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Texturas táteis em material educativo para cegos Relato de Pesquisa

Identificação de Características e Propriedades Morfológicas em


Texturas Táteis: Estudo sobre Gráficos Educativos e Cartografias
para Crianças com Deficiência Visual1
Identification of Properties and Morphological Characteristics in
Tactile Textures: a Study on Educational Graphics and Cartographies
for Visual Impaired Children

María del Pilar Correa SILVA2


Mauricio Guerrero VALENZUELA3
Germán González QUIROZ4

RESUMO: Este artigo explora as texturas táteis que têm sido utilizadas na confecção de mapas e imagens temáticas para crianças
com deficiência visual no Chile nos últimos 20 anos. De um grupo representativo composto por mais de 300 lâminas de conteúdo
educacional inclusivo, foram selecionadas 14 texturas para identificar sua natureza, propriedades psicofísicas e características
morfológicas a partir de sua composição geométrica. O objetivo foi gerar as bases teóricas e tecnológicas relacionadas ao design e
à produção digital de mapas, imagens e gráficos táteis. O trabalho buscou tipificar as formas de relevo e suas possíveis aplicações
pelo uso de padrões de repetição que permitam melhorar a linguagem e o reconhecimento das texturas envolvidas com o intuito de
expandir e diversificar seu uso em material educativo inclusivo no ensino e na disseminação do conhecimento por meio do toque.
PALAVRAS-CHAVE: Educação inclusiva. Textura tátil. Deficiência visual. Imagens. Percepção háptica.
ABSTRACT: This article explores the textures that have been used in the development of thematic maps and images for children
with visual impairment in Chile over the last 20 years. From a representative group of more than 300 sheets of inclusive educational
content, 14 textures were selected to identify their nature, psychophysical properties and morphological characteristics based on
their geometric composition. The aim was to generate the theoretical and technological grounds related to the design and digital
production of tactile maps, images, and graphics. The work sought to typify the embossed shapes and their possible applications by
using repetition patterns that allow to improve the language and recognition of the textures involved, with the intention of expanding
and diversifying their use in inclusive educational material in the teaching and dissemination of knowledge through tact.
KEYWORDS: Inclusive education. Tactile texture. Visual impairment. Images. Haptic perception.

1 Introdução
A textura tem sido uma variável fundamental no desenvolvimento de material grá-
fico para fins educacionais para pessoas com cegueira (Heller, 1989; Holmes et al., 1998). No
entanto, suas características táteis não foram investigadas, como tem sido feito em relação às
texturas visuais (Elkharraz et al., 2014; Kolar et al., 2017; López et al., 2008), ou mais espe-
cificamente, as propriedades comunicativas das texturas táteis a serem aplicadas no design de
produtos (Karlsson & Velasco, 2007; Picard et al., 2003), bem como medidas de rugosidade/
1
https://doi.org/10.1590/1980-54702023v29e0196
2
Diseño. Centro de Cartografía Táctil. Programa Institucional de Fomento a la Investigación, Desarrollo e Innovación, Univer-
sidad Tecnológica Metropolitana. Santiago/Chile. E-mail: pcorrea@utem.cl. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4074-5472
3
Diseño. Universidad Tecnológica Metropolitana. Santiago/Chile. E-mail: mguerrero@utem.cl. ORCID: https://orcid.org/0000-
0002-0595-9849
4
Departamento de Artes Visuales. Facultad de Artes. Universidad de Chile. Santiago/Chile. E-mail: ggonzalezquiroz@uchile.cl.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4122-4564

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aderência na pele (Zhang et al., 2007) ou discriminação de superfícies texturizadas de resolu-


ções finas (Tan et al., 2006).
Esta pesquisa dedica-se ao estudo de texturas senso-táteis sujeitas à interpretação e
discriminação do usuário, cego ou com dificuldades de visão, com base em suas habilidades
perceptivas por meio do toque e que sejam significativas para sua experiência de comunicação.
Nesse contexto, é importante mencionar que as sociedades modernas restringiram o papel do
sentido tátil nas esferas do conhecimento. A cultura ocular-centrista, descrita por Jay (2003),
nos forçou a residir dentro dos limites do visual e, a partir dessa habitação, acentuada pelos
tempos atuais de pandemia, a demanda global de virtualidade foi alcançada, intensificando o
uso dos sentidos distantes como visão e audição na convivência diárias das pessoas e no apren-
dizado. McLuhan (1988) argumentou que as sociedades sempre foram moldadas mais pela
natureza dos meios com os quais os homens se comunicam do que pelo próprio conteúdo da
comunicação. O campo da educação foi transformado, e os alunos de hoje respondem plena-
mente ao estereótipo comunicacional gerado pelas novas mídias e pelo avanço das tecnologias
de imagem.
A área de trabalho em que a pesquisa se concentra há algumas décadas (que envolve
o sentido do toque) tende a ser cada vez mais restrita e não apenas em espaços culturais ou
públicos, onde, muitas vezes, se encontram placas de “não tocar” e, também, no uso e costu-
me do respeito ao distanciamento social entre as pessoas, tomando esse paradigma como uma
resposta automática no ambiente em que vivemos. O toque é novamente confinado, embora
seja um sentido que dá realidade à nossa existência, conectando-nos com o espaço em suas di-
ferentes dimensões e permitindo-nos entender o que é visualizado, como as figuras dos objetos
que podem ser vistos graças ao espaço que ocupam, seus contornos ou pelo contraste de cor,
como explica o “Groupe μ” (2010) e, também, pela variável visual tátil da textura, que, por sua
vez, cria elementos perceptíveis (Cooke et al., 2007; Groupe μ, 2010). A pandemia conduz a
lembrança do trânsito difícil que a pesquisa teve, iniciada na primeira década dos anos 2000,
e que foi vista na necessidade de referir-se às obras de David nos anos de 1920, porque ainda
não é colocada no lugar que corresponde ao ato de conhecer por meio do toque. Nesse sentido,
a crítica de Katz (1930) permanece válida: “É inadmissível que sejam estudadas as questões
gerais da psicologia da percepção exclusivamente da visão e da audição, e que as características
peculiares apresentadas pelo sentido do tato sejam negligenciadas”. Essa afirmação é endossada
por Gallace e Spence (2011) quando eles expressam ser ainda surpreendente haver tão pouca
literatura publicada que trata do tema da Gestalt na modalidade tátil.
Algumas pesquisas descrevem a textura como uma variável formal de grande relevân-
cia para a percepção tátil, estabelecendo que é uma propriedade superficial que se destaca mais
do que outras propriedades do objeto, como a forma ou o tamanho (Katz, 1930; Klatzky et
al., 1987). Mais próximos do presente estudo estão as contribuições de Djonov e Van Leeuwen
(2011) e Seaborn (2012), que investigaram, de uma perspectiva semiótica, o uso da textura tátil
em particular como uma contribuição para gráficos visuais sob a égide das tecnologias digitais.
A partir daí, eles afirmaram que a textura tátil raramente é um objeto de estudo por si só, ex-
ceto em pesquisas hápticas (Djonov & Van Leeuwen, 2011). É nesse espaço epistemológico
que a tarefa da pesquisa está posicionada, focada no uso de textura tátil em materiais didáticos
inclusivos para crianças com deficiência visual. Inúmeros trabalhos têm incluído as texturas na

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fabricação e uso de mapas em relevo, principalmente em formatos tridimensionais (Brulé et


al., 2016; Finkelstein et al., 2016; Papadopoulos & Karanikolas, 2009; Simonnet et al., 2011).
Nesses estudos, porém, a textura só é mencionada como mais uma variável, sem merecer uma
análise mais aprofundada.
Em relação ao uso de texturas em mapas táteis, isso geralmente envolve superfícies
cotidianas, produzidas, como descrito por Simonnet et al. (2011) e demais autores supracita-
dos, a partir de diferentes materiais, como plástico liso, representando o mar, ou as áreas ter-
restres indicadas por uma textura áspera, gerada por meio de uma mistura de areia e tinta, ou,
ainda, a partir de meios de produção digital, como a proposta feita por Bem e Pupo (2019).
Estudos sobre suas características provavelmente foram dificultados pela incapacidade de criar
topografias superficiais nas quais diferentes variáveis podem ser controladas de formas inde-
pendentes, limitando-se ao uso de estímulos táteis de ocorrência natural que são facilmente
adquiridos ou fabricados, como lixas ou telas (Elkharraz et al., 2014).
Apesar do aparecimento frequente de texturas táteis em gráficos e materiais didáticos
(Holmes et al., 1998; Murray-Branch et al., 1998), ainda há falta de estudos científicos sobre
suas propriedades, características e tipos em um sentido semiótico e para fins comunicativos.
Este trabalho tem o objetivo não só de elaborar uma tipologia de texturas táteis, mas também
uma teoria em torno dela, que inclui variáveis sintéticas e naturais como parte da linguagem
gráfica em relevo, conforme exposto por Ventorini e Castreghini (2020), de acordo com as
capacidades interpretativas das mãos, considerando-as, como diz Focillon (2010), um órgão
de reconhecimento.

2 Percepção das texturas táteis


Estudar as texturas dos gráficos em relevo e sua percepção por pessoas com cegueira
coloca este trabalho, em primeiro lugar, no campo da pesquisa psicofísica, na qual se pretende
identificar e descrever características físicas e perceptuais, como as estudadas pela equipe de
Thompson et al. (2003), o qual compara o uso da textura no reconhecimento de imagens táteis.
Como o trabalho de Thompson, várias investigações estudaram as propriedades das texturas
táteis para diferentes propósitos, testando-as por meio de grupos de usuários compostos prin-
cipalmente por pessoas (que enxergam) com os olhos vendados (Ballesteros et al., 2005; Cooke
et al., 2007; Elkharraz et al., 2014; Karlsson & Velasco, 2007; Lederman et al., 1986; Picard
et al., 2003).
Lederman et al. (1986) realizaram uma série de experimentos para distinguir a pri-
mazia da visão ou do tato na percepção da textura. Thompson et al. (2003) desenvolveram
testes para avaliar imagens táteis em duas modalidades: apenas com linhas e a mesma imagem
com preenchimento de textura, chegando ao ponto de propor que a texturização em uma
imagem permitiria que ela fosse percebida como uma unidade, e também poderia alcançar um
maior contraste com o fundo, identificando a “região comum”. Os autores sugerem que mais
pesquisas são necessárias para explorar ainda mais os benefícios do uso da textura em imagens
táteis e os efeitos da texturização no processamento de informações.

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Os primeiros estudos sobre textura tátil em deficiência visual foram os de Katz


(1930), que a descreve como uma estrutura superficial perceptível pelo toque, com qualidades
ou propriedades microfísicas, ópticas ou táteis, acrescentando que o toque se apresenta tão
valioso quanto a visão. Mais tarde, Geza Revesz, psicóloga húngara-holandesa, que, em 1950,
publicou o livro Psychology and Art of the Blind (Revesz, 1950), embora não mencione em seus
escritos o conceito de textura, se refere, como Katz, às qualidades táteis das superfícies. Entre
outros precursores, estão as obras de Heller (1989), a partir das quais ele conclui que o toque
tem vantagens sobre a visão para superfícies mais finas.
Holmes et al. (1998), por outro lado, mostrou que gradientes de textura tátil podem
ser percebidos por observadores cegos. Posteriormente, Picard et al. (2003) experimentou o
reconhecimento de texturas táteis cotidianas e o domínio semântico associado a experiências
táteis. E, mais tarde, a equipe de Theurel et al. (2013) incorporou como uma das variáveis de
seu estudo de reconhecimento háptico imagens texturizadas incluindo materiais como tecidos,
espumas e papéis, observando que estas foram mais facilmente reconhecidas do que imagens de
linha ou termoformadas. Consequentemente, o estudo define como textura a aparência de uma
matéria ou um objeto que a torna diferente das outras, do acabamento ou condição tátil de sua
superfície: áspera, lisa, rugosa, brilhante, para mencionar algumas variáveis. Todos os objetos
são caracterizados pelas texturas que os compõem, sejam naturais ou artificiais. A importância
desse atributo também é determinada por ser dotado de atributos, como evidenciado nos expe-
rimentos realizados por Etzi et al. (2014), estimulando diferentes partes do corpo. A percepção
por meio do toque dá às pessoas a possibilidade de “sentir” com o corpo, com rosto ou com os
dedos da mão, que também são entendidos como um elemento de conteúdo, comparável ao
recipiente que o acomoda. Embora seja um aspecto essencial da vida cotidiana, estudos relacio-
nados à percepção da textura têm geralmente focado nos aspectos mais funcionais da percepção
da forma, tamanho e espaçamento da textura (Chen et al., 2009).
Textura é uma qualidade ou identidade que se apropria do significado das coisas e
nos ajuda a reconhecer permanentemente o que tocamos ou vemos. Para que isso aconteça, cer-
tos componentes e conceitos visuais e táteis, como qualidade de superfície, cor, repetição de um
padrão, modularidade ou certos tipos de tramas são necessários para discriminar o tipo de pele
ou revestimento que a define como textura. Uma textura uniforme transmitirá uma sensação
de estaticidade, enquanto outra com alguma diferença de tamanho ou proporção transmitirá
a sensação de movimento. Não podemos, portanto, separar a textura de algum conceito que
represente essa percepção e sensação, como a maciez da lã, um tecido, um gramado ou a areia
em uma praia. É assim que existem texturas naturais e artificiais, criadas pelo homem, classifi-
cadas por sua natureza, origem, configuração ou uniformidade. Para estabelecer suas diferenças,
pode-se dizer que as “texturas visuais” são bidimensionais, são percebidas pela visão, às vezes
são capazes de simular aspectos tridimensionais, enquanto “texturas táteis” são evidentemente
tridimensionais, e são caracterizadas por sua composição morfológica em relevo, percebidas
pelo tato.
Essa característica visual-tátil, também chamada de granulação (grain), é parte cons-
titutiva das variáveis visuais do que Jacques Bertin denominou Sémiologie Graphique, e que faz
parte das variáveis que compõem o mundo da imagem (Bertin, 1967). Nesse mesmo contexto,
o Groupe μ, reconhecendo o trabalho de Bertin, também desenvolveu uma análise teórica da

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imagem visual como sistema de significação, na qual propuseram um modelo a partir do qual
cor e textura podem contribuir para o nascimento da forma na decodificação visual, assim a
figura pode aparecer graças a um contraste de texturas criando, ao mesmo tempo, um contraste
de contorno (Groupe μ, 2010) Nesse sentido, o que nos interessa agora é especificar quais são
os elementos e as suas propriedades hápticas para a decodificação da textura tátil.
Como pano de fundo histórico, é pertinente rever a obra do artista e professor
Bauhaus Moholy-Nagy que, há um século, em seu livro A nova visão e revisão de um artista,
(1963), reconhece a importância da formação sensorial, com ênfase especial no toque. Em seu
texto, ele destaca os experimentos que podem ser realizados a fim de aprimorar o trabalho com
esse sentido, poder capturar uma diversidade de impressões sensoriais e perceptíveis, definidas
por ele como pressão, punção, fricção, dor, temperatura e vibração. Quanto à sua experiência
com diferentes tipos de materiais percebidos pelo sentido do tato, para a qual os beneficiários
cegos foram convidados, os resultados obtidos sugeriram que seria uma possibilidade de usar
esse tipo de exercício em sua educação e na geração de algo como uma “imagen”. É importante
destacar essa afirmação de há 100 anos, que relaciona a textura com a imagem a ser percebida
pelo toque, ressaltando que este trabalho é voltado para todos aqueles que se interessam por
arte, pesquisa, design e educação, áreas em que o estudo, aqui apresentado, é focado.
Especificamente, Moholy-Nagy (1963) afirmou que ainda não havia uma terminolo-
gia para nomear os diferentes aspectos dos materiais, mas ele vem para definir quatro elementos
fundamentais: a estrutura, o aspecto superficial, o tratamento da superfície, o agrupamento
(a organização), que poderia ser interpretado como um padrão (repetição de conteúdo) e,
finalmente, a textura, definida como a superfície externa (visível), a “epiderme” das coisas. É
interessante a proposta desse autor, que, ao definir uma terminologia para o material, incorpora
dois elementos fundamentais, como o “aspecto superficial” e “a textura” em relação à superfície.
Por outro lado, o efeito que produziria nas pessoas estaria diretamente relacionado à percepção
e aos aspectos sensoriais envolvidos, em que a essência superficial pode ser devido a causas na-
turais ou mecânicas determinadas pelo homem.

3 Interpretação da textura da superfície: exploração sensorial e movimento


manual
É importante lembrar que este estudo busca demonstrar as particularidades e as pro-
priedades das texturas utilizadas em gráficos táteis. Nesse contexto, vale perguntar: Por que a
textura, como parte do signo plástico, não tem sido estudada isoladamente em sua natureza
corpórea ou como uma variável gráfica que contribui para o conhecimento por meio do toque?
No Tratado del signo visual do Groupe μ, publicado em 1993, foi proposta uma teoria de sinais
para o canal visual, não obstante, pela descrição da textura, esta poderia ser estudada ainda
mais detalhadamente em cada uma de suas dimensões, que, devido à sua natureza semiótica
multissensorial, visual e tátil, também pode ser projetada para percepção pelo tato, ou seja, uma
terminologia poderia ser definida ou descrita de acordo com a existência corpórea da textura,
válida para seu uso (aplicação) como um signo plástico tátil junto com a forma (Correa Silva,
2017). Para começar, é importante destacar sua forma particular de ser observada, a postula-
ção e o desenvolvimento de uma semiologia geral da textura tátil, que supõe, antes de tudo, a

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identificação prévia dos elementos de sua microtopografia e, em seguida, a evocação de algumas


propriedades do canal háptico que teriam uma influência decisiva na forma como as pessoas
apreendem as texturas, junto às formas, constituindo-se, a partir daí, em sistemas semióticos.
No plano da percepção, a textura, segundo Ballesteros (1993) e Klatzky et al. (1987),
entre outros, propõe que a essência das formas seja extraída por meio de movimentos laterais
de reconhecimento, fricção e pressão. Por sua vez, também está associado à temperatura de um
objeto, como uma qualidade que entrega o atributo textural dos objetos. Quando ocorrem
movimentos laterais entre a pele de um sujeito e a superfície de um objeto, é gerado um atrito
entre os dois (Ballesteros, 1993; Tavares et al., 2012), geralmente concentrando-se em uma
pequena parte do objeto ou de um gráfico tátil. Esses movimentos e a percepção tátil que eles
provocam são reconhecidos como toque ativo ou percepção háptica, e é a maneira como as pes-
soas cegas interpretam sinais gráficos táteis como o alfabeto Braille (Hughes & Jansson, 1994).
Um conceito para distinguir de forma especial nesta motricidade tátil é o da uni-
dade textural, pois, além do movimento exploratório, a textura exige que os elementos que a
compõem não sejam percebidos individualmente. A dimensão de seus elementos e as regras de
repetição devem ser ajustadas à capacidade de percepção em movimento, de sentir a textura
como uma unidade, e isso não muda com a percepção da distância. Não há distância crítica,
mas um contato físico próximo e uma distância mínima que mobiliza o corpo, e que exije ser
interpretada, uma percepção integrativa do conjunto de elementos e suas regras de repetição,
ou seja, ser percebida como uma superfície e não como um conjunto de formas individualiza-
das. A textura tátil, ao contrário da visual, sempre tem uma existência estável a ser percebida,
e, na medida em que a impressão de profundidade também é percebida, impressões táteis são
geradas por sugestões motoras. Devemos agora nos perguntar: Quais características o elemento
que configura a textura deve atender? Quais são os limites das regras de repetição para que
sejam percebidas como texturas e quais são suas variações para a discriminação das diferenças?
Existe alguma possibilidade de classificação ou categorização que permita um uso mais preciso
entre o percebido e o concebido?

3.1 Material de estudo


Três projetos foram selecionados no Centro de Cartografia Tátil (CECAT) da
Universidade Tecnológica Metropolitana (UTEM), Chile, que, desde 1994, vem desenvolven-
do a cartografia em relevo como material inclusivo. O primeiro deles foi desenvolvido entre
2002 e 2006 com o título “Design e Produção de Cartografia Tridimensional para Pessoas
Cegas na América Latina”, com o apoio do Consejo Interamericano para el Desarrollo Integral
e da Organização dos Estados Americanos (CIDI-OEA), iniciativa que teve como objetivo
gerar cartografia tátil para pessoas com deficiência visual na região, considerando 18 países que
faziam parte da União Latino-americana de Cegos (ULAC).
Devido às suas particularidades, essa cartografia dos continentes e de cada um dos
países da região permanece, até hoje, um material que contribui para a inclusão e que foi ava-
liado por pertinência e relevância como excelente, devido a diversos fatores, especialmente pela
dimensão da problemática da cegueira na América Latina e à falta de instrumentos didáticos
para a aprendizagem de temas como Geografia e História. Quanto à sua eficácia, foi classificado

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como bom, especialmente por ter conseguido especificar um produto extremamente útil para o
aprendizado, e por apoiar a mobilidade diária de pessoas cegas ou de baixa visão (Brunsteinn,
2008). Foram utilizadas 302 maquetes em relevo, produzidas de forma artesanal, que repre-
sentavam mapas e legendas, juntamente a isso, e dada a complexidade das informações, foram
utilizadas diversas texturas, previamente produzidas ou geradas com diferentes materiais, com
o objetivo de grafar as variáveis associadas à representação de diferentes fenômenos. Um estágio
importante foi a busca pelo material texturizado, uma vez que ao termoformar5 os símbolos e
elementos representados neste material, ricos em texturas, todos eles são impressos no mesmo
material plástico (Coll & Pino, 2005a, 2005b).
Os mapas são elaborados em diferentes escalas de informação, como o relevo dos
territórios (mapas físicos), mapas políticos, clima e vegetação, dos países, América e da mundo
(Coll & Pino, 2005b) em um tamanho de 43cm x 43cm. Os modelos foram feitos em matrizes
analógicas com diferentes materiais a serem termoformadas em PVC plástico, tendo uma base
feita por meio do uso de um scanner e posterior digitalização e representação no programa grá-
fico de dados espaciais ARCVIEW (Coll & Pino, 2005a). As avaliações desses materiais foram
realizadas em 54 escolas e organizações de cegos da América Latina, distribuídos em 18 países
que, por sua vez, se tornaram beneficiários dos produtos desenvolvidos (Coll & Pino, 2005b).
O objetivo foi saber como as crianças, com cegueira e surdez (usuários finais), distinguem os
diversos elementos que compõem mapas táteis, como o norte, sua orientação e temática.
Além disso, foi analisado como eles descobrem os diferentes fenômenos geográficos,
como rios, lagos, cadeias de montanhas etc., e a forma como eles discriminam e localizam
diferentes áreas ou símbolos, entre outros dados. A consulta, no geral, buscou responder a se-
guinte questão: Como a cartografia contribui para os processos cognitivos e quais habilidades
os usuários utilizam para sua exploração? Os resultados obtidos foram muito gerais, tornando
essa etapa a mais fraca do projeto, devido ao seu tamanho e principalmente porque a cobertura
é muito ampla e variada. Apesar disso, o design e a preparação dos modelos tridimensionais car-
tográficos e didáticos foram “um estágio de considerável trabalho de tentativa e erro de mate-
riais para alcançar texturas adequadas que permitiam às pessoas cegas perceberem os diferentes
tipos de símbolos” (Coll & Pino, 2005a). Esse material permitiu distinguir a forma como as
propriedades comunicativas da textura tátil têm sido utilizadas e, por sua vez, categorizam seu
uso como uma variável gráfica.
O segundo projeto a considerar são os produtos feitos na tese de doutorado Imagem
táctil: una representación del mundo, publicado como Imágenes que podemos tocar (Correa Silva,
2011). Nessa pesquisa, foram projetadas e avaliadas 20 lâminas de 21,5cm x 43cm com 27
imagens táteis de diferentes animais, aves, peixes e plantas. Essas lâminas foram produzidas por
meio de um sistema de design e produção auxiliado por computador, desde seus desenhos até
a preparação das matrizes em negativo para, em seguida, termoformar seus desníveis de modo
direto. Nessa proposta, foi realizado um trabalho em relação às texturas táteis, mas apenas o
uso de três tipos de texturas foi proposto, que se justificam no quadro ambiental da teoria
ecológica da percepção de James Gibson (1974). Os três tipos de texturas utilizadas para a
representação do ambiente foram feitos de diferentes formas: o ar pela não representação de

5
Processo de reprodução de mapas e imagens em PVC que consiste em aquecer uma folha de plástico e moldá-la utilizando uma matriz.

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um motivo repetitivo, a terra por aplicação de areia na matriz, e o mar elaborado em formato
digital. Dessa forma, as texturas geraram um significado, uma vez que permitiram distinguir
os diferentes estados físicos do ambiente. Os resultados demostraram que a textura é uma pro-
priedade visual/tátil, que encontra na representação háptica sua existência sensorial primária.
Concluiu-se também que, no caso da textura, apesar de ser amplamente utilizado como ele-
mento de configuração de formas táteis, suas propriedades comunicativas não foram estudadas
em profundidade (Correa Silva, 2011).
O último grupo de materiais selecionados para este estudo de caso é de 27 lâminas
táteis, que fez parte da exposição museográfica do Museu do Palácio do Cousiño, espaço inclu-
sivo na cidade de Santiago, realizado graças aos recursos para a melhoria integral dos museus
no Chile em 2019. Eles representam objetos de cada um dos salões do museu, em um formato
de 25,4cm x 35,2cm. Seu objetivo é gerar novos elos entre o museu, seu acervo e visitantes com
deficiência visual, para que possam reconhecer os objetos expostos por meio de uma experiên-
cia sensorial e interativa. Nessa proposta, buscou-se dar variedade às imagens feitas e contextu-
alizar não só os objetos, mas também seus materiais, acrescentando com isso a individualização
dos diferentes elementos representados, como tapeçarias, cortinas, figurinos, ornamentos etc.
As imagens e matrizes foram feitas em formato digital, e as texturas, exceto uma, foram obtidas
por intermédio da incorporação de diversos materiais, como areia e têxteis. Nos Quadros 1, 2 e
3, encontram-se algumas das imagens táteis dos projetos aqui descritos, elaboradas em matrizes
digitais e analógicas, além da seleção de amostras de textura.
Quadro 1
Estudo de Caso 1: “Design e produção de cartografia tridimensional para cegos na América Latina”,
com apoio da Organização dos Estados Americanos CIDI-OEA

Imagem 1: Matriz analógica da população sul-americana Imagem 2: Mapa cartográfico termoformado em


feita com papelão, cordões e miçangas de plástico. PVC.

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Imagem 3: Seleção de oito amostras de textura representativas utilizadas. Essas texturas foram feitas com diferen-
tes materiais, como: papel ondulado, macarrão, miçangas de plástico etc.
Fonte: Elaborada pelos autores

Quadro 2
Estudo de caso 3: “Imagem tátil: uma representação do mundo”

Imagem 4: Lâmina de mamíferos termoforma- Imagem 5: Desenho vetorial de texturas.


dos em PVC.

Imagem 6: Matriz digital feita em madeira Imagem 7: Seleção de três amostras de textura de
aglomerada com imagens de peixes e textura materiais e textura digital.
representando a água.
Fonte: Elaborada pelos autores

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Quadro 3
Estudo de caso 3: Placas museográficas táteis do Museu do Palácio de Cousiño, Santiago do Chile

Imagem 8: Matriz digital feita em madeira aglomera- Imagem 9: Lâmina termoformada um candeeiro em
da de uma imagem de flores. forma de cesto com flores.

Imagem 10: Seleção de três amostras de textura, uma digital e duas de material têxtil.
Fonte: Elaborada pelos autores

3.2 Análise de textura: características/propriedades texturais


Ao revisar a literatura sobre técnicas de reconhecimento de padrões de textura, foi
possível corroborar que, segundo os autores estudados, a maioria é dedicada ao processo ligado
à visão, neste caso, síntese de texturas digitais (Elkharraz et al., 2014; Julesz, 1981, Tuceryan &
Jain, 1998). Além disso, uma das etapas mais importantes nesse processo de reconhecimento
de padrões é a extração de características, porque existem várias ferramentas que fazem parte
de métodos estatísticos, métodos geométricos, métodos baseados em modelos e/ou métodos de
processamento de sinais (Tuceryan & Jain, 1998).
Em relação direta aos trabalhos sobre textura, em sua versão tátil, não há referên-
cias de estudos que suportem a análise e o reconhecimento de padrões nessa modalidade.
Consequentemente, buscou-se entre os métodos disponíveis de análise da textura visual o pro-
cesso ou os processos mais adequados para a realização dessa tarefa. Considerando que é o
mesmo objeto de estudo que pode ser percebido com diferentes sentidos, neste caso com o
sentido do tato, os atributos podem ser reconhecidos espacial e diretamente, discriminando
as diferenças da estrutura da superfície (Heller, 1989). Outras pesquisas, como as realizadas
por Elkharraz et al. (2014), utilizaram métodos de visão artificial para a análise de texturas e
técnicas de prototipagem no design de texturas táteis tridimensionais para a investigação de suas
propriedades afetivas.

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Texturas táteis em material educativo para cegos Relato de Pesquisa

Entre os métodos mais adequados para o reconhecimento de padrões de amostras


texturais, em sua versão tátil, estão métodos geométricos, em particular, o método de análise
estrutural, que tem como principal característica o reconhecimento do tipo e do número de
primitivas de textura e a ordenação de sua organização espacial (Tuceryan & Jain, 1998). Nesse
tipo de método, a textura é considerada como uma composição de elementos primitivos (carac-
terísticas), definidos e distribuídos com algum padrão de repetição. Esse método é conhecido
como a descrição da textura sintática, uma vez que analisa as regras e os princípios na combi-
nação e nas relações dos elementos que o constituem. Esses mesmos elementos são reconheci-
dos pelo Groupe μ (2010). No caso das texturas visuais, a linha e o ponto serão os elementos
espaciais e estruturais mínimos que podem compor uma imagem. Sobre o reconhecimento
pelo tato, o fator de relevo é importante, uma vez que os elementos estruturais mínimos que
compõem qualquer superfície ou objeto seriam dados pelos aspectos básicos, definidos como
os volumes primitivos (Figura 1), em um espaço geométrico (formas), permitindo o reconhe-
cimento da textura por meio do toque.
Figura 1
Volumes primitivos

Fonte: Elaborada pelos autores

Ao identificar os “elementos texturais” ou “primitivos” das texturas em seu modo


tátil, para a extração de suas características, obtidas a partir das amostras selecionadas para o
presente estudo, pode-se concluir que dez texturas (71% do total) seriam do tipo regular e res-
ponderiam a parâmetros estruturais e geométricos, que são produzidos pela localização desses
primitivos de acordo com certas regras de colocação e repetição. Isso possibilita analisá-los de

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acordo com os métodos definidos por Tuceryan e Jain (1998), que dependem das propriedades
geométricas desses elementos texturais e, dessa forma, extrair suas regras de posicionamento.
As texturas que, em geral, foram feitas para produzir material tátil inclusivo, tiveram na sua
produção a incorporação de elementos como: miçangas, cordões, macarrão ou uso de texturas
feitas com padrões repetitivos regulares, como papelão ondulado de diferentes formas. Neles, é
possível identificar e medir o elemento constituinte ou primitivo e a grade de repetição que foi
utilizada. Somam-se aos obtidos pela geração de padrões digitais, como é o caso das amostras
de números 11 e 14 (Quadro 4, mais adiante). Ao retornar aos estudos de caso, foram iden-
tificadas três texturas (21% das amostras utilizadas) correspondentes ao tipo irregular, que,
devido às suas características, respondem a uma análise diferente baseada em métodos estatís-
ticos. A esse respeito, Van Gool et al. (1983) argumentaram que técnicas estruturais são mais
adequadas a texturas que têm uma macroestrutura regular, enquanto técnicas estatísticas são
mais adequadas para microtexturas. Isso permite distinguir dois grandes grupos de texturas no
uso de material inclusivo: aqueles que correspondem ao tipo de macroestrutura e os do tipo
de microtextura. A amostra remanescente de uma textura (nº 14 do Quadro 4, mais adiante)
é relativa a do material utilizado como fundo ou partes do gráfico representado, que apenas
reproduz as características micro topográficas do material base (matriz analógica ou digital),
mais macio de todo o gráfico utilizado e é representado como uma textura lisa ou que deixa os
traços do sistema de produção.

4 Processo para reconhecimento de padrões de amostras selecionadas


Esta seção descreve a forma como foram isolados os componentes dos padrões das
diferentes superfícies texturizadas, utilizadas em material inclusivo, a fim de extrair as caracte-
rísticas e as propriedades que são percebidas e reconhecidas pelo toque.

4.1 Estágio 1: amostras de textura analisadas


O primeiro estágio foi selecionar uma amostra variada de superfícies texturizadas
utilizadas na preparação de mapas e imagens táteis que são compilados e classificados de acordo
com sua estrutura (Quadro 4).

430 Rev. Bras. Ed. Esp., Corumbá, v.29, e0196, p.419-438, 2023
Texturas táteis em material educativo para cegos Relato de Pesquisa

Quadro 4
Amostras de texturas analisadas
AMOSTRAS DE TEXTURA ESTA-
AMOSTRAS DE TEXTURA GEOMÉTRICA
TÍSTICA
Macroestruturas, 72% da amostra
Microtexturas, 21% da amostra

Materiais cotidia-
Materiais cotidianos Material de base
Formato digital nos
Formato analógico matricial (7%)
Formato analógico

1 2 9 11 14

3 4 10 12

5 6 13

7 8
Fonte: Elaborada pelos autores

4.2 Estágio 2: extração de características táteis


A partir da observação e da análise das propriedades geométricas, foram extraídas
as características que compõem as amostras de textura tátil. Nessa fase, foi utilizado o método
estrutural, com o objetivo principal de identificar a forma do “elemento textural” ou “primiti-
vo” (Quadro 5), seu padrão de repetição e o perfil da geometria extraída, determinada por sua
altura.

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Quadro 5
Características texturais geométricas identificadas

Fonte: Elaborada pelos autores

Modelar as características formais e espaciais das amostras de textura tátil é uma pri-
meira aproximação que traça a distribuição superficial de seus componentes, uma vez que essas
são as qualidades essenciais percebidas de cada uma das texturas analizadas – isso se torna ne-

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Texturas táteis em material educativo para cegos Relato de Pesquisa

cessário para além de descrever uma série de parâmetros sensoriais como dimensão, localização,
posição, entre outros. Também foi observado que gerar texturas táteis nas formas geométricas
dos volumes primitivos, ou elementos fundamentais, possui certas propriedades particulares. O
reconhecimento da textura por meio do toque é diferenciado por dar importância aos parâmetros
quantitativos, como a distância entre primitivos que se configuram em uma determinada região
textural e a relação espacial entre eles. Essa propriedade, por exemplo, determina o grau de vizi-
nhança (proximidade); no entanto, não há estudos em torno dessas qualidades táteis, como há em
relação às texturas da imagem visual, que, como Tuceryan e Jain (1998) dizem, têm uma série de
qualidades percebidas que desempenham um papel importante na descrição da textura.

4.3 Estágio 3: identificação das propriedades físicas das texturas táteis


Para aproximar as características reconhecíveis mais relevantes das texturas em sua
dimensão tátil, foram consideradas as dimensões perceptivas identificadas nos estudos das
texturas de imagens bi e tridimensionais. É apresentada uma compilação de características
perceptivas da textura da imagem, que correspondem a adjetivos comumente utilizados para
descrever texturas (Quadro 6), e que têm sido referidos em estudos de síntese de texturas de
imagens bidimensionais, aos quais são adicionados outros adjetivos dedicados à análise de ima-
gens texturizadas em 3D. O objetivo é identificar por meio deles as características perceptivas
predominantes nas macroestruturas táteis. Essas características, além de suas variáveis formais e
quantitativas, são as que moldam os padrões de repetição e suas relações espaciais. Essas referi-
das características são mencionadas no Quadro 6.
Quadro 6
Comparação entre características texturais gráficas e táteis

Características/propriedades texturais Características/propriedades texturais


de textura gráfica visual de textura tátil

Uniformidade, densidade, grossura, rugosidade, regularidade, Densidade, direcionalidade


linearidade, direcionalidade, direção, frequência e fase (Sánchez
Albaladejo, 2001; Tuceryan & Jain, 1998).
Borda, forma, ondulação, rugosidade (Fernández Sarría et al., Forma
2003).
Aspereza, contraste, direcionalidade, semelhança de linhas, regulari- Direcionalidade
dade, rugosidade
(Tamura et al., 1978).
Aspereza, granularidade, compactação, direcionalidade, rugosidade, Direcionalidade, volume (forma)
contraste, regularidade, volume (Paulhac et al., 2014).

Dessa forma, as propriedades elementares que integrariam a textura tátil seriam aque-
las que permitem determinar os aspectos quantitativos da configuração espacial. Elementos
fundamentais são considerados aqueles associados à definição de primitivos (volumes), que,
por meio da organização e da repetição em uma determinada região textural configurada espa-

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cialmente de acordo com a forma, altura, densidade, direcionalidade e ordem, tomam forma
para permitir a percepção da terceira dimensão (Quadro 7).
Quadro 7
Propriedades texturais táteis identificadas
Elementos fundamentais da textura tátil
Característica tátil Definição e contexto.
Forma (volume) Está relacionado à aparência e à morfologia geométrica do primitivo.
Determina o grau atribuído à magnitude do relevo do primitivo na textura. É exibido
Altura
pelo perfil (visão lateral) do primitivo básico ou composto.
A distância entre cada um dos primitivos configurada em um padrão de repetição na
Densidade
superfície textural.
Posição e orientação hierárquica ou simples do agrupamento de primitivos, a partir de
Direcionalidade
um padrão de repetição. Pode ser para cima, para baixo – esquerda ou direita.
Está relacionado à sensação de localização do agrupamento dos primitivos, padrão de
Ordem
repetição em relação à aplicação de diferentes regiões texturais próximas.

Como no alfabeto Braile que é baseado em pontos de relevo em uma superfície lisa,
características táteis pela presença ou ausência de primitivos geométricos devem permitir codi-
ficação e interpretação por meio do toque.

5 Considerações finais
O desenvolvimento desta pesquisa foi baseado em um trabalho realizado por 20 anos
em um centro de pesquisa e desenvolvimento (CECAT, UTEM, Santiago do Chile), único na
América Latina, que trabalhou de forma colaborativa com mais três países da região (Argentina,
Brasil e Peru). Nesses lugares, a necessidade de ter um corpo teórico relacionado à investigação
da textura tátil tem aumentado e, de forma especial, com a descrição de seus atributos e par-
ticularidades. O objetivo é que ele possa ser reproduzido em material inclusivo em que o tato
tenha relevância e seja reconhecido como um sentido que permita o acesso ao conhecimento.
O presente estudo tem focado em examinar e selecionar as texturas utilizadas nesses
produtos já avaliados e permitir, em tempos de pandemia e distanciamento social, abordar essa
variável, identificar suas características para propor uma primeira classificação. As propriedades
extraídas em relação aos seus componentes e suas relações espaciais dão sinais sobre as formas e
as possibilidades que devem ser consideradas, gerando, assim, as amostras táteis digitais e, em
seguida, avaliar sua discriminação e interpretação com diversos parâmetros hápticos. Em tra-
balhos futuros, seria benéfico levar em conta as preferências do usuário (pessoa com deficiência
visual) na percepção háptica desse tipo de textura como parte dos sinais táteis, a fim de servirem
como parâmetros para a criação de gráficos em formato digital.
Nas amostras analisadas, podemos resumir que 71% se referem a macroestruturas
geométricas, permitindo um método de análise correspondente, e seu design e reprodução por
intermédio de técnicas de produção digital, além da possibilidade de serem utilizados para pro-

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Texturas táteis em material educativo para cegos Relato de Pesquisa

jetar novas texturas táteis. Vale ressaltar que o estudo aponta a existência de três texturas (21%
da amostra) nas quais o método geométrico não permite reconhecer seus padrões complexos,
correspondendo mais a parâmetros condizentes a uma análise estatística. Conclui-se também
que, ao elaborar estas últimas, temos de considerar o que foi proposto por Tan et al. (2006), em
que o processo de fabricação de texturas de alta definição e resolução fina é muito caro, além
de exigir muito tempo.
A pesquisa identifica claramente a possibilidade de uso de volumes geométricos pri-
mitivos em que a terceira dimensão, altura, permite projetar elementos táteis de acordo com
aplicações necessárias para a compreensão de texturas superficiais significativas para pessoas
com cegueira. Por sua vez, a adjetivação comumente utilizada em texturas visuais gráficas pode
ser aplicada em texturas táteis com características reconhecíveis na forma tridimensional. Nesse
sentido, a pesquisa tentou identificar e descrever morfologicamente uma série de atributos, que
poderiam ser agrupados e classificados com a intenção de que, posteriormente, permitissem
propor tipologias claras de aparência e forma para aplicações de texturas táteis.

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Recebido em: 24/10/2022


Reformulado em: 09/04/2023
Aprovado em: 12/04/2023

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