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Povo, Cultura

e Religião
Professor Paulino Augusto Peres de Souza
Professora Nathalia Barbosa Limeira
Professor Marcos Roberto Mantovani
Diretor Geral
Gilmar de Oliveira

Diretor de Ensino e Pós-graduação


Daniel de Lima

Diretor Administrativo
Eduardo Santini

Coordenador NEAD - Núcleo


de Educação a Distância
Jorge Van Dal

Coordenador do Núcleo de Pesquisa


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UNIFATECIE Unidade 1
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Secretário Acadêmico Centro, Paranavaí-PR
Tiago Pereira da Silva (44) 3045 9898

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UNIFATECIE Unidade 4
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CIÊNCIAS DO NORTE DO PARANÁ. BR-376 , km 102,
Núcleo de Educação a Distância; Saída para Nova Londrina
DE SOUZA, Paulino Augusto Peres. Paranavaí-PR
LIMEIRA, Nathalia Barbosa. (44) 3045 9898
MANTOVANI, Marcos Roberto.

Povo, Cultura e Religião.


Paulino Augusto Peres de Souza. www.unifatecie.edu.br/site/
Nathalia Barbosa Limeira
Marcos Roberto Mantovani
Paranavaí - PR.: Fatecie, 2021. 76 p.
As imagens utilizadas neste
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária
livro foram obtidas a partir
Zineide Pereira dos Santos.
do site ShutterStock
AUTORES

Paulino Augusto Peres de Souza: Possui graduação em História, pela FAFIPA


(Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras do Paraná). É especialista em Di-
dática e Tecnologia na Educação pela FATECIE (Faculdade de Tecnologia e Ciências do
Norte do Paraná). É mestrando na UNESPAR de Campo Mourão (Universidade Estadual
do Paraná) do programa de Pós-Graduação ProfHist. Atualmente é tutor do Núcleo de
Educação à Distância na UNIFATECIE (Centro Universitário de Tecnologia e Educação do
Norte do Paraná) e professor na Escola Fatecie Max e Colégio Fatecie Premium, desde
2015, ministrando as disciplinas de História e Sociologia. Pesquisador nas áreas de Educa-
ção, Ensino, Tecnologia e Religião.

INFORMAÇÕES IMPORTANTES
• Graduação em História pela Fafipa (Faculdade Estadual de Educação, Ciências e
Letras do Paraná) de Paranavaí.
• Pós-graduação em Didática e Tecnologia na Educação pela FATECIE (Faculdade
de Tecnologia e Ciência do Norte do Paraná).
• Mestrando em Ensino de História pela UNESPAR de Campo Mourão.
• Link do Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0165285728983866

Nathalia Barbosa Limeira: Possui graduação em Filosofia pela Universidade


Estadual de Maringá (2004), graduação em Pedagogia pelo Centro de Ensino Superior de
Maringá (2015) e mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2011).
Possui especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, pelo Centro Universitário
de Maringá (2007) e EAD e as Novas Tecnologias, pela mesma instituição (2015). Atuou
entre 2006 e 2007 como diretora do centro de educação infantil Paidéia. Atuou como
professora da rede estadual de educação (SEED) ministrando aulas de Filosofia para o
ensino médio, entre 2008 a 2013. Entre os anos de 2009 a 2011 atuou no Programa Mais
Educação, realizado em Maringá, em parceria com o Sesi (Serviço Social da Indústria) e
a prefeitura de Maringá, ministrando aulas para os anos iniciais do ensino fundamental.
Nessa mesma época, atuou como tutora do curso de Pedagogia a distância, oferecido pela
Universidade Estadual de Maringá, em parceria com a Universidade Aberta do Brasil. Entre
2012 a 2015, foi professora mediadora do curso de Pedagogia, pelo Centro Universitário
de Maringá. Na ocasião, atuou ministrando aulas para os cursos de EAD na graduação e
na pós-graduação. Atuou ainda nesse período no Programa de Excelência na Educação
Básica, programa desenvolvido pela UniCesumar, que atende, em média, 24 cidades. Entre
os anos de 2013 a 2015 atuou como professora tutora no curso de Pedagogia, modalidade
EAD, pela Sociedade Educacional Leonardo Da Vinci (atualmente incorporada a Króton). É
embaixadora, desde 2014, da Khan Academy no Brasil, através do Instituto Lemann. Atuou
como professora do curso presencial de Pedagogia na UNIFAMMA (União de Faculdades
Metropolitanas de Maringá), entre os anos de 2015 e 2016. Nessa mesma época, assumiu
a coordenação pedagógica da educação infantil do colégio Criarte. Em 2017 foi professora
formadora do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), promovido pela
Universidade Estadual de Maringá. Atualmente é professora da rede Marista de Solidarieda-
de, professora dos cursos de pós-graduação no UniCesumar e bolsista pela Universidade
Estadual de Maringá, retornando à atuação de tutora do curso de Pedagogia a distância,
desde 2017.

Marcos Roberto Mantovani: Técnico em Hospitalidade pelo SENAC (Serviço


Nacional de Aprendizagem Comercial) desde 1988. Docente no SENAC entre 1989 e 2000.
Graduado em História (1997), Mestre em Educação (2005), ambos pela UEM (Universidade
Estadual de Maringá). Atuou como docente e coordenador do Curso Superior de Tecnologia
em Gastronomia da UniCesumar, de 2004 a 2013. Nessa mesma instituição coordenou
também duas pós-graduações - Docência em Gastronomia e Gestão em Gastronomia.
Atualmente é coordenador do Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia da Fadep,
na cidade de Pato Branco, Paraná, onde leciona nas áreas de Tecnologia de Produção de
Alimentos e Bebidas, História, Antropologia, Sociologia, Filosofia e Educação no Ensino
Superior.
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

O homus religiosus existe? A religião é o ópio do povo? Deus está morto? É possível
compreender as formas elementares da vida religiosa? Aqui tentaremos responder essas
perguntas.

Nesta disciplina você encontrará:

Na Unidade I vamos estudar, primeiramente, o que é religião e sobre seus vários


conceitos e como, através dela, o ser humano se abriu ao transcendente.
Já na Unidade II você irá conhecer os conceitos fundamentais do fenômeno re-
ligioso, compreender como é a dinâmica das estruturas religiosas e discutir as correntes
teóricas da religião.
Na sequência, na Unidade III, falaremos a respeito das manifestações históricas e
contemporâneas através das religiões históricas orientais e ocidentais e discutir as tendên-
cias atuais sobre os novos movimentos religiosos.
Em nossa Unidade IV vamos finalizar o conteúdo dessa disciplina com o tema
Pluralismo, tolerância e diálogo inter-religioso por meio da compreensão do processo do
pluralismo religioso e discutir a importância e urgência da tolerância.

Aproveitamos para reforçar o convite a você, para, junto conosco, percorrer esta
jornada de conhecimento e multiplicar os conhecimentos sobre tantos assuntos abordados
em nosso material.
Esperamos contribuir para seu crescimento pessoal e profissional!
SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 7
Conceito de Religião

UNIDADE II.................................................................................................... 22
Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso

UNIDADE III................................................................................................... 40
Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas

UNIDADE IV................................................................................................... 59
Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso
UNIDADE I
Conceito de Religião
Professor Paulino Augusto Peres de Souza
Professora Nathalia Barbosa Limeira
Professor Marcos Roberto Mantovani

Plano de Estudo:
● Religião: conceituação
● Mas o que é religião?
● Abertura do ser humano ao transcendente
Objetivos da Aprendizagem:
● Compreender o amplo sentido de religião
● Discutir a religião como um fenômeno cultural
● Compreender a existência da diversidade religiosa

7
INTRODUÇÃO

O fenômeno da religiosidade e da transcendência é algo que sempre instigou estu-


diosos das mais diversas áreas; compreender o incompreensível, o que não é metafísico.
As mais remotas civilizações já cultuavam esse fenômeno e, no decorrer de toda a epopeia
humana, até os dias atuais, a religião está associada às obras, conquistas, guerras e or-
ganizações sociais. Enfim, esse fenômeno em toda sua diversidade, constituiu e, muitas
vezes, designou os rumos de diferentes povos.
Sobre um prisma antropológico para as relações humanas e, dentre elas a religião,
é possível se aprofundar nessas relações como elas se dão nas suas diferenças culturais,
históricas, econômicas, políticas e psicológicas.
Neste sentido, é necessário um esvaziamento dos valores pré-concebidos pelo
pesquisador ou estudioso das religiões. Esses valores construídos na sua própria formação
cultural e do saber antropológico, antes de ser um conjunto de conceitos, fundamenta a
intervenção do pesquisador, e deve ser entendido como um exercício de buscar uma com-
preensão do novo.
Para Leenhardt (1987), o perigo desse processo é a perda da identidade do próprio
antropólogo, ou seja, o pesquisador perder-se no referencial do outro pesquisado. Evitando
isso, o pesquisador vive um dilema de se prender em seus valores éticos, o que, no caso,
acaba por provocar uma situação de conflito interno, tendo como desafio se entregar a uma
realidade diferente da sua, sem, contudo, que isso ameace seus valores pessoais.
No entanto, esse processo pode ser convertido na capacidade que lhe permita
desenvolver seu próprio processo de reflexão, tendo por meio deste um desafio paradig-
mático imposto pela linha de pesquisa ou pela ciência escolhida para trilhar esse caminho
investigativo.
Vencido esses desafios, nossa proposta nesta unidade é chegar à busca da signifi-
cação religiosa como parte da construção humana que busca um sentido para sua existên-
cia, uma significação que atravessa outras dimensões do ser, seja no universo cultural, da
afetividade ou mesmo espiritual.

UNIDADE I Conceito de Religião 8


1. RELIGIÃO: CONCEITUAÇÃO

Verificamos a religião dentro de um aspecto universal da cultura humana, ele está


associado a outro fenômeno muito próximo, que é a magia. Basicamente todas as popula-
ções mundiais demonstram ter um conjunto de crenças e poderes sobrenaturais de alguma
espécie.
Se as sociedades comumente desenvolvem normas de comportamento para ga-
rantir o bom funcionamento social, precavendo-se de problemas, estabelecendo controle
sobre as relações humanas, verificamos que nas normas religiosas, a base está na incer-
teza da vida e, se tornam mais evidentes nos momentos de crise, enfermidades, morte,
nascimento etc.
Utilizando dos cultos, rituais, sejam públicos ou privados, os homens, por meio de
oferendas, cantos, sacrifícios e danças, tentam dominar ou mesmo conquistar coisas que
fazem parte do universo, mas que não estão sujeitas a tecnologia.
Lembramos aqui também que, de acordo com Marconi e Presotto (2001), a religião
é tão antiga quanto a humanidade, sendo observada já no Período Paleolítico Superior,
com o homem de Neandertal, que enterrava seus mortos, com oferendas, demonstrando,
assim, a crença no sobrenatural.
Para Mello (2008), quanto ao conceito de religião, muitas têm sido as definições
apresentadas, muitos foram os estudos até agora, no entanto está longe de se chegar a um
consenso.

UNIDADE I Conceito de Religião 9


A Antropologia cultural já detém um bom lastro, conseguindo relacionar uma série
de outros tópicos que se coadunam com a religião. No entanto é preciso tomar cuidado
para que não ocorra um isolamento da religião, isso deve ocorrer somente como recurso
metodológico e didático. Para Mello (2008, p. 390):

Não é fácil separar o parentesco da vida política nem econômica dos povos
de pequena escala. Nas sociedades modernas torna-se bem mais fácil isolar
as atividades, mas mesmo assim, sabe-se que no casamento, por exemplo,
encontram-se aspectos jurídicos (contrato celebrado entre os cônjuges), as-
pectos religiosos (o matrimônio como casamento) e políticos, só para citar
três setores da cultura. Essa inter-relação é mais evidente ainda entre os
povos segmentares ou de pequena escala.

Significa entender que mesmo que o padrão religioso seja um fenômeno universal,
existe, sem sombra de dúvida, uma grande variante no padrão comportamental.
De acordo com Marconi e Presotto (2001, p. 162),

Frazer, Durkheim, Marett, Mauss, Spencer, Lowie, Malinowski, Lévi-Strauss,


Evans-Pritchard entre outros realizaram estudos analíticos e comparativos
sobre religião. Os dados acumulados sobre as crenças e práticas são inúme-
ros de enfoques variados. Uns preocupando-se com o sobrenatural, com os
sistemas de relação e ação, com função e origem da religião; outros, dando
maior importância ora às crenças, ora às práticas.

Assim como Mello (2008) havia apontado anteriormente, muito longe está de se
chegar a um consenso, no entanto, como vimos, vários enfoques acabam criando uma
variedade de tópicos que podem ser estudados, aprimorando e ampliando, assim, o enten-
dimento desse fenômeno.
Existem alguns teóricos que diferenciam a religião e a magia, já para outros os
comportamentos são mágicos religiosos, em outros termos: fundem magia e religião, como
apontam Beals e Hoijer (1969, p. 589), “a religião é uma crença em seres sobrenaturais,
cujas as ações relativas ao homem podem ser influenciadas a até dirigidas”.
Já Hoebel e Frost (1981), consideram a religião como a crença em seres sobrena-
turais e os consequentes modo e comportamento em virtude dessa crença.
Sendo assim, as crenças em poderes sobrenaturais ou misteriosos associam-se
à veneração e sentimentos de respeito que são expostos em atividades públicas, também
podendo ser reservados.
Chamamos a atenção para a consideração de Evans-Pritchard (1978, p. 153):

os fatos da religião primitiva devem ser explicados não em si mesmos, mas


em relação com outros fatores, ou seja, com “aqueles que com ele formam
um sistema de ideias e práticas e outros fenômenos sociais que se asso-
ciam”. Não é, portanto, um fato isolado, dentro da cultura. Liga-se à organiza-
ção social, política, econômica, atividades de lazer, estéticas, etc.

Sendo assim, notamos que a religião, de fato, é formada por um complexo sistema
de crenças e práticas, na qual todas as sociedades detêm a sua visão de universo.

UNIDADE I Conceito de Religião 10


2. MAS O QUE É RELIGIÃO?

O que é Religião? Religião é uma fé, uma devoção a tudo que é considerado sagra-
do. É um culto que aproxima o homem das entidades a quem são atribuídos poderes so-
brenaturais. É uma crença em que as pessoas buscam a satisfação nas práticas religiosas
ou na fé para superar o sofrimento e alcançar a felicidade. Religião é também um conjunto
de princípios, crenças e práticas de doutrinas religiosas, baseadas em livros sagrados, que
unem seus seguidores numa mesma comunidade moral, chamada Igreja.
Todos os tipos de religião têm seus fundamentos. Algumas se baseiam em diversas
análises filosóficas, que explicam o que somos e porque viemos ao mundo. Outras se so-
bressaem pela fé e outras em extensos ensinamentos éticos. Religião, no sentido figurado,
significa qualquer atividade realizada com rígida frequência. Exemplo: ir para a academia
todos os dias, para ele é uma religião.
Cristianismo: vem da palavra Cristo, que significa Messias, pessoa esperada, o
redentor. É uma doutrina que acredita que Deus é o criador do universo e de toda a vida
do planeta. O Cristianismo é um desdobramento do Judaísmo. Todas as formas de cris-
tianismo obedecem às mesmas escrituras, veneram o Deus de Israel e consideram Jesus
como o Cristo, Filho de Deus e Salvador da humanidade. O cristianismo tem na Bíblia o
livro sagrado dos cristãos e na Igreja o local da pregação dos ensinamentos de Cristo, por
meio de seus Sacerdotes. As principais religiões ligadas ao Cristianismo são o Catolicismo,
a Ortodoxa e o Protestantismo.

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Catolicismo: é a religião dos cristãos, uma vertente do cristianismo, formado pela
Igreja Católica Apostólica Romana, que tem seu centro no Vaticano e reconhece a autori-
dade suprema do Papa. O catolicismo é uma doutrina que, além do culto a Jesus, enfatiza
o culto à Virgem Maria e a diversos Santos. A religião católica ou catolicismo tem a Bíblia
como seu Livro Sagrado, e por meio dela transmite os ensinamentos do Evangelho de Cris-
to. O crucifixo é o símbolo maior do catolicismo, pois simboliza a cruz na qual Jesus Cristo
morreu. O catolicismo é uma doutrina que acredita na preparação dos fiéis para a salvação
de sua alma, que, após a morte, subirá ao paraíso, onde gozará o descanso eterno.
Religião ortodoxa: é uma doutrina que teve sua origem no cristianismo, com a divi-
são da Igreja Católica em Católica do Ocidente e Ortodoxa do Oriente. A Igreja Ortodoxa é,
portanto, um ramo da Igreja Católica com pequenas diferenças em seus dogmas. A religião
ortodoxa ou Igreja Católica Ortodoxa se define como a correta e verdadeira Igreja criada
por Jesus Cristo, e que se manteve fiel à verdade, transmitida desde os Apóstolos até os
dias de hoje. A Igreja Ortodoxa é formada por várias igrejas autônomas e Patriarcados auto-
céfalos, em que a autoridade suprema é uma junta governante, o Santo Sínodo Ecumênico.
A unidade tem origem na doutrina, na fé, nos cultos e sacramentos.
Protestantismo: é uma religião que adotou as doutrinas desenvolvidas na Europa,
no século XVI, como resultado dos movimentos para reformar a Igreja Católica. O protes-
tantismo é um dos ramos do cristianismo que surgiu do movimento que rejeitou a autoridade
romana e estabeleceu reformas nacionais em vários países do norte da Europa, como o
Luteranismo, na Suécia e parte da Alemanha, o Calvinismo, na Escócia e em Genebra,
e o Anglicanismo, na Inglaterra. Protestantes seriam, então, aquelas igrejas oriundas da
Reforma, que, apesar de surgirem posteriormente, obedecem aos princípios gerais do
movimento reformista.
Judaísmo: é a religião dos judeus. É a mais antiga das religiões monoteístas do
mundo. O judaísmo acredita na existência de um único Deus, que criou o universo. De
acordo com algumas correntes do Judaísmo, Jesus Cristo foi um bom professor e para
outros foi um falso profeta. Ao contrário do Cristianismo, o Judaísmo não vê Jesus como
Filho de Deus, enviado para salvar o ser humano. Por esse motivo, os crentes no Judaísmo
esperam até hoje pelo enviado de Deus para salvação do povo.
O judaísmo é um modo de vida, associando a uma combinação de fé e convicções
religiosas. O judaísmo é uma religião da família e grande parte da fé judaica é baseada nos
ensinamentos recebidos no lar. O Torá ou Pentateuco é considerado o livro sagrado dos
judeus. Os cultos judaicos são realizados nas sinagogas e são comandados por um rabino.

UNIDADE I Conceito de Religião 12


O símbolo sagrado é o Menorá, um candelabro com sete braços, que representa a luz e
inspiração divina que se propagam no mundo.
Islamismo: Islã é uma palavra árabe que significa submissão, aqueles que obede-
cem a Alá. Seus seguidores são chamados de islâmicos (aqueles que se submetem) ou
ainda de muçulmanos (aqueles que seguem). O islamismo foi fundado pelo profeta Maomé,
nascido em Meca, por volta de 570, na Arábia Ocidental. O que aceita a fé do islamismo é
chamado de muçulmano. O livro sagrado é o Corão (Recitação), onde a palavra de Deus
foi revelada ao profeta Maomé. Seus templos são chamados de mesquitas.

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3. A ABERTURA DO SER HUMANO AO TRANSCENDENTE

Para compreendermos esse processo, é necessário que compreendamos a con-


dição humana na natureza, sua forma de ver e de agir, primeiramente como parte dela (a
natureza) e, posteriormente, de sua ação sobre ela (cultura). São dois momentos distintos,
no primeiro, o homem natural tem uma condição muito próxima a de outros animais, sendo
ele nada mais que um elemento da natureza em que está contido como elemento integrado.
No segundo momento é que se criaram todas as condições de transformação que esse
mesmo homem acaba por impor na natureza. Nesse momento, ele deixa de ser parte inte-
grada e se transforma em elemento que impõe ações, inclusive de compreensão e domínio
dessa natureza.
De acordo com Pannenberg (2008), o entorno caracteriza a sua alteridade. Ele
converte a natureza bruta em cultura e substitui
no processo da história, criações culturais por outras. Pode-se dizer que a
linguagem e a razão expõem o sentido da realidade, marcando a peculiari-
dade biológica do ser humano, como também da cultura de um modo geral.
Linguagem e razão orientam o ser humano a transcender o estado de natu-
reza, logo elas estão em estreita relação com a cultura no seu sentido mais
profundo, mostrando-se fundamentais para todos os domínios da cultura
(PANNENBERG, 2008, p. 11).

Conforme visto, é possível dizer que a vida em grupo, por si só, não explica o
traço humano, mas sim o conceito de cultura, considerando, assim, os hábitos, sistemas de
aprendizagem, os materiais, entre outros elementos produzidos no contexto cultural.

UNIDADE I Conceito de Religião 14


Para Pannenberg (2008), a cultura transcende a si mesma em um movimento
espiritual, abrindo espaço para o dado religioso. Nesse caso, a “transcendência da cultura”
ocorre a partir do momento em que o ser humano tem a possibilidade ou a capacidade de
participar de realidades que irão extrapolar o mundo concreto, tendo acesso a um universo
do simbólico, caracterizado pelo inexprimível.
Pannenberg (2008) considera importantes a história e a questão simbólica quando
se fala de cultura. Segundo esse autor, é o espaço em que a religião passa ter seu lugar na
formação da cultura.
Seria importante analisarmos o papel da linguagem na formação da cultura:
essa forma, a linguagem, o mito, a arte e a religião constituem partes do
universo simbólico do ser humano. Ao indivíduo cabe ir contribuindo para a
atualização dos dados da cultura, mas mesmo assim, ele não tem um domí-
nio completo do acontecer cultural, uma vez que as instituições já são dadas
como valores de antepassados (MIRANDA, 2012, p. 68).

Como percebemos, segundo esse contexto, é possível identificar a superioridade


da sociedade agindo sobre o indivíduo, ou seja, unitariamente somos resultados dos pro-
cessos da memória e sua reprodução do coletivo.
Nesse processo, cito o mito como gênero que detém uma grande influência no
processo de formulação cultural, levando em conta que ele traz embutido em si uma racio-
nalidade própria e alicerça o sentido para uma ordem social cósmica.
Segundo Pannenberg (2008), a cultura é, assim, criada e criadora, ela possui uma
força supraindividual que transcende o ser humano como indivíduo. Então, como expõe o
autor, o acervo histórico da cultura seria o elemento chave para a compreensão do homem
sobre a realidade.
O indivíduo chega à realidade, a lê e a interpreta. Dessa forma a experiência
efetiva da realidade, feita na comunidade e nos confrontos com os dados
passados, possibilita a atualização da cultura. É um contexto em que se pode
falar de jogo cultural, funda-se o espaço onde os indivíduos fazem a inter-
pretação do mundo comum e, ao mesmo tempo constroem a sua identidade
pessoal (PANNENBERG, 2008, p. 26).

Compreendemos que a representação simbólica contextualizaria a superação dos


limites, das angústias, dos males e outros elementos que causam sofrimento presente na
natureza. Isso gera uma espécie de “ordem” para as coisas, ou melhor dizendo, funda a
ordem do mundo, tendo como pano de fundo o pleno sentido de tudo.
Quando o homem funda a cultura, ele tem por finalidade o domínio da natureza que
o rodeia. Faz isso para superar os limites que os atingia. Quando a cultura transcende, abre
espaço para o pensamento religioso. Este, por sua vez, traz embutido em si a necessidade
humana da superação da sua finitude, ou seja, do seu relacionamento com a morte.

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De acordo com Pannenberg (2008), a dimensão religiosa entra na cultura quando
o ser humano não mais se contenta com sua vida meramente física e mortal. É o momento
em que ele se vê como ser religioso e como ser espiritual.
Nessas condições, esse homem se sente dotado de liberdade e vontade, sendo ele
capaz de se lançar livremente em busca de respostas muito mais profundas acerca de sua
existência.
Reafirmamos aqui, como ponto fundamental, a experiência e a tomada de cons-
ciência da realidade em que o homem vive. Para Pedrosa de Pádua (2010), dentro dessa
consciência, o homem, ao tratar da “realidade simbólica”, não se conforma com um mero
“estar” no mundo, mas se preocupa também em dominar e melhorar o seu entorno. Logo,
a ação humana é um exercício de interpretação, por meio da qual dá sentido às coisas
existentes ao seu redor.
Esse processo interpretativo tem por origem a imaginação, ação que dá condições
capazes de transformar a realidade física e (re)significá-la, dando a ela um sentido mais
vivencial.
De acordo com Pedrosa de Pádua (2010), a partir da imaginação uma pedra deixa
de ser pedra para se transformar, com a técnica, num machado, que, por sua vez, pode
ser imaginado como capaz de cortar árvores, que, por sua vez, podem ser utilizadas para
construir canoas, casas, represas, arcos e flechas e tantos outros utensílios para os grupos
humanos.
Assim, a imaginação consegue desenvolver sempre novas realidades, partindo de
algo já existente. Vejamos um exemplo disso na fundamentação de Lévi-Strauss (2010),
que acrescenta a ideia de uma ordenação de elementos básicos que podem ser percebidos
na forma de oposições binárias (o cru e o cozido, o dia e a noite, o bem e o mal).
Nessa ideia de Lévi-Straussiana, observamos que a lógica de tal princípio é univer-
salista, partindo da ideia de que a representação da realidade é independente, seja qual a
forma que venha a tomar, pois tem sempre a mesma fundamentação.
O real é imutável e o que aparece como particular e próprio de uma cultura é fruto
da interpretação desse real (LÉVI-STRAUSS, 2010). Portanto, tal ideia, que não tem muita
ligação ou a mesma configuração do estruturalismo de Lévi-Strauss, pode também ser vista
e interpretada pela Fenomenologia da Religião na sua concepção de uma essência própria
da religiosidade, que atravessa, inclusive, o processo histórico e cultural.

UNIDADE I Conceito de Religião 16


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade pudemos verificar quão difícil e amplo pode ser o significado de
religião. Sobre um prisma antropológico para as relações humanas e, dentre elas a religião,
é poder aprofundar nessas relações como elas se dão nas suas diferenças culturais, histó-
ricas, econômicas, políticas e psicológicas.
Nesse sentido, é necessário um esvaziamento dos valores pré-concebidos pelo
pesquisador ou estudioso das religiões. Esses valores construídos na sua própria formação
cultural e do saber antropológico, antes de ser um conjunto de conceitos que fundamenta
a intervenção do pesquisador, deve ser entendido como um exercício de buscar uma com-
preensão do novo. Verificamos a religião dentro de um aspecto universal da cultura humana,
ele está associado a outro fenômeno muito próximo que é a magia. Basicamente, todas as
populações mundiais demonstram ter um conjunto de crenças e poderes sobrenaturais de
alguma espécie.
Para compreendermos esse processo, é necessário que compreendamos a con-
dição humana na natureza, sua forma de ver e de agir, primeiramente como parte dela (a
natureza) e, posteriormente, de sua ação sobre ela (cultura).
Verificamos que a “transcendência da cultura” ocorre a partir do momento em que
o ser humano tem a possibilidade ou a capacidade de participar de realidades que irão
extrapolar o mundo concreto, tendo acesso a um universo do simbólico, caracterizado pelo
inexprimível.
Compreendemos que quando o homem funda a cultura ele tem por finalidade o do-
mínio da natureza que o rodeia. Faz isso para superar os limites que o atingia. É justamente
quando a cultura transcende, que abre espaço para o pensamento religioso. Este, por sua
vez traz, embutido em si a necessidade humana da superação da sua finitude, ou seja, do
seu relacionamento com a morte.
Esse processo interpretativo tem por origem a imaginação, ação que dá condições
capazes de transformar a realidade física e (re)significá-la, um sentido mais vivencial.
Sendo assim, notamos que a religião, de fato, é formada por um complexo sistema
de crenças e práticas, em que todas as sociedades detêm a sua visão de universo.

UNIDADE I Conceito de Religião 17


SAIBA MAIS

Os povos islâmicos espalhados pelo mundo são confundidos com os árabes, mas árabe
é uma etnia, um povo que surgiu na península arábica, já o islamismo é uma religião,
que surgiu no meio do povo árabe, no século VII d.C. Portanto, é possível ser islâmico
sem, necessariamente, ser árabe.

Fonte: os autores.

REFLITA

“Sempre que a moralidade se baseia na teologia, sempre que o correto se torna de-
pendente da autoridade divina, as coisas mais imorais, injustas e infames podem ser
justificadas e estabelecidas”

(Ludwig Feuerbach).

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MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO 1
Título: Introdução ao Estudo Comparado das Religiões
Autor: Aldo Natale Terrin
Editora: Paulinas
Sinopse: Faltava, na bibliografia brasileira, um livro de introdução
amplo, objetivo e sério sobre a diversidade religiosa que hoje se
observa no mundo globalizado, encarando não apenas os fatos
religiosos em si, por meio da história e na pluralidade de suas
expressões culturais, mas procurando analisar a significação que
possa ter cada uma das manifestações religiosas do passado e
do presente, numa perspectiva humanista e cristã é o que nos
proporciona essa introdução ao estudo comparado das religiões.

LIVRO 2
Título: O que é religião? A visão das ciências sociais
Autor: Donizete Rodrigues
Editora: Santuário
Sinopse: O livro foi articulado de forma a ser uma espécie de
manual sobre os principais conceitos de religião oferecidos pelas
ciências humanas e sociais. A obra traz, de forma objetiva, as
respostas para a pergunta: o que é religião? Alia a simplicidade à
erudição, citando obras de pensadores clássicos e contemporâ-
neos que, de forma notável, vão esclarecendo o texto, tornando-o
didático, de fácil e prazerosa leitura.

LIVRO 3
Título: Religiosidade no Brasil
Autor: João Baptista Borges Pereira
Editora: Edusp
Sinopse: Os artigos que compõem este livro versam sobre a diver-
sidade religiosa brasileira, que expressa a realidade sociocultural
brasileira. Os ensaios foram publicados na Revista USP, integran-
do o dossiê Religiosidade no Brasil, que se esgotou rapidamente,
número temático que reuniu estudiosos de várias partes do país.
Esta coletânea reproduz integralmente o dossiê da Revista, acres-
cida de artigos que não constaram na edição original por vários
motivos, como os textos de Augustin Vernet, Suzana Ramos Cou-
tinho Bornholdt e de João Baptista Borges Pereira. O organizador
do livro aponta que esse painel inclui desde religiões étnicas até as
autoproclamadas religiões universais, passando pelas rotuladas
religiões etnicizadas, características de um país de imigração.

UNIDADE I Conceito de Religião 19


LIVRO 4
Título: Protestantismo Tupiniquim
Autor: Gedeon de Freire Alencar
Editora: Recriar
Sinopse: Dez anos depois da primeira edição muita coisa mudou.
Mas muitas permaneceram iguais. Ou piores. O campo religio-
so protestante é cada vez mais plural e emblemático. Cada dia
mais difícil estabelecer algum padrão de avaliação, uma tipologia
minimamente razoável que dê conta das idiossincrasias internas
do grupo. Na atualidade são quantitativamente fortes, qualitativa-
mente diversos, teologicamente misturados e sociologicamente
difusos. Bem tupiniquins, aliás. Um século atrás era fácil delimitar
o mundo protestante, porque era pequeno e homogêneo. Agora,
não mais. Conquanto, continuo convencido que minha tipologia
do Protestantismo Tupiniquim ainda é válida. Continuo firme em
minhas hipóteses, por isso mesmo: hipóteses.

FILME/VÍDEO
Título: Lutero: gênio, rebelde, liberador
Ano: 2003
Sinopse: Após quase ser atingido por um raio, Martim Lutero (Jo-
seph Fiennes) acredita ter recebido um chamado. Ele se junta ao
monastério, mas logo fica atormentado com as práticas adotadas
pela Igreja Católica na época. Após pregar em uma igreja suas
95 teses, Lutero passa a ser perseguido. Pressionado para que
se redima publicamente, Lutero se recusa a negar suas teses e
desafia a Igreja Católica a provar que elas estejam erradas e con-
tradigam o que prega a Bíblia. Excomungado, Lutero foge e inicia
sua batalha para mostrar que seus ideais estão corretos e que eles
permitem o acesso de todas as pessoas a Deus.
Link: https://www.youtube.com/watch?v=PlP-Xt4LLNg

FILME 2
Título: O Nome da Rosa
Ano: 1986
Sinopse: Em 1327, William de Baskerville (Sean Connery), um
monge franciscano, e Adso von Melk (Christian Slater), um novi-
ço, chegam a um remoto mosteiro no norte da Itália. William de
Baskerville pretende participar de um conclave para decidir se a
Igreja deve doar parte de suas riquezas, mas a atenção é desviada
por vários assassinatos que acontecem no mosteiro. William de
Baskerville começa a investigar o caso, que se mostra bastante
intrincado, além dos mais religiosos acreditarem que é obra do
Demônio. William de Baskerville não partilha dessa opinião, mas
antes que ele conclua as investigações, Bernardo Gui (F. Murray
Abraham), o Grão-Inquisidor, chega no local e está pronto para
torturar qualquer suspeito de heresia que tenha cometido assas-
sinatos em nome do Diabo. Como não gosta de Baskerville, ele é
inclinado a colocá-lo no topo da lista dos que são diabolicamente
influenciados. Ests batalha, junto com uma guerra ideológica entre
franciscanos e dominicanos, é travada enquanto o motivo dos
assassinatos é lentamente solucionado.
Link: https://www.youtube.com/watch?v=uqL7gn13JoQ

UNIDADE I Conceito de Religião 20


FILME 3
Título: As Aventuras de Pi
Ano: 2001
Sinopse: Se você não assistiu este filme cheio de efeitos espe-
ciais incríveis e que foi super premiado, talvez não faça ideia de
que ele fala de religiões sim. Na história, o garoto Pi é em muitos
momentos exposto a três religiões e decide abraçar todas elas: o
cristianismo, o islamismo e o hinduísmo. A primeira surge por con-
ta de uma brincadeira feita na igreja; a segunda por curiosidade;
e a terceira por sua herança indiana, e o menino decide ter todas
porque vê coisas interessantes nas três.

FILME 4
Título: Homens e Deuses
Ano: 2010
Sinopse: Se você busca um filme sobre a religião muçulmana,
essa é uma boa pedida. O filme Homens e Deuses conta a história
de um grupo de monges trapistas que vivem entre a população
muçulmana na Argélia. Eles passam por uma guerra civil e pre-
cisam decidir entre permanecer com a comunidade ou fugir dos
terroristas.

WEB

Link: https://www.youtube.com/user/canalcaiofabio/videos
Canal do Youtube: Caio Fábio
Apresentação: se você está atrás de um canal que trata a religião de forma crítica,
esse canal é de Caio Fábio, destaque na religiosidade brasileira desde a década de 1980.
Durante essas décadas vem gerando surpresa por suas opiniões que, muitas vezes, diver-
gem dos líderes religiosos tradicionais.

UNIDADE I Conceito de Religião 21


UNIDADE II
Conceitos Fundamentais
do Fenômeno Religioso
Professor Paulino Augusto Peres de Souza
Professora Nathalia Barbosa Limeira
Professor Marcos Roberto Mantovani

Plano de Estudo:
● Elementos constitutivos do fenômeno
● Teorias da religião

Objetivos da Aprendizagem:
● Conhecer os principais fundamentos do fenômeno religioso
● Compreender como é a dinâmica das estruturas religiosas
● Discutir as correntes teóricas da religião

22
INTRODUÇÃO

O que constitui a religião? Para uns a religião é fé, outros afirmam ser algo que o
religa ao divino, há aqueles estudiosos que dizem ser totem e tabu. Diante tantas formas
de pensar a religião não sabemos se podemos ser considerados um homus religiosus, mas
sabemos que somos construídos pela religiosidade
Responder o que é religião é um tanto quanto complexo pela abrangência do tema.
No entanto, nesta unidade, nossa meta é trazer para você como é constituída uma religião,
suas normas, seus cultos, objetos e locais sagrados. Também que são os responsáveis
pelos cultos religiosos e a função da religião. Em seguida discutiremos um tema fundamen-
tal para compreender a religiosidade. As teorias da religião vão nos fornecer dados para
compreendermos de maneira psicológica e sociológica o fenômeno em si.

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 23


1. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO FENÔMENO

Quando analisamos o fenômeno religioso, é mister observar dois elementos, a


crença e o ritual. Um deve complementar o outro, ou seja, a crença, na verdade, precisa
ser complementada com a prática.
Vejamos o significado de cada um desses dois elementos. Comecemos pela cren-
ça ou fé. Tal ato consiste em um sentimento de respeito, confiança, reverência, submissão
frente ao sobrenatural, ao desconhecido. Como expõem Marconi e Presotto (2001, p. 193):
Pode-se dizer que é o desejo de aceitar qualquer coisa, provocada por algo
misterioso, mas sem demonstração ou prova tangível. Seria a aceitação vo-
luntária de uma ordem e coisas que não pode ser provada pela lógica ou pe-
los sentidos. O indivíduo reconhece e aceita a superioridade do sobrenatural.

Podemos afirmar que as crenças religiosas se baseiam na existência de seres


supremos, de algo superior, algo que seja sobre-humano, o que é de suma importância
para o apelo emocional, mas também intelectual.
O outro elemento que nos referimos no início se trata do ritual ou da prática. É uma
manifestação dos sentimentos comungados por um ou vários indivíduos, seja em qualquer
meio, através de uma ação:
Embora de caráter religioso ou mágico, não é tão persistente quanto o culto.
Consiste em um tipo de atividade padronizada, em que todos agem mais ou
menos do mesmo modo, e que se volta para um ou vários deuses, para seres
espirituais ou forças sobrenaturais, com uma finalidade qualquer (MARCONI;
PRESOTTO, 2001, p. 163).

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 24


Dessa maneira, verifica-se um comportamento tradicional em que podemos notar,
de maneira explícita ou implícita, ideias, crenças, sentimentos e atitudes comungadas pelos
praticantes.
Para Mair (1972), em todas as sociedades ágrafas ou de tecnologia simples há
sempre um conjunto de crenças relacionadas a diferentes práticas, rituais que variam de
uma cultura para outra. II - Povo cultura e religião
O importante em se ressaltar e discutir nos dois elementos apontados, é que am-
bos se ligam ao sobrenatural, ou seja, tudo aquilo que foge aos sentidos concretos da
humanidade, que escapa à compreensão do homem, à sua possibilidade de observação é
compreendido como “sobrenatural”. Dessa maneira, tal manifestação não obedece às leis
naturais ou da física, portanto se posicionando em uma outra dimensão.
Para Geertz (1989), o sobrenatural pode ser considerado o cerne da religião, a
base dos sistemas religiosos. Não há como comprová-los cientificamente ou por meios
mecânicos.
Os seres imaginados pelo homem são muitos, como exemplo:
A. Seres – deuses, anjos, santos, demônios, fadas etc.;
B. Entidades – espíritos, almas;
C. Forças – Espírito Santo, mana;
D. Almas dos mortos ou espectros.

De acordo com Mair (1972), os seres espirituais são considerados bons (anjos),
maus (demônios), neutros (duendes). Residem nos mais diferentes lugares: céu, inferno,
montanhas, florestas etc.
No caso das forças ou poderes sobrenaturais, de maneira geral, não pessoal, estão
no universo, sendo invisíveis e independentes de seres sobrenaturais determinados. Já a
questão das almas dos mortos ou espectros, são
Liberadas do corpo após a morte, interessam-se pelos vivos e continuam
sendo membros da sociedade. Podem ser benéficas ou maléficas e possuí-
rem muitas funções e característica dos espíritos, mas diferem deles quanto
à origem e afinidade com os seres vivos e, assemelham- se a estes nos
sentimentos, emoções, apetites e comportamentos (MARCONI; PRESOTTO,
2001, p. 164).

Se nos atentarmos, muitas das ações praticadas e a forma como ocorrem se apro-
ximam da maneira como os seres vivos efetuam em seu dia a dia, nos parecendo uma
repetição em outro plano.

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 25


O Sobrenatural, em geral, está associado ao Culto. Esse ato, na verdade uma série
de atos, está contido na comunicação ou na veneração dos seres sobrenaturais. O culto
em si consiste em um conjunto de rituais, de crenças e divindades, associados a objetos,
lugares específicos, oficiantes e crentes. O culto pode variar em sua organização, em sua
estrutura e na realização, no tempo e espaço. Em geral, cultuam-se espíritos antepassa-
dos. Dentro dos cultos podemos identificar objetos sagrados que fazem parte do ato; os
objetos, por sua vez, podem ser adorados, venerados ou utilizados no processo ritual,
compreendendo imagens, objetos rituais, máscaras etc. Como apontam Marconi e Presotto
(2001, p. 165), eles podem ser:
A. Objetos – são representações de uma divindade, um espírito, um deus,
através da escultura, da pintura, do desenho, etc. Podem ser antropomórfi-
cas (forma humana), zoomórficas (forma animal), antropozoomórficas (forma
humana e animal) ou amorfas, ou seja sem forma determinada. Ex: deuses
egípcios, orixás de Candomblé, ídolos de sociedades tribais, etc.

B. Objetos rituais – englobam tanto objetos de uso comum (armas, uten-


sílios, roupas) utilizados nos cultos, quando especialmente confeccionados
para determinados rituais (tambores, bastões, vasos, etc.). Ex: atabaques,
colares, trajes de Umbanda, indumentárias, etc.

C. Máscaras - incluem tanto as de cabeça quanto as de todo corpo, usadas


como disfarce nos mais diversos rituais. Simbolizam autoridade, prestígio ou
tem efeitos medicinais. Podem ser simples ou artisticamente ornamentadas,
tomar diferentes formas e representar homens, animais ou seres sobrenatu-
rais. Ex: dança do cervo (México), palhaços de Folia de Reis (Brasil).

Tais imagens ou mesmo os objetos dos rituais podem ser compreendidos como
morada temporária das entidades sobrenaturais, logo, recebem o tratamento cerimonial
específico.
Verificamos também nos cultos diferentes forma de rituais, estes são atos religiosos
e podemos defini-los como o canto, a dança, a reza, a oferenda de coisas, sacrifícios.
Esses atos podem aparecer em três formas principais: oração, oferenda e manifestações:
A. Oração ou prece – invocação oral dirigida a seres sobrenaturais, feita pe-
los adeptos do culto, guiada ou não pelos oficiantes. Pode ser de louvação,
petição, súplica, agradecimento ou propiciatória (para apaziguar a ira dos
deuses). É uma técnica básica de relacionamento com o sobrenatural: ati-
tude de subordinação. Realiza-se em determinado momento, sendo acom-
panhada de prostrações, posturas específicas (ajoelhada, sentado, de pé,
curvado), de movimentos (danças, palmas, sapateados) e de música. Pode
ser simples ou elaborada, curta ou longa, casual ou formalizada, específica
ou geral. As canções podem substituir as orações faladas.

B. Oferenda – consiste em ofertar alguma coisa aos seres sobrenaturais: fru-


to de colheitas, parte da caça, da pesca ou da coleta; objetos de valor (jóias,
armas, utensílios), flores, comidas, bebidas, etc. Animais e até seres huma-
nos, são muitas vezes, sacrificados seus corpos oferecidos às divindades. No
caso de animais, pode se oferecer: apenas o sangue e a gordura; toda car-

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 26


ne; preparada e cozida, colocada em um lugar especial; o animal totalmente
queimado em um altar; o animal vivo.

C. Manifestações – consistem em uma série de atos ou movimentos rítmicos


(danças, mímicas, dramatizações), procissões, geralmente acompanhadas
de cantos e música (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 166).

Frisamos que nem todas as vezes a comunidade geral pode participar dos cultos,
nesses momentos somente os oficiantes é que participam, em outros é aberto a todos os
membros. Outros elementos podem ser sujeitos a regras específicas, ligados a idade ou ao
sexo. Como no caso de mulheres ou crianças não poderem participar ou mesmo estar no
local do culto. Essas regras variam e se fundamentam dentro de cada dogma em específico.
Pode ter a ver com proibições justificadas, mas também pode ter ligação com o tipo de rito.
Os ritos são cerimônias com determinadas funções e podem ser propiciatórios, de
passagem ou transição e de iniciação.
Os ritos propiciatórios estão ligados à súplica e à benevolência dos seres espiri-
tuais. De acordo com Mair (1972), realiza-se uma cerimônia no sentido de levar as forças
sobrenaturais a atender às necessidades de dada população.
Por esse rito podemos citar como exemplo o sucesso na colheita, abastecimento
de alimentos em geral, questões ligadas à saúde e sobrevivência, a chuva em períodos de
estiagem, início de atividades coletivas, como a pesca etc.
Um outro rito muito importante e que tem grande impacto na vida dos crentes é o
de passagem ou transição. Segundo Geertz (1989), se trata de um complexo de rituais e
é realizado por ocasião da passagem dos indivíduos de um estado social para outro. Tra-
duzindo, quando ocorre uma importante mudança no status social. Relacionamos quatro
tipos, expostos no quadro a seguir:

Quadro 1 - Passagem e/ou transição

• Nascimento – ritual realizado quando a criança nasce, a fim de purificar a mãe e


o filho, tornando-o forte, rico e para obter proteção dos espíritos; receber um nome.

• Puberdade – prática dedicada aos jovens que atingem a fase da puberdade, ou


seja, quando estão aptos à procriação. O ritual pode incluir danças, isolamento,
proibições, jejuns, missões (caça). Há ritos de passagem para ambos os sexos.

• Matrimônio – atividade socialmente aprovada, relativa ao casamento. Inclua sua


promulgação e todas as festividades próprias do casamento.

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 27


• Morte – ritual realizado por ocasião da morte de alguém. Quanto mais elevado o
status de uma pessoa mais demorada e prolongada será a cerimônia ou funeral.
Há choros, danças, cantos, lamentações, escarificações no corpo (para ressusci-
tar o morto), comida, bebidas etc.
Fonte: Geertz (1989, p. 122).

Um outro rito também, não menos importante, é o de iniciação, nesse tipo de ceri-
mônia vários são os motivos, desde a passagem de idade para a vida adulta, quando são
promovidas festividades que podem durar dias ou semanas, incluindo atividades variadas,
comidas etc. Nele o homenageado deve mostrar destreza, maturidade, capacidade etc.
Existem, ainda, outros motivos, como mudança de status dentro do grupo.
Um tema que devemos citar aqui dentro dos ritos é sobre os métodos utilizados no
culto, dentre eles podemos citar o Ordálio e a adivinhação.
Ordálio é um método ritual que comprova um testemunho. Segundo Mair (1972, p.
198), o mestre religioso recorre a poderes sobrenaturais a fim de saber se uma acusação
é verdadeira ou falsa:
Para obter uma resposta ele submete o litigante a testes físicos (veneno,
fogo), muitas vezes perigosos, que podem ferir ou matar o trapaceiro. Se ele
sair ileso, está comprovada sua inocência. O teste, às vezes, é administrado
em um animal, em vez de em um ser humano.

Já no método da adivinhação, o chefe religioso utiliza a adivinhação para conseguir


um veredicto ou juízo, um conhecimento prévio sobre o futuro ou o desconhecido. Como
apontam Marconi e Presotto (2001), o adivinho estuda as evidências (incompletas) apre-
sentadas em várias manifestações ou sinais. Segundo os autores são dois os métodos
utilizados:
1. Quando o adivinho manipula diferentes objetos como ossos, couros, bú-
zios, conchas, vísceras de animais ou de pessoas mortas;

2. Quando ele se transforma em veículo do ser espiritual, falando e seu nome.


Ex.: interpretação dos sonhos entre os índios Xavantes (MARCONI; PRESO-
TTO, 2001, p. 168).

Esses métodos apresentados são praticados exclusivamente pelos oficiantes,


estes são, na verdade, como se fossem profissionais de determinado conhecimento sobre-
natural, aptos para falar em nome de ou invocar os espíritos e todos os rituais que sejam
necessários. São eles: sacerdotes, chefes religiosos, especialistas, oráculos (peritos) etc.
Para melhor compreender o perfil de cada um dos oficiantes, preparamos o quadro
resumo das funções:

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 28


Quadro 2 - Funções na religião

A. Sacerdote – indivíduo preparado e consagrado desde a infância. Os cargos que


ocupa são hereditários ou acidentais. Nesse caso, um incidente qualquer, por exem-
plo, uma doença pode ser um indicativo de que o indivíduo foi escolhido pelos espí-
ritos. A função do sacerdote requer longos anos de aprendizagem e de experiência
para conhecer ao máximo crenças, rituais e adquirir certo grau de aptidão. Todos po-
dem exercer, assim, essa função de ministro religioso, cuja autoridade sobrenatural
lhe foi conferida através do culto.

B. Reis adivinhos – pessoas que não só realizam cultos, mas também são objetos
de culto, por serem considerados semideuses. Sua vida, alimentação, sono e outras
atividades pessoais são reguladas por diferentes rituais, sendo que, muitas vezes,
nem a morte pode ser natural.

C. Chefes ou ministros religiosos – indivíduos com qualificações para lidar com o sobre-
natural, recebendo bom preparo sobre rituais e crenças, mas que não são sacerdotes.
Precisam ter aptidão e habilidades especiais e isolar-se, durante certo tempo, das ati-
vidades de produção alimentícia.
D. Especialistas – são os peritos em algumas atividades (caça, pesca, horticultura, agri-
cultura, construções de canoas, habitações, guerra etc.) e responsáveis pelos rituais
necessários ao bom empreendimento delas.
E. Oráculos – são pessoas capacitadas para obter o conhecimento de agentes sobre-
naturais. Frequentemente são associados a determinado culto, mas são consultados
inclusive por indivíduos de outros cultos.

Fonte: Marconi e Presotto (2001)

Esses oficiantes, em geral, permanecem em lugares específicos e podem, em


grande parte dos casos, permanecer nos santuários, onde também é sua moradia. Os
santuários são construções consideradas sagradas, onde se realizam cultos, rituais e ceri-
mônias. Esses locais tanto podem ser vazios ou comportar elementos constitutivos, desde
mobiliário específico, objetos de culto, constituindo morada fixa ou temporária dos deuses
e dos espíritos. Além dos santuários podemos também destacar os lugares sagrados, que
podem compreender acidentes geográficos, vistos como morada dos espíritos ou deuses,
e servem de peregrinação para os crentes. Como exemplos podemos citar: rios, lagos,
picos, montanhas etc. Esses lugares são visitados em ocasiões especiais, na celebração
de cerimônias, rituais, orações etc.

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 29


Raymond Firth (1974, p. 258) complementa nossa compreensão da função social
da religião afirmando que consistem em:
a. em elemento forte e positivo na composição e organização da vida social;

b. No estabelecimento da autoridade para a crença e para a ação;

c. Na provisão de significação para a ação social, fornecendo padrões e or-


dem [...] e permitindo a interpretação em termo de fins últimos;

d. A expressão de conceitos e criação estética e de imaginação;

e. Em força e ajustamento social.

Quando observamos o fenômeno religioso de forma geral, podemos afirmar que


ele reforça e mantém os valores culturais, ressaltando que esses mesmos valores estão
ligados ao comportamento ético e moral.
De acordo com Marconi e Presotto (2001), sustenta e incute normas particulares
de comportamento culturalmente aprovadas, exercendo, até certo ponto, poder coercitivo.
Além disso, podemos dizer também que auxilia na conservação de conhecimentos
a serem transmitidos, através das cerimônias, levando em conta os procedimentos e nor-
mas de conduta de uma sociedade, que são fundamentais em determinadas culturas.

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 30


2. TEORIAS DA RELIGIÃO

Nossa intenção neste tópico não é a de discutir todas as teorias apresentadas até
os dias atuais sobre o fenômeno religioso. No entanto apresentaremos um breve esboço
do que consideramos mais substancial. Trataremos de duas linhas teóricas, a psicológica
e a sociológica. As teorias psicológicas, segundo Mello (2008), de alguma forma procuram
explicar o fenômeno religioso a partir dos sentimentos. Em geral, tem um caráter mais
intelectualista e sofrem a influência da psicologia associacionista, como na maneira como
explicita Evans-Pritchard (1978).
Para Mello (2008, p. 395) “Figuram na relação apresentada das teorias psicológicas
apresentadas por Evans-Pritchard, entre outras as seguintes: a escola do mito natural de
tradição alemã, a crença em fantasma de Spencer, o animismo de Marret e a contribuição
de Lowie”. Desta maneira, para quem pretende se aprofundar nessa corrente teórica, os
autores citados, são hoje o que temos de mais importante na compreensão do fenômeno
religioso na atualidade.
Preparamos um quadro em que estão reunidas as essências das teorias de cada
autor:

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 31


Quadro 3 - Teorias psicológicas

A. Mito natural – Criada por Müller, cronologicamente, a primeira a ser anunciada.


Sustenta que o homem primitivo possuía uma tendência para personificar e venerar fe-
nômenos naturais: sol, lua, estrelas, rios, estações do ano, aurora, raio, trovão, chuva
etc. O homem não teria criado religião, mas a beleza e a magnitude dos fenômenos da
natureza despertaram nele sentimentos em relação ao infinito, à crença em divindades
com poderes de dirigir a natureza. A gênese da crença seria o medo do sobrenatural.
B. Animismo (alma) – desenvolvida por Tylor, significa a crença em seres espirituais
ou espíritos pessoais que animam a natureza. A necessidade de compreender sonhos,
alucinações, sono, vida e morte, levou o homem a acreditar na existência de um “eu”
com propriedades espirituais e dotado de poderes sobrenaturais. Esses seres, essen-
cialmente etéreos, são conhecidos como almas, fantasmas, assombrações, espíritos
de plantas e animais, gênios, espectros, fadas, demônios, anjos, deuses etc. Trans-
cendem a matéria. A base do animismo é o conceito de alma que, embora intangível,
significa a força vital que anima o corpo. Quando o homem dorme, a alma vagueia;
quando ela não volta, ele morre.
C. Animatismo (mana, poder) – Marret e outros entenderam que havia crenças na exis-
tência de um poder impessoal ou “força espiritual”, não oriunda de qualquer forma de
ser. Essas forças (semelhantes ao maná dos povos da Oceania) são atributos essen-
ciais de objetos vegetais, animais e de pessoas, e conferem-lhes capacidade e proprie-
dade superiores aos demais de sua espécie. Não consiste em uma força vital e nem
na obra dos espíritos, mas no poder de fazer coisas excepcionais, incomuns. O maná
transcende o natural; está acima do âmbito das coisas ordinárias, comuns. É, portanto,
sobrenatural.
D. Manismo (manes, espírito dos mortos) – Para Spencer, o culto aos mortos (fantas-
mas, sombras) e a veneração de seus espíritos é que deram origem à religião.
E. Magia – Frazer entendeu que o homem, não sendo capaz de controlar o modo má-
gico do mundo ao seu redor, acreditou na existência de forças desconhecidas, com
poderes acima dos seus. Através do culto, aproximou-se delas.
F. Totemismo (totem) – Frazer, Goldenweiser e outros interpretaram o totemismo como
a adoração da natureza. Eram atribuídas aos animais, plantas e objetos qualidades
espirituais. A crença de que alguns grupos descendem de um antepassado comum –
animal, vegetal ou mineral – deu origem a uma atitude de reverência para seus repre-
sentantes.
Fonte: Marconi e Presoto (2001, p. 171-172).

Com base no Quadro 3, pontuamos que as teorias de Tylor e Spencer são se-
melhantes, pois admitem que o homem primitivo é racional, mesmo que seu estágio de

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 32


desenvolvimento não se aproxime ao nosso quanto ao processo de raciocínio. Mello (2008,
p. 396) reforça que:
Spencer acreditava que a primeira ou as primeiras ações religiosas conheci-
das pelo homem tenham sido as de fantasmas, enquanto para Tylor acredita-
va que teria sido a noção de almas. Para ambos, tais noções teriam nascido
da própria consciência humana, frente aos fenômenos do sonho, da morte,
da vida, das transformações naturais, todo esse conjunto teria despertado
aos sentimentos do sagrado e da outra dimensão da vida.

Se atentarmos para a teoria de Frazer, ela é muito semelhante ao que pregava


Auguste Comte, apontando para o progresso da humanidade em três estágios, sendo:
estado teológico, metafísico e positivo ou científico, daí reforçando a teoria positivista de
Comte. Segundo Mello (2008), Frazer acredita que a humanidade universalmente passou
por três estágios diversos: o primeiro dominado pela magia, o segundo, pela religião e
finalmente, a ciência.
Se por um lado Frazer não traz novos elementos, por outro ele discute algo que
torna o entendimento entre magia, religião e ciência, em um nível de discussão da qual ele
afirma que tanto a magia quanto a ciência realizam operações técnicas, ao contrário da re-
ligião, que tem por fundamento um mundo que vai mais além e não obedece determinados
critérios, ou seja, a religião exige de seus cultores uma atitude de medo e temor, respeito e
dedicação. Já no caso da magia e ciência, os preceitos ou as leis são invariáveis.
Uma das teorias do quadro que nos chama a atenção é a de Marret, invertendo a
ordem da explicação do fato religioso, como expõe Mello (2008, p. 398):
Para Marret a religião primitiva tivera início não na doutrina ou na crença,
mas a doutrina teria nascido da ação. A religião selvagem não é tão pensada
quanto dançada, como se percebe, Marret deu a prioridade do rito sobre o
mito, exatamente ao contrário que se tinha feito até então.

Logo, por essa teoria, o estado animístico existiu em um momento ou estado an-
terior, mesmo antes de as pessoas interpretarem que ali existia um poder oculto. Por sua
vez, a percepção desse magnetismo é que levou ao sentimento de sagrado, delegado às
pessoas ou às coisas.

2.1 Teorias Sociológicas


As teorias sociológicas são, na verdade, uma metodologia explicativa que divergem
das teorias psicológicas, pelo fato de que a religião é entendida e vista como um fenômeno
social.
Segundo Mello (2008), entre os principais teóricos dessa linha estão Durkheim,
Fustel de Coulanges e R. Smith, e seus seguidores são Marcel Mauss e Radcliffe-Brown.

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 33


O que caracteriza estas teorias são as interpretações sociais, de acordo com o que
observa Evans-Pritchard (1978, p. 389):
Notemos que Durkheim não está dizendo aqui, como fazem os autores emo-
cionalistas, que os ritos são levados a efeito para liberar estados emocionais
exaltados. São os ritos que produzem tais estados. Eles podem, portanto,
neste aspecto, ser comparados aos ritos expiatórios como os de luto, nos
quais as pessoas procuram afirmar a sua fé e cumprir um dever para com
a sociedade sem que estejam sob qualquer tensão emocional; está, enfim,
pode estar completamente ausente da ocasião.

Verificamos a posição durkheimiana, apontada por Evans-Pritchard, mas é preciso


esclarecer que essa postura, na verdade, vem de Fustel de Coulanges, mestre de Durkheim.
Baseado nisso, Mello (2008) revela que Coulanges procura mostrar que a antiguidade clás-
sica teve como amálgama o culto de ancestrais.
Dessa maneira, podemos compreender que esses antepassados se assemelhavam
a deidades que traziam unido o grupo familiar ou da linhagem de descendência.
Mello (2008) indica que, para Coulanges, esse culto é que explicava a normas e
cerimônias de casamento, o incesto, a monogamia, a proibição do divórcio etc. Comple-
mentando essa linha de pensamento:
O princípio da família antiga não é apenas a geração. Isso pode ser provado
pelo fato de a irmã não ser na família o mesmo que o irmão; também o filho
emancipado ou a filha casada deixam de fazer parte da família por completo;
enfim, muitas disposições importantes nas leis gregas e romanas, que tere-
mos ocasião de examinar mais adiante, nos induzem a pensar assim. (COU-
LANGES, 1961, p. 54 apud MELLO, 2008, p. 34 ).

Como pudemos analisar, Coulanges demonstra o papel importante que é dirigido


pelo pensamento e ação religiosa dentro do dia a dia na vida social. Basicamente o autor
demonstra que, apesar de racional, o homem é guiado por questões ligadas a determinados
valores.
Para Mello (2008), Coulanges, Robertson Smith e Durkheim tiveram um ponto em
comum: acreditavam que a religião surgiu da natureza mesma, da sociedade,
Smith chegou a afirmar que os ritos estavam conectados com os mitos; mas
os mitos não explicavam os ritos, e sim o oposto. Ver a religião como um fato
social, como propunham esses autores, pé vê-la independente das mentes
individuais, é reconhecer-lhes uma existência ou preexistência aos indivíduos
(MELLO, 2008, p. 400).

Traduzindo, os sujeitos, ou melhor, os indivíduos, quando nascem, encontram uma


religião já pronta, juntamente com seus dogmas, sua cosmovisão, seus rituais, seus cultos.
Dessa maneira, a religião se impõe ao indivíduo, sendo parte importante de uma realidade
social posta. Fica mais evidente ainda se observarmos o seu peso em sociedades menores,
ela passa a ter um caráter muito mais abrangente.

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 34


Em resumo, se nos concentrarmos nas discussões das teorias sociológicas de
Coulanges, Durkheim, R. Smith, Marcel Mauss e Radcliffe-Brown, elas se firmam entre o
sagrado e o profano:
R. Smith e depois Durkheim refutam o argumento de que a religião teria se
originado das crenças em seres sobrenaturais. Para eles a religião iniciou-se
a partir dos ritos e cerimônias (cantos e danças) que, intensificando as emo-
ções, levaram os participantes ao êxtase. Essas emoções, difundidas entre
os presentes, fizeram com que eles acreditassem estar tomados por poderes
sobrenaturais (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 173).

Portanto, sobre essa visão, a religião consiste em sentimento de solidariedade de


expressão na crença coletiva, e age como uma maneira muito eficiente de fortalecer os la-
ços sociais. Mello (2008) aponta que crenças e rituais simbolizam a sociedade e distinguem
o sagrado do profano.
Para complementar esse entendimento entre sagrado e profano, Marconi e Presotto
(2001, p. 173) lembram que, para Durkheim,
Sagrado – refere-se ao incomum, ao extraordinário, ao sobrenatural; gera
atitudes de medo, de circunspecção, de sensação do desconhecido; Profa-
no – significa o cotidiano, o natural, o comum; implica atitude de aceitação,
familiaridade, do conhecido.

Na verdade, atualmente os estudiosos, principalmente os antropólogos, tentam


aproximar as duas correntes, psicológicas e sociológicas, no intuito de encontrar uma teoria
central que agregue as duas contribuições.

SAIBA MAIS

A Filosofia da Religião é um ramo filosófico que investiga a esfera espiritual inerente ao


homem, do ponto de vista da metafísica, da antropologia e da ética. Ela levanta questio-
namentos fundamentais, tais como: o que é a religião? Deus existe? Há vida depois da
morte? Como se explica o mal? Estas e outras perguntas, ideias e postulados religiosos
são estudados por esta disciplina. Há uma infinidade de religiões, compostas de distin-
tas modalidades de adoração, mitologias e experiências espirituais, mas geralmente
os estudiosos se concentram na pesquisa das principais vertentes espirituais, como o
Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, pois elas oferecem um sistema lógico e ela-
borado sobre o comportamento do planeta e de todo o Universo, enquanto as orientais
normalmente se centram em uma determinada filosofia de vida.
Os filósofos têm como objetivo descobrir se o olhar espiritual sobre o Cosmos é real-
mente verdadeiro. Em suas pesquisas o filósofo da religião adota como instrumentos
teóricos a metodologia histórico-crítica comparativa, que contrapõe as mais diversas

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 35


religiões, espacial e temporalmente, para perceber suas semelhanças e o que as dis-
tingue, logrando assim visualizar o núcleo central dos eventos religiosos; a filológica,
que realiza a investigação dos vários idiomas, comparando-os e buscando expressões
usadas para se referir ao sagrado, estabelecendo assim o que elas têm em comum; e a
antropológica, que resgata o passado espiritual dos povos ancestrais e dos contempo-
râneos, seus institutos, suas convicções, seus ritos e seus valores. Cabe à Filosofia da
Religião realizar uma correta associação destes distintos métodos, para assim perceber
claramente o que é essencial nas religiões.
Em todas as religiões vigentes no Ocidente há algo em comum, a fé em Deus. A Divin-
dade é vista como um Ser sem corpo e eterno, criador de tudo que há, extremamente
generoso e perfeito, todo-poderoso, ou seja, onipotente, conhecedor de tudo, portanto
onisciente, presente em toda parte, melhor dizendo, onipresente.
Esta é a imagem teísta de Deus, aquela que proclama sua existência. São Tomás de
Aquino defende pelo menos cinco argumentos a favor da presença de Deus no Univer-
so, entre eles o ontológico, o cosmológico e o do desígnio. Estas ideias foram renovadas
pelos pensadores modernos Alvin Plantinga e Richard Swinburne, que tornaram estes
conceitos mais complexos. A compreensão de Deus pode ser racional, portanto do âm-
bito da Teologia Natural, ou percebida do ponto de vista da fé, constituindo a Teologia
Revelada.
Anteriormente ao século XX, a trajetória filosófica ocidental procurava explicar alguns
ângulos das tradições pagãs, do judaísmo e do Cristianismo, ao passo que no Oriente,
em práticas espirituais como o hinduísmo, o budismo e o taoísmo, não é fácil perceber
até que ponto uma pesquisa é de natureza religiosa ou filosófica. Não é fácil para esta
disciplina delimitar um objeto de estudo adequado, do ponto de vista religioso. Segundo
estes filósofos, mesmo que se alcance uma caracterização correta de Deus, ainda resta
encontrar uma razão para se pretender sua existência. Embora na Idade Média tenham
surgido muitas teorias que se pretendem capazes de provar que Deus existe, a partir
do século XVIII houve uma guinada na mentalidade humana, e muitos dos argumentos
defendidos na era medieval perderam sua validade. Assim, muitos filósofos religiosos
têm suas próprias prevenções contra a cultura religiosa popular, como Kant e Feuer-
bach, o qual estimulou o estudo das religiões do ângulo social e antropológico destas
convicções espirituais, caminho seguido até hoje por grande parte dos filósofos desta
disciplina.

Fonte: Santana (2016, on-line).

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 36


REFLITA

“Deus não tem nenhuma religião” (Mahatma Gandhi).

“Deus nos deu asas, mas as religiões inventaram gaiolas” (Ruben Alves).

“Não se pode ofender, ou fazer guerra, ou assassinar em nome da própria religião ou


em nome de Deus”

(Papa Francisco).

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 37


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos nesta unidade, podemos compreender que as crenças religiosas se


baseiam na existência de seres supremos, de algo superior, algo que seja sobre-humano,
isso é de suma importância para o apelo emocional, mas também intelectual.
O fenômeno da religião na verdade está associado ao sobrenatural, ou seja, tudo
aquilo que foge aos sentidos concretos da humanidade, que escapa à compreensão do
homem, à sua possibilidade de observação é compreendido como “sobrenatural”. Desta
maneira, tal manifestação não obedece às leis naturais ou da física, portanto se posicionan-
do em uma outra dimensão.
O Sobrenatural, em geral, está associado ao Culto. Esse ato, na verdade, uma
série de atos, estão contidos na comunicação ou na veneração com os seres sobrenaturais.
O culto em si consiste em um conjunto de rituais, de crenças e divindades, associados a
objetos, lugares específicos, oficiantes e crentes. O culto pode variar em sua organização,
em sua estrutura e na realização, no tempo e espaço. Em geral cultuam-se espíritos ante-
passados.
Verificamos também nesta unidade a respeito das teorias da religião, em que
existem duas correntes: a teoria psicológica e a sociológica. A primeira compreende a
religião, tomando por base os sentimentos, levando em conta que esse fenômeno impreg-
na o pensamento e as emoções das pessoas. Na segunda corrente, a sociológica, seus
fundamentos divergem do pensamento psicológico, tomando por referencial o fato de que
a religião é vista e compreendida como um fenômeno tipicamente social. O fato é que, na
atualidade, as duas correntes se coadunam para formular uma teoria mais centralizada.

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 38


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Dossel Sagrado: Elementos para uma teoria sociológica da
religião
Autor: Peter L. Berger
Editora: Paulus
Sinopse: Este livro traz uma análise que mostra como esclarecer
a frequente relação irônica entre religião e sociedade. É uma im-
portante contribuição à sociologia da religião.

LIVRO 2
Título: Religião e Repressão
Autor: Rubem Alves
Editora: Edições Loyola
Sinopse: A maravilha do “sentimento religioso” – a possibilidade
de admirar-se genuinamente diante do mistério da vida – só é
possível ser alcançada quando são deixadas para trás as grades
opressoras dos discursos dogmáticos das religiões. É especifi-
camente sobre essas prisões ideológicas que trata esta obra de
Rubem Alves.

FILME/VÍDEO
Título: Dois papas
Ano: 2019
Sinopse: Buenos Aires, 2012. O cardeal argentino Jorge Bergoglio
(Jonathan Pryce) está decidido a pedir sua aposentadoria, devido
a divergências sobre a forma como o papa Bento XVI (Anthony
Hopkins) tem conduzido a Igreja. Com a passagem já comprada
para Roma, ele é surpreendido com o convite do próprio papa para
visitá-lo. Ao chegar, eles iniciam uma longa conversa, debatendo
não só os rumos do catolicismo, mas também afeições e peculiari-
dades da personalidade de cada um.

UNIDADE II Conceitos Fundamentais do Fenômeno Religioso 39


UNIDADE III
Manifestações Religiosas
Históricas e Contemporâneas
Professor Paulino Augusto Peres de Souza
Professora Nathalia Barbosa Limeira
Professor Marcos Roberto Mantovani

Plano de Estudo:
● Manifestações religiosas históricas
● As religiões Orientais e Ocidentais
● Novas religiões sobre uma nova perspectiva
Objetivos da Aprendizagem:
● Compreender as divisões das religiões historicamente importantes e abrangentes.
● Discutir as tendências atuais sobre os novos movimentos religiosos.

40
INTRODUÇÃO

Como verificamos até o momento, as manifestações religiosas estão presentes


desde os primórdios, já com os homens das cavernas. Nossa discussão nesta unidade
vem apresentar as principais manifestações religiosas universais e suas estruturas básicas.
Veremos as religiões Ocidentais e Orientais. Compreenderemos também as religiões divi-
didas em três categorias: as religiões primais, religiões nacionais e religiões mundiais Em
seguida faremos uma discussão sobre os dias atuais e as tendências religiosas que estão
em ascensão.

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 41


1. MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS HISTÓRICAS

Ao abordarmos esse tema, se torna muito difícil resumir as manifestações históri-


cas pela grande quantidade e influência que tiveram em sua sociedade à época e traços
culturais que nos influenciam até os dias atuais. De qualquer forma, vamos tentar organizar
nossa atenção em grandes correntes religiosas mundiais que consideramos fundamentais.
É preciso compreender, em primeiro lugar, as religiões, juntamente com o tipo de
sociedade. Para Geertz (1989), as ciências da religião tentam dividir as religiões em três
categorias, que, de certa forma, coincidem com três tipos distintos de sociedade.
São elas: as religiões primais, religiões nacionais e religiões mundiais. A primais
são aquelas que os estudiosos costumam chamar de religiões primitivas, verificadas em
culturas ágrafas, como ocorre com povos tribais na América, na Ásia, África, Polinésia.
Sua marca mais característica, segundo Mello (2008), é a crença numa miríade de forças,
deuses e espíritos que controlam a vida cotidiana. Também o culto dos antepassados e
ritos de passagem desempenham um papel importante. Em geral, de acordo com Gaarder,
Hellern e Notaker (2005), a comunidade religiosa não se separa a vida social e o sacerdócio
normalmente é sinônimo de liderança política da tribo.
No caso das religiões nacionais, encontramos uma grande quantidade de religiões,
inclusive, já extintas em alguns casos, que historicamente fizeram ou fazem parte do
contexto social e cultural dessas nações, como exemplo: egípcia, grega, assírio-libanesa,
germânica etc. De acordo com Geertz (1989, p. 112),

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 42


É típico das religiões nacionais adotar o politeísmo, uma série de deuses
organizados em um sistema de hierarquia e funções especializadas. Elas
têm um sacerdócio permanente, encarregado dos deveres rituais em templos
construídos para esse fim. Há sempre uma mitologia bem desenvolvida, o
culto sacrificial é básico, e os deuses é que escolhem o líder da nação.

Pelos traços apresentados, podemos nos recordar imediatamente o que aprende-


mos na escola sobre a civilização grega, ou mesmo egípcia, sua mitologia, política. Toda a
organização social e todo perfil cultural daquelas civilizações estavam diretamente ligadas
à religião. Percebe-se que somos influenciados, até hoje, pela tradição da cultura Clássica.
Por fim, as religiões mundiais, que pretendem ter uma validade global, ou seja,
uma validade para todas as pessoas. Podem ser chamadas também de religiões univer-
sais. Conforme Mello (2008), a principal característica das religiões universais, surgidas no
Oriente Médio, é o monoteísmo: elas têm somente um Deus.
Nesse modelo de religião há como ponto principal a relação do indivíduo com Deus,
ao que se refere inclusive, além da obediência aos preceitos filosóficos, à possibilidade de
salvação. Gaarder, Heellern e Notaker (2005) explicam que o papel do sacrifício é bem
menos proeminente nelas do que nas religiões nacionais, ao passo que o da oração e
meditação é mais importante.
Essas religiões têm um grande peso e tradição histórica e foram fundadas por
profetas, como Buda, Moisés, Lao-Tsé, Jesus, Maomé.
Para Gaarder, Heellern e Notaker (2005, p. 41),
Devemos ressaltar que os limites entre esses tipos de religião são fluidos. As
religiões nacionais muitas vezes constituem evoluções que acompanharam o
desenvolvimento geral da sociedade (ao passar de uma sociedade tribal para
Estado Nacional). Assim também certas religiões mundiais emergiram das
religiões nacionais, como um protesto contra determinados aspectos de seu
culto e de suas concepções religiosas.

Como exemplo podemos citar o Catolicismo, uma religião universal, que surgiu dos
protestos contra o culto religioso romano, tendo por seu mártir Jesus, que, na verdade era
Judeu, mas que funda o início de uma nova religião da qual se congregam elementos do
judaísmo e do nacionalismo romano.
Há várias formas de religião e são muitos os modos que vários estudiosos utilizam
para classificá-las. Porém há características comuns às religiões que aparecem com maior
ou menor destaque em praticamente todas as divisões. A primeira dessas características
é cronológica, pois as formas religiosas predominantes evoluem através dos tempos, nos
sucessivos estágios culturais de qualquer sociedade. Outro modo é classificá-las de acordo
com sua solidez de princípios e sua profundidade filosófica, o que irá separá-las em religiões
com e sem Livros Sagrados.

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 43


Pessoalmente, como estudiosos do assunto, preferimos uma classificação que leva
em conta essas duas características, e divide as religiões nos seguintes quatro grandes
grupos:

PANTEÍSTAS MONOTEÍSTAS
POLITEÍSTAS ATEÍSTAS

Nessa divisão há uma ordem cronológica. As religiões Panteístas são as mais


antigas, dominando em sociedades menores e mais “primitivas”. Tanto nos primórdios da
civilização mesopotâmica, europeia e asiática, quanto nas culturas das Américas, África e
Oceania.
As religiões Politeístas por vezes se confundem com as Panteístas, mas surgem
num estágio posterior do desenvolvimento de uma cultura. Quanto mais a sociedade se
torna complexa, mais o Panteísmo vai se tornando Politeísmo.
Já as Monoteístas são mais recentes e, atualmente, as mais disseminadas. O
Monoteísmo, quantitativamente, ainda domina mais de metade da humanidade.
Embora possa parecer estranho, existem religiões Ateístas, que negam a existên-
cia de um ser supremo central, embora possam admitir a existência de entidades espirituais
diversas. Essas religiões geralmente surgem como uma reação a um sistema religioso
Monoteísta ou pelo menos Politeísta, e em muitos aspectos se confunde com o Panteísmo,
embora possua características exclusivas.
Essa divisão também traça uma hierarquia de rebuscamento filosófico nas reli-
giões As Panteístas, por serem as mais antigas, não têm Livros Sagrados ou qualquer
estabelecimento mais sólido do que a tradição oral, embora, na atualidade, o renascimento
panteísta esteja mudando isso. Já as politeístas, muitas vezes, possuem registros de suas
lendas e mitos em versão escrita, mas nenhuma possui uma revelação propriamente dita.
Isto é um privilégio do Monoteísmo. Todas as grandes religiões monoteístas possuem sua
Revelação Divina em forma de Livro Sagrado.
As Ateístas também possuem seus livros guias, mas, por não acreditarem num
Deus pessoal, não têm o peso dogmático de uma revelação divina, sendo vistas, em geral,
como tratados filosóficos.
Vejamos alguns quadros comparativos:

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 44


Quadro 1 - Épocas de surgimento e predomínio

As mais antigas, remontando à pré-história, em que tinham predomi-


nância absoluta. Também presentes em muitos dos povos silvícolas
PANTEÍSMO: das Américas, África e Oceania.

Surgem num estágio posterior de desenvolvimento social, tendo sido


predominantes na Idade Antiga em todo o velho mundo, mesmo nas
POLITEÍSMO: civilizações mais avançadas das Américas pré-colombianas.

Mais recentes, surgindo a partir do último milênio a.C. e predominan-


MONOTEÍSMO: do da Idade Média até a atualidade.
Surgem a partir do século V a.C., tendo vingado somente no Oriente.
No Ocidente ressurge somente após a renascença, numa forma mais
ATEÍSMO: filosófica que religiosa.

Embora possuam representantes em todos os períodos históricos,


Neo PANTEÍSMO: popularizam-se ou surgem a partir do século XVIII.

Fonte: XR (s.d.).

Quadro 2 - Base literária

Próprias de culturas ágrafas, não possuem, em geral, qualquer forma


PANTEÍSMO: de base escrita, sendo transmitidas por tradição oral.

Nas sociedades letradas, possuem, frequentemente, registros lite-


POLITEÍSMO: rários sobre seus mitos e, mesmo nas ágrafas, possuem tradições
icônicas mais elaboradas.

Possuem Livros Sagrados definidos e que padronizam as formas de


crença, servindo como referência obrigatória e trazendo códigos de
MONOTEÍSMO: leis. São tidos como detentores de verdades absolutas.

Possuem textos básicos de conteúdo predominantemente filosófico,


não possuindo, entretanto, força dogmática arbitrária, ainda que sen-
ATEÍSMO: do também revelado por sábios ou seres iluminados.
Seus textos são, em geral filosóficos, embora possuam mais força
Neo PANTEÍSMO: doutrinária, não incorrendo, porém, em dogmas arbitrários.

Fonte: XR (s.d.).

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 45


Quadro 3 - Mitologia

Deus é o próprio mundo, tudo está interligado num equilíbrio ecossistê-


mico e místico. Crê-se em espíritos e, geralmente, em reencarnação. É
PANTEÍSMO: comum também o culto aos antepassados. Procura-se manter a harmo-
nia com a natureza e o mundo comumente é tido como eterno.

Diversos deuses criaram, regem e destroem o mundo. Se relacionam


de forma tensa com os seres humanos, não raro hostil. As lendas dos
POLITEÍSMO: deuses se assemelham a dramas humanos, havendo contos dos mais
diversos tipos.

Um Ser transcendente criou o mundo e o ser humano, há uma relação


MONOTEÍSMO: paternal entre criador e criaturas. Na maioria dos casos, um semideus se
rebela contra o criador, trazendo males sobre todos os seres. Messias
são enviados para conduzir os povos, profetiza-se um evento renovador
violento no final dos tempos, quando a ordem será restaurada pela di-
vindade.
ATEÍSMO: O Universo é uma emanação de um princípio primordial “vazio”, um
Não-Ser. Crê-se na possibilidade de evolução espiritual por meio de um
trabalho íntimo. Crê-se em diversos seres conscientes, dos mais varia-
dos níveis e, geralmente, em reencarnação.
Neo PANTEÍSMO: Acredita-se, em geral, no Monismo, uma substância única que permeia
todo o Universo em um Ser único. São, em geral, reencarnacionistas e
evolutivas. A desatribuição de qualidades do Ser supremo por vezes as
confunde com o Ateísmo.

Fonte: XR (s.d.).

Quadro 4 - Símbolos

Utilizam, no máximo, totens e alguns outros fetiches, é comum o uso


PANTEÍSMO: de vegetais, ossos ou animais vivos ou mortos.

Surgem os ídolos zoo ou antropomórficos na forma de pinturas e es-


POLITEÍSMO: culturas em larga escala. A simbologia icônica se torna complexa em
alguns casos, resultando em formas de escrita ideográfica.

O Deus supremo geralmente não possui representação visual, mas os


MONOTEÍSMO: secundários sim. Utilizam símbolos mais abstratos e de significados
complexos.

O Não-Ser supremo não pode ser representado, mas há muitas retra-


tações dos seres iluminados. Há vários símbolos representativos da
ATEÍSMO: natureza e metafísica do Universo.

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 46


Diversos símbolos e mitos de diversas outras religiões são resgata-
dos e reinterpretados, também não há representação específica do
Neo PANTEÍSMO: Ser Supremo, mas pode haver de outros seres elevados.

Fonte: XR (s.d.).

Quadro 5 - Rituais

Geralmente ligados à natureza e ocorrendo em contato com esta. É co-


PANTEÍSMO: mum o uso de infusões de ervas, danças, oráculos e cerimônias ao ar
livre.

Passam a surgir os templos, embora, em geral, não abandonem total-


mente os rituais ao ar livre. Em muitos casos ocorrem os sacrifícios hu-
POLITEÍSMO: manos, oráculos e as feitiçarias de controle ambiental.

Geralmente restritas aos templos, as hierarquias ritualistas são mais rí-


gidas, não há oráculos pessoais, mas sim profecias generalizadas com
MONOTEÍSMO: base no livro sagrado. Não há rituais de controle ambiental.

Embora ainda comuns nos templos, são também frequentes fora des-
tes. Desenvolvem-se técnicas de concentração, meditação e purificação
ATEÍSMO: mais específicas, baseadas, antes de tudo, no controle dos impulsos e
emoções.

Em geral baseados no uso de “energias” da natureza. Não mais têm in-


Neo PANTEÍSMO: fluência nos processos civis, sendo restritos a curas, proteção contra
ameaças físicas e extrafísicas.

Fonte: XR (s.d.).

Quadro 6 - Exemplos

Religiões silvícolas, xamanismo, religiões célticas, druidismo, amazô-


PANTEÍSMO: nicas, indígenas norte americanas, africanas etc.
POLITEÍSMO: Religião Grega, Egípcia, Xintoísmo, Mitologia Nórdica, Religião Azte-
ca, Maia etc.

MONOTEÍSMO: Bhramanismo, Zoroastrismo, Judaísmo, Cristianismo, Islamismo,


Sikhismo.

Orientais: Taoísmo, Confucionismo, Budismo, Jainismo.


ATEÍSMO: Ocidentais: Filosofias Neo Plantônicas, Ateísmo Filosófico (Não Reli-
gioso)

Espiritismo Kardecista, Racionalismo Cristão, Neo Gnosticismo, Teo-


Neo PANTEÍSMO: sofia, Wicca, “Esotéricas” etc.

Fonte: XR (s.d.).

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 47


2. AS RELIGIÕES ORIENTAIS E OCIDENTAIS

Antropólogos, principalmente, e outros estudiosos das religiões tentaram classificar


as religiões mundiais em dois tipos: orientais e ocidentais. Nessa tentativa, consideraram
ocidentais: o judaísmo, o islã e o cristianismo. No caso das religiões orientais, seriam
consideradas: o hinduísmo, o budismo e o taoísmo. Vejamos no Quadro 7 algumas carac-
terísticas:

Quadro 7 - Características religiosas orientais e ocidentais

OCIDENTAL ORIENTAL

Visão linear da história, isto é, a Visão cíclica da história, isto é, a


Visão histórica história tem um começo e um história se repete num ciclo eter-
fim; o mundo foi criado num certo no e o mundo dura de eternidade
ponto e um dia irá terminar. a eternidade.

Deus é criador; Ele é todo-pode- O divino está presente em tudo.


roso e é único. O monoteísmo é Ele se manifesta em muitas divin-
Conceito de Deus tipicamente ocidental. dades (politeísmo) ou como uma
força impessoal que permeia tudo
e a todos (panteísmo)

Há um abismo entre Deus e o ser O homem pode alcançar a união


humano, entre o criador e a cria- com o divino mediante a ilumina-
Noção de humanidade tura. O grande pecado é o homem ção súbita e o conhecimento.
desejar se transformar em Deus
em vez de se sujeitar à vontade
de Deus.

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 48


Deus redime o ser humano do pe- A salvação é se libertar do eterno
cado, julga e dá a punição. Existe ciclo da reencarnação da alma e
Salvação a noção de vida após a morte, no do curso da ação. A graça vem
céu ou no inferno. por meio de atos de sacrifício ou
do conhecimento místico

O fiel é um instrumento da ação Os ideais são passividade e a fuga


Ética divina e deve obedecer à vontade do mundo.
de Deus, abandonando o pecado
e a passividade diante do mal.

Culto Orar, pregar, louvar Meditação, sacrifício

Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 42).

Apesar de classificados e identificados seus principais fundamentos, as religiões


mais tradicionais e universais são fruto da própria dinâmica que tiveram origem, deram
sentido e espaço para mudanças. Nelas vemos uma adequação com o meio de vida nas
sociedades mais complexas e urbanas.
Essas são respostas práticas de que o papel da religião nas sociedades acompa-
nha e sofre com os processos de mudança cultural e nela está envolvida uma nova visão
sobre valores, regras, normas que vêm de encontro com a visão de mundo das pessoas.
Neste sentido, percebe-se que mesmo tais religiões históricas, mantendo-se em
seus principais fundamentos, na atualidade, dividem com as novas religiões seus mem-
bros, que fortalecem um movimento contínuo da renovação do fenômeno religioso. Vamos
debater este tema a seguir.

2.1 Novas Religiões sobre uma Nova Perspectiva


Se nos atentarmos aos processos avançados da industrialização e da tecnologia, ao
avanço da ciência na atualidade, notamos novas tendências e novas explicações religiosas.
Mesmo que as religiões se mantenham vivas, percebemos cada vez mais, principalmente
nos meios urbanos e sociedades complexas, áreas cada vez maiores da vida social e
cultural escapando às influências religiosas.
Para Gaarder, Hellern e Notaker (2005), além dos princípios religiosos terem per-
dido influência na vida social, também os conceitos éticos ensinados pelas religiões não
afetam mais as questões sociais. Esse processo é conhecido por secularização.
Notamos no nosso dia a dia que esses fatos têm favorecido novos comportamentos
e efeitos diversos sobre as pessoas. Alguns ainda mantêm sua crença religiosa, no entanto,
é visível que há uma linha divisória entre a religião e a ciência. Alguns mantém a fé e

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 49


ao mesmo tempo a consciência científica, outros ainda podem se revelar como ateus ou
agnósticos:
Será que somos menos religiosos hoje do que éramos cinquenta anos atrás?
Não é fácil responder. Na Europa, durante muito tempo a religião pareceu de-
sempenhar um papel menos influente na vida das pessoas. Porém, na esteira
da descristianização, apareceram novos movimentos religiosos (GAARDER;
HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 272).

Fica claro que estão ocorrendo mudanças profundas e inevitáveis, e que, portanto,
mesmo que a religião ainda seja um fenômeno muito presente, ela também passa por um
processo de mudanças, inclusive estruturais. Percebe-se que, atualmente, a luta não é
somente pelo processo de descristianização, mas também contra uma série de diferentes
tendências religiosas, algumas muito em voga, como o esoterismo. “Tornou-se comum falar
de uma ‘nova espiritualidade’. Por exemplo, na Dinamarca há mais líderes em tempo integral
dentro de vários movimentos religiosos novos do que padres na Igreja cristã dinamarquesa”
(GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 272).
A nova espiritualidade engloba tendências e reestabelece uma nova roupagem,
muitas vezes a antigas religiões, como novas companhias missionárias do hinduísmo e
do budismo. A cada dia verificamos novas seitas cristãs e também seitas que não são
cristãs, mas que adotam, para si, um conjunto de conceitos de várias religiões, inclusive
de religiões de muita tradição, como o próprio judaísmo. Em outros casos ainda um novo
modelo de esoterismo muito parecido com antigas religiões que misturam rituais de magia,
mas ao mesmo tempo conceitos de ciência moderna.
Porém é mister que não nos apeguemos às denominações, mas sim no cerne
central de novas tendências religiosas, as tendências esotéricas e os movimentos alterna-
tivos. De acordo com Gaarder, Hellern e Notaker (2005), parte do contexto histórico desses
novos movimentos foi a revolução da juventude da década de 1960, quando foram lançadas
bases para novos grupos religiosos, também um renovado interesse pelo esoterismo e os
movimentos hoje conhecidos por alternativos. Vejamos no Quadro 8 alguns elementos que
aparecem nos novos movimentos religiosos:

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 50


Quadro 8 - Tendências religiosas/esotéricas

Normalmente foram fundados por alguém com forte personalidade, que teve uma re-
velação da divindade e se sente chamado a liderar a Igreja. Pode ser uma “figura mes-
siânica” a quem as pessoas recorrem em épocas de crise espiritual, cultural ou políti-
ca. Também podem ser como em vários elementos inspirados no hinduísmo, um guru
(mestre religioso) que exige a completa obediência e devoção aos seus discípulos. O
guru não é necessariamente divino, mas representa o divino.
Os novos movimentos religiosos afirmam que são universais e aplicáveis a todos, e
veem em si como a “religião das religiões”. Costumam afirmar que é na verdade a
síntese de todas as grandes religiões do mundo – e transformaram Moisés, Jesus,
Maomé, Krishna e Buda em seus precursores. Com frequência, a ideia é de que as
velhas religiões já esgotaram seus papéis, pois cada uma em si só, contém somente
uma fração da verdade.
Dá-se realce à experiência interior, considerada mais importante que o dogma ou as
formalidades externas. Usualmente há nesses movimentos um elemento de revolta
contra o status quo religioso ou contra a liderança religiosa. Eles desafiam as normas
correntes e as práticas religiosas estabelecidas, e em casos extremos chegam até a
infringir a lei. A experiência interior, segundo eles, propicia uma libertação total, que
promove a tranquilidade, a harmonia e a felicidade.
O indivíduo pode encontrar a si mesmo. É justamente isso que a moderna sociedade
precisa; é a solução para todos os problemas internos e externos. Alguns grupos res-
saltam que não se trata de religião, mas de uma forma de conhecimento e compreen-
são total e repentina. É uma questão de alcançar a experiência interior correta.
Os membros do movimento costumam manifestar um fervor na fé e um zelo religioso
tais que são levados a devotar todas as suas energias à seita ou movimento. O indiví-
duo pode deixar sua casa – para viver em uma pequena comuna – assumir um novo
nome ou abandonar seu emprego, seus estudos etc.
Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 275).

Como vimos no quadro, as novas religiões mantêm, de certa forma, uma seme-
lhança com as grandes e tradicionais religiões mundiais, expondo seus conceitos, cultos e
organização.
Ainda é importante compreender que as religiões podem experimentar trocas e a
essas trocas chamamos sincretismo. Historicamente é conhecido o surgimento de novas
religiões no decorrer dos tempos, se levarmos em conta que as grandes religiões mundiais
sofreram mudanças profundas, divisões, tendo como resultado, em muitas delas, o sur-
gimento de novas religiões totalmente distintas de sua raiz de origem. Em outros casos,

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 51


somente houve o surgimento de novas igrejas, novas comunidades, mantendo-se o dogma
central.
O fato que nos chama a atenção, no entanto, é o sincretismo religioso. Gaarder,
Hellern e Notaker (2005, 274) nos revelam que “Uma característica típica das diversas
orientações religiosas novas que vem surgindo é o que se conhece por sincretismo: a seita
ou comunidade religiosa contém elementos de várias religiões diferentes”.
Se formos buscar na história, veremos que não há nada de muito novo. Como
exemplo podemos citar a época do Império Romano que, em função sua expansão, acabou
colocando em contato várias culturas diferentes que fizeram surgir novas religiões que
tinham o mesmo procedimento, citado anteriormente, portanto, sincretismo também.
Mas uma coisa que nos chama a atenção é justamente a característica dos novos
grupos – a exigência de que o indivíduo se entregue por inteiro, rompendo qualquer laço
com sua vida anterior.
Para Mello (2008), a pessoa morre em sua antiga vida e renasce dentro da nova
seita. Não basta ser simpatizante. Segundo Gaarder, Hellern e Notaker (2005), com fre-
quência o indivíduo deve doar tudo que possui e muitos já se viram destituídos de tudo
depois de um encontro com um desses novos movimentos religiosos.
A seita inicia apresentando questões existenciais bastante conhecidas, principal-
mente as que afetam as pessoas em um limiar da vida adulta, e o diagnóstico é quase
sempre certeiro. Essas seitas anunciam e apontam as coisas erradas nessa sociedade
moderna e que, portanto, não se vive uma vida autêntica. Para alcançar a plenitude é
preciso preencher o vazio e a falta de sentido para a existência.
Numerosos membros, dizem eles, estavam desestruturados pelo álcool ou
pelas drogas quando foram recrutados. Mas há algo capaz de trazer uma re-
novação de tudo: a nova religião. Basta apenas aderir a ela e se comprome-
ter. Se depois disso o novato tenta voltar para sua vida anterior, seus “padri-
nhos” na seita podem dificultar extremamente as coisas para ele (GAARDER;
HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 276).

Note que se lembrarmos das discussões da Unidade II, veremos uma condição
em que a teoria psicológica e sociológica se coadunam para poder explicar o processo de
crença e de fé, como ocorre nesse indivíduo. Logo, uma teoria central seria emergencial
para a compreensão desses novos grupos religiosos.
Outra expressão religiosa se expressa em tendências esotéricas. Se formos buscar
na raiz da palavra e o que ela engloba, perceberemos que esoterismo é tão abrangente
quanto o termo religião. Nela concentra-se astrologia, espiritismo, ufologia, parapsicologia,
variadas formas de magia, clarividência, teosofia e antroposofia.

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 52


Esse fenômeno vem crescendo substancialmente desde as últimas décadas do
século passado, no mundo todo, explicando, em partes, a generalização da secularização.
Mesmo que essas tendências esotéricas não levem necessariamente à criação de novos
organismos religiosos, a crença em ideias ocultistas exercem grande poder sobre o com-
portamento humano, tomando, muitas vezes, uma grande parte de sua filosofia de vida.
Como sabemos, o esoterismo não é um fenômeno novo, pelo contrário, foi uma das
primeiras formas, juntamente com a religião propriamente dita, observada nos primeiros
grupos humanos. Ela se manterá quase que em um paralelo e convivendo com as religiões
desde a Antiguidade, passando pela Idade Média e chegando renovada até os dias atuais.
Dentre as tendências esotéricas, podemos citar três mais evidentes: astrologia,
espiritismo e a ufologia. Vejamos a seguir cada uma delas no quadro resumo:

Quadro 9 - Expressões esotéricas

Astrologia – tradição esotérica mais significativa na história europeia. Também a mais


difundida das tendências ocultistas de hoje. Suas raízes se encontram na Mesopotâmia
de 2000 a.C. Foi refinada depois dentro das culturas babilônica, grega e romana, e teve
sua idade de ouro no início da época moderna, do século XIV ao XVI. Sua crença se
resume no fato de que há uma correlação entre a posição dos astros e a vida humana
individual. Hoje, assim como no período medieval, muitas pessoas acreditam que sua
vida e personalidade – até mesmo o curso dos acontecimentos mundiais – são influen-
ciadas pelas posições relativas das estrelas e planetas no céu. De particular relevância
é o mapa astral, isto é, aspecto celestial no momento do nascimento.
Espiritismo – é a crença num mundo dos espíritos e na possibilidade de os vivos entra-
rem em contato com os espíritos dos mortos. Realizam-se sessões durante as quais os
chamados médiuns afirmam transmitir mensagens de um espírito. Isto também pode
ser feito por meio da chamada “escrita automática” ou “psicografia”, em que um espírito
controla a caneta do médium e dessa forma se comunica com os vivos. A ideia de que
os mortos continuam a viver e que se pode estabelecer contato com eles é bastante an-
tiga, e teve representação especialmente clara nas religiões que chamamos de primais.

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 53


Ufologia – uma tendência mais moderna dentro do esoterismo é a crença na existência
de seres inteligentes em outros sistemas solares. Esses seres visitariam continuamen-
te nosso planeta em discos voadores ou OVINIs (Objetos Voadores não Identificados,
expressão do jargão dos pilotos americanos; em inglês a sigla é UFOs, Unidentied
Flying Objects). Muitas pessoas dizem que já viram seres do espaço – ou seja, que
tiveram um encontro imediato de terceiro grau. Outras relatam que entraram em conta-
to com seres do espaço sideral durantes sessões espíritas. Essa crença se tornou tão
forte, em especial nos Estados Unidos, que deve ser considerada um novo movimento
religioso. Existem igrejas dirigidas aos OVINIs também em outras partes do mundo.
George Adamski é um profeta que viaja pelo mundo contando suas conversas com
seres de Vênus. Ele crê que o mundo esteja à beira de uma guerra atômica e que al-
gumas pessoas serão salvas e levadas para uma outra estrela do universo, em uma
visão moderna da história da Arca de Noé. Os livros de Erich von Däniken se concen-
tram mais no passado e, segundo sua teoria diversos enigmas históricos só podem ser
explicados se aceitarmos que a Terra foi visitada por astronautas de civilizações mais
adiantadas vindas do espaço sideral.
Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 277-280).

Outra categoria trata-se dos movimentos alternativos. Muito profuso desde meados
dos anos 60 do século passado, muitos movimentos podem ser considerados neste rol, e
ele surge como uma reação às igrejas estabelecidas, à ciência oficial e ao status quo. O
ponto de vista que pregam muitas vezes é deveras impactante e apresentamos no Quadro
10 algumas das características mais evidentes:

Quadro 10 - Expressões religiosas alternativas

Profunda desconfiança do materialismo – uma reação ao ponto de vista materialista e


também à ciência aplicada, que levou ao acúmulo de armas atômicas e a ameaça am-
biental na Terra. O materialismo é prejudicial ao corpo e à mente, ano nosso ambiente
físico e a nossa cultura como um todo.

Dá-se ênfase a valores espirituais mais profundos, muitos inspirados pela filosofia orien-
tal. Mais e mais pessoas estão se voltando para o carma e a reencarnação, ou para a
interação entre o yin e yang, de maneira totalmente independente. Da mesma forma, o
interesse pela meditação e pela ioga cresceu bastante nas últimas décadas – mais ou
menos isolado de seu contexto religioso. Os astrólogos creem que estamos rumando
para uma “nova era” (a Era de Aquário), a qual se caracterizará por uma orientação
muito mais espiritual. Tais ideias, originalmente enraizadas num contexto religioso, per-
mitem-nos falar de uma nova “espiritualidade universal”.

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 54


Muitas pessoas estimuladas também por um novo conhecimento. Várias ciências tradi-
cionais entraram em crise neste século, entre elas a física clássica e a física materialis-
ta. Contudo, em geral as conclusões que as pessoas tiram desse “novo conhecimento”
vão muito além do que os especialistas achariam aceitável. O movimento da “Nova
Era”, que surgiu na Califórnia, acredita que todo nosso processo científico de pensa-
mento está prestes a passar por uma “mudança de paradigma”, isto é, uma mudança
fundamental para a própria natureza do pensamento científico.
Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 280-281).

Além dos citados, muitas outras tentativas são observadas para se encontrar novas
alternativas ou novos canais para o pensamento da saúde e da medicina. De acordo com o
que é observado na mídia atual, a medicina tradicional ou acadêmica pode ser substituída
pela homeopatia ou ainda a naturopatia. Como exemplos concretos verificamos o grande
grau de procura e de interesse pela acupuntura, análise da aura, curas espirituais, entre
outros.
Também muito comum dentro dos movimentos alternativos é o interesse pela pa-
rapsicologia, área que se dedica ao estudo dos fenômenos extrassensoriais, dentre elas a
telepatia. De acordo com Gaarder, Hellern e Notaker (2005), em várias regiões do mundo
a parapsicologia é hoje uma disciplina científica séria, mas também é ponto pacífico para
muita fraude.
Outros movimentos alternativos buscam no holismo (do grego Holos, “total”, “intei-
ro”), se crê que essa será uma nova visão científica, em que o todo afeta as partes.
Cada órgão dentro do indivíduo é parte de um sistema ecológico, e nosso planeta
tem uma relação orgânica com o resto do universo (GAARDER; HELLERN; NOTAKER,
2005). Frisamos que essa também não é uma tendência totalmente nova, pois já existia de
certa maneira na Antiguidade.
O que fica claro em todos esses modelos apresentados é que os movimentos alter-
nativos têm foco central baseado na mudança, na forma de pensar. Principalmente buscam
uma nova forma ou um novo estilo de vida, compreendendo que os modelos de vida na
atualidade estão errados e em desacordo com o que deveria ser.

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 55


SAIBA MAIS

Aprender sobre religião nos desmascara os preconceitos religiosos. Muitos líderes re-
ligiosos no Brasil, por exemplo, criticam as religiões de matriz africana, acusando-as
de serem demoníacas. Esses mesmos líderes parecem não atribuir o mesmo caráter
demonificado ao personagem Thor dos filmes da Marvel. Ora, tanto os orixás da um-
banda e candomblé quanto Thor, que foi inspirado na mitologia nórdica, são e/ou foram
expressões religiosas. Entretanto, Thor, um personagem europeu, nórdico e loiro, não
sofre um processo de demonização sofrido pelos orixás negros da umbanda. Aqueles
que demonizam Ogum e Iemanjá desprezam o fato que essas divindades exigiam de
seus seguidores sacrifícios animais, enquanto Thor exigia sacrifícios humanos.

Fonte: os autores.

REFLITA

“A Religião é um sentimento ou uma sensação de absoluta dependência”

(Friedrich Schleiermacher).

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 56


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa unidade foi possível verificar que as ciências da religião tentam dividir as
religiões em três categorias e, de certa forma, coincidem com três tipos distintos de socie-
dade, as religiões primais, religiões nacionais e religiões mundiais. A primais são aquelas
que os estudiosos costumam chamar de religiões primitivas.
Em seguida estudamos as religiões nacionais, das quais encontramos uma grande
quantidade de religiões, inclusive já extintas em alguns casos, que historicamente fizeram
ou fazem parte do contexto social e cultural dessas nações.
Por fim, as religiões mundiais, que pretendem ter uma validade global, ou seja, uma
validade para todas as pessoas. Podem ser chamadas também de religiões universais.
Notamos também no decorrer da unidade que a modernidade tem favorecido novos
comportamentos e efeitos diversos sobre as pessoas. Alguns ainda mantêm sua crença
religiosa, no entanto é possível observar uma linha divisória entre a religião e a ciência.
Assim, percebemos uma nova tendência para os fenômenos religiosos, dos quais dividimos
em três categorias: o sincretismo, o esoterismo e movimentos alternativos.
Compreendemos que parte do contexto histórico desses novos movimentos foi a
revolução da juventude da década de 1960, quando foram lançadas bases para novos
grupos religiosos, também um renovado interesse pelo esoterismo e os movimentos hoje
conhecidos por alternativos.
Essas abordagens nos abrem espaço para, na próxima unidade, debatermos sobre
o pluralismo religioso. Vamos aos estudos então.

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 57


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: O futuro da religião na sociedade Global
Autor: Alberto Silva Moreira, Irene Dias de Oliveira (Orgs.)
Editora: Paulus.
Sinopse: O tema gerador deste livro é a necessidade de um olhar
multicultural para o futuro que a sociedade global reserva à religião.
O debate sobre o presente e as tendências que se prospectam
para o fenômeno religioso, no acelerado processo de globalização
em que vivemos, envolve pesquisadores do mundo inteiro que,
desde as especificidades de cada ciência e de cada país ou região,
procuram compreender um fenômeno de alcance global.

LIVRO 2
Título: Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente
Autor: Edward W. Said
Editora: Cia das Letras
Sinopse: Neste livro, de 1978, um clássico dos estudos culturais,
Edward W. Said mostra que o “Oriente” não é um nome geográfico
entre outros, mas uma invenção cultural e política do “Ocidente”
que reúne as várias civilizações a leste da Europa sob o mesmo
signo do exotismo e da inferioridade.

FILME/VÍDEO
Título: A Cruzada
Ano: 2005
Sinopse: Balian (Orlando Bloom) é um jovem ferreiro francês, que
guarda luto pela morte de sua esposa e filho. Ele recebe a visita
de Godfrey de Ibelin (Liam Neeson), seu pai, que é também um
conceituado barão do rei de Jerusalém e dedica sua vida a manter
a paz na Terra Santa. Balian decide se dedicar também à essa
meta, mas após a morte de Godfrey ele herda terras e um título
de nobreza em Jerusalém. Determinado a manter seu juramento,
Balian decide permanecer no local e servir a um rei amaldiçoado
como cavaleiro. Paralelamente ele se apaixona pela princesa Si-
bylla (Eva Green), a irmã do rei.

UNIDADE III Manifestações Religiosas Históricas e Contemporâneas 58


UNIDADE IV
Pluralismo, Tolerância e Diálogo
Inter-Religioso
Professor Paulino Augusto Peres de Souza
Professora Nathalia Barbosa Limeira
Professor Marcos Roberto Mantovani

Plano de Estudo:
● A pluralidade no contexto religioso
● O diálogo inter-religioso
● Tolerância e Ética
Objetivos da Aprendizagem:
● Compreender o processo do pluralismo religioso
● Discutir a tolerância e o diálogo inter-religioso

59
INTRODUÇÃO

Desde o iluminismo, vemos uma sociedade que busca pela liberdade de expressão,
por um estado laico e que foge cada vez mais aos dogmas religiosos. Por outro lado, essa
mesma sociedade não abandona a espiritualidade, pelo contrário, com o pluralismo vieram
novas ideias e novos ideais, dentre eles a derrubada do monopólio religioso em prol de
novas tendências religiosas.
Nesta unidade iremos discutir esse tema e também sobre os desafios do diálogo
inter-religioso, a posição dos direitos humanos frente às perspectivas das grandes religiões
e também sobre a tolerância religiosa, na busca de uma ética universal nesse sentido.

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 60


1. A PLURALIDADE NO CONTEXTO RELIGIOSO

Nossa sociedade está em constantes transformações sociais. Já no fim da idade


média e início da modernidade o mundo vinha passando por grandes mudanças que afeta-
ram nossas vidas, fazendo com que nossa história seja escrita com novos episódios, dentre
eles o pluralismo religioso, uma vez que vivemos em uma grande diversidade religiosa.
Podemos afirmar que a modernidade nos encaminhou para um fenômeno social
que desencadeou o processo de pluralidade, transformando o comportamento dos homens
na sociedade.
Historicamente, desde o advento do iluminismo cultural europeu do século XVIII, a
sociedade ocidental recebeu novas compreensões e esclarecimentos para tratar os proble-
mas sociais fora dos vieses da igreja. Com a razão dominando o cenário, novas perspectivas
surgem em diversos setores da sociedade que iniciam o processo de secularização:
O movimento iluminista depositava uma imensa fé na capacidade de a huma-
nidade utilizar-se da razão e assim progredir. Advogar que, utilizando-se da
razão, os seres humanos podiam melhorar sua condição levou ao surgimento
de um grande interesse por parte de certos setores da sociedade na divul-
gação de conhecimentos científicos e práticos (QUINTANEIRO; OLIVEIRA;
OLIVEIRA, 2003, p. 15).

No processo do iluminismo percebemos os primeiros sinais do pluralismo, uma


vez que se pregava a diversidade do conhecimento, englobando os temas, educacionais,
políticos, filosóficos etc. Nesse termo, a liberdade toma os sentimentos dos indivíduos,
inclusive de questionar os argumentos e os principais dogmas religiosos. Para Sanches
(2010, p. 39),

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 61


[...] na sociedade moderna o grande passo para o pluralismo em geral foi jus-
tamente o processo de secularização entendido como ruptura do monopólio
de interpretação possuído pela Igreja católica romana.” A pluralidade passou
a ser uma das características do homem moderno. Na modernidade cada
pessoa faz uso da visão que melhor convém diante de problemas existentes
no mundo. A pluralidade é a manifestação da riqueza do pensamento huma-
no. É a aceitação da multiplicidade do pensar de pessoas ou grupo social que
por sua vez tem a liberdade de expressar o que pensa.

Sanches (2010, p. 41) compreende de tal forma esse processo de transformação


social que afirma:
A ruptura do monopólio religioso não traz apenas mudanças para o campo
religioso, mas, sobretudo, altera as representações da realidade. O ser hu-
mano moderno, ao olhar o mundo, já não absolutiza a dimensão religiosa e,
portanto, observa a realidade fora dos limites impostos pelo modelo religioso
medieval. Se antes o seu olhar era unívoco, agora ele é plural.

Uma vez que a razão se coloca em evidência, vai aos poucos substituindo o pensa-
mento mítico. Da mesma maneira, o clero vai, aos poucos, recuar com o que considerava
até então como heresia. Assim, no processo de avanço da modernidade, a pluralidade
segue o caminho oposto da doutrina, ou seja, passa a agregar e englobar vários conceitos,
sejam eles científicos ou não.
No decorrer da modernidade, verificamos a expansão do pluralismo religioso, uma
vez que o estado está sendo secularizado e se tornando laico. Por assim dizer, se o estado
é laico, também é possível a abertura para novas posturas, inclusive religiosas, ou seja,
uma sociedade sem restrições, aberta para suas escolhas. Em outras palavras, um estado
laico visa, em última instância, um órgão governamental democrático e livre, derrubando,
inclusive, o monopólio religioso. Todo esse processo leva indelevelmente a um novo para-
digma social que tem por objetivo a pluralidade religiosa e a liberdade do indivíduo.
Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 283) afirmam que:
o Brasil vive no momento um apogeu de liberdade religiosa, ou seja, as re-
ligiões nunca foram tão livres como agora.” [...] tal liberdade conduz o pro-
cesso de pluralização religiosa a ser independente de qualquer monopólio
religioso. No cenário de uma sociedade plural, os indivíduos são livres para
manifestar suas crenças sem precisar esconder sua identidade religiosa.

Analisemos que, se por um lado a secularização se separa do mundo sagrado,


não quer dizer que exista a ausência da religião. Pelo contrário, ela é manifestada como
resultado próprio da liberdade do indivíduo, provinda de uma natureza humana. Em última
análise, o pluralismo religioso é uma manifestação do homem que, em sua dinâmica social,
busca um sentido para vida. Como confirma Panasiewicz (2010, p. 113):
A religião é a busca de construir um mundo com sentido transcendental inde-
pendente do sentido dado pela racionalidade. Ela brota de onde emergem os
desejos, as fantasias, os sonhos e as utopias. Ela é a expressão da religiosi-
dade do ser humano.

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 62


Portanto, estamos falando de um paradigma social muito atual, visto que o plura-
lismo religioso corrobora para os preceitos de liberdade humana e também corresponde
às necessidades espirituais do homem moderno. Uma das vertentes atuais do pluralismo
religioso é o trânsito religioso:
que desencadeou um posicionamento focado numa mentalidade secular, re-
velando uma transição na busca do sagrado e a satisfação pessoal. Por não
haver uma solidez na composição religiosa do indivíduo, ele migra-se para
outra religião consequentemente mudando seus rituais e a maneira de con-
ceber o sagrado. Na visão de Vilhena (2005) “Conforme as circunstâncias e
as necessidades sociais, novos ritos podem ser criados ou resignificados”
(GOMES; SOUZA, 2013, p. 5).

Podemos citar que, no Brasil, já há algumas décadas está ocorrendo de forma


linear o trânsito religioso. Vejamos o que nos mostram os dados do recenseamento do
IBGE de 2010:
Censo Demográfico 2000 mostrou acentuada redução do percentual de pes-
soas da religião católica romana, o qual passou a ser de 73,6%, o aumento
do total de pessoas que se declararam evangélicas, 15,4% da população, e
sem religião, 7,4% dos residentes. Observou-se, ainda, o ligeiro crescimento
dos que se declararam espíritas (de 1,1%, em 1991, para 1,3% em 2000) e
do conjunto de outras religiosidades que se elevou de 1,4%, em 1991, para
1,8% em 2000. Fontes: Diretoria Geral de Estatística, Recenseamento do
Brasil 1872/1890; e IBGE, Censo Demográfico 1940/1991 (IBGE, 2010, p.
89-90).

É possível, portanto, observar, nesse contexto da globalização, pautado na se-


cularização, novos grupos religiosos buscando se apresentar nos mais diversos meios
midiáticos, o que incentiva no indivíduo a busca por se engajar em um novo grupo religioso,
sempre com propostas inovadoras, atraentes e que vem de encontro com os anseios, as
angústias e os problemas existenciais deste homem contemporâneo.
De acordo com o que afirma Sanches (2010, p. 64), “A melhor religião é aquela
que te faz melhor”. A viabilidade do trânsito religioso é decorrente das transformações nas
religiões para se adequarem às necessidades do homem moderno.
Ou seja, as pessoas em um mundo individualista, secular, pluralista, buscam cada
vez mais se identificar com uma religiosidade que as satisfaça, deixando, muitas vezes, as
religiões de seus antepassados, gerando uma renovação, inclusive na compreensão da
estrutura das religiões.
Se, por um lado, verificamos essa migração, por outro, nossa análise se mantém
inalterada quanto as teorias da religião que explicam tanto o fenômeno quanto os motivos
sociais e psicológicos que levam às pessoas a manterem viva a necessidade da religiosi-
dade.

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 63


1.1 O Diálogo Inter-Religioso
Ao mesmo tempo em que vivemos um mundo plural, temos, por outro lado, o grande
desafio da humanidade que é a compreensão, o respeito, o entendimento e a convivência
com seres tão diferentes em suas mais diversas concepções culturais e, consequentemen-
te, religiosas também. Como apontam Gomes e Souza (2013, p. 6):
São muitas as maneiras onde a intolerância e o preconceito se resultam em
prática egoísta e etnocêntrica. A falta do diálogo inter-religioso faz com que os
indivíduos de uma religião vivam de maneira a pensar que somente sua reli-
gião deve ser aceita na sociedade e a do outro deve ser negada. O resultado
não é outro se não uma barreira que obstrui a interlocução.

A importância do diálogo inter-religioso nos sugere a construção de uma sociedade


que, pelo fato de ter sua liberdade de escolha ilimitada, tenha justeza e que, ao mesmo
tempo, valorize a diversidade, inclusive religiosa, e o direito à preservação da identidade
das religiões.
Como expõe Tillich (1968 apud TEIXEIRA, 2012, p. 173),
O diálogo verdadeiro não se dá através do abandono da tradição religiosa,
mas de seu aprofundamento mediante a oração, o pensamento e a ação.”
No diálogo inter-religioso não é preciso esconder a identidade religiosa para
se aproximar do outro. Não é necessário negar a tradição religiosa para se
dialogar, pois esse diálogo tem como princípio a alteridade.

Uma sociedade que está apta ao pluralismo deve se mostrar pronta a dar suporte
a novos caminhos, proporcionando ambientes preparados para a tolerância e que haja um
ambiente de respeito recíproco. Conforme afirma Pontifício (apud TEIXEIRA, 2012): “O
verdadeiro diálogo inter-religioso acontece quando se respeita em profundidade o ‘enigma’
da pluralidade religiosa em sua diferença irredutível e irrevogável”.
Na verdade, mitos são os desafios da pluralidade religiosa, manter, nesse sentido,
o diálogo inter-religioso pode levar a algumas deliberações que se concentram em fatores
importantes para um movimento ecumênico, solidificando, assim, ações e o compromisso
da igreja com a justiça social e como meio de tentar resgatar a ética no meio social, bus-
cando, inclusive, a superação da violência. Importante frisar também que nesse processo
do diálogo inter-religioso, como as religiões são muito heterogêneas, a participação da
maioria, seja originalmente ou representada por associações, devem discutir ações no qual
não podem faltar os fundamentos de liberdade, e respeito em uma sociedade laica.
Esse contexto, a respeito de uma sociedade laica, traz à tona a discussão sobre os
direitos humanos fundamentais.
Onde reside o fundamento dos direitos humanos fundamentais? Em outras pala-
vras: qual a base que sustenta a existência e indispensabilidade desses direitos? Existe um

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 64


pressuposto, universalmente válido, capaz de levar-nos à conclusão de que toda e qualquer
pessoa é titular de direitos humanos fundamentais? A resposta é de difícil elaboração e
deve colher as mais diversas contribuições históricas.
Antes de apontarmos qual o fundamento dos direitos humanos fundamentais, veja-
mos, em breve síntese, a contribuição religiosa a respeito. As maiores religiões e sistemas
filosóficos da Humanidade parecem corroborar as ideias difundidas, ao menos em parte,
pelo sistema internacional de Direitos Humanos. Assim acontece com o Cristianismo, o
Judaísmo, o Islamismo, o Budismo, as religiões e tradições Afro- Brasileiras.
No Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, prega-se a fraternidade, a universalida-
de do gênero humano, a solidariedade com os órfãos, os pobres, os viajantes, os mendigos,
os homens fracos, as mulheres e as crianças. Condena-se a opressão e estatui-se o direito
de rebelar-se contra ela. Aliás, existe uma Declaração Islâmica Universal dos Direitos do
Homem, de origem não-governamental, cuja introdução afirma que o Islã deu à humanida-
de, há 14 séculos, um código ideal dos direitos humanos.
De certa forma, há uma semelhança entre a visão do islamismo sobre o ser humano
e as visões cristã e judaica. É verdade, no entanto, que a ausência de laicidade no siste-
ma islâmico não combina com a ideia de democracia, do contrário, assemelha-se muito
mais a uma concepção totalitária, que não separa religião de política. Entretanto, se há
contribuições desse segmento religioso, elas não podem ser desconsideradas, sobretudo
porque a noção de dignidade da pessoa humana, assim como um sistema universal eficaz
de proteção dos direitos humanos, somente pode ser alcançada mediante a participação de
todos os grupos sociais existentes.
Já no cerne do judaísmo/cristianismo, percebe-se que o homem e a mulher recebe-
ram uma posição de destaque na ordem da criação, ficando incumbidos de dominar sobre
todas as demais criaturas, justamente por terem sido criados à imagem e à semelhança
divina. Após a criação do céu, terra e água e também de todos os animais irracionais, Deus
criou um ser capaz de admirar sua criação de maneira racional, concedendo-lhe o privilégio
de governar sobre as demais criaturas. Ao homem restou a incumbência de nomear os ani-
mais, soando perfeitamente nítida a superioridade que lhe foi atribuída por Deus. Tal relevo
foi apontado pelo salmista (Salmo 8), que chegou a mencionar que o homem seria “pouco
menos do que um deus”. Tais fatores, aliados à figura da fé monoteísta, ou seja, a crença
em um Deus único e transcendente, superior ao homem, imortal, não sujeito às paixões
humanas, anterior a tudo, foi, conforme constata o ilustre jurista Fábio Konder Comparato

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 65


(2006), a maior contribuição do povo da Bíblia à humanidade: a justificativa religiosa da
preeminência do ser humano no mundo surgiu com a afirmação da fé monoteísta.
A grande contribuição do povo da Bíblia à humanidade, uma das maiores, aliás, de
toda a história, foi a ideia da criação do mundo por um Deus único e transcendente. Os deu-
ses antigos, de certa forma, faziam parte do mundo, como super-homens, com as mesmas
paixões e defeitos do ser humano. Lahweh, muito ao contrário, como criador de tudo o que
existe, é anterior e superior ao mundo. O conhecimento de ser criado à imagem de Deus e
possuir muitas de suas características motivaram a projeção de uma imagem própria, em
permanente construção e evolução, no sentido de que: todos os seres humanos, apesar
das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual
respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a
beleza (COMPARATO, 2006).
Uma vez que todos, sem qualquer exceção, foram criados à imagem e semelhança
divina, nenhum indivíduo pode se afirmar superior aos demais, seja por critérios de gênero,
etnia, classe social, grupo religioso ou nação, de modo que é essa igualdade de essência
da pessoa que forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos (COMPARATO,
2010).
O Jurista João Baptista Herkenhoff (2002) esclarece que o traço de união indisso-
ciável entre Cristianismo e Direitos Humanos resulta de que o valor do homem diante de
Deus não está nem na cor de sua pele, nem no seu sexo, nem no seu estatuto social, nem
muito menos na sua riqueza, mas no fato de que, em Cristo, ele é aceito como filho de um
mesmo Deus.
A partir dessa constatação, o jurista Ingo Wolfgang Sarlet (2009) sustenta que a
criação do ser humano, à imagem e semelhança divina, foi um passo para que o valor
próprio intrínseco de cada pessoa constituísse o pressuposto pelo qual ninguém poderia
ser transformado em mero objeto ou instrumento, tese profundamente trabalhada por
Immanuel Kant. Entretanto, concordamos com a advertência do jurista no sentido de não
parecer correto reivindicar – no contexto das religiões professadas pelo ser humano ao
longo dos tempos – para a religião cristã a exclusividade de uma concepção de dignidade
da pessoa humana (SARLET, 2009). Nesse sentido, a semente dos Direitos Humanos tam-
bém pode ser sentida no Budismo, que pregou a igualdade essencial de todos os homens
e a prevalência dos atos de virtude, visando a plena realização da natureza humana e a
formulação de uma sociedade perfeita e pacífica.

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 66


O Taoísmo, fundado por Lao-Tseu, que morreu cerca de 5 séculos antes de Jesus
Cristo, alicerça sua base na existência de um ser que é o princípio de todas as coisas,
um Ser inominado, designado como “Tao”, ou, “mãe de todas as coisas”, diferentemente
de outras religiões e filosofias, que designam o princípio ou Deus do gênero masculino
(HERKENHOFF, 2002). Em síntese, essa religião prega que o mundo é instável e está
em permanente evolução, e as pessoas devem seguir seu curso em liberdade, buscando
afastar-se do tumulto, aproximando-se do chamado ritmo universal, valorizando, sobretudo,
o respeito às pessoas e a liberdade de cada um (HERKENHOFF, 2002).
Os povos africanos, por seu turno, conseguiram o milagre de manter até hoje
sua identidade, superando a violência e a brutalidade de sua transposição forçada para
o Continente Americano, até hoje sentida, seja pelo racismo institucionalizado, seja pelo
gradual genocídio, pela mortandade dos jovens, vítimas, quase sempre, da intolerância e
preconceito racial de que padecem. O povo negro transformou o grito de sofrimento em
grito de resistência. As religiões africanas expressam o sentido de respeito à dignidade
da pessoa humana, a ideia de uma transmissão cultural de geração a geração, fatores
intimamente ligados à cultura de existência dos Direitos Humanos.
A igualdade apregoada em todas as religiões expostas forma o núcleo essencial
dos direitos humanos fundamentais, mas não é exatamente o seu fundamento. Demonstrar
a contribuição religiosa a respeito da igualdade teve, no entanto, uma finalidade: esclarecer
que, embora a dogmática religiosa tenha especial relevância, o fundamento de validade do
direito em geral e, em especial, dos direitos humanos, segundo a tendência moderna, não
deve ser procurado na esfera sobrenatural da revelação religiosa, como antes já aconteceu.
Segundo os ensinamentos do Professor Fábio Konder Comparato (2006), “se o
direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que
significa que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem”. Isso não significa
que as contribuições religiosas sejam meros dados históricos. Elas indicam o caminho
para encontrarmos o correto fundamento dos direitos humanos. Uma das mais importantes
declarações históricas sobre os direitos humanos, redigida em 1948 e certamente influen-
ciada por todos os documentos que a precederam, também influenciados pelas raízes
filosóficas e religiosas de tempos passados, tem início com a assertiva de que “todos os
seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos” (art. 1º), espírito absorvido
pela Constituição Federal de 1988 (2008), que elegeu a dignidade da pessoa humana com
um dos fundamentos do Estado Brasileiro (art. 1º, inciso III).

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 67


Essa tal dignidade, que será estudada de maneira mais detalhada na próxima
Seção, consiste, em apertada síntese propositalmente incompleta, na “qualidade intrínseca
e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade” (SARLET, 2009, p. 67).
Vale dizer, em miúdas palavras, que é em razão de possuir dignidade que cada
pessoa é titular de direitos humanos fundamentais. Cada um de nós distingue-se do outro
por sua personalidade, mas todos os homens, sem exceção, são dotados de dignidade.
A dignidade irradia efeitos como a capacidade inventiva do homem. Discorrendo sobre
ela com absoluta maestria, Fábio Konder Comparato (2006) explica que: os pássaros
constroem seus ninhos, desde a primeira fase de sua evolução como espécie, com uma
técnica basicamente sempre igual a si mesma. Na espécie humana, ao contrário, não há
técnicas imutáveis nem tampouco limitadas em numerus clausus: a evolução é constante-
mente dirigida pela aptidão inventiva do ser humano, que põe livremente os fins e inventa
os meios mais aptos a alcançá-los. O chimpanzé serve-se habitualmente de seixos como
instrumento ou ferramenta; mas nunca ninguém viu esse primata fabricar um instrumento
por ele especialmente inventado, a fim de conseguir certo resultado na vida pacífica ou em
combate com outros animais.
A razão humana, como reflexo da dignidade, “não se limita, apenas, à racionalidade
lógica ou geométrica” (COMPARATO: 2006). Somos seres emotivos, sensíveis, e isso está
intimamente ligado à nossa capacidade expressional, que também é um desdobramento da
racionalidade. O homem contém uma característica essencial chamada razão axiológica.
Tal razão axiológica consiste na capacidade que cada ser humano tem de valorar as coisas,
apreciando valores na esfera ética, estética e religiosa, o que foge, obviamente, de uma
percepção puramente lógica, mas, pelo contrário, é predominantemente emotiva (COMPA-
RATO: 2006).
Isso permite que o homem valore as normas e julgue-as segundo sua racionalida-
de. É por este caminho que, percebendo a dignidade de cada ser humano e sua necessária
proteção, os direitos humanos fundamentais são identificados e defendidos. Mas, afinal,
no que consiste a dignidade da pessoa humana? Com efeito, dizer simplesmente que a
dignidade é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano, que o faz
merecedor de respeito por parte do Estado, não nos leva muito longe.
Fica difícil, sem um estudo aprofundado, manusear esse conceito na esfera do
direito e das realizações jurídicas. É primordial, portanto, que passemos ao estudo, ainda
que pontual, do que é a dignidade da pessoa humana e qual sua importância na defesa dos
direitos humanos fundamentais.

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 68


2. TOLERÂNCIA E ÉTICA

Duas questões são importantes dentro do processo do pluralismo e do diálogo


inter-religioso, uma delas é a tolerância e a outra é aquilo que se prega dentro de todo
dogma religioso, que é um comportamento ético. Sem esses dois elementos, no mundo
atual, fica difícil pensar em pluralismo religioso, tampouco em diálogo inter-religioso.
A tolerância, ou seja, o respeito pelas pessoas que têm pontos de vista diferentes,
deveria ser o tema recorrente e o foco principal dentro de qualquer estudo que se faça
sobre manifestações culturais, inclusive e sobretudo a religiosidade.
Como expõem Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 17),
Não significa necessariamente o desaparecimento das diferenças e das con-
tradições, ou que não importa no que você acredita, se é que acredita em
alguma coisa. Uma atitude tolerante pode perfeitamente coexistir com uma
sólida fé de converter os outros. Porém, a tolerância não compatível com
atitudes como zombar das opiniões alheias ou se utilizar da força e de amea-
ças.

A tolerância, portanto, não limita o direito de fazer a pregação dos conceitos que
cada um acredita, no entanto que ela não infrinja os limites de respeito pelas outras formas
religião, o que fere a liberdade de escolha de cada um, e também da coexistência pacífica.
Os registros históricos têm uma longa lista de muitos exemplos de fanatismo e
intolerância, basta nos lembrarmos de casos bem recentes, como o antissemitismo nazista
ou mesmo do Estado islâmico, que jorram notícias todos os dias na mídia.

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 69


Já houve na história religiões em guerra umas contra outras, basta nos lembrar-
mos das cruzadas na Idade Média, milhares de pessoas já foram também perseguidas
no mundo em nome da religião e, infelizmente, mesmo com todos os avanços do mundo
contemporâneo, não conseguimos de todo superar isso.
A tolerância não significa aceitar tudo como se fosse comum ou correto, no entanto
devemos compreender que cada um tem direito de defender seus pontos de vista, e estes
não podem, por sua vez, violar os direitos humanos básicos.
Neste ponto tocamos em uma questão delicada, mas importante, que é a Ética.
Lembrando que dentro das religiões pode estar a resposta para o desafio de pessoas mais
éticas e que pratiquem a tolerância.
Como aponta Mello (2008), as religiões, com frequência, não fazem distinção entre
o plano ético e o plano religioso. Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 34), mais além, nos
explicam que:
Os costumes da tribo, as regras ou princípios morais da casta são tão religio-
sos quanto os sacrifícios e orações. Entre os dez mandamentos de que Moisés
deu aos judeus havia os que tratavam de religião – “Não terás outros deuses
diante de mim” – e os relativos a ética – “Não matarás”. Incluem-se cinco pila-
res dos muçulmanos tanto o orar a Deus como o de dar esmola aos pobres.

Portanto, não há distinção entre ética e religião, se, dentro do conceito do sagrado,
o homem é uma criação divina, significa dizer que o homem é responsável perante Deus
por todos os seus atos, sejam eles políticos, morais, sociais ou rituais.
De acordo com Geertz (1989), nas sociedades em que coexistem várias religiões
e vários pontos de vista, consideram vincular a ética exclusivamente à religião. Ou seja,
fora isso, a própria sociedade deve ter sua linha de conduta ética bem clara, sendo que
algumas precisam ser reforçadas juridicamente. No entanto a religião tem o poder de tornar
mais brando o comportamento do ser humano, uma vez que serve também como forma de
controle social em várias sociedades e em geral das pessoas que são engajadas dentro de
suas seitas.
Podemos citar como pioneira a sociedade Romana, que, de forma sistemática,
criou um arcabouço legal que pudesse ser usado por todos os povos, independente de qual
religião fosse o cidadão.
Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 35) nos explicam que:
O direito romano se tornou a base para todos os sistemas legais subsequen-
tes nos Estados seculares modernos [...] Hoje muitos países aceitam a Decla-
ração dos Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas, como uma
afirmação ética comum, seja qual for a religião ou perspectiva geral do país.

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 70


Mesmo tendo essas bases legais, afirmamos que dentro de cada movimento, de
cada seita, se encontra o início para a discussão de um pluralismo mais pleno em de-
terminados lugares que não conquistaram isso, e também para um tão sonhado diálogo
inter-religioso que pode levar a humanidade a um estado de paz mas duradouro.

SAIBA MAIS

As cinco religiões mais praticadas no mundo são o cristianismo, o islamismo, o hin-


duísmo, as religiões chinesas — taoísmo e confucionismo — e o budismo. Todas elas
nasceram na Ásia.

Fonte: os autores.

REFLITA

“Religião significa a relação entre o homem e o poder sobre-humano no qual ele acre-
dita ou do qual se sente dependente. Essa relação se expressa em emoções especiais
(confiança, medo), conceitos (crença) e ações (culto e ética)”

(C. P. Tiele).

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 71


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao fim desta unidade e foi possível compreender que o pluralismo re-
ligioso é um fenômeno que surgiu na modernidade, responsável pela desestruturação de
algumas bases religiosas, até então historicamente fechadas, que abriram precedentes
para as transformações não somente religiosas, mas também em um contexto social. Por-
tanto o pluralismo religioso, historicamente, desbanca o monopólio e valoriza a pluralidade,
seja ela religiosa, científica ou filosófica. O fato é que esse fenômeno mudou a forma das
pessoas conhecerem o mundo em que viviam, tendo a liberdade de escolha como princípio
básico.
Verificamos que a pluralidade e a modernidade abrem espaço ao novo e nos convi-
da a um desafio cada vez maior, mediante toda a dinâmica social que se percebe por meio
das revoluções tecnológicas e a maneira de viver das pessoas.
Essas mudanças, por fim, deixam claro que é preciso rever nossos conceitos, a
nossa cosmovisão religiosa e, assim, fazer uma nova releitura do mundo, sem, contudo,
perder as referências da nossa identidade. O que o(a) espera, portanto, é uma complexida-
de da qual não temos como fugir.

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 72


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Pluralismo Religioso Contemporâneo
Autor: Roberlei Panasiewicz
Editora: Paulus
Sinopse: À luz da reflexão teológica de Claude Geffré, o autor in-
vestiga a identidade cristã e particularmente a católica, em diálogo
com as tradições religiosas.

LIVRO 2
Título: As formas elementares da vida religiosa
Autor: Émile Durkheim
Editora: Paulus
Sinopse: O presente texto compõe-se de três livros: questões pre-
liminares: definição do fenômeno religioso e da religião elementar
o totemismo como religião elementar as crenças elementares: as
crenças propriamente totêmicas a origem das crenças totêmicas
a noção de alma a noção de espíritos e de deuses as principais
atitudes rituais: o culto negativo e suas funções o culto positivo os
ritos piaculares e a ambiguidade da noção de sagrado.

FILME/VÍDEO
Título: A paixão de Cristo
Ano: 2004
Sinopse: As últimas 12 horas da vida de Jesus de Nazaré (James
Caviezel). No meio da noite, Jesus é traído por Judas (Luca Lionello)
e é preso por soldados no Monte das Oliveiras, sob o comando de
religiosos hebreus, que eram liderados por Caifás (Matti Sbragia).
Após ser severamente espancado pelos seus captores, Jesus é
entregue para o governador romano na Judeia, Poncio Pilatos
(Hristo Shopov), pois só ele poderia ordenar a pena de morte para
Jesus. Pilatos não entende o que aquele homem pode ter feito de
tão horrível para pedirem a pena máxima e eram os hebreus que
pediam isto. Pilatos tenta passar a decisão para Herodes (Luca de
Domenicis), governador da Galileia, pois Jesus era de lá. Herodes
também não encontra nada que incrimine Jesus e o assunto volta
para Pilatos, que vai perdendo o controle da situação enquanto
boa parte da população pede que Jesus seja crucificado. Tentando
acalmar o povo e a província, que detesta, Pilatos vai cedendo sob
os olhares incriminadores de Claudia (Claudia Gerini), sua mulher,
que considera Jesus um santo.

UNIDADE IV Pluralismo, Tolerância e Diálogo Inter-Religioso 73


REFERÊNCIAS

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CONCLUSÃO GERAL

Prezado(a) aluno(a), chegamos ao fim de uma discussão que perpassou os limites


da fé e da religiosidade.
Verificamos que o ser humano é necessariamente um ser que sensitivamente se
conecta com a natureza de maneira diferente de outros animais, ou seja, ele pode interpre-
tar e sentir fenômenos naturais e traduzi-los em fenômenos simbolicamente considerados
sobrenaturais, sagrados.
Enfim, a discussão se a religião é mesmo uma necessidade humana, se é uma
condição de existência do homem, um fator de domínio e controle social, vai muito além do
que discutimos, aliás é somente o início de discussões muito mais aprofundadas.
Verificamos a abertura do ser humano ao transcendente, também discutimos o que
fundamenta a religiosidade. Na sequência verificamos como se dá o fenômeno religioso em
seus diversos modelos catalogados por estudiosos.
Compreendemos como cada religião se fundamenta, seus ritos, enfim, como se
processa no interior de cada religião a dinâmica da transcendência, do divino, do sagrado.
Verificamos as principais religiões do mundo, no contexto histórico, e percebemos
que na atualidade novas tendências religiosas aparecem, sendo que muitas delas trazendo
de volta antigas religiões, muitas vezes unidas em uma só denominação. O fator substan-
cialmente importante foi perceber que mesmo com a modernidade e a mudança no dia a
dia das pessoas, a tecnologia, o individualismo, enfim, não diminuiu a necessidade das
pessoas pela busca espiritual. Pelo contrário, vimos que o ser humano continua, assim
como em um passado distante, na busca de respostas interiores, místicas, como era com
seus antigos antepassados.
Por fim, compreendemos que toda essa revolução, provocada pelo pluralismo
religioso, lança as bases para um estado laico, mas que, por outro lado, aponta para um
grande desafio que é a tolerância, mesmo em tempos modernos, e que indica a neces-
sidade constante para um diálogo inter-religioso. Espero que este material possa ter lhe
ajudado a compreender melhor essa temática e que sirva de base para novos estudos e
aprofundamento de novas pesquisas.

Até uma próxima oportunidade. Muito obrigado!

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