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Autoria
Fernanda Yanaze Watanabe Sena Maia - fernandayanazemaia@gmail.com
Programa de Pós Graduação em Gestão de Organizações, Liderança e Decisão / UFPR - Universidade Federal do Paraná
Resumo
As crises desencadeadas pela Covid-19 exigiram de organizações e governos a adoção célere
de medidas inéditas, em meio a um cenário turbulento e com alta incerteza. Visando
aprender com este momento histórico, o objetivo deste artigo é compreender os elementos
relevantes no processo decisório de grupos no contexto organizacional durante períodos de
crise. Para tanto, foi realizado um estudo de caso único de um grupo de gestão de crises de
uma indústria multinacional durante a pandemia. A coleta de dados ocorreu por meio de
entrevistas em profundidade e análise documental. Os resultados sugerem que a tomada de
decisão do grupo é bem caracterizada considerando os limites cognitivos dos envolvidos,
assim como elementos políticos. O processo de tomada de decisão do comitê de crise oscilou
entre cautela e risco, já que a prioridade estava em garantir um ambiente seguro e, ao mesmo
tempo, minimizar os danos financeiros diante da crise sanitária. Táticas políticas como
utilização estratégica de informações e interferência externa permearam as decisões. O
estudo traz contribuições teóricas ao ampliar o entendimento de como crises impactam o
processo decisório de grupos no contexto organizacional e propor caminhos de investigação
para a temática.
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RESUMO
1 INTRODUÇÃO
O Coronavírus, que se disseminou pelo mundo em menos de três meses
em 2020, tornou-se sinônimo de uma crise sem precedentes e seus reflexos
ainda serão sentidos por muitos anos. Para Singh et al. (2020), a Covid-19
mudou o cenário de negócios da noite para o dia, impactando a saúde e o bem-
estar de todos. Os tomadores de decisão das organizações foram colocados à
prova diante de problemas complexos, condições de incerteza e escassez de
informações.
Diante de um cenário pouco conhecido, sabendo-se apenas do alto risco
de letalidade do vírus, as empresas tiveram de adequar plano de contingência,
implementar protocolos de prevenção, buscar medidas para assegurar a saúde
e segurança dos funcionários e a manutenção dos negócios, além de adotar
estratégias para redução de custos. Segundo Tourish (2020), os líderes
enfrentaram, durante a pandemia, parâmetros ambíguos para a avaliação de
suas decisões. Enquanto uma atitude prevencionista poderia ser classificada
como danosa aos negócios, a ação tardia seria avaliada como irresponsabilidade
frente a vida dos envolvidos.
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2 REVISÃO DE LITERATURA
situações de tomadas de decisão pontuais para aos poucos construir uma rede
de apoio em torno das suas vontades. Ao ter essa base criada se tornaria mais
fácil controlar o tempo para aplicar suas ideias, além de dar mais flexibilidade e,
se necessário, mudanças de estratégia.
Os autores Child, Elbanna e Rodrigues (2010) sintetizaram em um
modelo de estudo quatro maneiras de como o comportamento político é visto
nas organizações: o comportamento político derivado do poder hierárquico;
politicagem entre unidades organizacionais orientada para decisões
estratégicas; exercício de influência ascendente sobre as decisões estratégicas
e influência política interorganizacional em decisões estratégicas.
O comportamento político derivado do poder hierárquico se faz presente
na autoridade dentro da organização. Há uma determinação de premissas para
se tomar decisão, controle dos recursos financeiros para a implementação,
controle sobre apontamentos chave e poder geral de veto. Nestas situações é
comum se ter um gestor do alto escalão na organização que orienta as equipes
abaixo sobre quais caminhos seguir para a tomada de decisão.
A politicagem entre unidades organizacionais orientada para decisões
estratégicas é reforçada em organizações que diferenciam departamentos ou
unidades. Quando cada área decide puxar para si recursos, a atividade política
é ascendente (Pettigrew, 1973, apud CHILD; ELBANNA; RODRIGUES, 2010).
Porém, não é necessariamente apenas uma disputa. Se houver afinidade de
interesses e a possibilidade de união para ganho de poder na tomada de decisão
a aliança pode ser feita. As táticas políticas utilizadas geralmente estão
relacionadas ao uso de informação e conhecimento e a manipulação da
reputação e credibilidade.
O exercício de influência ascendente sobre as decisões estratégicas
aponta para uma tomada de decisão que transita entre mais atores. Com o
crescimento, as organizações formam novos níveis hierárquicos e divisões de
unidades de negócio. Isso tende a aumentar o escopo do processo estratégico
de tomada de decisão. Para a alta gestão tomar decisão, ela irá contar com os
conhecimentos e informações fornecidas pelos gestores em cargos abaixo e
nesse ambiente surge a influência ascendente.
Por último, a influência política interorganizacional em decisões
estratégicas se refere às influências externas que a tomada de decisão nas
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Para Hermann (1972, p.10) a crise é “uma situação que cria uma
mudança abrupta ou repentina em uma ou mais das variáveis sistêmicas
básicas”. Os sistemas são as nações, organizações internacionais, atores e
assim por diante que mantêm uma interação. O autor (HERMANN, 1972, p. 13)
ainda complementa afirmando que a crise “[...] (1) ameaça objetivos altamente
prioritários da unidade de decisão, (2) restringe o tempo disponível para resposta
antes de a decisão ser transformada, e (3) surpreende os membros da unidade
de decisão pela sua ocorrência”.
Os desencadeadores de uma crise corporativa podem ter origem interna
ou externa a uma organização. Estudos como o de Mitroff, Shrivastava e
Udwadia (1987) as classificam como técnica/econômica, dando como exemplo
defeitos do produto/serviço, defeitos da planta/acidentes industriais e falência
(internas) e destruição ambiental generalizada, desastres naturais e crises
governamentais (externas). Também podem ser de âmbito
social/organizacional/pessoas como sabotagem, atividades ilegais e doenças de
saúde ocupacional (internas) e terrorismo, boicotes e adulterações de produtos
fora da planta produtiva (externas).
A crise traz um alto risco ao negócio e acelera a tomada de decisão: ela
precisa ser feita em um curto espaço de tempo. Os planos de contingência e a
gestão de crise em si não impedem que ela ocorra, mas podem servir de
aprendizado já que “[...] tais esforços a ajudam a aprender a ‘acompanhar os
golpes’” (Mitroff, Shrivastava e Udwadia, 1987, p.285). Visando contribuir com
este aprendizado a partir de crises, na próxima seção são descritos os
procedimentos metodológicos do presente estudo.
3 METODOLOGIA
A presente pesquisa pode ser enquadrada como qualitativa, de corte
transversal com abordagem longitudinal e com propósito descritivo. Trata-se de
um estudo de caso único, no qual são analisadas as características do processo
decisório de um Comitê de Crise instalado para tratar das ações decorrentes em
uma organização durante a pandemia da Covid-19.
A escolha do caso justifica-se em função da complexidade da
organização e o potencial de aprendizado a partir de sua análise. A organização
estudada é privada, multinacional e considerada como essencial nos decretos
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Este comitê foi criado no mês de março de 2020, assim que a pandemia
teve início no Brasil. Os membros deste grupo fazem parte da presidência e de
todos os subsistemas que compõem a área de Recursos Humanos da
organização, principalmente a Medicina Ocupacional. A partir deste grupo, as
decisões eram tomadas e implementadas. Profissionais de outras áreas eram
envolvidos nas ações relacionadas ao tema, porém, com função de
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operacionalizar decisões tomadas pelo comitê e, portanto, não são o foco desta
análise.
Entrevistado Dificuldades
Presidente - Falta de informação, de conhecimento e experiência
anterior.
Diretor (a) Recursos Humanos - Falta de repertório, bibliografia.
- Pressão externa (órgãos governamentais e sindicatos).
Gerente Recursos Humanos - Não ter todas as respostas que os gestores buscavam junto
ao RH.
- Falta de preparo para gerenciamento de equipe remota.
- Eleger quem ficaria ou não em trabalho remoto.
Médico (a) do Trabalho - Conflitos das informações (orientações OMS, decretos
municipais, estaduais).
Trabalho
remoto
Afastamento
Desligamentos Pessoas grupo de risco
Redução
de
jornada
[...] parar a fábrica na visão da área médica era uma coisa que deveria
ser executada. Mas quando você olha do lado da gestão, parar a
fábrica naquele momento representava um prejuízo a ponto de não
sabermos se teríamos no futuro uma fábrica para ‘tocar’. [...] lembro
que em um momento quando trouxemos a decisão de que não
poderíamos parar a produção, a área médica então questionou o que
com este cenário precisaria ser feito e a gente foi desenrolando as
estratégias a partir dali. Com certeza a gente divergiu em alguns
momentos e cada qual se posicionou dentro daquilo que era o melhor
a se fazer de acordo com a sua linha de atuação, mas no final tinha
que se pensar no todo (GERENTE DE RECURSOS HUMANOS, 2022).
A cooptação não foi verificada nas análises das entrevistas dos membros
do comitê de crise. Qualquer tentativa de mudança de opinião para a tomada de
decisão ocorreu de maneira aberta durante os encontros do grupo.
Segundo Hillyard (2000), um dos objetivos da gestão de crises é
acumular sabedoria “aprendendo juntos com o evento, a fim de prevenir, diminuir
a gravidade ou melhorar as respostas a crises futuras”. Esse processo foi
detectado na entrevista do presidente (2022, não p.): “a gente foi encontrando
práticas que eram comuns a outros gestores de outras empresas e fomos vendo
mesmo que tinham resultados bons e começamos a navegar com maior
segurança”.
O presidente relata que à medida que o tempo passava, além da troca
de práticas entre empresas similares e da busca por informações e medidas em
outros países, como na Europa, onde está situada a matriz da empresa, o comitê
de crise local conseguia avaliar melhor as possibilidades para a tomada de
decisões. Outro fator citado foi que ter a possibilidade de verificar práticas
adotadas e adaptá-las à realidade local já que o vírus demorou mais para chegar
ao Brasil se comparado à Ásia ou Europa.
Os autores Child et al (2010) defendem que o comportamento político se
manifesta no uso do poder e no exercício da influência, além de ser inevitável
durante a tomada de decisões estratégicas, pois as organizações são formadas
por coalizões de indivíduos. Apesar desse entendimento, o relato dos
entrevistados mostra que em momentos de crise as pessoas estão mais
predispostas a sacrificarem sua opinião pessoal em prol do bem comum.
Dessa forma, é muito mais desafiador quando não há mais a pressão da
crise de ter de participar e contribuir para encontrar a decisão mais satisfatória
em benefício do grupo. Para o presidente da empresa (2022), quando você não
tem opção, “você vai se esforçar porque é a sua única saída. Quando você tem
muitas opções para decidir algo, a tendência é fracionar a energia, havendo o
risco de, na dúvida, não fazer bem nenhuma coisa nem outra”.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia do coronavírus gerou uma crise global, com consequências
importantes para as sociedades e suas organizações. O cenário com alto risco,
elevada incerteza, ausências de modelos preditivos anteriores e necessidade de
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REFERÊNCIAS
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.
NUTT, C. P.; WILSON, D.C. Crucial Trends and Issues in Strategic Decision
Making. In: Handbook of Decision Making, United Kingdom: Wiley, 2010. P.3-
21.