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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE

(NUTES/UFRJ)

Disciplina: Teorias do Conhecimento Científico

Discentes: Anderson, Ariela Cardoso e Élida Ribeiro

Resumo do Capítulo 6 - A ORDEM CRIADA A PARTIR DA DESORDEM do livro “A


vida de laboratório: a produção dos fatos científicos” de Bruno Latour e Steve Woolgar

Referência bibliográfica: LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. A vida de laboratório: a


produção dos fatos científicos. Angela Ramalho Vianna. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
1997.

Latour e Woolgar (1997), dividem o capítulo 6 em 3 partes. Na primeira eles fazem um


resumo do argumento desenvolvido no texto, utilizando de 6 conceitos essenciais, na segunda
parte introduzem de forma suplementar a passagem de ordem para desordem e na terceira
compara a sua concepção de ciência com a dos cientistas que afirmou ter “compreendido”
(aspas do autor). Trabalham a partir da ideia de alguns conceitos, que se desenvolvem e
caracterizam como: construção, agonística, credibilidade, circunstância e ruído. Para os
autores, “a ciência é inteiramente produto das circunstâncias” (p. 271).

O primeiro conceito essencial é da construção, Latour e Woolgar referem-se ao “processo


material lento e prático pelo qual as inscrições se superpõem e as descrições são mantidas ou
refutadas” (p. 266). Essa argumentação reforça que a diferença entre fato e artefato e entre
sujeito e objeto não deveriam ser o ponto de partida para a construção de um argumento
científico, mas sim o acompanhamento dessas construções práticas que resultam em fatos ou
artefatos.

Essa construção é constantemente refeita a partir de conversas dos pares em seus laboratórios,
pois em algumas palavras entre pesquisadores é possível transformar um enunciado em
imaginários subjetivos ou em fatos da natureza. Latour e Woolgar buscam desmistificar a
ideia de que o laboratório é como uma fábrica, em que fatos são objetos produzidos em uma
linha de montagem. Pois um fato pode designar ao mesmo tempo o que é e o que não é
fabricado. A questão imposta é: o resultado da construção de um fato é que ele parece não ter
sido construído.

O segundo conceito é de agonística. Se os fatos são construídos por operações relacionadas a


um enunciado, e se a realidade é consequência e não uma causa dessa construção, sendo a
atividade do cientista dirigida, não para a "realidade", mas para essas operações realizadas
sobre enunciados, o resultante de todas essas operações é o campo agonístico. A natureza é
então um subproduto da atividade agonística. O que Latour e Woolgar ressalta com o
conceito, é que essa ligação não é infalível, mas também está sujeita ao jogo agonístico de
construção de valor moral de um enunciado predicativo que caracteriza o ambiente científico.

Uma vez que se admite que os pesquisadores são orientados para o campo agonístico, pouco
se ganha com a insistência em diferenciar política e ciência, as mesmas qualidades políticas
foram postas em operação para se realizar um avanço ou se retirar um concorrente. Latour e
Woolgar fazem a ressalva de que embora as interações dos cientistas possam parecer
antagônicas, a solidez dos argumentos sempre será ponto crucial da controvérsia. “O uso que
fazemos da agonística não tem por finalidade insinuar que existe um atributo pernicioso ou
desonesto que caracterizaria os pesquisadores. […] Em nossa argumentação, nem a
agonística, nem a construção foram usadas para minar a solidez dos fatos científicos. (p.269).
A produção de fatos científicos se desenvolve num campo agonístico, em constante atrito (em
um campo de disputa) com outras afirmações e sujeitos, formando e rompendo ligações com
o objetivo de alcançar a estabilidade.

Na materialização ou reificação, temos os equipamentos de um laboratório como objeto de


uma série de controvérsias entre pesquisadores, mas quando um enunciado é estabilizado no
campo agonístico, ele é verificado e passa a integrar as habilidades táticas ou o equipamento
material de um laboratório. Não havendo uma distinção entre equipamento material e
componentes intelectuais das atividades do laboratório, “a mesma série de componentes
intelectuais será integrada, como se pode demonstrar, como peça de um aparelho, alguns anos
mais tarde” (p.269). Em outras palavras, os componentes intelectuais (enunciados) podem,
com o passar do tempo e com sua estabilização, serem integrados a ponto de se tornarem tais
quais peças de um aparelho.
O quarto conceito é o de credibilidade, Latour e Woolgar usam esse termo para designar os
diferentes investimentos feitos pelos pesquisadores e as conversões entre os diferentes
aspectos do laboratório. Ele contabiliza os gastos tidos com a construção de cada artigo, e
mesmo sendo uma atividade cara, as contribuições não podem ser medidas da mesma forma.
Esse conceito permite ligar “uma rede de conceitos, tais como concessão de crédito,
referências profissionais, créditos dado às crenças e as contas a serem prestadas” (p.271). Em
suma, relaciona-se ao crédito, às credenciais e às crenças. É interessante a colocação dos
autores quando dizem que “O resultado do investimento em credibilidade é que os
participantes podem afirmar que a economia e as convicções não intervêm de modo algum na
solidez da ciência” (p. 272-273).

No conceito de circunstâncias, Latour e Woolgar não acreditam que esta possa ser separada
da ciência, mas resume seu argumento na tentativa de mostrar a ligação destas, pois “Não
dizemos simplesmente que o TRF está envolvido, e influenciado, e parcialmente dependente
ou causado pelas circunstâncias” (p.271). Assim, o conceito de circunstância se amplia, indo
além do contexto em que está inserido o laboratório: a circunstância é intrínseca à prática
científica. O autor chega ao ponto de afirmar que a ciência é diretamente produto das
circunstâncias, sendo um movimento necessário para restaurar a historicidade da ciência. Os
autores relembram a Apologia de Sócrates, de Platão, em que a tarefa de Sócrates consistia
em eliminar as circunstâncias fornecidas pelo artista, pelo homem de lei etc. A tarefa de
reconstruir as circunstâncias é, dessa maneira, obstada pela herança da maior parte de nossa
tradição filosófica. As circunstâncias, com efeito, desaparecem dos relatórios e do “mundo
dos fatos”.

A sexta premissa é do ruído. Para Latour e Woolgar, a informação é medida com referência a
um pano de fundo de acontecimentos equiprováveis. O ruído foi explicado metaforicamente
na ilustração das observações que os atores fizeram quando observavam os traçados
provenientes dos inscritores. Esses traçados dispersos eram tidos como ruídos e não como
possibilidades tão prováveis de entendimento de um fato quanto as que estavam ocupados em
provar.
Questões relacionando as premissas:

- Quando o pesquisador convence a si próprio ou a outros de que um determinado


resultado é um ruído e não um fato, este está então disposto em um jogo de provar
qual fato é mais relevante a partir de uma subjetividade e não necessariamente de uma
probabilidade – sendo o conhecimento uma construção desses fatos. Nesse campo em
disputa, até mesmo as conversas no cotidiano de um laboratório poderão acabar por
definir o que é um enunciado singular provável (ou um “pico de fato”) ou o que não
passará de um ruído (uma pequena “mancha em um analisador”).
“Como introduzir a desigualdade em um conjunto de enunciados igualmente
prováveis, fazendo com que um enunciado seja considerado mais provável do que
outros? A técnica mais frequentemente empregada pelos pesquisadores é aumentar o
custo, para os outros, daquilo que se espera das alternativas também prováveis” (p.
275).
- A materialização faz parte dessa atividade de comprovar a ciência, pois os
equipamentos são tidos como incontestáveis (Burgus, por exemplo, ao utilizar o
espectrômetro de massas tomou a teoria como incontestável).
- Que tipos de investimento é preciso fazer para fabricar um enunciado de
probabilidade igual ao de um concorrente? (p.277)
- A análise em termos de custo-benefício vai variar em função das circunstâncias
dominantes, de modo que nenhuma regra geral possa ser estabelecida. A precisão da
formulação de enunciados e da capacidade do autor em referenciar, sendo seu poder
de convicção tão alto que possa reduzir os concorrentes ao silêncio, acuando-os ou
acusando-os de fraude.
- “Tudo o que foi aceito, seja por que razão for, será reificado, de modo a aumentar o
custo das objeções que poderiam ser levantadas. Um pesquisador, por exemplo, pode
conquistar uma posição tal que, quando ele define um problema como importante,
ninguém se sinta capaz de contrariá-Io, afirmando que aquela é uma questão trivial”
(p. 277).
- A atividade da ciência não se trata da natureza, mas da luta contínua em construir a
realidade.
- “O conjunto dos enunciados considerados muito caros para serem modificados
constitui o que entendemos por realidade.” (p. 278).
A ordem a partir da desordem

Para Latour, a realidade científica é um foco de ordem criado a partir da desordem. A


construção do objeto científico é feita a partir da superposição de traços, sendo o cientista
extremamente preocupado com inscrições (a escrita não se trata, no conceito de inscrição, de
um método de transferência de informação, mas de uma operação de criação da ordem). O
laboratório está então empenhado na ordenação do fluxo desordenado de acontecimentos,
fenômenos e dados, registrando todos os acontecimentos e todos os traços obtidos. Os
enunciados emergem dessas massas de números e não nascem por si só, mas no campo
agonístico, constituídos por laboratórios se esforçando para diminuir seus ruídos. Para
Latour:
O enunciado irá emergir do campo ou vai novamente mergulhar na massa da
literatura sobre o tema? Talvez ele seja redundante, ou simplesmente falso.
Talvez ele nunca se destaque do ruído. O processo de produção do
laboratório parece novamente caótico: os enunciados devem ser
impulsionados, trazidos à luz, defendidos contra os ataques, o esquecimento
ou o desdém. Muito poucos enunciados são apoderados por todos os que
fazem parte da área, porque sua utilização engendra uma economia enorme
na manipulação de dados ou de enunciados. Fala-se que esses enunciados
"fazem sentido", ou "explicam um monte de coisas", ou permitem uma
diminuição espetacular do ruído de um dos inscritores: "Agora vamos obter
dados confiáveis". Esses acontecimentos tão raros - a emergência de fatos a
partir do ruído de fundo - muitas vezes são coroados com grande pompa
pelo prêmio Nobel (p.283).

Importa constatar que, segundo essa perspectiva, a ordem é artificial, não pré-existe às
observações e registros realizados nessa direção (os autores relacionam essa relação ordem-
desordem com a metáfora “O demônio de Maxwell"). Os autores referem-se a essa passagem
como paradoxo porque a produção extensiva de registro de dados (na intenção de ordená-los)
gera desordem. Por esse motivo, alguns enunciados precisam ser trazidos à luz para que não
caiam no esquecimento. Como num jogo de tabuleiros, em que as jogadas dependem do que
os jogadores jogam entre si, a ordem e a desordem têm essa condição de dupla existência.
Essa desordem é capturada em cada sinal, interdependente de uma a outra e a partir dessa
multiplicidade de sinais que se constrói a ordem, que após tida como provada por aquele
grupo, será fechada em si e seguida, custe o que custar. A escrita também é uma forma de
criação de ordem.

Assim como nas teorias mais aceitas na Biologia, a vida parte do caos, da dança entre o acaso
(desordem) e necessidade (ordenação). A noção epistemológica que salta é que a partir da
desordem, a realidade é construída – e não pré-existente, dada, disponível a ser simplesmente
descoberta. “A emergência de um fato e sua aceitação são suficientemente raros para nos
surpreender, quando surgem.” (p. 290).

Interessante o pensamento proposto pelos autores, fazendo-nos compreender o modo como


esses argumentos dialogam com filósofos que buscavam desordenar e produzir um novo
sentido no fazer científico. Ordem e unidade são produzidos em laboratório à medida em que
dados são convertidos em enunciados, os enunciados em fatos, e os fatos em objetos.

A “ordem criada a partir da desordem” é o diálogo estabelecido neste capítulo, que no nosso
entendimento, explica o caráter que o campo “agonística” desempenha em uma investigação.
Para compreender esse conceito trazido pelos autores Latour e Woolgar (1997), identificamos
no texto, as ideias de Bachelard ao que ele chama de “fenomenotécnica”.

UMA NOVA FICÇÃO EM LUGAR DA ANTIGA?

Os autores retomam algumas dissoluções de limites (ou de diferenças) que vieram propondo:
No capítulo 1, entre o que emerge do social e o que emerge da técnica. No capítulo 2, entre
fatos e artefatos. No 3, a diferença entre fatores internos e fatores externos era a
consequência, e não a causa, da elaboração dos fatos. No capítulo 4, intentam-se dissolver as
diferenças a priori entre o senso comum e o raciocínio científico.

Em uma abordagem metalinguística, os autores refletem sobre o que, afinal, diferenciaria seu
ponto de vista sobre a vida do laboratório dos pontos de vista habitualmente produzidos pelos
cientistas. Para serem coerentes com a dissolução de dicotomias que até então buscavam
conduzir, os autores inferem que não há essa distinção entre a natureza de sua construção e
aquela utilizada por seus objetos – ou sobre as quais tecem as críticas.

Por fim, Latour retoma impressões que causava como observador no referido laboratório,
pondo em questão a diferença de credibilidade entre ele e seus interlocutores. Relata que os
membros do laboratório debochavam de seus dados e ele contrapunha alegando as
consideráveis diferenças de poder entre as partes. "Para compensar esse desequilíbrio", dizia
ele, "seria preciso cerca de uma centena de observadores só para fazer este estudo de campo,
cada qual com o mesmo poder sobre seus objetos que vocês têm sobre seus animais.” (p.
296). Conclui o último capítulo do livro considerando as poucas diferenças entre os
apontamentos dos cientistas do laboratório de biologia e os seus:

Ela não é superior porque não pretende dispor de um melhor acesso à


“realidade", assim como não pretendemos escapar da própria descrição que
fizemos da atividade científica: a construção dos fatos a partir das
circunstâncias, sem se fazer apelo a qualquer ordem pré-existente (p. 297).

REFLEXÕES SOBRE O CAPÍTULO 6

Os autores alegam o

“gigantesco desperdício de energia que há na atividade científica. A maior


parte dos artigos publicados jamais é lida, os raros artigos lidos nem sempre
têm grande crédito e os 1% ou 2% restantes são transformados ou
deformados por aqueles que os utilizam. Mas esse desperdício não parece
mais tão paradoxal assim quando se aceita a hipótese de que a ordem é a
exceção e que a desordem é a regra. Poucos fatos emergem a partir de um
ruído de fundo substancial. As circunstâncias da descoberta e o processo de
troca informal são cruciais para o processo de produção: são o que fazem
com que a ciência exista.” (p. 289)

A partir dessa colocação, qual o papel de cada escrita, a cada artigo publicado, dada a enorme
possibilidade de que ele se dilua na massa de ruídos?
É importante tomar contato com essa perspectiva de diluição do que os autores falam, bem
como da desordem como regra e a ordem como exceção. Causa uma certa frustração e
sensação de impotência ponderar que tanto desse esforço científico, pessoal e coletivo, é
desperdiçado. Qual o sentido de nossas pesquisas, escritas, artigos, teses, trabalhos em
congressos, se partirmos dessa perspectiva? Segundo os autores, esse paradoxo é o que faz
com que a ciência exista, mas para quem está na posição de se diluir na massa, é bem menos
confortável esse cenário que para um antropólogo, sociólogo e filósofo das ciências que foi –
e é – tão lido e discutido. A aposta na singularidade e a micropolítica podem ser um alento
nesse sentido: refletir nos atravessamentos que nossas pesquisas produzem em nós e em
nossos(as) interlocutores(as), seja nos trabalhos de campo, nos grupos de pesquisa, nas salas
de aula. As vidas se tocam e o mundo já não é mais o mesmo. Uma escrita nos toca e nos
impulsiona, mesmo que seja uma em tantas outras nessa massa de ruídos.
Perguntas interpostas ao Capítulo 1

1. O que é etnografia? Qual a diferença entre etnografia e etnologia?

2. Que motivos levam a crer que estudos etnográficos são mais facilmente aplicáveis às
ciências sociais que às ciências naturais?

3. O que os autores quiseram dizer com “o leitor deve aprender o conteúdo e o contexto no
mesmo movimento […] sem possuir mapa e bússola?

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