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Estudo de Caso B1 – julho 2022

ODS 3 – Mortalidade materna e violência obstétrica

No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde (dados de 2015), a cada 100 mil bebês
nascidos vivos ocorrem cerca de 60 óbitos maternos, ou seja, é dobro da meta de 30 óbitos
por dia (a cada 100 mil crianças recém-nascidas) definida até 2030, pelo país junto à
Organização das Nações Unidas (ONU) no contexto dos Objetivos do Milênio (ODS). Entretanto
o Brasil terá ainda mais trabalho para alcançar esta meta, já que o ODS 3 está trabalhando com
dados pré-pandemia. No levantamento realizado no Painel de Monitoramento da Mortalidade
Materna do Ministério da Saúde, no ano passado, em números absolutos, foram 77% mais
mortes que o registrado em 2019, antes da pandemia. Cálculos feitos pelo médico obstetra
Marcos Nakamura, do Instituto Fernandes Figueira da Fiocruz e da Febrasgo, a taxa de
mortalidade materna do ano passado supera a casa dos 100 para cada 100 mil nascidos vivos.
Isso deixa o país com um índice similar ao registrado nos anos 1990.

Buscar a meta da ONU não é tarefa fácil. "Nos países em que se fornecem serviços de saúde
seguros, acessíveis e de alta qualidade para todos, mulheres e bebês sobrevivem e
prosperam", disse Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. Esta observação está em
consonância com o ranking da mortalidade materna mundial, disponível no site
Indexmundi.com. Na lista, observa-se que os países mais desenvolvidos, sobretudo os
europeus, têm as menores taxas de mortalidade, enquanto os países em desenvolvimento têm
as maiores.

Dentre os países em desenvolvimento, destaca-se, porém, Cuba, capaz de providenciar


universalmente saúde de elevada qualidade à população. As pesquisadoras Rosane Machado,
Adriana Roese e Cristianne Rocha, no artigo “Servicios de Salud Maternal como estrategia
biopolítica de disciplinamiento de los cuerpos en Cuba”, apontam que “em relação à saúde
materno-infantil, Cuba se destaca por estar entre os países da América Latina com melhores
indicadores. As autoras destacam ainda o “Hogar Materno” como um dos principais pilares
para a manutenção dos bons indicadores “em que ocorre grande investimento para a
consolidação de ações no cuidado da mãe e da criança. É prova disso o fato de que a taxa de
mortalidade infantil está, há dez anos consecutivos, abaixo de cinco por mil nascidos vivos.
Dentro do Pami, um dos principais serviços oferecidos é o Hogar Materno ou Palácio da
Maternidade. Seu principal objetivo é o de minimizar e/ou prevenir as complicações
decorrentes de uma gestação com fatores de risco”.

Em sentido oposto, estão os Estados Unidos, uma das nações mais ricas do mundo, e que se
destaca como um dos piores países para ser mãe entre os mais desenvolvidos. Sua taxa de
mortalidade materna é surpreendentemente alta – 1 em cada 1800 mulheres têm a
probabilidade de morrer por complicações. Esse dado é 10 vezes maior que os da Polônia e da
Áustria. Uma reportagem da agência de notícias Deutsche Welle, publicada em 2019, revela
que, a cada ano, 700 mulheres morrem nos EUA durante a gravidez, parto ou nos meses
seguintes. “Nenhuma outra nação industrial possui uma taxa de mortalidade materna tão alta.
Na Alemanha, essa taxa é menos da metade da americana. Isso afeta particularmente
mulheres negras nos EUA – em todo o país, o risco para elas é 3 vezes maior do que para
mulheres brancas”.
A questão racial também afeta a taxa de mortalidade materna no Brasil. Emanuelle Góes,
doutora em Saúde Pública afirma que durante o ano de 2021 morreram 78% mais mulheres
negras grávidas do que mulheres brancas por Covid. Para Emanuelle, “não há qualquer
iniciativa para redução da mortalidade materna com um olhar de enfrentamento ao racismo.
“As estatísticas demonstram uma violência institucionalizada. Mulheres negras são privadas do
direito e do acesso à saúde”, diz Rebeca Campos Ferreira, doutoranda em antropologia. Para
ela, os dados são desumanizadores por tratarem de mortes evitáveis e demonstrarem
um genocídio. As agressões não ocorrem só no momento do parto. Estaticamente, essas
mulheres recebem menos anestesia.

Por fim, destaca-se ainda a escassez de dados e materiais informativos a respeito do tema.
Apenas no site do Estado do Rio Grande do Sul é que se tem informações, através do Boletim
Epidemiológico Mortalidade Materna, Infantil e Fetal. Conforme o Boletim, no ano de 2020, o
RS apresentou razão de 41,3 óbitos maternos por 100 mil nascimentos, considerada uma taxa
média segundo parâmetros da OMS.

Como vimos, este tipo de violência é mais uma das formas de manifestação do machismo e do
racismo estruturais. A ideia de que a mulher, sobretudo a negra, é inferior ao homem sempre
esteve presente no pensamento ocidental. Até o século 19, pontos de vista racistas e
machistas foram muito comuns entre grandes cientistas e pensadores como
Rousseau, Schopenhauer, Vogt, Nietzsche e Freud. Na verdade, a ideia de “inferioridade
feminina”, remonta à Grécia Antiga. Enfim, até hoje as mulheres sofrem as consequências
destas visões distorcidas e não têm paz sequer para parir.

É justamente desse período que advém a palavra misoginia, que define o ódio (miseó) ou
aversão às mulheres (gyné).

O jornalista e filósofo Juan Arias lembra que “figuras como Platão e Aristóteles argumentavam,
por exemplo, que a mulher não era mais que “um erro da natureza”, um “homem sem
esperma”. Segundo esses filósofos, só o homem era “um ser humano completo”.

Os Papas da Igreja, influenciados pela filosofia greco-romana, foram mais longe. Figuras como
São Tomás de Aquino, Santo Agostinho e Tertuliano argumentaram que se a mulher nada mais
era do que um ser incompleto, uma espécie de aborto da natureza, ela não podia ser vista
como “imagem de Deus”. São Tomás chegou a escrever na Suma Teológica: “No que diz
respeito à natureza, a mulher é defeituosa e malnascida”. Também é categórico o texto de
Tertuliano, um dos primeiros teólogos do cristianismo: “Você é a porta do demônio. É quem
quebrou o selo daquela árvore proibida. É a primeira desertora da lei divina. Destruiu a
imagem de Deus, o homem. Por causa de sua deserção, até o Filho de Deus teve de morrer”.
Segundo Xadreque Siabo em sua dissertação “Estudo ecológico sobre mortalidade materna:
tendências, fatores correlacionados e políticas/intervenções de sucesso para sua mitigação em
países em desenvolvimento, no período de 2000 a 2020”, apresentada na Universidade Nova
de Lisboa, o país tem expandido a cobertura de até 99,9% dos partos institucionais.
“Relativamente à saúde da mulher, vários são os pacotes: saúde sexual e reprodutiva,
consultas pré-natais universais e de qualidade, assistência ao parto e pós-parto qualificado,
numa abordagem integrada da díade mãe-bebê”, aponta ele como algumas das razões do
sucesso de Cuba.

), ficando atrás de Mato Grosso, Acre e Santa Catarina. Da mesma forma que no Brasil, a série
histórica da mortalidade materna no estado teve uma redução do indicador ao longo de
quatro anos, de 2015 a 2019, contudo, em 2020 com a eclosão da pandemia por COVID-19 o
indicador voltou a subir.

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