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(NUTES/UFRJ)
Essa construção é constantemente refeita a partir de conversas dos pares em seus laboratórios,
pois em algumas palavras entre pesquisadores é possível transformar um enunciado em
imaginários subjetivos ou em fatos da natureza. Latour e Woolgar buscam desmistificar a
ideia de que o laboratório é como uma fábrica, em que fatos são objetos produzidos em uma
linha de montagem. Pois um fato pode designar ao mesmo tempo o que é e o que não é
fabricado. A questão imposta é: o resultado da construção de um fato é que ele parece não ter
sido construído.
Uma vez que se admite que os pesquisadores são orientados para o campo agonístico, pouco
se ganha com a insistência em diferenciar política e ciência, as mesmas qualidades políticas
foram postas em operação para se realizar um avanço ou se retirar um concorrente. Latour e
Woolgar fazem a ressalva de que embora as interações dos cientistas possam parecer
antagônicas, a solidez dos argumentos sempre será ponto crucial da controvérsia. “O uso que
fazemos da agonística não tem por finalidade insinuar que existe um atributo pernicioso ou
desonesto que caracterizaria os pesquisadores. […] Em nossa argumentação, nem a
agonística, nem a construção foram usadas para minar a solidez dos fatos científicos. (p.269).
A produção de fatos científicos se desenvolve num campo agonístico, em constante atrito (em
um campo de disputa) com outras afirmações e sujeitos, formando e rompendo ligações com
o objetivo de alcançar a estabilidade.
No conceito de circunstâncias, Latour e Woolgar não acreditam que esta possa ser separada
da ciência, mas resume seu argumento na tentativa de mostrar a ligação destas, pois “Não
dizemos simplesmente que o TRF está envolvido, e influenciado, e parcialmente dependente
ou causado pelas circunstâncias” (p.271). Assim, o conceito de circunstância se amplia, indo
além do contexto em que está inserido o laboratório: a circunstância é intrínseca à prática
científica. O autor chega ao ponto de afirmar que a ciência é diretamente produto das
circunstâncias, sendo um movimento necessário para restaurar a historicidade da ciência. Os
autores relembram a Apologia de Sócrates, de Platão, em que a tarefa de Sócrates consistia
em eliminar as circunstâncias fornecidas pelo artista, pelo homem de lei etc. A tarefa de
reconstruir as circunstâncias é, dessa maneira, obstada pela herança da maior parte de nossa
tradição filosófica. As circunstâncias, com efeito, desaparecem dos relatórios e do “mundo
dos fatos”.
A sexta premissa é do ruído. Para Latour e Woolgar, a informação é medida com referência a
um pano de fundo de acontecimentos equiprováveis. O ruído foi explicado metaforicamente
na ilustração das observações que os atores fizeram quando observavam os traçados
provenientes dos inscritores. Esses traçados dispersos eram tidos como ruídos e não como
possibilidades tão prováveis de entendimento de um fato quanto as que estavam ocupados em
provar.
Questões relacionando as premissas:
Importa constatar que, segundo essa perspectiva, a ordem é artificial, não pré-existe às
observações e registros realizados nessa direção (os autores relacionam essa relação ordem-
desordem com a metáfora “O demônio de Maxwell"). Os autores referem-se a essa passagem
como paradoxo porque a produção extensiva de registro de dados (na intenção de ordená-los)
gera desordem. Por esse motivo, alguns enunciados precisam ser trazidos à luz para que não
caiam no esquecimento. Como num jogo de tabuleiros, em que as jogadas dependem do que
os jogadores jogam entre si, a ordem e a desordem têm essa condição de dupla existência.
Essa desordem é capturada em cada sinal, interdependente de uma a outra e a partir dessa
multiplicidade de sinais que se constrói a ordem, que após tida como provada por aquele
grupo, será fechada em si e seguida, custe o que custar. A escrita também é uma forma de
criação de ordem.
Assim como nas teorias mais aceitas na Biologia, a vida parte do caos, da dança entre o acaso
(desordem) e necessidade (ordenação). A noção epistemológica que salta é que a partir da
desordem, a realidade é construída – e não pré-existente, dada, disponível a ser simplesmente
descoberta. “A emergência de um fato e sua aceitação são suficientemente raros para nos
surpreender, quando surgem.” (p. 290).
A “ordem criada a partir da desordem” é o diálogo estabelecido neste capítulo, que no nosso
entendimento, explica o caráter que o campo “agonística” desempenha em uma investigação.
Para compreender esse conceito trazido pelos autores Latour e Woolgar (1997), identificamos
no texto, as ideias de Bachelard ao que ele chama de “fenomenotécnica”.
Os autores retomam algumas dissoluções de limites (ou de diferenças) que vieram propondo:
No capítulo 1, entre o que emerge do social e o que emerge da técnica. No capítulo 2, entre
fatos e artefatos. No 3, a diferença entre fatores internos e fatores externos era a
consequência, e não a causa, da elaboração dos fatos. No capítulo 4, intentam-se dissolver as
diferenças a priori entre o senso comum e o raciocínio científico.
Em uma abordagem metalinguística, os autores refletem sobre o que, afinal, diferenciaria seu
ponto de vista sobre a vida do laboratório dos pontos de vista habitualmente produzidos pelos
cientistas. Para serem coerentes com a dissolução de dicotomias que até então buscavam
conduzir, os autores inferem que não há essa distinção entre a natureza de sua construção e
aquela utilizada por seus objetos – ou sobre as quais tecem as críticas.
Por fim, Latour retoma impressões que causava como observador no referido laboratório,
pondo em questão a diferença de credibilidade entre ele e seus interlocutores. Relata que os
membros do laboratório debochavam de seus dados e ele contrapunha alegando as
consideráveis diferenças de poder entre as partes. "Para compensar esse desequilíbrio", dizia
ele, "seria preciso cerca de uma centena de observadores só para fazer este estudo de campo,
cada qual com o mesmo poder sobre seus objetos que vocês têm sobre seus animais.” (p.
296). Conclui o último capítulo do livro considerando as poucas diferenças entre os
apontamentos dos cientistas do laboratório de biologia e os seus:
Os autores alegam o
A partir dessa colocação, qual o papel de cada escrita, a cada artigo publicado, dada a enorme
possibilidade de que ele se dilua na massa de ruídos?
É importante tomar contato com essa perspectiva de diluição do que os autores falam, bem
como da desordem como regra e a ordem como exceção. Causa uma certa frustração e
sensação de impotência ponderar que tanto desse esforço científico, pessoal e coletivo, é
desperdiçado. Qual o sentido de nossas pesquisas, escritas, artigos, teses, trabalhos em
congressos, se partirmos dessa perspectiva? Segundo os autores, esse paradoxo é o que faz
com que a ciência exista, mas para quem está na posição de se diluir na massa, é bem menos
confortável esse cenário que para um antropólogo, sociólogo e filósofo das ciências que foi –
e é – tão lido e discutido. A aposta na singularidade e a micropolítica podem ser um alento
nesse sentido: refletir nos atravessamentos que nossas pesquisas produzem em nós e em
nossos(as) interlocutores(as), seja nos trabalhos de campo, nos grupos de pesquisa, nas salas
de aula. As vidas se tocam e o mundo já não é mais o mesmo. Uma escrita nos toca e nos
impulsiona, mesmo que seja uma em tantas outras nessa massa de ruídos.
Perguntas interpostas ao Capítulo 1
2. Que motivos levam a crer que estudos etnográficos são mais facilmente aplicáveis às
ciências sociais que às ciências naturais?
3. O que os autores quiseram dizer com “o leitor deve aprender o conteúdo e o contexto no
mesmo movimento […] sem possuir mapa e bússola?