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CURSO PRIMEIRA OPÇÃO ESPCEX - PORTUGUÊS III - PROF.

DAIANE BORDUAM

Consumo líquido A precariedade e o risco passam a ser os principais


aspectos da condição humana, daí o imperativo de
Em seu livro Vida Para Consumo, Bauman parte da desfrute imediato dos prazeres e satisfação de desejos
tese de que deixamos de viver numa sociedade de (logo substituídos por novos prazeres e desejos). Como
produtores e passamos a uma organização social resultado, a nossa capacidade de tratar o outro com
baseada puramente no consumo, na qual as pessoas se humanidade é reduzida, e a solidariedade se desintegra.
tornaram elas próprias mercadorias descartáveis que
precisam se remodelar continuamente para não ficarem Felicidade artificial
obsoletas.
“Numa sociedade marcada pela agitação, pela ansiedade e Segundo Bauman, a felicidade hoje está idealizada no
acima de tudo pela incapacidade de obter uma propósito de consumo, com pessoas trocando interesses
experiência profunda de felicidade e bem-estar, a emocionais através de mercadorias. Todavia,
disposição consumista desponta como uma forma mercadorias não suprem a necessidade humana por
compensatória do indivíduo vir a obter um razoável nível relações emocionais genuínas, e a maior conseqüência
de prazer em sua vida cotidiana.” disso é uma sociedade com altíssimos índices de
Bauman afirma que caráter, valores e personalidade depressão e transtornos psicológicos dos mais variados e
estão sendo colonizados pela lógica de mercado, e as exóticos possíveis.
pessoas vão constantemente criando imagens de si Apoiando-se na firme estrutura do mercado
mesmas com o principal objetivo de se venderem, como consumidor, Bauman enriquece aquela velha máxima
produtos a serem consumidos. de Nietzsche em que “o destino dos homens é feito de
Especialmente nessa era da liquidez, as momentos felizes, e não de épocas felizes”.
pessoas estabelecem laços passageiros que facilmente Em Vida Para Consumo, Bauman nos lembra que a
podem ser desfeitos, o que torna conveniente a melhoria busca da felicidade baseada em preceitos materialistas é
constante de sua imagem como produto. Segue-se a infinita, assim como o consumo também nunca terá um
lógica do “quanto menos profundidade, melhor”. fim. Já que a felicidade nunca é alcançada e os padrões de
Na era da liquidez, o consumo serve primeiro para satisfação são sempre maiores do que podemos atingir,
fixarmos nosso lugar na sociedade e nos distinguirmos atribuímos ao mercado o papel de produtor/inventor da
das outras pessoas; para darmos uma ilusão de ordem às felicidade; tornamo-lá assim artificial.
coisas e nos sentirmos cidadãos. Múltiplos estereótipos
derivam daí, uma vez que “somos aquilo que “Algum tipo de sofrimento é um efeito colateral da vida
consumimos”. numa sociedade de consumo. Numa sociedade assim, os
Segundo Bauman, as pessoas na sociedade líquida caminhos são muitos e dispersos, mas todos eles levam às
vivem em constante fantasia de que suas vidas têm que lojas. Qualquer busca existencial, e principalmente a busca
ser uma obra de arte, por isso, há sempre a comparação da dignidade, da autoestima e da felicidade, exige a
com a vida dos outros e a busca incessante para alcançar mediação do mercado.”
aquilo que não se tem. Além disso, Bauman reflete que a felicidade está
associada com sentir-se parte dos grupos em que se
“É uma vida de consumo. É uma vida precária, vivida em identifica e convive, ou seja, a felicidade depende muito
condições de incerteza constante. Significa constante também de aprovação. Não ser rejeitado passa a ser uma
autoexame, autocrítica e autocensura. Um tipo de vida que tarefa fixa que envolve conseguir reconhecimento social
alimenta a insatisfação do eu consigo mesmo.” como única garantia de respeito e, assim, nossa
dignidade acaba sendo corrompida.
Os mercados de consumo oferecem um remédio Em conceito destilado, Bauman diz:
milagroso para a insatisfação intrínseca: são substitutos “A felicidade é o gozo que dá ter superado os momentos de
para o auto-sacrifício que o amor e a responsabilidade infelicidade.
exigem reiteradamente; substitutos para a
representação “natural” daquilo que não é mais Então, como podemos separar felicidade de consumo?
oferecido. Dessa forma, o ato de comprar torna-se uma Segundo Bauman:
espécie de ato moral. “Não se pode escapar do consumo: faz parte do seu
Bauman sugere que consumir (e ser consumido) se metabolismo! O problema não é consumir, é o desejo
tornou não apenas o verdadeiro propósito de existência insaciável de continuar consumindo. Desde o paleolítico os
para um número crescente de pessoas, mas também uma humanos perseguem a felicidade, pois os desejos são
condição de reprodução do nosso modelo social, em que infinitos, e assim as relações humanas são sequestradas
tudo se transforma em moeda de troca simbólica por essa mania de apropriar-se do máximo possível de
(incluindo a juventude, a beleza, a sexualidade, etc). coisas.”
Gastos aparentemente inúteis e irracionais se tornaram,
mais que virtudes, um novo motor na existência social. Para Bauman, as pessoas da sociedade líquida são
comensais; seres guiados pelo consumo. Fazendo uma
“Isso também ajuda a entender a obsessão das pessoas metáfora, ele diz que o mundo está repleto de
pela fama, já que na sociedade de consumidores a possibilidades, como uma mesa de bufê com tantos
invisibilidade equivale à morte social. Quando a pratos deliciosos que nem o mais dedicado comensal
interioridade é desvalorizada, o olhar e o reconhecimento poderia provar de todos, e isso implica na irritante tarefa
do outro se tornam a única garantia de que existimos de de termos de estabelecer prioridades em meio a tantas
verdade.” opções inexploradas:

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“A infelicidade dos consumidores deriva do excesso e não


da falta de escolha.”

O crime da humilhação

Em Vida Para Consumo, Bauman resgata e alimenta a


famosa Teoria das Classes Ociosas, de Veblen.
Segundo Veblen, o consumo é um sinal de distinção
entre classes sociais. No entanto, lembra Bauman, o
consumo hoje também é um sinal de equiparação social,
pois, embora a lógica de consumo varie entre diferentes
classes sociais, o consumo é lógico a todos.
Para Bauman, classes sociais são inferiorizadas pelo
fato de serem excluídas, e isso se deve antes a fatores
sociais do que político-econômicos.

“Este conceito de classe inferior me deixa horrificado. Você


não é de uma classe inferior, você está simplesmente
excluído (está do lado de fora). As pessoas costumam
subestimar a humilhação e o sofrimento que é estar
excluído do mundo e preso nos guetos.”

Segundo Bauman, numa sociedade sinóptica de


viciados em comprar, os pobres não podem desviar os
olhos, pois não há mais para onde olhar. Os ricos, por sua
vez, parecem ter mais possibilidades de escolha, mas
suas vidas não são menos insuportáveis por isso.

“É muito difícil encontrar uma pessoa feliz entre os ricos. A


felicidade tem a ver com a satisfação de expectativas. O
pobre consegue ser feliz com mais frequência exatamente
porque a sua vida pede pouco para ser satisfeita.”

Na sociedade líquido-moderna, diz Bauman, não


consumir significa escolher ser excluído:

“Se você define seu valor pelas coisas que você tem e que te
rodeiam, ser excluído é humilhante. É o crime da
humilhação”.

A cultura do lixo
Na visão de Bauman, vivemos hoje numa cultura de
lixo.
Numa sociedade de consumidores que sufocam
produtores, a lei consumista afirma que quem não
consome tornar-se-á humilhado, quem consome livrar-
se-á da exclusão, e o que é consumido transformar-se-a
em lixo. Essa é a expressão caprichada da cultura de lixo
contemporânea.
Em Vida Para Consumo, Bauman também cita Aldous
Huxley ao dizer que a sociedade atual de consumidores e
produtores de lixo causa o próprio caos e desordem no
“admirável mundo líquido”.
A escravidão consumista é a realidade massiva na
atual cultura do lixo.
“A vida talvez seja sempre um viver-para-a-morte. Mas,
para os que vivem na líquida sociedade moderna, a
perspectiva de viver-para-o-depósito-de-lixo pode ser a
preocupação mais imediata.”

Extraído de: https://laparola.com.br/a-era-da-liquidez-


consumo-
liquido#:~:text=Bauman%20sugere%20que%20consum
ir%20(e,%2C%20a%20sexualidade%2C%20etc).

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