pode ser alcançada, consiste principalmente na contemplação,
secundariamente na atividade de compreensão prática, que impõe ordem nas ações e
paixões humanas, como diz o Filósofo. ”24
Sem dúvida, há também o deleite na bem-aventurança, causado pelo apetite que se
baseia no bem realizado, mas a operação intelectual é mais importante. Porque o
entendimento percebe a noção universal do bem, de cuja posse segue o deleite; É por
isso que o bem é proposto de maneira principal e não o deleite.25
Para a bem-aventurança, é necessária a retidão da vontade; O fim não pode ser
alcançado se não for ordenado a isso. Precisamente, a lei evangélica ordenou esta
vontade: em seus atos externos quais são os preceitos morais que pertencem à
essência da virtude; Mas, principalmente, ele ordenou os movimentos interiores que
se referem a si mesmo e ao amor ao próximo. 26 É por isso que também na felicidade
imperfeita (aquela que ocorre nesta terra) há paz interior e exterior, porque toda a
personalidade e relações sociais, removendo obstáculos que atrapalham o caminho
para o fim último. Mas, além disso, a nova lei propõe conselhos - para quem tem
aptidão - que "tratem daquelas coisas pelas quais o homem pode melhor e mais
facilmente atingir esse fim".27 Vimos como Freud ataca e principalmente rejeita os
preceitos dessa ordem. a vida interior e sua relação com os outros, e que são
absolutamente necessárias para chegar ao fim.

22 Cfr. S. Th. I-II q 3 a. 1 corpus.


23 S. Th. I-II q. 3 a. 3 corpus.
24 S. Th. I-II q 3 a. 5 corpus
25 Cfr. S. Th. I-II q 4 a. 2 ad 2.
26 Cfr. S.Th. I-II q. 108 a. Cfr. S.Th. I-II q. 108 a. 3 corpus
27 S.Th. I-II q. 108 a. 4 corpus.
Mas não só existem homens que se equivocam por ignorância, também vemos muitos
que - preservando vestígios da cultura cristã - conhecem o fim último do homem,
sabem que ele reside na contemplação de Deus, mas vivem “como se” não soubessem
disso.
Eles colocam suas preocupações nas coisas terrenas, e com veemência mascarada eles
buscam a felicidade nos bens criados. Eles se dispersam no ativismo da vida moderna
ou se concentram para alcançar seus fins aparentes.
As consequências são tão ou mais graves que as que ocorrem no ignorante, porque
dividem profundamente a sua personalidade (que é a causa das patologias psíquicas)
e, como diz São Tomás, o homem entristece-se por não ter unidade, porque “O bem
de cada ser consiste numa determinada unidade, pela mesma razão que cada ser tem
em si os elementos constitutivos da sua perfeição reunidos. (...) Portanto, todos
naturalmente desejam a unidade ”. 28
E é assim que encontramos cristãos entristecidos, tristes, frustrados, atolados em uma
angústia "incompreensível", assustados com a possível perda de bens terrenos nos
quais depositaram suas esperanças. Os bens mundanos não devem impedir a ordem
da felicidade perfeita. O angélico diz que “não é lícito esperar qualquer bem como o
fim último, fora da bem-aventurança eterna, mas apenas como ordenado para este
fim de bem-aventurança”,29 porque então surge o medo mundano, que é mau, porque
nasce do amor mundano, que tem medo de perder o que é temporário daquilo que
ama, e que realmente - por não poder durar para sempre - um dia perderá.
É então necessário o desapego das coisas criadas, a pobreza de espírito e a virtude da
esperança pela qual não só esperamos o bem da vida eterna, mas também contamos
com a ajuda de Deus para alcançá-lo.30

Para vencer a ignorância e comover os corações veio Cristo, e a cultura europeia - que
nega as suas raízes - teve um papel muito importante na história da Evangelização.
Agora, nossa cultura está doente (apropriadamente chamada de "cultura da morte");
os homens estão doentes, e não apenas com um leve 'mal-estar', eles perderam o uso
da razão. E vemos que a raiz mais profunda do sofrimento é justamente a ausência de
Deus,31 pois só a fé é a força purificadora da razão.32

Dizia João Paulo II que o homem “é ao mesmo tempo filho e pai da cultura a que
pertence”.33 Por isso, diante da infelicidade, doença que aflige muitas pessoas em
nosso tempo, temos uma séria responsabilidade. Devemos “fazer tudo ao nosso
alcance com as capacidades que temos, é a tarefa que mantém o bom servo de Jesus
Cristo sempre ativo:“ O amor de Cristo nos impele ”(2 Cor 5, 14)”. 34

28 S. Th. I-II q. 36 a. 3 corpus.


29 S. Th. II-II q. 17 a. 4 corpus.
30 Cfr. S. Th. II-II q. 17 a. 2 corpus.
31 Cfr. S.S. Benedicto XVI Carta Encíclica Deus caritas est, Roma 2005, n° 31.
32 Cfr. S.S. Benedicto XVI Carta Encíclica Deus caritas est, Roma 2005, n° 28.
33 Cfr. S.S. Juan Pablo II Carta Encíclica Fides et ratio, Roma 1998, n° 71.
34 S.S. Benedicto XVI Carta Encíclica Deus caritas est, Roma 2005, n° 35.

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